Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02780/18.8BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/26/2019
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:PRÉ-CONTRATUAL. IMPEDIMENTO. ABUSO DE CONFIANÇA FISCAL
Sumário:
I) – No caso, não viola o bloco legal invocado o impedimento à contratação por condenação em crime de abuso de confiança fiscal. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:AC&Filhos
Recorrido 1:Município B…
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte:

AC&Filhos (Parque Industrial C…, 4705-414 Braga), interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF de Braga, que julgou totalmente improcedente acção intentada contra o Município B… e contra-interessada SN, Ldª, ambos id. nos autos, acção de contencioso pré-contratual na qual haviam sido deduzidos os seguintes pedidos:
i) Ser anulado o acto que declarou a caducidade da adjudicação a favor da proposta da Autora;
ii) Ser anulado o acto de indeferimento da impugnação administrativa apresentada pela Autora;
iii) Ser anulado o acto de adjudicação a favor da proposta da Contra-Interessada SN, Lda.;
iv) Ser declarado não verificado o impedimento da Autora;
v) Ser recusada a aplicação da norma constante na alínea b), do n.º 1, do artigo 55.º do CCP quando interpretada no sentido de que a condenação por um crime de abuso de confiança fiscal constituiu ope legis um impedimento ao exercício da profissão e à celebração de contratos públicos, por padecer de inconstitucionalidade, nomeadamente por violar o disposto no n.º 4 do artigo 30.º da CRP;
vi) Ser recusada a aplicação da norma constante na alínea b) do n.º 1 do artigo 55.º do CCP, por não estabelecer a duração do impedimento, o que torna a norma materialmente inconstitucional por violação do disposto no n.º 1 do artigo 30.º da CRP
vii) Ser o Réu condenado a proceder à adjudicação da empreitada à proposta da Autora.
*
A recorrente conclui:
I. Vem o presente Recurso interposto da, aliás, douta decisão que julgou improcedente o pedido da Recorrente;
II. Por mais respeito que o Tribunal recorrido nos mereça – que é, de facto, muito –, entendemos que, nos presentes autos, fez uma menos boa interpretação da factualidade e uma incorreta aplicação do direito;
III. As questões centrais que a Recorrente pretende ver esclarecidas por este Venerando Tribunal são, essencialmente, oito:
1. A condenação da Recorrente e do seu Administrador pela prática do crime de abuso de confiança fiscal, é suscetível de configurar um crime que afete a honorabilidade profissional nos termos e para os efeitos do artigo 55.º, al. b), do CCP?
2. Um crime que, na ótica do Tribunal que julgou a concreta situação de facto revela um diminuto grau de culpa e de censurabilidade é suscetível de constituir um crime que afeta a honorabilidade profissional e constituir um impedimento à celebração de contratos públicos e impedir o exercício da atividade de construção civil de obras públicas?
3. Considerando-se que a condenação da Recorrente e do seu Administrador pela prática do crime de abuso de confiança fiscal consubstancia um crime que afeta a sua honorabilidade profissional é possível, sem que tenha sido aplicada qualquer sanção acessória pelo Tribunal que julgou os crimes, associar de forma automática a essa condenação uma inibição de exercício da atividade e da celebração de contratos públicos?
4. Estabelecendo-se no n.º 7, da Diretiva 2014/24/UE que, no caso dos crimes que afetem a honorabilidade profissional a duração do impedimento não pode ser superior a três anos contados da data da prática do crime, e não tendo o Estado Português transposto esta disposição para o ordenamento jurídico nacional, em clara e manifesta violação do disposto nos artigos 10° e 249° do Tratado, legitima a invocação por um particular da sua aplicabilidade direta?
5. Estabelecendo o n.º 2, do artigo 17.º, do RGIT que em caso de condenação pela prática de crimes de abuso de confiança fiscal, a pena acessória de privação temporária de participar em concursos públicos “Não podem ter duração superior a três anos, contados do trânsito em julgado da decisão condenatória” é legítimo que o impedimento previsto na al. b), do n.º 1, do artigo 55.º, do CCP tenha uma duração superior (indeterminada)?
6. É consentâneo com o princípio da proporcionalidade a atribuição de um efeito automático de inibição de exercício da atividade e da celebração de contratos públicos pelo facto de o Administrador da Recorrente ter sido condenado numa pena de € 1.440,00 (mil quatrocentos e quarenta euros) de multa, por um crime cometido com diminuto grau de culpa?
7. A interpretação da norma constante na alínea b), do n.º 1, do artigo 55.º, do CCP, no sentido de que a condenação pela prática do crime de abuso de confiança fiscal constitui ope legis, de forma automática e como efeito acessório necessário um impedimento ao exercício da atividade de construção civil de obras públicas é materialmente inconstitucional, por violação do art. 30.º, n.º 4 da CRP?
8. O facto de não ser estabelecido, na norma constante na alínea b), do n.º 1, do artigo 55.º, do CCP, um prazo máximo de duração do Impedimento, acarreta a inconstitucionalidade da norma por violação do 30.º, n.º 1, da CRP?
Vejamos,
IV. Há erro de julgamento porque não decorre da lei ou de qualquer princípio jurídico que o crime de abuso de confiança fiscal consubstancie um crime contra a honorabilidade profissional, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 55.º, al. b), do CCP e no artigo 9.º, da Lei 41/2015, de 03 de junho;
V. O elenco dos crimes suscetíveis de afetar a idoneidade/honorabilidade profissional são aqueles que constam do artigo 9.º, da Lei n.º 41/2015, de 03 de junho, sendo que, em parte alguma vêm referidos crimes tributários e fiscais;
VI. Na interpretação do conceito de crimes que afetem a honorabilidade profissional deve atentar-se na natureza estritamente jurídica deste conceito, deve considerar-se excluído qualquer espaço de discricionariedade administrativa, uma vez que, não estamos num campo de juízos morais, referenciados em geral à honra ou honorabilidade da pessoa, exigindo-se uma ligação íntima entre a conduta criminal e a conduta profissional, as regras específicas de uma profissão, nomeadamente, os que se relacionam com a violação das leis de emprego, da saúde e da segurança no local de trabalho, com exigências ambientais relativas à empresa ou com a igualdade de acesso ao emprego;
VII. O artigo 55.º, n.º 1, al. b), do CCP corresponde à alínea c), do n.º 4, do artigo 57.º da Diretiva 2014/24/EU;
VIII. Para os crimes previstos no n.º 4, do artigo 57.º, da Diretiva 2014/24/EU, o prazo do impedimento, de acordo com o disposto no n.º 7, não pode ser superior a três anos a contar da data do facto pertinente;
IX. Para além de estabelecer um prazo máximo da duração do impedimento por falta profissional em três anos, o n.º 7, do artigo 57.º, da Diretiva estabelece como data para início da contagem do prazo de impedimento a data do facto pertinente, sendo que, o facto pertinente sempre será o facto imputável ao operador económico (data da prática do crime) e não a data de decisão sobre esse facto (trânsito em julgado da sentença condenatória);
X. Dito isto, ao abrigo da Diretiva 24/2014/UE (Artigo 57.º, n.º 7) o impedimento em questão (55.º, n.º 1, al. b) do CCP) não poderá subsistir por mais de 3 (três) anos, a contar da data da prática do facto pertinente que, de acordo com os Certificados de Registo Criminal remontam aos anos de 2011 e 2012;
XI. Ao abrigo do princípio da aplicabilidade direta da Diretiva 24/2014/UE (Artigo 57.º, n.º 7), por terem decorrido mais de três anos sobre a prática dos crimes caducou o impedimento, sendo que, qualquer decisão em contrário viola frontal e diretamente o Direito Comunitário;
XII. A omissão ilegítima da transposição do disposto no n.º 7, do artigo 57.º, da Diretiva 2014/24/EU em causa pelo Estado Português, violadora do disposto nos artigos 10° e 249° do Tratado da Comunidade Europeia, legitima a invocação por um particular num tribunal nacional do regime nela estatuído, por força do princípio da aplicabilidade direta da Diretiva;
XIII. Caso o Tribunal que julgou os crimes tivesse aplicado penas acessórias à Recorrente e seu Administrador pelos crimes vertidos na matéria de facto dada como assente nos ponto A), B), C), D) e E) estas já teriam caducado, uma vez que, de acordo com o disposto no artigo 17.º, n.º 2, do RGIT as penas acessórias de privação temporária de participar em concursos públicos “Não podem ter duração superior a três anos, contados do trânsito em julgado da decisão condenatória”.
XIV. Motivo pelo qual, em relação aos crimes vertidos na matéria de facto dada como assente nos pontos A), B), C), D) e E) estaria caduca a sanção acessória por terem passado mais de três anos desde o trânsito em julgado das suas condenações, não podendo ser considerados para efeitos de dar por verificado o impedimento previsto na alínea b), do n .º 1, do artigo 55.º, do CCP;
XV. O único crime de abuso de confiança fiscal pelo qual foi condenado o Administrador da Recorrente cuja decisão não transitou há mais de 3 (três) anos, foi o constante do PONTO F) da matéria de facto assente, Processo nº 405/14.0T9BRG do Juiz 3 juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, por sentença de 10.11.2017, transitada em 13.12.2017, crime que não foi praticado enquanto Administrador da Recorrente ou no exercício desse cargo;
XVI. Na decisão condenatória do Processo nº 405/14.0T9BRG é referido que: “Era menos exigível que o arguido tivesse assumido um comportamento conforme ao direito, o que indicia a existência de uma diminuição considerável da sua culpa”
(…)
Tendo em conta a matéria de facto provada, entendo adequado fixar em 6,00€ (seis Euros) o quantitativo diário devido, totalizando a pena de multa o montante de 1440,00€ (mil, quatrocentos e quarenta euros).”
XVII. O facto da condenação por um crime de abuso de confiança fiscal cuja pena aplicada é de € 1.440,00 (mil quatrocentos e quarenta euros) de multa e onde é considerado existir um diminuto grau de censurabilidade e de culpa, acarretar de forma automática e ope legis uma sanção de proibição de participação em procedimentos de contratação pública e de exercício da atividade de construção civil de obras públicas viola, frontal e diretamente, o princípio da proporcionalidade;
XVIII. Há erro de julgamento porque a proibição de participação em concursos públicos e a proibição do exercício da atividade de construção civil de obras públicas, ao contrário do que a norma ínsita na al. b), do n.º 1, do artigo 55.º, do CCP aparenta, não pode decorrer automaticamente da lei, sendo necessário que haja sido aplicada ao impedido pelo Tribunal que julgou os crimes, como pena acessória, a proibição do exercício da profissão em causa;
XIX. O entendimento propugnado pela Recorrida e pelo Tribunal a quo, no sentido de que a proibição do exercício da atividade de construção civil de obras públicas é um efeito automático e necessário da condenação pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal é inconstitucional, por violação do artigo 30.º, n.º 4, da CRP;
XX. A norma ínsita na alínea b), do n.º 1, do artigo 55.º, do CCP, é materialmente inconstitucional, por violação do artigo 30.º, n.º 4, da CRP, por impor de forma automática, mecânica, independentemente de decisão judicial, por efeito direto da lei (ope legis), uma pena de perda de direitos profissionais, que tanto pode querer significar perda definitiva, como incapacidade ou impossibilidade temporária de os exercer, isto porque, nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais, ou políticos; Inconstitucionalidade que expressamente se invoca, para os legais efeitos;
XXI. A norma ínsita na alínea b), do n.º 1, do artigo 55.º, do CCP, por não estabelecer um prazo máximo de duração do Impedimento, para além de consubstanciar uma omissão ilegítima da transposição da Diretiva 2014/24/UE pelo Estado Português, acarreta, também, a sua inconstitucionalidade por violação do 30.º, n.º 1, da CRP, porquanto “Não pode haver penas nem medidas de segurança privativas ou restritivas da liberdade com carácter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida”; Inconstitucionalidade que expressamente se invoca, para os legais efeitos;
*
Contra-alegou o Município, concluindo:
I. A caducidade da adjudicação do contrato aqui em causa à Autora/recorrente deveu-se ao facto de a mesma violar o disposto no artigo 55.º, n.º 1, al. b) do CCP.
II. De entre o elenco de impedimentos existentes e previstos no artigo 55.º, importa atender, para o caso, o tipo de impedimento que se prende com a seriedade, honorabilidade profissional e solvabilidade do concorrente. Assim, a alínea b) do n.º 1 enuncia o impedimento relativo à condenação por crimes contra a honorabilidade profissional.
III. Ora, no caso dos presentes autos, após a adjudicação da obra em causa à aqui Recorrente, a entidade adjudicante notificou-a para proceder à junção dos documentos de habilitação, conforme disposto e exigido no artigo 81.º do CCP.
