Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00610/08.8BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/27/2014
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Mário Rebelo
Descritores:IVA
LIQUIDAÇÃO OFICIOSA
REQUISITOS DE IMPUGNABILIDADE
EXCEÇÃO DILATÓRIA
FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:1. Não deverá ser admitida a impugnação da liquidação oficiosa de IVA se o sujeito passivo não entregou a declaração periódica cuja falta originou a liquidação prevista no artigo 83.º (numeração vigente em 2006)
2. Porém, se apenas tiver por fundamento a falta de fundamentação, a impugnação será admissível ainda que o sujeito passivo não tenha apresentado aquela declaração periódica e cuja falta originou a liquidação.
3. A fundamentação do acto tributário deve ser contextual, integrando o acto praticado. A fundamentação «a posteriori» não tem qualquer relevância jurídica.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:M...
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

Síntese do processado mais relevante.
Por falta de declaração periódica, foi liquidado oficiosamente IVA ao sujeito passivo.

Notificado da liquidação, este não apresentou declaração periódica cuja falta originou a liquidação.

Impugnou o acto alegando falta de fundamentação.

O MMº juiz «a quo» anulou a liquidação com fundamento em falta de fundamentação.

O recurso.
Inconformado com a sentença, o ERFP dela recorreu formulando as respectivas alegações e concluindo como segue:

A. O presente recurso tem por objeto a douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida contra a liquidação oficiosa de IVA n.º 07175247, referente ao ano de 2006 (todos os quatro períodos desse mesmo ano), no montante de € 1.496,40, por haver concluído que a mesma liquidação padece de falta de fundamentação porquanto, ao seguir as operações aritméticas vertidas na fórmula constante da liquidação, não se chega ao valor final de imposto a pagar.

B. Entende a Fazenda Pública que ocorre erro de julgamento, de facto e de direito, por duas razões: (i) a primeira - o Tribunal devia rejeitar liminarmente a presente impugnação pois a mesma não devia ser admitida face ao estabelecido no art.º 90.º, n.º 2 do Código do IVA (CIVA) – numeração e redação à data do facto tributário, absolvendo a Fazenda Pública da instância, e, sem prescindir; (ii) a segunda - os cálculos constantes na notificação resultam do que se encontra aposto na fórmula.

C. Refere o art.º 90.º, n.º 2 do CIVA (repete-se que a numeração e a redação dos normativos aqui citados, são aqueles que vigoravam à data do facto tributário) que, “Os recursos hierárquicos, as reclamações e as impugnações não são adimitidos se as liquidações forem ainda suscetíveis de correção nos termos do art.º 71.º, ou se não tiver sido entregue a declaração periódica cuja falta originou a liquidação prevista no art.º 83.º.”, ou seja, as garantias referidas no n.º 1 do art.º 90.º do CIVA não poderão ser exercidas enquanto as liquidações forem suscetíveis de correções ou se não tiver sido entregue a declaração periódica cuja falta originou a liquidação prevista no art.º 83.º do CIVA.

D. Como refere JOÃO ANTÓNIO VALENTE TORRÃO, in Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, anotado e comentado, 2005, Almedina, p. 331, “Compreende-se o disposto no n.º 2, pois que não sendo definitiva a liquidação, não faz sentido estar a reclamar, recorrer ou deduzir impugnação judicial. É claro que no caso de o sujeito passivo não ter entregue a declaração, também não faria sentido poder exercer os direitos referidos no n.º 1, uma vez que ele não pode entregar a declaração que conduzirá à alteração da liquidação.”

E. Acrescenta o mesmo autor que, “No entanto, se decorrido o prazo de 90 dias a que se refere o artigo 83.º, n.º 2 (corresponde ao art.º 88.º, n.º 2, em vigor no exercício de 2008), não for apresentada a declaração, a liquidação converte-se em definitiva, não podendo o sujeito passivo impugná-la ou dela reclamar na medida em que deixou passar o prazo para apresentação da declaração”, rematando, a final, que “… não nos parece que exista qualquer violação dos direitos do contribuinte, na medida em que se não usou do direito de apresentar a declaração se conformou com a liquidação efectuada oficiosamente” (o sublinhado é nosso).

F. Com efeito, este normativo estabelece uma condição de impugnabilidade – a de que o sujeito passivo só pode impugnar a liquidação oficiosa, efetuada ao abrigo do art.º 83.º do CIVA, quando entregue a declaração em falta que motivou a emissão dessa liquidação - art.º 90.º, n.º 2 do CIVA.