IV. A Recorrente veio entre outros, os certificados do seu registo criminal e do seu administrador AFC, nos quais constam a condenação dos mesmos por sentenças transitadas em julgado pela prática de crimes de abuso de confiança fiscal.
V. Tendo em conta esta panóplia de condenações, o Recorrido considerou que a condenação simultânea da Recorrente e do seu administrador pelo cometimento do crime de abuso de confiança fiscal deveria determinar a caducidade da adjudicação nos termos dos artigos 55.º, n. 1, alínea b) e 86.º do CCP, por entender que o tipo legal do crime previsto e punido por força do disposto no artigo 105.º do RGIT colocam em causa a idoneidade e honorabilidade profissional necessária para a celebração do contrato, sem que tenha ocorrido a necessária reabilitação.
VI. A Recorrente não explicitou nem concretizou qualquer motivo ou circunstância que pudesse ser aferido para efeitos da relevação da condenação, nos termos do artigo 55.º-A n.º 2 do CCP, nem apresentou quaisquer medidas que pudessem ser suficientes para demonstrar a idoneidade para a execução do contrato.
VII. Consta também no conjunto de crimes elencados, os crimes contra a saúde pública ou a economia nacional. Resulta claro que o abuso de confiança fiscal é, obviamente, um crime contra a economia nacional, pelo que dúvidas não podem restar que a condenação por este crime constitui impedimento, nos termos do artigo 55.º, n.º 1, al. b) do CCP.
VIII. Acresce que não é necessário a aplicação de uma sanção acessória de modo a que o impedimento do artigo 55º nº 1 al. b) operasse, desde logo por não decorrer daquele normativo, uma vez que o que se encontra previsto no citado preceito legal apenas implica a condenação em processo-crime, transitada em julgado que afete a honorabilidade profissional e não também que haja inibição acessória de exercer a atividade ou concorrer a procedimentos concursais.
IX. No caso em apreço, quer a Recorrente, quer o seu administrador AFC, foram condenados pela prática de crime de abuso de confiança fiscal e aquele administrador continua no exercício de funções.
X. No entanto, a Recorrente tenta sustentar a sua posição, apoiando-se no artigo 57.º, n.º 2 da Diretiva n.º 2014/24/UE.
XI. Sucede, no entanto, que esta norma foi transposta para o ordenamento jurídico nacional através das alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 55.º do CCP. E a verdade é que, no caso em apreço, não foi o facto de existirem ou não dívidas de contribuições para a segurança social que fundamentou a declaração de caducidade da adjudicação.
XII. A norma que determinou a declaração de caducidade da adjudicação foi o artigo 55.º, n.º 1, alínea b) do CCP, que resulta da transposição do 57.º, n.º 4, alínea c) da Diretiva 2014/24/UE.
XIII. Por outro lado, e relativamente à entidade competente para declarar a falta de idoneidade profissional, que a Recorrente diz ser o IMPIC, I.P., a verdade é que este Instituto concede alvarás e certificados, sendo que essa emissão depende do facto de o empreiteiro possuir idoneidade comercial. No entanto, o IMPIC não tem competência para formular juízos quanto à existência dos impedimentos previstos no artigo 55.º do CCP.
XIV. Assim, o facto de a Recorrente possuir um alvará válido e eficaz para o exercício da sua atividade profissional, não significa que o Recorrido não possa aferir da idoneidade/honorabilidade profissional para a celebração do contrato, uma vez das atribuições confiadas ao IMPIC, I.P a verificação de (qualquer) impedimento para a celebração do presente contrato público de empreitada de obras públicas.
XV. Relativamente ao limite temporal durante o qual vigorará o impedimento, não pode o Recorrido estar mais de acordo com o explanado na sentença recorrida, que refere que, sendo o impedimento adveniente de uma sentença penal, terá de ter o sentido utilizado no direito criminal ou penal.
XVI. Assim, nos termos do artigo 11.º da Lei de Identificação Criminal, o cancelamento definitivo no registo criminal verifica-se quando tenha decorrido um certo prazo (5, 7 ou 10 anos) desde a data da extinção da pena ou da medida de segurança ou, nalguns casos, desde o trânsito em julgado.
XVII. Por outro lado, o artigo 229.º n.º 1 do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade permite que seja requerida a reabilitação judicial, isto é, o cancelamento provisório do registo criminal para fins de emprego, exercício de profissão ou atividade cujo exercício dependa de título público, de autorização ou homologação da autoridade pública, ou para quaisquer outros fins legalmente permitidos.
XVIII. Ora, a verdade é que a Recorrente e o seu administrador não alegaram nem demonstraram que ocorreu a reabilitação legal ou de direito, nem que tenham requerido a reabilitação judicial, pelo que o requisito da reabilitação não se encontra preenchido.
XIX. A Recorrente alega ainda que ato administrativo que determinou a caducidade da adjudicação à sua proposta por aplicação do artigo 55.º, n.º 1, alínea b) do CCP, é materialmente constitucional por violação do artigo 30.º, n.ºs 1 e 4.º da CRP.
XX. Refere a Recorrente que, a ser aplicado desta forma, o artigo em causa faz surgir um efeito automático da punição e inviabiliza o acesso a uma determinada profissão e seu posterior exercício.
XXI. Sucede, no entanto, que como já se disse e repetiu, não está em causa um qualquer impedimento para o acesso e exercício da profissão.
XXII. Apenas foi declarada a caducidade do ato de adjudicação por verificação de um impedimento para a celebração do contrato em causa nos autos, sendo certo que a Recorrente nada fez para que esta situação fosse, de alguma forma, invertida, uma vez que não desenvolveu qualquer esforço para demonstrar a sua reabilitação ou relevação do impedimento.
XXIII. Ora, como é bom de ver, o impedimento em causa não tem caráter perpétuo ou de duração ilimitada, e muito menos implica a perda de direitos civis, profissionais ou políticos.
XXIV. Nesse sentido, o Tribunal a quo andou bem ao decidir manter o ato de adjudicação.
*
O Exmº Procurador-Geral Adjunto foi notificado nos termos do art.º 146º do CPTA, tendo emitido parecer no sentido do não provimento do recurso.
*
Cumpre decidir, com legal dispensa de vistos.
*
Os factos, fixados como provados na decisão recorrida:
A. A Autora foi condenada no âmbito do Processo nº 390/12.2IDBRG do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, por sentença de 12.02.2014, transitada em 14.03.2014, pelo crime de abuso de confiança fiscal previsto e punido pelo art. 105º nº 1, 4 e 7 do Regime Geral de Infracções Tributárias (RGIT) com referência ao art. 7º do RGIT, tendo sido aplicada uma multa de 300 dias no montante global de € 6.000,00 – Cfr. fls. 395 a 397 do PA [certificado de registo criminal]
B. Autora foi condenada no âmbito do Processo nº 447/11.7IDBRG do 3º juízo criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, por sentença de 19.06.2014, transitada em 08.06.2015, pelo crime de abuso de confiança fiscal previsto e punido pelo art. 105º nº 1, 4 e 5 do Regime Geral de Infracções Tributárias (RGIT) com referência ao art. 7º do RGIT, tendo sido aplicada uma multa de 600 dias no montante global de € 12.000,00 – Cfr. fls. 395 a 397 do PA; fls. 127 a 141 dos autos [certificado de registo criminal].
C. O administrador da Autora, AFC, foi condenado no âmbito do Processo nº 390/12.2IDBRG do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, por sentença de 12.02.2014, transitada em 14.03.2014, pelo crime de abuso de confiança fiscal previsto e punido pelo art. 105º nº 1 e 4 do Regime Geral de Infracções Tributárias (RGIT), tendo sido aplicada uma multa de 250 dias no montante global de € 3.750,00 – Cfr. fls. 398 a 404 do PA [certificado de registo criminal]
D. O administrador da Autora, AFC, foi ainda condenado no âmbito do Processo nº 447/11.7IDBRG do 3º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, por sentença de 02.09.2015, transitada em 25.06.2015, pelo crime de abuso de confiança fiscal previsto e punido pelo art. 105º nº 1, 4 e 5 do Regime Geral de Infracções Tributárias (RGIT), tendo sido aplicada uma pena de prisão de 1 (um) ano e 8 (oito) meses suspensa por igual período de 1 ano e 8 meses, com sujeição a deveres e multa de 180 dias no montante global de € 2.700,00 – Cfr. fls. 398 a 404 do PA [certificado de registo criminal]
E. O administrador da Autora, AFC, foi ainda condenado no âmbito do Processo nº 447/11.7IDBRG do 3º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, por sentença de 02.09.2015, transitada em 25.06.2015, pelo crime de abuso de confiança fiscal previsto e punido pelo art. 105º nº 1, 4 e 5 do Regime Geral de Infracções Tributárias (RGIT), tendo sido aplicada uma pena de prisão de 1 (um) ano e 8 (oito) meses suspensa por igual período de 1 ano e 8 meses, com sujeição a deveres e multa de 180 dias no montante global de € 2.700,00 – Cfr. fls. 398 a 404 do PA [certificado de registo criminal]
F. O administrador da Autora, AFC, foi ainda condenado no âmbito do Processo nº 405/14.0T9BRG do Juiz 3 juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, por sentença de 10.11.2017, transitada em 13.12.2017, pelo crime de abuso de confiança fiscal contra a segurança social previsto e punido pelo art. 105º nº 1 e 107.º do Regime Geral de Infracções Tributárias (RGIT) e 30.º, n.º 2, do Código Penal, tendo sido aplicada uma pena de 240 dias de multa, à taxa diária de 6,00 no montante global de € 1.4440,00 – Cfr. fls. 398 a 404 do PA [certificado de registo criminal].
G. Através de anúncio publicado na parte L da 2ª série do Diário da República nº 159/2018, de 20 de Agosto de 2018, sob número 6800/2018, foi lançado o concurso público para adjudicação da Empreitada de obras públicas com a seguinte designação: “CPE.9.18.DMSOM – Picoto – estacionamento e feira – União de freguesias de São José de São lázaro e São João do Souto”, sendo indicado como preço base do procedimento o valor de 439.149,24€- Cfr. anúncio junto ao PA a fls. 331 a 334.
H. A Autora e a Contra-interessada apresentaram propostas no concurso referido em G) – Facto não controvertido; Cfr. propostas juntas ao PA cujo teor se tem por reproduzidas.
I. A Autora com a sua proposta, referida em H), emitiu uma declaração sob o anexo I, modelo de declaração a que se refere a alínea a) do n.º 1 do artigo 81.º do CCP, onde afirma, “sob compromisso de honra, que não se encontra em nenhuma das situações previstas no n.º 1 do artigo 55.º do Código dos Contratos Públicos” Facto não controvertido; fl. 373 e 374 do PA.
J. Em 14.09.2018, no âmbito do procedimento concursal referido em G) o Júri elaborou Relatório Preliminar manifestando intenção de propor a adjudicação à proposta da Autora pelo valor de € 409.243,88 – Cfr. Fls. 375 a 377 do PA.
K. Em 02.10.2018 foi elaborado Relatório Final tendo proposto a adjudicação à Autora pelo valor de € 409.243,88 com base no critério do preço mais baixo – Cfr. fls. 389 a 391 do PA.
L. Em 08/10/2018, por despacho do Presidente da Câmara Municipal B... foi adjudicada a proposta apresentada pela Autora pelo valor de €409.243,88 – Cfr. fls. 392 do PA.
M. Por informação disponível na plataforma “ANOGOV”, a Entidade Demandada comunicou à Autora que lhe foi adjudicada a empreitada do CPE.9.18.DMSOM – Picoto – estacionamento e feira – União de freguesias de São José de São lázaro e São João do Souto, tendo solicitada à mesma, entre o mais, o envio dos documentos de habilitação exigidos no artigo 24.º do programa do concurso, e exigidos nos termos do artigo 81º do CCP e para apresentação da caução – cfr. fl. 393 do PA.
N. Segundo informação prestada e emitida em 22.10.2018 pelo Instituto da Segurança Social, I.P., com um prazo de validade de 04 (quatro) meses, a Autora tinha, na referida data, a situação contributiva regularizada perante a Segurança Social – cfr. fl. 405 do PA.
O. Segundo informação prestada e emitida em 21.09.2018 pela Autoridade Tributária e Aduaneira, com um prazo de validade de 03 (três) meses, a Autora tinha, na referida data, a situação contributiva regularizada perante as finanças – cfr. fl. 406 do PA.