G. Assim, ao não ter verificado da condição de impugnabilidade, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, uma vez que estamos perante uma exceção de conhecimento oficioso, devendo a Fazenda Pública ser absolvida da instância, nos termos do art.º 576.º, n.º 2 e 578., ambos do novo Código do Processo Civil (CPC), ex vi art.º 2.º, al. e) do CPPT.

Sem prescindir,
H. a segunda razão prende-se com a fórmula aposta na notificação, cuja sentença determinou que seguindo essa fórmula, não se alcança o resultado notificado à Impugnante, ocorrendo, consequentemente, vício de falta de fundamentação, gerador da anulação do ato tributário de liquidação impugnado.

I. Na verdade, a redação do n.º 1 do art.º 83.º do CIVA é omissa quanto à quantificação das liquidações oficiosas, atribuindo à AT o “poder” de proceder à sua emissão, “com base nos elementos de que disponha”.

J. Neste sentido, foram estabelecidas regras que se traduzem nos seguintes parâmetros: O valor das liquidações oficiosas (f) é determinado pelo produto resultante de um valor mínimo estabelecido (€ 374,10 para os sujeitos passivos trimestrais) pelo número de declarações em falta, se da fórmula “d = rácio da actividade X volume de negócios” não resultar outro valor superior àquele mínimo.

K. Contudo, no resultado final a apurar há duas situações a considerar – o valor correspondente a “d” será sempre o valor mínimo estabelecido se o sujeito passivo não tiver apresentado as declarações periódicas no ano anterior e, se maior que o mínimo estabelecido, o mesmo não pode ultrapassar o valor máximo autoliquidado no ano anterior.

L. As regras de apuramento das liquidações oficiosas assim determinadas tentaram concretizar o objetivo da sua emissão, designadamente, a entrega das declarações em falta e não apenas o seu pagamento, uma vez que os valores emitidos podem ser inferiores aos montantes efetivamente autoliquidados (caso fossem apresentadas as declarações em falta) mas não serão superiores aos autoliquidados em cada período do ano anterior, (caso tivessem sido apresentadas as declarações periódicas desse ano)

M. No caso presente, verifica-se que a Impugnante não apresentou declarações periódicas desde o ano de 2004, inclusive. Consequentemente, não houve valores autoliquidados, motivo pelo qual foi considerado o produto do valor mínimo determinado (€ 374,10) pelo número de declarações em falta (4 declarações), o que resultou na emissão de uma liquidação oficiosa no valor de € 1 496,40 (€ 374,10 x 4).

N. Nesta medida, não ocorrendo a invocada falta de fundamentação, decidindo da forma como decidiu, a douta sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito.

Termos em que,
Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, com as legais consequências.


CONTRA ALEGAÇÕES.
O recorrido contra alegou mas não apresentou conclusões

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
A Exma. PGA junto deste TCAN emitiu esclarecido parecer concluindo pela procedência do recurso e revogação da sentença recorrida.

II QUESTÕES A APRECIAR.
As questões que se impõe apreciar neste recurso, delimitadas pelas conclusões formuladas, conforme dispõem os artºs 635º/4 e 639º CPC «ex vi» do artº 281º CPPT, é saber se a douta sentença padece de erro de julgamento de facto e de direito que conduza à sua revogação.

III a) FUNDAMENTOS DE FACTO.

A sentença fixou os seguintes factos provados:
A) A ora Impugnante não apresentou as declarações periódicas de IVA referentes aos quatro trimestres do ano 2006 – facto admitido por acordo.
B) A Impugnante foi notificada para se pronunciar, em sede de audição prévia, sobre a intenção da Autoridade Tributária emitir uma liquidação oficiosa de IVA, para o ano de 2006, no valor de € 1 496,40, nos seguintes termos (cfr. fls. 5 dos autos):
(…)
C) A Impugnante não exerceu o direito de audição prévia mencionado na alínea antecedente – facto admitido por acordo, tendo em conta a posição assumida pelas partes nos respetivos articulados.
D) A Impugnante foi notificada da liquidação impugnada nos seguintes termos (cfr. fls. 4 dos autos):
(…)

E) A presente impugnação deu entrada no Serviço de Finanças do Porto 1 em 05/03/2008 – cfr. fls. 2 dos autos

Quanto aos factos não provados, a sentença diz o seguinte:
Inexistem, com interesse para a decisão.