P. Em 23.10.2018, foi elaborada proposta de declaração de caducidade da adjudicação com o seguinte teor que se reproduz na parte que releva:
I — Análise aos documentos de habilitação (Registos criminais)
A presente empreitada foi adjudicada em 08/10/2018, à empresa AFDC & FILHOS, LDA, tendo sido a empresa adjudicatária notificada, na mesma data, pelos serviços da entidade adjudicante, para apresentação dos documentos de habilitação. Na sequência da apresentação dos referidos documentos, nomeadamente dos registos criminais do administrador AFC e da sociedade empreiteira ADC & Filhos, SA, constataram estes Serviços, o seguinte:
1. Analisados os documentos anexos - os certificados do registo criminal ­resulta que, tanto a sociedade empreiteira AC&Filhos, SA, como o administrador AFC, foram condenados, com trânsito em julgado, por vários crimes de abuso fiscal, nos termos previstos no artigo 105.c, n.°s 1, 4 e 7 do Regime Geral; das Infrações Tributárias.
2. Este tipo de infração penal, pela sua tipificação, afeta a honorabilidade profissional do respetivo autor, neste caso, tanto a pessoa coletiva, como de cada uma das pessoas singulares. Com efeito, a noção do honorabilidade adjudicatário foram condenadas, com trânsito em julgado, por crime que afeta a sua honorabilidade profissional, sem que exista evidência de ter existido reabilitação;
b) Na prestação culposa de declaração que se mostra contrariada pelo certificado de registo criminal, circunstância que, só por si, à luz do disposto no artigo 87º do Código dos Contratos Públicos, determina a caducidade da adjudicação.
II — Recomendação ao órgão decisor
Com fundamento na existência de impedimento previsto na alínea b) do n 1 do artigo 55.° do CCP e do disposto no artigo 87.° do mesmo CCP, propõe-se:
- a caducidade da adjudicação
Submete-se à consideração superior o presente projeto de decisão. Se o mesmo merecer aprovação, nos termos previstos no n.° 2 do artigo 86° do Código dos Contratos Públicos, proceder-se-á à notificação ao adjudicatário:
- Da intenção de declarar a caducidade da adjudicação, bem como os respetivos fundamentos;
- Para que se pronuncie, no prazo do cinco dias úteis, por escrito, ao abrigo da direito de audiência prévia, sobre o presente projeto de decisão, do qual se enviará cópia.
- Cfr. fl. 417 e 418 do PA.
Q. Em 06.11.2018, pelos serviços do Réu foi proposto declarar caduca a adjudicação da proposta da aqui Autora e a adjudicação da proposta apresentada pela concorrente SN, Lda., classificada em 2.º lugar, pela quantia de € 427.786,05, a que acresce o IVA à taxa legal em vigor, cujo teor é o seguinte na parte que releva:
I - Audiência Prévia ao Projeto de Caducidade de Adjudicação
Tendo sido notificado do projeto de decisão de caducidade de adjudicação, em 24/10/2018, o adjudicatário, na pronúncia que emite ao abrigo do direito de audiência prévia, que se anexa, não apresenta qualquer argumento suscetível de contrariar a intenção de declarar caduca a adjudicação, dado que riem tão pouco procura explicitar em que medida o impedimento poderia ser relevado, tal como admite o artigo 55.°-A do Código dos Contratos Públicos, nem sequer apresentando que medidas tomou e como elas poderiam ser suficientes para demonstrar a idoneidade para a execução do contrato.
- Cfr. Fls. 428 e 430 do PA
R. Sobre a informação referida no ponto anterior foi exarado despacho do Presidente de Câmara Municipal B..., mediante o qual se declarou “caduca a adjudicação ao concorrente AC&Filhos, S.A” e se adjudicou a “empreitada ao concorrente SN, Lda.”, classificado em 2.º lugar, mais se tendo aprovado a minuta do contrato – Cfr. fl. 430 do PA.
S. AFC é vice presidente do conselho de administração da Autora – Cfr. Fls. 407 a 414 do PA.
T. A proposta apresentada pela Contra-Interessada, bem como os demais documentos que fazem parte integrante dos documentos de habilitação, foram assinados digitalmente na plataforma por MMND, através de assinatura electrónica qualificada, associada ao certificado da DigitalSign, com o número de série OC3c41e2961ca9cfad151a4647e869b2 – Cfr. CD; e confrontar com o acesso aos detalhes do certificado mediante o “click” na assinatura e, posteriormente, nos detalhes do certificado;
U. Consta na declaração emitida pela Digitalsign, associado ao certificado com o número de série OC3C41E296CA9CFAD151A4647E869B2 o seguinte:
“O certificado Qualificado de Assinatura Electrónica emitido possui, neste caso, o perfil “Representação”, para a emissão do qual a DigitalSign, em cumprimento do disposto no artigo 33.º do Regulamento eiDAS, e do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto, procedeu à verificação:
1. Da assinatura do(a) requerente: MMND;
2. Da qualidade de legal representante do(a) requerente da entidade SN, LDA;
3. Dos poderes do(a) titular do certificado (requerente) para atuar no âmbito do objecto de representante constante do certificado qualificado, concretamente os de assinar electronicamente ASSINAR EM PLATAFORMAS ELECTRONCIAS DE CONTRAAÇÃO em nome e representação da entidade SN, LDA, vinculando-a sozinho(a) em relação a terceiros, salvo limitações devidamente descritas no Certificado Digital Qualificado emitido.
Pelo exposto, e nos termos da verificação referida supra, concluiu-se que:
Pela emissão do presente certificado de assinatura electrónica, MMND poderá ASSINAR EM PLATAFORMAS ELECTRÓNICAS DE CONTRATAÇÃO, na qualidade de legal representante da entidade SN, LDA, vinculando-a em relação a terceiros, sem necessidade de apresentar qualquer documento adicional para efeitos de comprovar os seus poderes de representante e vinculação da sociedade.
O certificado com o número de série OC3C41E296CA9CFAD151A4647E869B2 tem como objectivo identificar uma pessoa singular, como legal representante ou procurador de uma organização, como poderes para obrigar sozinho uma pessoa colectiva, com eventuais limitações identificadas nos respectivos campos do certificado”.
- cfr. fls.92 a 95 dos autos que se dão por integralmente reproduzidas.
V. Inconformada com a decisão que determinou a caducidade da adjudicação a favor da sua proposta e por não concordar com o seu teor, nos termos do disposto nos artigos 267.º e ss, a Autora apresentou impugnação administrativa constante a fls. 518 a 565 do PA que se dão por integralmente reproduzidas.
W. Em 29.11.2018, foi elaborada informação na qual se propunha o indeferimento da impugnação administrativa, com o seguinte teor que ora se transcreve na parte que ora releva:
No caso concreto,
18. Analisados os certificados do registo criminal da sociedade e dos administradores, resulta que tanto a sociedade empreiteira AC&Filhos, SA, como os respetivos administradores, foram condenados, com trânsito, em julgado, por vários crimes de abuso fiscal, nos termos previstos no artigo 105.º, n.ºs 1, 4 e 7 do Regime Geral das Infrações Tributárias.
19. Este tipo de infração penal, que atenta contra o erário público em contexto de desenvolvimento profissional, pela sua tipificação, afeta a honorabilidade profissional do respetivo autor, neste caso, tanta a pessoa coletiva, como de cada uma das pessoas singulares. Com efeito, a noção de honorabilidade profissional convoca conceitos e valores de honra, deontologia e reputação, associadas à integridade moral no contexto do exercício da respetiva atividade profissional. Deve, portanto, verificar-se, caso a caso, se o crime afetar em concreto a honra e a reputação do seu agente, consoante a profissão por este desempenhada,
20. No caso concreto, o crime de abuso fiscal contextualiza-se no quadro precisamente do desenvolvimento da atividade profissional, dado que se consuma com a não entrega dolosa, no tempo devido, à administração tributária de quantias devias por aplicação da legislação tributária. Se por hipótese se considerasse que este tipo de infração criminal, que atenta contra o erário público, não se enquadrasse no conceito de crime com implicações na honorabilidade profissional, dificilmente se descortinaria aplicabilidade prática e efetiva para o preceito legal.
21. Neste primeiro momento, o adjudicatário de nada informou a entidade adjudicaste, nem tão pouco demonstrou quais as medidas que adotou e a suficiência das mesmas para evidenciar idoneidade na execução do contrato público, isto é, que mobilizará recursos financeiros públicos.
Ora,
22. Como se aludiu já, nos termos previstos na alínea b), do n.º 1 do artigo 55.º, do CCP, estão Impedidos de ser concorrentes a um procedimento de formação de um contrato público os concorrentes:
a) Tenham sido condenados por sentença transitada em julgado por qualquer crime que afete a sua honorabilidade profissional, no caso das pessoas singulares;
b) No caso das pessoas coletivas, quando tenham sido condenados por aqueles crimes a pessoa coletiva ou os titulares dos seus órgãos de gestão e estes se encontrem em efetividade de funções, sem que, entretanto, tenha existido a respetiva reabilitação, que será precisamente o caso que se verifica
23. Acresce que esta evidência - a condenação por crime que afete a honorabilidade profissional - não foi oportunamente declarada, como deveria, na declaração apresentada pelo concorrente (anexo I) com a proposta, constituindo indício da prestação culposa de falsas declarações, nos termos previstos no artigo 87.º do Código dos Contratos Públicos.
24. Por esse motivo, não poderia a entidade adjudicaste deixar de considerar preenchido a hipótese legal que determina a caducidade da adjudicação, com fundamento cumulativo:
a) Na verificação do impedimento previsto na alínea b), do n.º 1 do artigo 55.º do Código dos Contratos Públicos, dado que tanto a pessoa coletiva como os dos titulares do órgão de gestão do adjudicatário foram condenados, com transito em julgado, por crime que afeta a sua honorabilidade profissional, sem que exista evidência de ter existido reabilitação;
b) Na prestação culposa de declaração que se mostra contrariada pelo certificado de registo criminal, circunstância que, só por si, à luz do disposto no artigo 87.º do Código dos Contratos Públicos, determina a caducidade da adjudicação.
25. A entidade adjudicante, entretanto, submeteu o projeto de decisão de caducidade da adjudicação com aqueles fundamentos à audiência prévia do adjudicatário, conforme determina o n.º 2 do artigo 86.º do Código dos Contratos Públicos.
Não tendo feito a demonstração inicial, estava, assim, ao alcance do adjudicatário, querendo, demonstrar, nessa sede e numa segunda oportunidade, que as medidas por si tomadas, eram suficientes para demonstrar a idoneidade, tal como se prevê no artigo 55º-A do Código dos Contratos Públicos.
26. Também aí, o então adjudicatário não juntou qualquer Informação ou elementos probatórios à exposição que dirigiu em sede de audiência prévia, dos quais se pudesse retirar argumentos para desconsiderar o impedimento, por aplicação do referido artigo 55º-A. De facto, Efetivamente, o adjudicatário, na pronuncia que emitiu ao abrigo do direito de audiência prévia, não apresentou qualquer informação, argumento, alegação, documento, prova ou evidência suscetível de contrariar a intenção de declarar caduca a adjudicação, dado que nem tão pouco procurou explicitar em que medida o Impedimento poderia ser relevado, tal como admite o artigo 55.º-A do Código dos Contratos Públicos, nem sequer apresentando que medidas tornou e como elas poderiam ser suficientes para demonstrar a idoneidade para a execução do contrato.
27. Na verdade, para que a entidade adjudicante pudesse ter desconsiderado o impedimento, o adjudicatário teria de ter indicado que medidas adotou e que tais medidas eram suficientes para demonstrar a idoneidade para a execução do contrato, como expressamente prevê o n.º 2 do artigo 55.º-A do Código dos Contratos Públicos. Como, podendo fazê-lo, não o fez, à entidade adjudicante não restou alternativa senão cumprir a lei e declarar caduca a adjudicação por impedimento do adjudicatário, porquanto tal ato é, para as entidades adjudicantes, de conteúdo vinculado.
Nestes termos, porque se nos afigura que os pressupostos de facto enunciados só poderiam conduzir a decisão de direito aplicada, a caducidade da adjudicação, propõe-se o indeferimento da impugnação administrativa, mantendo-se inalterada a decisão final proferida, disso se notificando todos os interessados.
- Cfr. fls. 581 a 587 do PA.
X. Em 30.11.2018, o Presidente de Câmara Municipal B... exarou sobre a informação referida no ponto anterior o seguinte despacho: “aprovo” – cfr. fl. 587 do PA.
*
A apelação:
O inconformismo da recorrente gira em torno do juízo do tribunal “a quo” a respeito do impedimento previsto no art.º 55º, n.º 1, do CCP, determinando que “Não podem ser candidatos, concorrentes ou integrar qualquer agrupamento, as entidades que (…) Tenham sido condenadas por sentença transitada em julgado por qualquer crime que afete a sua honorabilidade profissional, no caso de pessoas singulares, ou, no caso de pessoas coletivas, quando tenham sido condenados por aqueles crimes a pessoa coletiva ou os titulares dos seus órgãos sociais de administração, direção ou gerência, e estes se encontrem em efetividade de funções, em qualquer dos casos sem que entretanto tenha ocorrido a respetiva reabilitação”.
Sobre o ponto, e na minuciosa análise de argumentos, tem préstimo lembrar no que foi discurso fundamentador, na íntegra:
«(…)
A. Da verificação do impedimento previsto no artigo 55.º, n.º 1, alínea b) do CCP:
Conforme resulta apreendido do probatório, após a emanação do acto de adjudicação da proposta da aqui Autora, e na sequência da notificação para juntar ao procedimento administrativo a documentação de habilitação conforme exige o artigo 81.º do CCP, a Autora veio a juntar os certificados do seu registo criminal e do seu administrador, na qualidade de vice-presidente, AFC, nos quais constam, resumidamente, a condenação dos mesmos por sentenças transitadas em julgado pela prática de crimes de abuso de confiança fiscal.
Deste modo, respinga dos factos assentes que a Autora foi condenada:
- no âmbito do Processo nº 390/12.2IDBRG do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, por sentença de 12.02.2014, transitada em 14.03.2014, pelo crime de abuso de confiança fiscal previsto e punido pelo art. 105º nº 1, 4 e 7 do Regime Geral de Infracções Tributárias (RGIT) com referência ao art. 7º do RGIT, tendo sido aplicada uma multa de 300 dias no montante global de € 6.000,00.
- no âmbito do Processo nº 447/11.7IDBRG do 3º juízo criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, por sentença de 19.06.2014, transitada em 08.06.2015, pelo crime de abuso de confiança fiscal previsto e punido pelo art. 105º nº 1, 4 e 5 do Regime Geral de Infracções Tributárias (RGIT) com referência ao art. 7º do RGIT, tendo sido aplicada uma multa de 600 dias no montante global de € 12.000,00
Mais noticia o probatório que o [ainda actual] administrador da Autora, AFC, foi condenado no âmbito do:
- Processo nº 390/12.2IDBRG do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, por sentença de 12.02.2014, transitada em 14.03.2014, pelo crime de abuso de confiança fiscal previsto e punido pelo art. 105º nº 1 e 4 do Regime Geral de Infracções Tributárias (RGIT), tendo sido aplicada uma multa de 250 dias no montante global de € 3.750,00;
- Processo nº 447/11.7IDBRG do 3º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, por sentença de 02.09.2015, transitada em 25.06.2015, pelo crime de abuso de confiança fiscal previsto e punido pelo art. 105º nº 1, 4 e 5 do Regime Geral de Infracções Tributárias (RGIT), tendo sido aplicada uma pena de prisão de 1 (um) ano e 8 (oito) meses suspensa por igual período de 1 ano e 8 meses, com sujeição a deveres e multa de 180 dias no montante global de € 2.700,00;
- Processo nº 447/11.7IDBRG do 3º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, por sentença de 02.09.2015, transitada em 25.06.2015, pelo crime de abuso de confiança fiscal previsto e punido pelo art. 105º nº 1, 4 e 5 do Regime Geral de Infracções Tributárias (RGIT), tendo sido aplicada uma pena de prisão de 1 (um) ano e 8 (oito) meses suspensa por igual período de 1 ano e 8 meses, com sujeição a deveres e multa de 180 dias no montante global de € 2.700,00
Conforme expressa de forma cristalina o probatório, a Entidade Demandada considerou que a condenação simultânea da Autora e do seu administrador pelo cometimento do crime de abuso de confiança fiscal determina a caducidade da adjudicação nos termos dos artigos 55.º, n. 1, alínea b) e 86.º do CCP, por entender que o tipo legal do crime previsto e punido por força do disposto no artigo 105.º do RGIT, dos quais aqueles foram primeiramente acusados e posteriormente condenados, postergam a idoneidade e honorabilidade profissional necessária para a celebração do contrato, sem que tenha ocorrido a necessária reabilitação. Em concreto, conforme se capta do probatório em Q), após o exercício do direito de audiência prévia quanto ao projecto de declaração de caducidade da adjudicação da proposta, a entidade demandada constatou que não foi explicitado nem concretizado qualquer motivo ou circunstância que pudesse ser aferido para efeitos da relevação da condenação, nos termos do artigo 55.º-A n.º 2 do CCP, nem sequer foram apresentadas as medidas tomadas e que poderiam ser suficientes para demonstrar a idoneidade para a execução do contrato.
A solução do dissídio em presença justifica a enunciação do regime previsto no artigo 55.º, n.º 1, alínea b) do CCP, na redacção dada pelo Decreto-lei n.º 111-B/2017, de 31 de Agosto, aqui aplicável, que reza o seguinte:
“1 – Não podem ser candidatos, concorrentes ou integrar qualquer agrupamento, as entidades que:
(…)
B) Tenham sido condenadas por sentença transitada em julgado por qualquer crime que afecte a sua honorabilidade profissional, no caso de pessoas singulares, ou, no caso de pessoas colectivas, quando tenham sido condenados por aqueles crimes pessoa colectiva ou os titulares dos seus órgãos de administrativo, direcção, gerência, e estes se encontrem em efectividade de funções, em qualquer dos casos sem que entretanto tenha ocorrido a respectiva reabilitação” - realce nosso.
Com efeito, o catálogo de impedimentos (ou “motivos de exclusão” utilizando a expressão prevista nas directivas europeias – cfr. artigo 57.º da directiva 2014/24/UE) encontra-se previsto no artigo 55.º do CCP e traduz-se em circunstâncias que, uma vez verificadas, impedem as entidades, quer singulares, quer colectivas, de participarem em procedimentos de adjudicação e/ou de celebrarem o contrato.
Encontra-se confiada às entidades adjudicantes [e não a qualquer outro ente] a tarefa de identificar os impedimentos à participação dos concorrentes, o que implica a formulação de um juízo quanto a atributos e qualidades pessoais (intersujectivas) do concorrente que não se prendem com nenhum requisito quanto à habilitação profissional.
Naturalmente que a matéria em causa, conforme resulta em grande medida das demais temáticas da contratação pública, é fortemente influenciada pelas directivas europeias, embora o regime nacional não seja inteiramente coincidente com aquele, porquanto, desde logo, a directiva 2014/24/EU, de 26 de Fevereiro de 2014, relativa aos contratos público e que revoga a directiva 2004/18/CE, distingue entre motivos de exclusão obrigatória [previstos no artigo 57.º, n.º 1] e motivos de exclusão facultativa [previstos genericamente no artigo 57.º, n.º 4], enquanto o legislador nacional eleva todos os impedimentos previstos no artigo 55.º do CCP como obrigatórios [não tem o órgão adjudicante a possibilidade de não excluir a proposta sempre que se verifique uma das situações previstas no n.º 1 do artigo 55.º], salvo [e sem prejuízo] se houver relevação do impedimento, nos termos do artigo 55.º-A do CCP
Estabelece o artigo 57.º, n.º 1 da directiva 2014/24/EU que:
“1. As autoridades adjudicantes devem excluir um operador económico da participação num procedimento de contratação se tiverem determinado, mediante verificação em conformidade com os artigos 59.º, 60.º e 61.º, ou se de qualquer outro modo tiverem conhecimento de que esse operador económico foi condenado por decisão final transitada em julgado com fundamento num dos seguintes motivos:
a) Participação numa organização criminosa, tal como definida no artigo 2.º da Decisão-Quadro 2008/841/JAI do Conselho (1);
b Corrupção, tal como definida no artigo 3.º da Convenção relativa à luta contra a corrupção em que estejam implicados funcionários da União Europeia ou dos Estados-Membros da União Europeia (2) e no artigo 2.º, n.º 1, da Decisão-Quadro 2003/568/JAI do Conselho (3), ou ainda na aceção da legislação nacional da autoridade adjudicante ou do operador económico;
c) Fraude, na aceção do artigo 1.º da Convenção relativa à Proteção dos Interesses Financeiros das Comunidades Europeias (4);
d) Infrações terroristas ou infrações relacionadas com atividades terroristas, tal como definidas, respetivamente, no artigo 1.º e no artigo 3.º da Decisão-Quadro 2002/475/JAI do Conselho (5), ou ainda instigação, cumplicidade ou tentativa de infração nos termos do artigo 4.o da referida decisão-quadro;
e) Branqueamento de capitais ou financiamento do terrorismo, tal como definidos no artigo 1.o da Diretiva 2005/60/CE do Parlamento e do Conselho (6);
f) Trabalho infantil e outras formas de tráfico de seres humanos, tal como definidos no artigo 2.o da Diretiva 2011/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho (7).
A obrigação de excluir um operador económico aplica-se também caso a pessoa condenada por decisão final transitada em julgado seja membro dos órgãos administrativos, de direção ou de supervisão desse operador económico ou tenha poderes de representação, decisão ou controlo nesses órgãos”.
O artigo 57.º, n.º 4, da identificada directiva preceitua que:
“4. As autoridades adjudicantes podem excluir ou podem ser solicitadas pelos Estados-Membros a excluir um operador económico da participação num procedimento de contratação, numa das seguintes situações:
a) Se a autoridade adjudicante puder demonstrar, por qualquer meio adequado, o incumprimento das obrigações aplicáveis a que se refere o artigo 18.º, n.º 2;
b) Se o operador económico tiver sido declarado em estado de insolvência ou em processo de insolvência, se os seus bens estiverem sob administração judicial ou por um liquidatário, se tiver celebrado um acordo com os credores, se as suas atividades estiverem suspensas ou se encontrarem em qualquer situação análoga resultante de um processo da mesma natureza nos termos da legislação e regulamentação nacionais;
c) Se a autoridade adjudicante puder demonstrar, por qualquer meio adequado, que o operador económico cometeu qualquer falta profissional grave que põe em causa a sua idoneidade;
d) Se a autoridade adjudicante tiver indícios suficientemente plausíveis para concluir que o operador económico celebrou acordos com outros operadores económicos com o objetivo de distorcer a concorrência;
e) Se houver um conflito de interesses, na aceção do artigo 24.º, que não possa ser eficazmente corrigido por outras medidas, menos invasivas;
f) Se houver uma distorção da concorrência decorrente da participação dos operadores económicos na preparação do procedimento de contratação, a que se refere o artigo 41.º, que não possa ser corrigida por outras medidas, menos invasivas;
g) Se o operador económico tiver acusado deficiências significativas ou persistentes na execução de um requisito essencial no âmbito de um contrato público anterior, um anterior contrato com uma autoridade adjudicante ou um anterior contrato de concessão, tendo tal facto conduzido à rescisão antecipada desse anterior contrato, à condenação por danos ou a outras sanções comparáveis;
h) Se o operador económico tiver sido considerado responsável por declarações falsas ao prestar as informações requeridas para a verificação da ausência de motivos de exclusão ou o cumprimento dos critérios de seleção, tiver retido essas informações ou não puder apresentar os documentos comprovativos exigidos nos termos do artigo 59.º; ou
i) Se o operador económico tiver diligenciado no sentido de influenciar indevidamente o processo de tomada de decisão da autoridade adjudicante, de obter informações confidenciais suscetíveis de lhe conferir vantagens indevidas no concurso, ou tiver prestado, com negligência, informações erróneas suscetíveis de influenciar materialmente as decisões relativas à exclusão, seleção ou adjudicação.
Não obstante a alínea b) do primeiro parágrafo, os Estados-Membros podem exigir ou prever a possibilidade de a autoridade adjudicante não excluir um operador económico que esteja numa das situações referidas nessa alínea, caso a autoridade adjudicante tenha determinado que o operador económico em causa será capaz de executar o contrato, tendo em conta as regras e medidas nacionais aplicáveis à continuação da atividade em situações a que se refere a alínea b)”
Todavia, ainda que por referência à destrinça entre circunstâncias ou fundamentos de exclusão obrigatória e outros de natureza facultativa [em sintonia e na tradição da directiva 2004/18/CE], a fonte normativa europeia aqui citada, ao regular a matéria da exclusão de operadores económicos dos procedimentos de adjudicação, tem o mote de estabelecer e delinear um catálogo fechado (numerus clausus) de motivos susceptíveis de darem origem à exclusão dos concorrentes.
As directivas prevêem “os únicos limites da faculdade dos Estados Membros, no sentido de que estes não podem prever causas de exclusão diferentes das que [nelas] são previstas” [cfr. Acórdão do TJ de 09/02/2006 La Cascina, Proc C.226/04 e C-228/04. No mesmo sentido acórdão Michaniki].