A motivação da decisão de facto expressa foi a seguinte:
A convicção do tribunal quanto aos factos dados como provados resultou da análise dos documentos juntos aos autos, os quais não foram impugnados, bem como da posição assumida pelas partes nos seus articulados.

III b) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Quanto ao erro de julgamento de facto e de direito.
Nas conclusões de recurso, o ERFP imputa à sentença o erro de julgamento de facto e de direito por duas razões: (i) a primeira - o Tribunal devia rejeitar liminarmente a presente impugnação pois a mesma não devia ser admitida face ao estabelecido no art.º 90.º, n.º 2 do Código do IVA (CIVA) – numeração e redação à data do facto tributário, absolvendo a Fazenda Pública da instância, e, sem prescindir; (ii) a segunda - os cálculos constantes na notificação resultam do que se encontra aposto na fórmula.

Sabendo-se que o erro de julgamento em matéria de facto pode resultar de errada apreciação do material probatório que contamina a fixação da materialidade fáctica relevante para a decisão, ou emergir da desacertada interpretação dessa materialidade (Ac. do TCAS n.º 07813/14 de 10-07-2014 Relator: BENJAMIM BARBOSA), apreciaremos em conjunto os dois vícios imputados à sentença.

A questão da rejeição liminar da impugnação é uma questão nova colocada neste recurso, não foi apresentada perante o tribunal «a quo». Defende o ERFP que não tendo o contribuinte usado da faculdade prevista no n.º 2 do art. 90 do CIVA, que constitui uma condição de impugnabilidade, a petição inicial deveria ter sido, por isso, imediatamente rejeitada.

Apreciando.
Apesar de a questão ter sido colocada ex novo em sede de recurso, trata-se de uma excepção dilatória, de conhecimento oficioso (arts. 576º, nºs. 1 e 2 e 578º do CPC), que importa, por isso, conhecer (em conformidade com a doutrina do douto ac. do STA n.º 01074/13 de 02-07-2014).

A liquidação objecto de impugnação constitui uma liquidação oficiosa efectuada pela ATA ao abrigo do disposto no art. 83 do CIVA.

Como se sabe, os contribuintes integrados no regime normal de IVA têm de entregar a declaração periódica de imposto e proceder se for caso disso, ao pagamento do imposto devido nos termos do art.º 26º e 40º do CIVA (na redação e numeração vigente em 2006)

Se a declaração não for apresentada, a ATA através da DSCIVA, deverá proceder à liquidação oficiosa do imposto com base nos elementos de que disponha, como expressamente determinava o art. 83º/1 do CIVA

Com efeito, o art. 83º do CIVA, na redacção e numeração vigente em 2006, dizia o seguinte, na parte que para a presente discussão releva:

1 - Se a declaração periódica prevista no artigo 40.º não for apresentada, a Direcção de Serviços de Cobrança do IVA procederá à liquidação oficiosa do imposto, com base nos elementos de que disponha.
2 (…)
3 (…)
4 - A liquidação referida no n.º 1 ficará sem efeito nos seguintes casos:
a) Se o sujeito passivo, dentro do prazo referido no n.º 2, apresentar a declaração em
falta, sem prejuízo da penalidade que ao caso couber;
b) Se a liquidação vier a ser corrigida pela repartição de finanças competente nos termos do artigo 83.º-A .
5 (…)
6 (…)

Da leitura deste preceito resulta que confrontado o sujeito passivo com a liquidação oficiosa de IVA, dispõe do prazo de 90 dias para eliminar da ordem jurídica a liquidação oficiosa bastando-lhe para tanto apresentar a declaração, ou declarações em falta.