Adiante-se que a questão do âmbito de extensão do impedimento em causa nos autos prevista na alínea b) do n. 1 do artigo 55.º do CCP deve ser entendida e colocada em face da alínea c) do n.º 4 do artigo 57.º da nova directiva. Em relação a esse preceito, o considerando n.º 101 da Directiva 24/2014/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Fevereiro de 2014, diz que “as autoridades adjudicantes deverão, além disso, poder excluir os operadores económicos que se tenham revelado pouco fiáveis, por exemplo na sequência de infrações de obrigações ambientais ou sociais, incluindo as regras em matéria de acessibilidade de pessoas com deficiência ou outras formas de falta profissional grave, como a violação das regras da concorrência ou dos direitos de propriedade intelectual. Deverá ser especificado que uma falta profissional grave pode pôr em causa a idoneidade de um operador económico, desqualificando-o para efeitos de adjudicação de um contrato público, mesmo que tenha a capacidade técnica e económica necessária para executar o contrato”.
No seu acórdão fundamental sobre esta causa de exclusão, a decisão Forposta [processo n.º C-465/11], o TJUE definiu o conceito de “falta em matéria profissional”, em termos assinalavelmente amplos, como “qualquer comportamento culposo que tenha incidência na honorabilidade profissional do operador em causa”, acrescendo que o conceito não se circunscreve a “violações das regras deontológicas na estrita acepção da profissão à qual pertence esse operador, que sejam constatadas pelo órgão disciplinar previsto no quadro dessa profissão ou por uma decisão jurisdicional com força de caso julgado”.
O Tribunal de Justiça da União europeia tem assumido um conceito lato de falta de profissional grave, cuja tónica reside num comportamento culposo que tenha incidência na honorabilidade profissional do operador.
Retomando à regulação nacional prevista no artigo 55.º, n.º 1, alínea b), relativamente às pessoas colectivas, a condenação dos titulares dos órgãos sociais de administração, direcção ou gerência pelos crimes ali referidos tem efeitos impeditivos se os mesmos tiverem sido cometidos no exercício das respectivas funções sociais ou por causa delas, só assim se podendo considerar que fica afectada a sua honorabilidade profissional, e, sublinhe-se, desde que estes ainda se encontrem em efectividade de funções e enquanto não ocorre a reabilitação.
Quanto a este último ponto, é ponto assente e incontestável que quer a Autora, quer o seu administrador AFC, foram condenados pela prática de crime de abuso de confiança fiscal e aquele seu administrador continua no exercício de funções – factos assentes em A) a F) e S) do probatório.
A situação em presença relata que a Entidade Demandada subsumiu a descrição realizada no parágrafo anterior à previsão legal vinculada determinante do impedimento previsto na referida alínea b) do artigo 55.º do CCP.
A resposta a dar à questão de saber se a condenação pela prática do crime de abuso de confiança fiscal afecta a honorabilidade do seu agente, in casu da Autora e do seu Administrador, obteve resposta cabal e favorável por douto acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, no âmbito do processo n.º 1675/17.7BEBRG, num processo em que era parte activa a aqui Autora [ali Recorrente], havendo inclusive similitude (quase total) de questões suscitadas, constando-se isso mesmo do mero cotejo das alegações de recurso apresentadas pela Autora e da petição inicial ora deduzida.
No referido aresto, sumariou-se o seguinte entendimento que ora se transcreve:
“I- Entendeu o Tribunal a quo, e aqui corrobora-se, que os certificados de registo criminal da pessoa colectiva ora Recorrente e ainda de um dos seus administradores, constituídos por condenações crime pelos tipos de ilícito de “abuso de confiança fiscal” consubstanciam crimes que representam uma efectiva afectação da idoneidade profissional - porque emergente da pessoal - do legal representante da pessoa colectiva aqui Recorrente, bem como da própria Autora/Recorrente enquanto tal;
I.1-por outro lado, não se detectam vícios que afectem as deliberações e decisões tomadas no procedimento pré-contratual sub judice, razão pela qual se mantém na ordem jurídica a sentença sob censura que declarou essa conformidade legal”.
Por os fundamentos acolhidos no acórdão merecerem inteira concordância, no sentido de que a condenação com trânsito em julgado da sentença por crime de abuso de confiança fiscal é fundamento bastante para se considerar a verificação da condenação por um crime que afecta a honorabilidade profissional do agente, aqui se apropria para efeitos de ponderação da decisão a proferir, e, radicando em considerações de economia processual, bem assim a necessidade de uniformidade de jurisprudência (artigo 8.º, n.º 3 do CC), transcrevem-se as seguintes passagens:
-entendeu o Tribunal que os certificados de registo criminal da pessoa colectiva aqui Recorrente e ainda de um dos seus administradores, constituídos por condenações crime pelos tipos de ilícito de “abuso de confiança fiscal” consubstanciam crimes que representam uma efectiva afectação da idoneidade profissional - porque emergente da pessoal - do legal representante da pessoa colectiva, ora Recorrente, bem como da própria Autora/Recorrente enquanto tal;
-no essencial está em questão saber se os crimes estabelecidos nos registos criminais, afectando tanto a Autora pessoa colectiva como o seu legal representante são ou não aptos a consubstanciar um crime qualificável como apto a afectar a “honorabilidade profissional” dos visados, a quem os registos criminais respeitam;
-parte-se da aproximação de que a lei não definiu o que deve entender-se pelo impedimento aqui em causa: está ou não afectado de impedimento, nos termos da norma do artº 55º/1/b) do CCP quem foi condenado pelo crime de abuso de confiança fiscal?
-a Autora/Recorrente defende que um tal crime “em nada belisca” a honorabilidade profissional do concorrente ao procedimento concursal mas seguro é concluir-se que não só belisca como põe gravemente em crise essa honorabilidade profissional; porque não há exercício profissional, com a representação financeira/contabilística das vantagens patrimoniais reflexas, sem incidência fiscal - que constitui a mais profunda responsabilidade dos sujeitos perante o Estado/Administração Pública;
-com efeito este segmento normativo do impedimento previsto no Código dos Contratos Públicos pretende abranger não apenas os crimes específicos próprios, vg os crimes previstos nos artºs 372º e segs, mas aquela acção criminosa (em abstracto) que abala a credibilidade do agente perante a própria Administração Pública, de que o crime de evasão fiscal ou de abuso de confiança fiscal, mais grave que aquele, é um expoente;
-na verdade, não faria sentido e colidiria com a aplicação em plenitude, do Direito, que a própria Administração Pública estabelecesse relações contratuais, com repercussão financeira, com quem prevaricou perante si;
-e que tendo meios de levantar esses impedimentos, não o fez;
-a concorrente “AC & Filhos, S.A.”, então adjudicatária no concurso público “Centro de Respostas Integradas de B…”, notificada para apresentar os documentos de habilitação, apresentou certidões de registo criminal de um dos administradores, a saber, AFC, bem assim como da própria sociedade, dos quais constam condenações por crimes de abuso de confiança fiscal, a saber, seis crimes;
-o Código dos Contratos Públicos exige que o adjudicatário se encontre habilitado para essa adjudicação, designadamente através da demonstração, nessa fase, de que não possui qualquer impedimento derivado de - entre outros - crime que afete a sua honorabilidade profissional se entretanto não tiver ocorrido a sua reabilitação, pelo qual tenham sido condenados titulares de órgãos sociais de administração e estes se encontrem em efectividade de funções;
-ora, o administrador em causa é membro do Conselho de Administração, e conforme certidão apresentada pela própria sociedade encontra-se em efectividade de funções;
-não se encontra reabilitado dos crimes cometidos e esses crimes afectam a honorabilidade profissional, como bem decidiu o Tribunal recorrido;
-esse mesmo é o entendimento de Jorge Andrade da Silva em “Código dos Contratos Públicos - Comentado e Anotado”, Almedina, março 2009, págs. 204 a 205, que aduz que de entre os crimes que se incluem naquela qualificação, se conta o de “abuso de confiança”, como tal punido pelo artigo 205º do Código Penal;
-o crime constante dos registos criminais do administrador e da sociedade é precisamente um de abuso de confiança, com o caráter particular que é do foro fiscal, ou seja, atinge o próprio Estado - lê-se nas contra-alegações;
-tratou-se de crime praticado no exercício da actividade profissional e por causa dela;
-a pugnar-se, como entende a Autora/Recorrente que tal crime não afecta a honorabilidade profissional teríamos que actos desenvolvidos no âmbito da actividade profissional e que foram sujeitos a um processo judicial no qual, com todas as garantias de um processo-crime, foi sentenciado constituírem actividade criminosa, não teriam qualquer impacto na avaliação que é feita da conduta profissional do administrador e sociedade, entendimento que não podemos subscrever;
-e também não pode proceder o entendimento de que um abuso de confiança fiscal que consubstancia um crime contra o património e, mais concretamente, um crime contra a propriedade, possa não afectar a honorabilidade profissional se se considera, por outro lado, que um crime de abuso de confiança que afecta a propriedade de outrem que não o Estado, afecta essa honorabilidade. -a reabilitação relativamente aos crimes não ocorreu ainda, pois nesse caso já nada constaria no certificado de registo criminal;
-e não se diga, como pretende a Recorrente que a caducidade da adjudicação levou ao afastamento de um operador do mercado ou um impedimento/proibição de exercício da profissão proibido pela Constituição da República Portuguesa;
-é que esse operador não está impedido de desenvolver a sua actividade, não estando como tal impedido do exercício de qualquer direito civil ou profissional; existe, isso sim, um impedimento legal à contratação pública, com o Estado ou pessoas abrangidas pelo Código dos Contratos Públicos quando exista um crime contra a honorabilidade profissional, como aqueles pelos quais foram condenados administrador e sociedade;
-ademais assistiria também aos Autores a possibilidade de requerer o cancelamento provisório, total ou parcial, das decisões que deveriam constar do certificado de registo criminal, nos termos do artigo 12º da LIC, uma vez que o fim a que este se destina é um de exercício de actividade, nos termos do nº 6 do artigo 10º da LIC;
-no entanto, este cancelamento provisório - que permitiria o desenvolvimento da actividade inclusive ao nível da administração pública - também não terá sido requerido ou decretado pelo juiz de execução de penas, já que as inscrições das penas subsistem nos certificados de registo criminal;
Por último, importa precisar que, tendo sido interposto recurso de revista para o Colendo Supremo Tribunal Administrativo, o mesmo não foi admitido [cfr. processo n.º 795/18].
Em face do exposto, entende-se que existe uma ligação íntima entre a conduta e resolução criminal [apropriação de verbas/dinheiros provenientes de impostos que consubstanciam em receitas públicas necessárias à satisfação de necessidade colectivas e/ou o incumprimento ou retardamento do dever legal e profissional de entregar o montante de imposto que deve dar entrada nos cofres do estado], que levou à condenação por crime de abuso de confiança fiscal, e o exercício profissional [foi por causa dela] da aqui Autora.
Os delitos pelos quais Autora e administrador foram condenados por sentença transitada em julgado põe em causa a rectidão da conduta profissional de uma empresa consciente e zelosa dos seus deveres profissionais e, por consequente, afecta inelutavelmente a honorabilidade considerando a natureza do crime em presa [um crime contra a propriedade].
Deste modo, entende-se que os crimes inscritos nos certificados de registo criminal quer da pessoa colectiva quer ainda do seu administrador, pela preenchimento e prática de ilícito de “abuso de confiança fiscal” consubstanciam crimes que determinam a afectação da honorabilidade profissional e, deste modo, são impeditivos à celebração do contrato e à própria participação no procedimento concursal, nos termos do disposto no artigo 55.º, n.º 1, alínea b) do CCP.
Importa avançar e tomar posição quanto aos argumentos utilizados pela Autora com o intuito de debelar a asserção realizada no parágrafo anterior.
A Autora pugna de forma reiterada no seu articulado que, resultando do certificado de registo criminal que à Autora e ao seu Administrador não foi aplicada qualquer sanção acessória, concretamente, a sanção de proibição de participação em contratos públicos, tal é prova bastante de que, com a prática do crime de abuso de confiança fiscal, não resultou beliscada a sua idoneidade e honorabilidade profissional.
Não se acompanha tal posição, salvo o devido respeito.
Em primeiro lugar, não resulta expresso de nenhum normativo suscitado pela Autora a exigência clara no sentido de uma verificação externa e adicional para aplicação do impedimento em análise, como seja a aplicação de uma sanção acessória de proibição de participar em procedimentos de contratação pública, antes resulta claro do preceito em apreço que se permite à entidade adjudicante averiguar e concluir pela ocorrência de uma falta dessa natureza por estar em causa um concorrente que foi sujeito a condenação por sentença transitada em julgado por qualquer crime que afecte a sua honorabilidade profissional. A lei basta-se com uma condenação judicial em processo crime, transitada em julgado, pela prática da infracção e desde que a infracção praticada comprometa a idoneidade do operador faltoso, não cumulando a exigência de uma condenação que aplique, em concreto, a inibição de participar em procedimentos concursais.
A Autora procura arrimo para a sua posição através da ponderação do texto legal previsto no artigo 57.º, n.º 2, da directiva n.º 2014/24/EU, na qual se estatuiu que “Um operador económico fica excluído da participação num procedimento de contratação se a autoridade adjudicante tiver conhecimento de que não cumpriu as suas obrigações em matéria de pagamento de impostos ou contribuições para a segurança social e se tal tiver sido determinado por decisão judicial ou administrativa transitada em julgado e com efeito vinculativo de acordo com as disposições legais do país onde se encontra estabelecido ou do Estado-Membro da autoridade adjudicante”, daí (também) retirando a exigência de uma sentença que determine a exclusão do procedimento
Tal preceito deve ainda ser lido em conjugação com o considerando n.º 100 quando aí se expende que “O não pagamento de impostos ou de contribuições para a segurança social deverá conduzir à exclusão obrigatória a nível da União. Todavia, os Estados-Membros deverão ter a possibilidade de prever uma derrogação a essas exclusões obrigatórias em situações excecionais em que razões imperativas de interesse geral tornem indispensável a adjudicação de um contrato. Pode ser esse o caso, por exemplo, se determinadas vacinas ou equipamento de emergência só puderem ser obtidos junto de um operador económico ao qual se aplica um dos motivos de exclusão obrigatória”.
Todavia, não assiste razão à Autora, considerando, desde logo, que tal norma veio a ser transposta através das alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 55.º do CCP, relativamente ao impedimento que advém da existência de dívidas de contribuições para a segurança social de imposto em Portugal ou no estado de que os concorrentes sejam nacionais ou no qual se situe o seu estabelecimento principal, não tendo sido esse o fundamento de exclusão e/ou declaração de caducidade da adjudicação.
Deste modo, de tal norma não se pode retirar qualquer elemento interpretativo no sentido de o impedimento à celebração dos contratos públicos tem de ser judicial determinado, visto que a norma que serviu de fundamento ao agir administrativo foi o artigo 55.º, n.º 1, alínea b) do CCP, cuja redacção foi o resultado da transposição do disposto no 57.º, n.º 4, alínea c), da directiva 2014/24/UE e não o artigo 57.º n.º 2, da mesma directiva.
A Autora alega ainda que, nos termos da lei, designadamente do disposto na Lei n.º 41/2015, a entidade competente para aferir da idoneidade/honorabilidade das empresas do sector da construção é o IMPIC, I.P. [Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção], sendo que é a esta entidade que compete aferir se determinado operador económico está habilitado ou impedido de celebrado contratos públicos e, não tendo a referida entidade estipulado ou decidido nesse sentido, não pode a entidade demandada fundar o seu impedimento com base no artigo 55.º, n.º 1, alínea b) do CCP.
Salvo o devido respeito, não acompanhamos minimamente a posição da aqui Autora.
Vejamos.
Não se olvida que, nos termos do disposto no artigo 5.º da Lei n.º 41/2015, de 03 de Junho, o exercício da actividade de empreiteiro de obras públicas por prestador estabelecido em território nacional depende de alvará ou certificado a conceder pelo IMPIC, I.P., o qual, depende, por seu turno, de o empreiteiro possui idoneidade comercial, a aferir nos termos e para os efeito do artigo 9.º do mesmo diploma.
O nº 5 do artigo 9.º do diploma referido estabelece o elenco de crimes cuja condenação em pena de prisão efectiva, transitada em julgado, permite considerar comercialmente não idóneos os representantes legais, estipulando o seguinte que ora se transcreve:
“- Podem ser também considerados comercialmente não idóneos os representantes legais de empresas de construção que tenham sido condenados em pena de prisão efectiva, transitada em julgado, pela prática de qualquer dos seguintes crimes:
a) Burla ou burla relativa a trabalho ou emprego;
b) Insolvência dolosa, insolvência negligente, favorecimento de credores ou perturbação de arrematações;
c) Falsificação ou contratação de documento, quando praticado no âmbito da actividade da construção;
d) Infracção de regras de construção, dano em instalações e perturbação de serviços;
e) Desobediência, quando praticado no âmbito da actividade da construção;
f) Corrupção;
g) Fraude na obtenção de subsídio ou subvenção, desvio de subvenção, subsídio ou crédito bonificado, fraude na obtenção de crédito e ofensa à reputação económica”;
Sucede que, o IMPIC, I.P. não possui qualquer competência legal em matéria de formulação de juízos quanto à presença dos impedimentos previstos no artigo 55.º do CCP, nem nos autos está em causa aferir a (i) legalidade da decisão de não atribuição de alvará para o exercício da actividade profissional nem mesmo a cassação ou cancelamento de alvará e de certificados necessários à prossecução da actividade.
Na verdade, e contrariamente ao defendido pela Autora, o sistema de verificação dos impedimentos no sistema português radica na verificação “caso a caso, “contract-by-contract”, por cada entidade adjudicante, em cada procedimento concreto” [cfr. Direito dos Contratos Públicos, Pedro Costa Gonçalves, 2.ª edição, vol. 1, Almedina, pg 629], sem a intervenção de qualquer outra entidade externa que possa influenciar tal decisão.
No caso dos autos, não cabe chamar à colação as atribuições do IMPIC, I.P., em matéria de atribuição/emissão de alvará ou certificados e dos demais pressupostos legais da sua actuação previstos na lei n.º 41/2005, dado que os requisitos legais quanto aos concretos impedimentos para celebrar um determinado contrato hão-de buscar-se na regulamentação específica que disciplina tal matéria prevista no artigo 55.º. do CCP.
Estando em causa matérias distintas – a uma banda os concretos impedimentos que o legislador consagrou como obstáculo à celebração do contrato ou participação de procedimento e a outra os requisitos necessários para a emissão de alvará ou certificado para o exercício da actividade de construção civil -, não se reconhece razão à aqui Autora.
Por outras palavras, o facto de a Autora ser alegadamente possuidora de alvará válido e eficaz para o exercício da sua actividade profissional, não significa que a entidade demandada não possa, no uso dos poderes previstos no artigo 55.º, n.º 1, alínea b), 81.º e 85.º todos do CPC, aferir da idoneidade/honorabilidade profissional para a celebração do contrato, uma vez que não consta do elenco das atribuições confiadas ao IMPIC, I.P a verificação de (qualquer) impedimento para a celebração do presente contrato público de empreitada de obras públicas.
Advoga a Autora que o decreto-lei n.º 59/99, de 02 de Março (RJEOP), no artigo 55.º, n.º 1, alínea b), remetia o regime dos impedimentos para os requisitos de idoneidade previstos nas alínea b), c), d), e) f) e g) do n.º 1 do Decreto-Lei n.º 61/99, de 02 de Março, diploma que regulava o acesso e permanência na actividade de empreiteiro de obras públicas e de industrial de construção civil.
Assevera a Autora que, tendo o decreto-lei n.º 59/99, de 02 de Março, sido revogado pelo decreto-lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro, e o Decreto-Lei n.º 61/99, de 2 de Março sido revogado pelo Decreto-Lei n.º 12/2004, de 9 de Janeiro, que, por sua vez, foi revogado pela Lei n.º 41/2015, de 03.06, terá de se considerar que existe uma remissão “implícita” da alínea b) do n.º 1 do artigo 55.º do CCP, para o artigo 9.º da Lei n.º 41/2015, de 03 de Junho, no que respeita aos crimes susceptíveis de afectar a honorabilidade profissional.
Não se afigura ser esta a mais correcta interpretação dos referidos preceitos.
Com efeito, enquanto o regime previsto no artigo 55.º, n.º 1, alínea b) do Decreto-Lei n.º 59/99, de 02 de Março previa expressamente uma norma remissiva para disciplinar e identificar os requisitos de idoneidade para o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 61/99, o legislador do CCP optou por regular autonomamente a referida matéria através da consagração no CCP, ainda que com recurso a uma norma que inclui um conceito indeterminado [“qualquer crime que afecte a sua honorabilidade profissional”], de modo a conferir ao interprete a tarefa de identificar em face da concreta condenação por sentença transitada em julgado se o crime/tipo ilícito afecta a honorabilidade, excluindo assim a figura da tipificação de elenco dos crimes ou o catálogo exaustivo dos crime que afectam a honorabilidade, conforme outrora vigorou, ainda que por remissão. Por outro lado, o CCP, aprovado pelo DL n.º 18/2008, de 29 de Janeiro, afastou-se claramente da solução remissiva prevista no artigo 55.º, n.º 1, alínea b) do Decreto-Lei n.º 59/99, de 02 de Março, sendo que as suas posteriores alterações mantiveram a autonomização do tratamento da referida questão no seio do diploma que regula os contratos públicos, mesmo após a entrada em vigor da Lei n.º 41/2015, de 03 de Junho, e o legislador não encetou qualquer alteração legislativa que permita suportar a interpretação realizada pela Autora de que existe uma remissão implícita para outro diploma.
Improcede, assim, a argumentação da Autora.
Importa ainda analisar a questão do limite temporal durante o qual vigorará o impedimento.
O artigo 55.º, n.º 1, alínea b) do CCP aponta a reabilitação como facto temporal extintivo que afasta a situação de impedimento [mantém-se vigente o impedimento “se entretanto não tiver ocorrido a sua reabilitação”].
Tal conceito, oriundo do direito penal, eleito pelo legislador não poderá deixar de ser interpretado de acordo com o sentido que o mesmo tem no ordenamento jurídico, tanto mais que o preceito em referência se funda precisamente numa sentença condenatória em matéria penal, assentando portanto num registo inicial das decisões punitivas.
Deste modo, afigura-se-nos que o conceito utilizado pelo legislador nacional no preceito em referência, quando refere em concreto que o impedimento fundante de uma sentença condenatória em processo penal do qual resulta uma condução pela prática de um crime que afecta e mancha a honorabilidade profissional cessa com a reabilitação, terá de ter o sentido utilizado no direito criminal ou penal, por não resultar outro no caso que se imponha.
Ora, o conceito em referência encontra-se associado à ideia de cancelamento definitivo das decisões punitivas no registo criminal, e é um direito subjectivo de todo o ex-condenado já efectivamente ressocializado (vide Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, Lisboa, 1993, p. 655).
A reabilitação legal ou de direito opera de forma automática, formando-se com o simples decurso do tempo e a ausência de novas condenações sobre o indivíduo ou o ente, e baseia-se na presunção da sua resocialização [A.M. Almeida Costa, O registo criminal. História. Direito comparado. Análise político-criminal do instituto, Coimbra, 1985, páginas 217-8, e 393 J. Figueiredo Dias, Direito Penal Português. As consequências jurídicas do crime, Lisboa, 1993, página 655].
Entende a doutrina autorizada que, com a reabilitação cessa o estado de perigosidade e indignidade do réu ex-condenado e deixam de se justificar as considerações de necessidade de defesa social [A.M. Almeida Costa, O registo criminal. História. Direito comparado. Análise político-criminal do instituto, Coimbra, 1985, páginas 213-4].
A Lei de Identificação Criminal (LIC), Lei n.º 37/2015, de 05.05, que revogou a Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto (que já tinha sofrido algumas alterações, as mais significativas tendo sido as introduzidas pela Lei n.º 114/2009, de 22 de Setembro), caracteriza-se ainda por, “sob outras vestes, […]ter mantido o instituto da reabilitação legal ou de direito [Acórdão do Colendo Supremo Tribunal Administrativo, datado de 21 Maio 2015, proferido no processo 0129/15]. No acórdão em vista, o Alto Tribunal lavrou a seguinte consideração que aqui deixamos nota: “Atentemos agora no instituto da reabilitação. Deixando de parte as considerações históricas a seu respeito, pode afirmar-se que actualmente ocorre uma assimilação desta figura ao simples cancelamento do registo criminal. Dito de outro modo, “Do ponto de vista dos resultados práticos, equivale a reabilitação ao cancelamento do registo criminal” (vide A.M. Almeida Costa, O registo criminal. História. Direito comparado. Análise político-criminal do instituto, Coimbra, 1985, p. 217. Ver ainda J. Figueiredo Dias, Direito Penal Português. As consequências jurídicas do crime, Lisboa, 1993, p. 653).”. Continua o Alto Tribunal, relativamente ainda quanto ao mesmo diploma, “o legislador de 2015 manteve, e porventura clarificou, esta figura do cancelamento das decisões judiciais, associada ao instituto da reabilitação legal ou de direito. No artigo 11º (Cancelamento definitivo), que corresponde ao anterior artigo 15.º (Cancelamento definitivo), pode ler-se o seguinte: “1 – As decisões inscritas cessam a sua vigência no registo criminal nos seguintes prazos: a) Decisões que tenham aplicado pena de prisão ou medida de segurança, com ressalva dos prazos de cancelamento previstos na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, decorridos 5, 7 ou 10 anos sobre a extinção da penas ou medida de segurança, se a sua duração tiver sido inferior a 5 anos, entre 5 e 8 anos ou superior a 8 anos, respetivamente, e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza; b) Decisões que tenham aplicado pena de multa principal a pessoa singular, com ressalva dos prazos de cancelamento previstos na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, decorridos 5 anos sobre a extinção da pena e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza; (…) 6 – As decisões cuja vigência haja cessado são mantidas em ficheiro informático próprio durante um período máximo de 3 anos, o qual apenas pode ser acedido pelos serviços de identificação criminal para efeito de reposição de registo indevidamente cancelado ou retirado, e findo aquele prazo máximo são canceladas de forma irrevogável”.