Sob a epígrafe «garantias dos contribuintes» o art.º 90º do CIVA na numeração e redação vigente em 2006 dizia o seguinte:
1 - Os sujeitos passivos e as pessoas solidária ou subsidiariamente responsáveis pelo
pagamento do imposto poderão recorrer hierarquicamente nos casos previstos neste
Código, reclamar contra a respectiva liquidação ou impugná-la, com os fundamentos e nos termos estabelecidos no Código de Procedimento e de Processo Tributário.
2 - Os recursos hierárquicos, as reclamações e as impugnações não serão admitidos se as liquidações forem ainda susceptíveis de correcção nos termos do artigo 71.º, ou se não tiver sido entregue a declaração periódica cuja falta originou a liquidação prevista no artigo 83.º.
3 (…)
4 (…)
5 (…)

Seguindo de perto, nesta parte, a doutrina expressa no já referido Acórdão do STA n.º 01074/13 de 02-07-2014, proferido em caso idêntico, «Prevendo a lei este instrumento administrativo expedito, eficaz e eficiente para o sujeito passivo destruir a liquidação levada a cabo pela Administração Tributária, compreende-se que lhe denegue a possibilidade de prosseguir o mesmo objectivo através de outros meios ou instrumentos impugnatórios, como a reclamação graciosa ou a impugnação judicial. Como se compreende igualmente que, ante a inércia do sujeito passivo, a liquidação oficiosa se converta em definitiva decorrido que seja o prazo para apresentação da declaração em falta».

Portanto, a LO na sua vertente quantificativa enquanto acto de apuramento do imposto devido por aplicação de uma taxa pré-definida na lei à matéria tributável, seria inimpugnável sem o prévio recurso ao n.º 4 do art.º 83 CIVA (redação e numeração vigente ao tempo)

Mas no caso em apreço não é a liquidação propriamente dita, na sua vertente quantificadora, que é atacada, mas sim a sua (falta de) fundamentação.
Louvando-nos, com a devida vénia, na doutrina daquele douto acórdão, a falta de fundamentação constitui «… um vício que contende, não com o apuramento ou quantificação do tributo e que o sujeito passivo poderia ter ultrapassado pela via da entrega da declaração omitida, mas com o direito que lhe assiste de compreender razões pelas quais foram alcançados os valores atribuídos e os factores tidos em conta para o apuramento do valor fixado na liquidação oficiosa efectuada, de modo a que possa aceitá-lo ou rebatê-lo através do preenchimento e entrega da declaração omitida Como se sabe, o interessado tem o direito a exigir que a Administração Tributária, na sua actividade decisória sobre quaisquer direitos e interesses legalmente protegidos, cumpra o quadro de legalidade, nele se abrangendo o dever de fundamentação Sobre a matéria, vide José Carlos Vieira de Andrade, “O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos”, 1991, página 214., o que abrange o direito de compreender os elementos de facto e de direito essenciais para se decidir (ou não) pela aceitação do acto tributário que aquela oficiosamente praticou.
Pelo que esse vício não pode deixar de ser sindicado pelo tribunal em sede de impugnação judicial, situando-se fora da esfera de aplicação do referido art. 97º, nº 2, do CIVA, sob pena de violação do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva densificado nos arts. 20º e 268º, n4, da CRP.
E, sendo assim, torna-se claro que a impugnação não pode deixar de ser admissível…».

Assim, admitindo a impugnação da liquidação na parte respeitante à sua fundamentação, olhemos o que a propósito o MMº juiz « a quo» decidiu: «Revertendo para o caso sub judice, a Impugnante defende que a liquidação em crise padece de falta de fundamentação (i) quanto à forma de apuramento do volume de negócios que lhe serviu de fundamento, (ii) quanto à forma de apuramento do rácio de 3,32% do setor de atividade 055301 e (iii) quanto à forma de apuramento do imposto a pagar, não pondo em causa, contudo, a verificação dos pressupostos para a emissão da liquidação oficiosa.
Relativamente ao volume de negócios e ao rácio do setor de atividade, entendemos que a liquidação em crise está fundamentada, ainda que de forma sumária, tendo em conta a informação que foi transmitida à aqui Impugnante aquando da sua notificação para audição prévia. Com efeito, basta a sua indicação (quantificação) para o sujeito passivo ficar a saber que foram esses (e não outros) os elementos tidos em conta na liquidação, podendo, em caso de discordância com a matéria coletável aí apurada, impugnar a liquidação com fundamento em erro sobre os pressupostos de facto. Assim, quanto a este ponto, a fundamentação deu a conhecer à contribuinte o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato, ou seja, cumpriu a sua missão.
Já assim não sucede no que concerne às operações de apuramento do tributo, não se vislumbrando como foi apurado o IVA a pagar (€ 1 496,40). Com efeito, feitas as contas através da fórmula enunciada na notificação para audição prévia [d Corresponde ao valor mínimo da LO (por período) – cfr. alínea B) dos factos provados. = b Corresponde ao rácio de 3,32% do setor 055301 (C.A.E.) – cfr. alínea B) dos factos provados. x (c Corresponde ao volume de negócios do contribuinte (€ 119 724) – cfr. alínea B) dos factos provados. / 4), com limite mín. de 374,10 € ; f Corresponde ao valor a pagar – cfr. alínea B) dos factos provados. = d x e Corresponde ao número de declarações em falta (4) – cfr. alínea B) dos factos provados.] e com os dados aí fornecidos, não se alcança o valor aí mencionado de imposto a pagar. Assim sendo, a fundamentação do ato de liquidação não cumpre o preceituado no art.º 77º, n.º 2, da LGT, que estabelece que a fundamentação sumária deve dar a conhecer as operações de apuramento do tributo.
Face ao exposto, impõe-se concluir que a liquidação impugnada padece de vício de forma por falta de fundamentação, o que determina a sua anulação, com a consequente procedência da impugnação».