Nos termos do referido artigo 11.º da Lei de Identificação Criminal, o cancelamento definitivo no registo criminal verifica-se quando tenha decorrido um certo prazo (5, 7 ou 10 anos) desde a data da extinção da pena ou da medida de segurança ou, nalguns casos, desde o trânsito em julgado.
Por outro lado, a norma constante do artigo 229º n.º 1 do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, aprovado pela Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro (CEPMPL) permite que seja requerida a reabilitação judicial ou seja, o cancelamento provisório do registo criminal para fins de emprego, público ou privado, de exercício de profissão ou actividade cujo exercício dependa de título público, de autorização ou homologação da autoridade pública, ou para quaisquer outros fins legalmente permitidos.
Centrando-se na análise do referido preceito, com acuidade e pertinência pondera José Azevedo Moreira [“Os «motivos de exclusão» na Directiva 2014/24/EU, in Revista de Contratos Públicos, Edição Cedipre e Almedina, n.º 13 “Reforma Europeia da Contratação Pública”, pg. 75 e 76], “Pressupondo que terá sido este o sentido pretendido pelo legislador, os impedimentos fundados nas condenações judiciais previstas na alíneas b) e i) do artigo 55.º do CCP manteriam os seus efeitos, designadamente enquanto se não esgotassem os prazos de cancelamentos previstos na chamada Lei de identificação criminal”, mais se deixando consignado no mesmo local, com grande relevância, que tem sido detectada na literatura jurídica mais recente uma “sinonímia legalmente consagrada” entre os conceitos de reabilitação e de cancelamento do registo, alicerçada na constatação prática de que “é através do cancelamento do registo que se viabiliza a reabilitação” [cfr. ainda a doutrina aí citada].
Por último, fazendo apelo à lei de identificação criminal no âmbito da interpretação do artigo 55.º, nº 1, alínea b) do CCP, no acórdão proferido no processo n.º 1675/17.7BEBRG, já citado em que é Autora/Recorrente igualmente a aqui Parte Demandada: “-ademais assistiria também aos Autores a possibilidade de requerer o cancelamento provisório, total ou parcial, das decisões que deveriam constar do certificado de registo criminal, nos termos do artigo 12º da LIC, uma vez que o fim a que este se destina é um de exercício de actividade, nos termos do nº 6 do artigo 10º da LIC;
-no entanto, este cancelamento provisório - que permitiria o desenvolvimento da actividade inclusive ao nível da administração pública - também não terá sido requerido ou decretado pelo juiz de execução de penas, já que as inscrições das penas subsistem nos certificados de registo criminal;
Cientes destes considerandos, conforme resulta do probatório e está patenteado no Processo Administrativo, como se viu, os crimes pelos quais a Autora e o seu administrador foram condenados encontram-se inscritos nos registos criminais respectivos, não vindo alegado e demonstrado que ocorreu a reabilitação legal ou de direito [pelo decurso dos prazos já referidos], nem que tenha sido requerida a reabilitação judicial. O que significaria dever ter-se por não verificado o requisito previsto/facto extintivo do impedimento fundante do acto de declaração de caducidade da adjudicação da proposta da aqui Autora.
Não se olvida em concreto a opção realizada pelo legislador europeu, que no artigo 57.º, n.º 7 da directiva 2014/24/EU estipula que “Se o período de exclusão não tiver sido fixado por decisão transitada em julgado, esse prazo não pode ser superior a cinco anos a contar da data da condenação por decisão transitada em julgado nos casos referidos no n.º 1 e três anos a contar da data do facto pertinente nos casos referidos no n.º 4.” Conforme bem refere José Azevedo Moreira, a concreta opção do legislador nacional, poderá significar a “possibilidade de os referidos impedimentos operarem por um prazo superior ao período máximo consentido pela nova directiva” [“Os «motivos de exclusão» na Directiva 2014/24/EU, in Revista de Contratos Públicos, Edição Cedipre e Almedina, n.º 13 “Reforma Europeia da Contratação Pública”, pg. 76]. Ora, sem prejuízo da potencial (des) conformidade da solução em causa com as orientações e injunções europeias em sede de transposição da directiva, ao contrato público em causa – e respectivo procedimento concursal tendente à sua celebração - não é aplicável a directiva comunitária em análise, por não se integrar nos limites mínimos [a propósito conferir o artigo 4.º alínea a) da directiva].
Para o que agora releva, se por um lado, a edificação do regime dos impedimentos visam que na contratação pública participem apenas concorrentes responsáveis como forma de protecção da entidade adjudicante, verificando-se, por outro, que a situação dos autos revela a presença do impedimento previsto na alínea b) do artigo 55.º do CCP, temos por evidente que improcedem as ilegalidades imputadas ao acto sob escrutínio, designadamente, o acto de declaração de caducidade da adjudicação.
Não obstante a Autora entender que não existe impedimento aplicável à situação sub judice e que não se encontra obrigada a demonstrar a sua idoneidade, fazendo apelo ao artigo 55.º-A, n.º 2, do CCP invoca que (i) pelo facto de as penas se encontrarem extintas, pagas as multas e ressarcido o Estado dos montantes de imposto em falta, resulta provado que a Autora ressarciu e tomou todas as medidas para ressarcir os eventuais danos causados pela infracção penal (artigo 55.º-A, n.º 2, alínea a) do CCO), (ii) tal como resulta quer das sentenças condenatórias, quer da concreta pena aplicada, a Autora e seus legais representantes esclareceram integralmente os factos e as circunstâncias da prática do crime através de colaboração activa com as autoridades responsáveis pelo inquérito (artigo 55.º-A, n.º 2, alínea b) do CCP), (iii) após as condenações vertidas no certificado de registo criminal não houve condenação ou prática de qualquer facto criminoso, tendo adoptado todas as medidas técnicas, organizativas e de pessoal adequadas para evitar outras infracção (artigo 55.º-A, n.º 2, alínea c) do CCP), tendo inclusive retirado do conselho de administração, o Sr. Custódio Ferreira Correia, sendo que, desde essa data, não foram mais praticados quaisquer crimes pela Autora.
Com a referida argumentação, a Autora concluiu que possui a exigível fiabilidade, idoneidade e honorabilidade profissional para ser adjudicatária.
Vejamos.
O preceito em análise que serve de arrimo à alegação da Autora, mormente o disposto no artigo 55.º-A, n.ºs 2 e 3, do CCP, tem o seguinte teor que ora se transcreve:
“2 - O candidato ou concorrente que se encontre numa das situações referidas nas alíneas b), c), g), h) ou l) do n.º 1 do artigo anterior pode demonstrar que as medidas por si tomadas são suficientes para demonstrar a sua idoneidade para a execução do contrato e a não afectação dos interesses que justificam aqueles impedimentos, não obstante a existência abstracta de causa de exclusão, nomeadamente através de:
a) Demonstração de que ressarciu ou tomou medidas para ressarcir eventuais danos causados pela infracção penal ou falta grave;
b) Esclarecimento integral dos factos e circunstâncias por meio de colaboração activa com as autoridades competentes;
c) Adopção de medidas técnicas, organizativas e de pessoal suficientemente concretas e adequadas para evitar outras infracções penais ou faltas graves”.
3 - Tendo por base os elementos referidos no número anterior, bem como a gravidade e as circunstâncias específicas da infracção ou falta cometida, a entidade adjudicante pode tomar a decisão de não relevar o impedimento.
O artigo 57.º, n.º 6, da directiva 2014/274/UE veio prever a possibilidade de, em determinadas condições a demonstrar pelos candidatos ou concorrentes, as situações de impedimento elencadas nos seus n.ºs 1 e 4 poderem ser relevadas pela entidade adjudicante - é o designado processo de self-cleaning.
Nessa ordem de ideais, o artigo 55.º-A, n.ºs 2 e 3 do CCP, introduzido pelo Decreto-Lei n.º 111-B/2017 vem transpor o mencionado n.º 6 do artigo 57.º da directiva 2014/24/EU, regulando o processo de relevação das situações de impedimento que constam do precedente artigo 55.º, criando um mecanismo tendente a permitir ao concorrente, ao longo do procedimento administrativo e perante a entidade adjudicante, demonstrar que adoptou as medidas destinadas a evitar a reincidência nos factos inabilitantes, e, desde modo, lograr a oportunidade de participar em procedimentos de contratação pública.
Questiona-se, em primeiro lugar, o momento derradeiro em que o concorrente pode fazer a prova de que tomou as medidas que se subsumem ao conceito de self cleaning que, na prática funciona como imposição de limites à exclusão de operadores dos procedimentos adjudicatórios.
Existe doutrina autorizada que refere que a questão da relevação de um impedimento pode ser levantada pelo candidato ou concorrente logo na sua candidatura ou proposta (cfr. Pedro Goncalves in Direito dos Contratos Públicos, 2.ª edição, vol 1, Almedina, pg. 677).
Por outro lado, importa frisar, que a competência para decidir o pedido atinente à relevação de impedimento pertence nos termos legais à “entidade adjudicante”, e parte da doutrina entende estar, particularmente, acometida ao órgão adjudicante (e não ao júri), por se tratar de competência indelegável (cfr. Pedro Goncalves in Direito dos Contratos Públicos, 2.ª edição, vol 1, Almedina, pág. p.678).
Aliás, embora o CCP não discipline de forma exaustiva a tramitação do procedimento, na parte em que é enxertado no procedimento de formação do contrato a formulação de pedido de relevação ou a emissão da respectiva decisão, não suscita dúvidas que as decisões que determinem a verificação da existência de impedimento ou que não há lugar à relevação de impedimentos podem ser objecto de impugnação judicial nos termos gerais e são sujeitas aos deveres de fundamentação e demais garantias procedimentais dos particulares.
Contudo, admite-se situações, em que o concorrente se declara como não impedido apesar de em abstracto se encontrar em situação de impedimento, e a questão apenas vem a ser suscitada oficiosamente pela entidade adjudicante ou pelos concorrentes ou candidatos, concluindo pela persistência de uma situação de impedimento obstaculizante da celebração do contrato. Nessa hipótese, refere Margaria Olazabal Cabral [Alguns apontamentos sobre os impedimentos no CCP revisto, in Comentários à Revisão do Código dos Contratos Públicos, Almedina, 2018, 2.ª edição pg. 692], “ainda terá de dar oportunidade ao concorrente em questão para demonstrar que esse impedimento deve ser relevado, E isto poderá acontecer a qualquer momento do procedimento, pois, como se referiu, uma entidade impedida (salvo relevação) deve ser excluída do procedimento qualquer que seja o momento em que o impedimento seja detectado (e pré-existisse, ou não, à participação no procedimento)”.
No caso em apreço, conforme se colhe do probatório, a Autora absteve-se por completo de, no procedimento administrativo [até o mesmo culminar] pugnar pela relevação do impedimento, em termos de fornecer os elementos necessários [v.g. através da enunciação das medidas realizadas] para a Entidade Adjudicante ponderar a factualidade e circunstâncias específicas e demais medidas adoptadas, de forma a decidir se releva ou não o impedimento no caso específico.
Note-se que isto foi precisamente apontado pela Entidade Adjudicante em sede de análise da impugnação administrativa interposta, bem como aquando da apreciação do resultado do exercício de direito de audiência prévia, ao concluir que a Autora não apresentou ou enunciou qualquer medida que permitisse formular uma decisão/juízo quanto à relevação do impedimento.
Não tendo submetido o pedido de relevação do impedimento junto da entidade competente [entidade adjudicante] para se pronunciar sobre a questão [ónus que sobre si impendia], e carecendo o mesmo de uma decisão expressa, é insofismável que não pode tal questão ser colocada em fase judicial nem é admissível que a Autora requeira que o Tribunal formule um qualquer juízo quanto à idoneidade à luz do mecanismo previsto no artigo 55.º-A, n.º 2, do CCP, numa tentativa de o Tribunal se substituir à entidade adjudicante, a quem compete, num primeiro lugar, decidir sobre tal matéria.
Deste modo, terá de improceder, totalmente, a pretensão em ver declarada a fiabilidade, idoneidade e honorabilidade da Autora por recurso ao mecanismo de reabilitação previsto no artigo 55.º-A, n.º 2, do CCP.