A questão está em saber se as operações de apuramento do tributo liquidado estão ou não devidamente fundamentadas, nos termos e com os requisitos exigidos pelo art. 77º da LGT.

O direito à fundamentação dos actos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos, tem consagração constitucional de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias consagrados no Título II da parte 1ª da CRP (artigo 268º), densificado nos arts 125º do CPA e no artigo 77º da LGT).

O dever de fundamentação dos actos administrativos visa a ponderação «interna», isto é, propiciar a reflexão da decisão pelo órgão decisor, e ao mesmo tempo uma função garantística que consiste em facultar ao cidadão o conhecimento do «iter» seguido pela ATA na emissão do acto, habilitando-o a tomar uma opção esclarecida entre o conformar-se com a decisão ou impugná-la em juízo.

A fundamentação formal contextual basta-se com os elementos necessários à manifestação clara das razões do acto, sem necessidade de enunciar todos os factos considerados, as reflexões empreendidas ou as vicissitudes ocorridas até à decisão. O âmbito da declaração fundamentadora deve assim, ser o adequado, e é adequado quando se mostra suficiente para suportar formalmente o acto.
«A fundamentação visa aqui esclarecer concretamente as razões que determinaram a decisão tomada e não encontrar a base substancial que porventura a legitime (Vieira de Andrade, in O dever de fundamentação expressa de actos administrativos, pág. 239.

Portanto, a fundamentação formal deve ser suficiente para convencer (ou não) o contribuinte e permitir-lhe o controlo do acto. Traduz-se isto em dizer que o contribuinte deve ficar na posse de todos os elementos de facto e de direito que conduziram à decisão, ou seja, deve dar - se - lhe, ainda que de forma sucinta, nota do “itinerário cognoscitivo e valorativo” seguido para a tomada da decisão.

O seu conteúdo não pode obedecer a um único modelo, antes deve espelhar o tipo de acto praticado, a matéria envolvida e os seus destinatários. «A avaliação quantitativa da fundamentação suficiente só pode realizar-se em concreto, a partir da multiplicidade de elementos susceptíveis de condicionarem a variabilidade do conteúdo fundamentador» (Vieira de Andrade, in O dever de fundamentação expressa de actos administrativos, pág. 241).


Nestas condições, cabe perguntar quando é que um acto tributário se encontra fundamentado.

O acto tributário considera-se suficientemente fundamentado “(…) quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art. 487º nº 2 do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.
III - Significa isto que a fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma muito sintética, não pode deixar de ser clara, congruente e encerrar os aspectos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do acto (Ac. do STA n.º 01690/13 de 23-04-2014 (Relator: ASCENSÃO LOPES) .

Vejamos então se um bonus pater familiae está em condições de apreender de forma esclarecida as razões factuais e jurídicas que estão na génese do acto tributário impugnado, adiantando-se desde já que experimentamos as mesmas dificuldades que o MMº juiz «a quo» ao tentar compreender o valor mínimo da LO por período.


De acordo com a fórmula apresentada na notificação para audição prévia, o cálculo do valor mínimo da LO (d), por período, foi encontrado através da seguinte fórmula:
d= b x (c/4) com o limite mínimo de € 374,10
Em que
b= rácio de 3,32% do sector 055301;
c= o volume de negócios do contribuinte: € 119.824,00;
d= valor mínimo da LO por período: € 374,10;
Assim, desenvolvendo a fórmula expressa pela ATA:
d= 3,32% x (119.824:4)
d= 3,32% x 29.956;
d= 994.54

Donde, o valor apurado por declaração em falta seria de € 994,54, a que corresponderia valor anual de € 3.978,16, muito superior ao valor liquidado de € 1.496,40,correspondente a € 374,10 por período.

Assim, tal como o MMº juiz «a quo», somos levados a concluir desconhecer como foi alcançado o valor liquidado, tendo em conta os elementos fornecidos ao contribuinte.

Sabemos que nas doutas alegações de recurso o ERFP propõe-se «explicar» a proveniência daquele valor nos seguintes termos

«20. Neste sentido, foram estabelecidas regras que se traduzem nos seguintes parâmetros: O valor das liquidações oficiosas (f) é determinado pelo produto resultante de um valor mínimo estabelecido (€ 374,10 para os sujeitos passivos com regime de IVA trimestral) pelo número de declarações em falta, se da fórmula “d = rácio da actividade X volume de negócios” não resultar outro valor superior àquele mínimo.

21. Contudo, no resultado final a apurar há duas situações a considerar – o valor correspondente a “d” será sempre o valor mínimo estabelecido se o sujeito passivo não tiver apresentado as declarações periódicas no ano anterior e,

22. se maior que o mínimo estabelecido, o mesmo não pode ultrapassar o valor máximo autoliquidado no ano anterior».

Só que segundo as operações que efectuámos, o «rácio de actividade x o volume de negócios» tem como resultado um valor trimestral de € 994,54 superior ao mínimo liquidado pela ATA (€ 374,10).

Todavia, mais à frente o recorrente «supera» este problema ao esclarecer que
«24. No caso presente, verifica-se que a Impugnante não apresentou declarações periódicas desde o ano de 2004, inclusive. Consequentemente, não houve valores autoliquidados, motivo pelo qual foi considerado o produto do valor mínimo determinado (€ 374,10) pelo número de declarações em falta (4 declarações), o que resultou na emissão de uma liquidação oficiosa no valor de € 1 496,40 (€ 374,10 x 4)».

Nestes termos, considerando as alegações do recorrente, e uma vez que o sujeito passivo não apresentou declarações desde 2004, poderíamos concluir que o valor mínimo da LO seria sempre de € 374,10. Ou seja, não havendo valores auto liquidados superiores a considerar, a LO é ficada pelo mínimo de € 374,10 (mas se não há valores auto liquidados também não se percebe porque se diz que o volume de negócios do contribuinte é de € 119.724).

Contudo, além do mais, esta «explicação» leva-nos a concluir duas coisas:
Em primeiro lugar, não é o que resulta da fundamentação levada ao conhecimento do contribuinte. Este servindo-se da fórmula e valores que a ATA lhe comunicou encontra valores diferentes dos que lhe foram liquidados.

Em segundo lugar, a fundamentação ensaiada pelo recorrente não é uma fundamentação contextual, não faz parte do acto praticado, antes constituindo uma fundamentação «a posteriori». E esta, como se sabe, não tem qualquer relevância jurídica (cfr. Ac. do TCAS n.º 04312/10, de 23-11-2010 Sumário: I) - É de todo irrelevante para cumprimento do imperativo legal de fundamentação do acto administrativo a fundamentação a posteriori, pois, tal tipo de informação não satisfaz os requisitos essenciais da exigência de fundamentação do acto no momento em que se opera a formação da vontade e a mesma se exprime em toda a sua plenitude, requisitos respeitantes à entidade administrativa e ao administrado.
II) - Os actos tributários carecem de fundamentação, a qual consiste numa declaração formal, externa ou explícita, i. é, numa manifestação exterior consubstanciada num discurso expresso num texto, não bastando que resulte implicitamente da actuação administrativa.
III) - E tal discurso tem de ser contextual, expresso e externado pelo autor do acto por forma a dar a conhecer ao seu destinatário, pressuposto este como um destinatário normal ou razoável colocado perante as circunstâncias concretas, a motivação funcional do acto, os motivos por que se decidiu num determinado sentido e não em qualquer outro, permitindo àquele optar conscientemente entre a aceitação da legalidade do acto ou a sua impugnação.

Por conseguinte, devemos concluir que o acto não está devidamente fundamentado, sendo por isso de confirmar a douta sentença.

IV DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela ATA.

Porto, 27 de Novembro de 2014
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina da Nova
Ass. Paula Teixeira