Das questões relativas à (in) constitucionalidade da solução legal prevista no artigo 55.º, n.º 1, alínea b) do CCP:
A Autora sustenta nos presentes autos que a “interpretação” realizada pela Administração quanto ao disposto no artigo 55.º, n.º 1, alínea b) do CCP, no sentido de que a condenação pelo crime de abuso de confiança fiscal constituiu ope legis um impedimento à celebração de contratos públicos, é materialmente constitucional por violação do artigo 30.º, n.ºs 1 e 4.º da CRP.
Refere a Autora que a existência de uma condenação transitada em julgado em virtude da prática de crimes de abuso de confiança fiscal acarreta, de forma imediata e obrigatória, a impossibilidade de celebração de contratos públicos, fazendo surgir um efeito automático da punição e inviabiliza o acesso a uma determinada profissão e seu posterior exercício.
Importa analisar e ponderar a argumentação da Autora.
Todavia, antes de avançar é importante fazer duas chamadas de atenção, de modo a delimitar a questão suscitada.
Em primeiro lugar, cumpre constatar que, no caso dos autos, não está em causa um qualquer impedimento para o acesso e exercício da profissão, sem prejuízo do que parece alegar a Autora em várias passagens da sua petição, nem sequer é comprometido o “exercício da actividade de construção de obras públicas”. O acto impugnado não tem, minimamente, tal alcance. Em abono da verdade, o impedimento em causa não atinge nenhuma profissão, que apenas as pessoas singulares podem exercer, considerando que estamos perante o impedimento que incide sobre uma pessoa colectiva, bem como não atinge fatalmente o exercício geral da actividade de construção de obras públicas. Pelo contrário, apenas foi declarada a caducidade do acto de adjudicação por verificação de um impedimento para a celebração do contrato em causa nos autos, e tudo diga-se sem que merecesse da Autora uma actividade pro activa no sentido de pretender demonstrar a presença de elementos que comprovem a sua reabilitação ou relevação do impedimento.
Sem embargo do exposto, quer a norma prevista no artigo 55.º, n.º 1, alínea b) do CCP, quer a interpretação segundo a qual a condenação pela prática do crime de abuso de confiança fiscal constituiu a condenação por um crime que afecta a honorabilidade, não se encontram eivadas de inconstitucionalidade material por violação do artigo 30.º, n.ºs 1 e 4 da CRP.
Vejamos as normas convocadas pela Autora, de forma a formular um juízo de conformidade constitucional.
Preceitua o artigo 30.º da CRP que:
“1. Não pode haver penas nem medidas de segurança privativas ou restritivas da liberdade com carácter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida.
(…)
4. Nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos”.
Ora, desde logo, de forma alguma, o impedimento em causa implica a aplicação de uma sanção ou medida punitiva, no sentido de se encontrar a Autora impedida de exercer a sua actividade comercial, mas antes se mostra consagrado um impedimento legal que afecta especialmente a Autora e impede a celebração de contratos públicos com o Estado e demais entes abrangidos pelo âmbito subjectivo do código dos contratos públicos.
Conforme ensina Pedro Gonçalves, na parte que aqui se cita e se reconhece razão, “e mesmo quando representam um efeito automático, por imposição directa da lei (ope legis), da aplicação de sanções (de penas, aplicadas por tribunais, ou de sanções administrativas, incluindo sanções contratuais), os impedimentos não parecem dever considerar-se sanções ou medidas punitivas. O propósito fundamental que orienta a instituição de impedimentos associados à punição pela prática de crimes de outras condutas ilícitas não consiste em punir (rectius, em voltar a punir) o operador económico: as finalidades prosseguidas consistem antes, em proteger a reputação da entidade adjudicante, bem como o seu interesse específico na boa execução do contrato, cuja realização pode estar em risco em face de concorrentes não fiáveis e sem idoneidade profissional, que apresentam risco elevado de mau desempenho; ainda nestes casos, está obviamente presente o propósito de promover valores essenciais, como a moralidade, a ética e a integridade nos negócios públicos” [Pedro Gonçalves, Direito dos Contratos Públicos, 2.ª edição, vol 1, Almedina, pg. 625 e 626].
Cumpre ainda chamar à colação as doutas considerações tecidas pelo TCA Norte no acórdão adrede citado [processo n.º 1675/17.7BEBRG] quando apreciou a questão da conformidade com a solução constitucional prevista nos referidos artigos. Diz-se aí, de forma clarividente que, com a devida vénia, aqui citamos, uma vez mais:
“e não se diga, como pretende a Recorrente que a caducidade da adjudicação levou ao afastamento de um operador do mercado ou um impedimento/proibição de exercício da profissão proibido pela Constituição da República Portuguesa;
- é que esse operador não está impedido de desenvolver a sua actividade, não estando como tal impedido do exercício de qualquer direito civil ou profissional; existe, isso sim, um impedimento legal à contratação pública, com o Estado ou pessoas abrangidas pelo Código dos Contratos Públicos quando exista um crime contra a honorabilidade profissional, como aqueles pelos quais foram condenados administrador e sociedade”.
Assim, temos por certo que a norma do artigo 55.º, n.º 1, alínea b) do CCP, quer a interpretação também aqui sufragada, não infringem o disposto no artigo 30.º, n.º 4, da Constituição, segundo o qual «[Ne]nhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos».
Como já se escreveu no Acórdão n.º 368/08, esta norma constitucional «visa salvaguardar que qualquer sanção penalizadora da conduta punida, independentemente da sua natureza e medida, resulte da concreta apreciação, pela instância decisória, do desvalor dessa conduta, por confronto com os padrões normativos aplicáveis. O que se proíbe é a automática imposição de uma sanção, como efeito mecanicisticamente associado à pena ou por esta produzido, sem a mediação de qualquer juízo, em concreto, de ponderação e valoração da sua justificação e adequação, tendo em conta o contexto do caso. E a proibição é necessária para garantia de efetivação de princípios fundamentais de politica criminal (…)».
A proibição dos efeitos necessários das “penas” estende-se, por identidade de razão, aos efeitos automáticos ligados à “condenação” pela prática de certos crimes (v., neste sentido, Gomes Canotilho/ Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, I, Coimbra, 2007, 505).
Conforme diz-nos Gomes Canotilho e Vital Moreira [obra citada, p. 504 e 505], “perda de direitos tanto pode querer significar perda definitiva, como incapacidade ou impossibilidade temporária de os exercer. Neste sentido, a suspensão é uma perda temporária. “Direitos civis, profissionais ou políticos” parece querer significar, respectivamente os direitos que integram a capacidade civil (art. 26.º-1) ou outros direitos de natureza civil (ex. direito de condução de veículos automóveis), os direitos de escolha e exercício de profissão e de acesso à função pública (art. 47.º), o direito de progressão na carreira (cfr. Ac. TC n.º 355/99) e os direitos de participação política, designadamente o direito de sufrágio e o direito de acesso a cargos públicos (arts. 49.º e 50.º).”
No caso em apreço não nos encontramos no âmbito desta proibição consagrada no artigo 30.º, n.º 4, da CRP. Na verdade, a norma em causa nos autos não prevê uma sanção acessória ou um “efeito necessário” associado à condenação anterior pela prática de um crime. Do que se trata neste 55.º, n.º 1, alínea b) do CCP, é de definir o elenco de impedimento para a celebração de contratos públicos, no que se incluiu, como critério positivo, a idoneidade e honorabilidade, prevendo-se que não poderá celebrar contrato quem não possua idoneidade, nomeadamente, por ter sido condenado por qualquer crime que afecte a sua honorabilidade profissional.
A expressão “crime que afecte a sua honorabilidade profissional” é, em si mesma, um conceito indeterminado, que cabe ao aplicador, em suma ao intérprete preencher, no caso concreto, em função da idoneidade exigida para a celebração do contrato, considerando o âmbito de protecção da norma, mormente o de proteger as entidades adjudicantes. Simplesmente, é avaliado in casu se essa condenação foi aplicada pela prática de um crime “crime que afecte a sua honorabilidade profissional” e como tal demonstrativo de que o candidato não possui “honorabilidade” para a celebração do contrato. E, no caso em apreço, tal ficou demonstrado.
Do exposto resulta que a norma questionada é insusceptível de contender com a proibição constante do artigo 30.º, n.º 4, da CRP.
Resta dizer que a condenação anterior em “crime que afecte a sua honorabilidade profissional” não se mostra um critério desproporcionado, infundado ou desadequado à avaliação da idoneidade.
Por último, também não se acompanha a Autora quanto esta atesta que o artigo 55.º, n. 1, n.º 1, alínea b) do CCP não estabelece um prazo máximo de duração do impedimento, em clara e patente desconformidade com o disposto no artigo 30.º, n.º 1, da CRP, uma vez que da parte final do primeiro preceito resulta que o impedimento se encontra limitado temporalmente, na medida em que apenas vigora e “produz efeito até que tenha ocorrido a respectiva reabilitação”, com o alcance e sentido já interpretado, não se podendo falar de um impedimento de duração ilimitada ou perpétua, contrariamente ao advogado pela Autora, sendo que, em todo o caso, a situação em causa nos autos não envolve a aplicação de uma pena.
Improcede, também sobre este ângulo, o invocado pela Autora.
(…)».
Como a recorrente identifica “Vem o presente Recurso interposto da, aliás, douta decisão que julgou improcedente o pedido da Recorrente”.
Nada a apontar em contrário, e a modos de pouco mais poder ser dito.
A argumentação do recurso não demonstra erro de julgamento.
Vejamos.
Numa primeira declinação do inconformismo da recorrente, após várias interrogações, vem o que esta assinala sob os pontos IV. A VI. das suas conclusões de recurso, sobre a qualificação/integração do crime de abuso de confiança fiscal como “crime que afete a sua honorabilidade profissional” e o dito efeito automático da pena, que ao adiante retoma.
Como consta da decisão recorrida, seguiu esta o já decidido no Ac. deste TCAN, de 28-06-2018, proc. n.º 1675/17.7BEBRG (revista não admitida em Ac. do STA, de 08-10-2018, proc. n.º “01675/17.7BEBRG 0795/18”), com mesma recorrente.
O caso análogo dá logo forte indicação (art.º 8º, n.º 3, do CC).
E julga-se aqui segundo mesma solução, em economia para aí remetendo.
Não vendo erro em não confinar hipóteses de impedimento ao elenco de situações previstas no artigo 9.º, da Lei n.º 41/2015, de 3/6, critério a que a lei ostensivamente também não limitou.
Mas daí não advém um exercício discricionário, mesmo que se reconheça que a inspiração de fonte comunitária (Diretiva 2014/24/EU), com relação às causas facultativas de exclusão, deixe aos Estados-Membros o poder de moderar ou de tornar mais flexíveis os critérios estabelecidos em função de considerações de ordem jurídica, económica ou social que prevaleçam a nível nacional.
O que seja “crime que afete a sua honorabilidade profissional” é conceito indeterminado, que caberá ao aplicador preencher, no caso concreto.
Na aparência dum primeiro olhar, e também por via desta intermediação, pode pensar-se que logo significa que a condenação prévia num crime não tem como efeito automático, nem necessário, o impedimento; restritamente, só há perda de direitos como efeito automático da pena quando tal perda se produz por virtude de uma pena, e ope legis, isto é, quando resulta directamente da lei; é um efeito deste tipo que o artigo 30º, nº 4, da Constituição proíbe, ao dis­por que "nenhuma pena envolve, como efeito necessário, a perda de quaisquer direi­tos civis, profissionais ou políticos"; resultando que a norma questionada será insuscetível de contender com a proibição constante do artigo 30.º, n.º 4, da CRP.
Admite-se, porém, que o cenário de protecção constitucional seja alargado aos casos em que o efeito automático é configurado como uma consequência da condenação pela prática de um crime e não como resultado necessário da aplicação de uma pena.
Nessa medida, não será de arredar liminar discussão.
Mas não se configura no caso esse efeito automático constitucionalmente vedado.
Não bastará perscrutar da conformidade constitucional do impedimento sem atender ao equilíbrio da solução que globalmente enforma.
O impedimento por condenação anterior em “crime que afete a sua honorabilidade profissional” é tomado em conta na ponderação dos interesses sob tutela numa equação em que tempera a revelação do impedimento (art.º 55º-A, d CCP).
A normatividade é a do conjunto.
Essa foi a ratio decidendi.
O tribunal “a quo” teve premissa de que “a entidade demandada constatou que não foi explicitado nem concretizado qualquer motivo ou circunstância que pudesse ser aferido para efeitos da relevação da condenação, nos termos do artigo 55.º-A n.º 2 do CCP, nem sequer foram apresentadas as medidas tomadas e que poderiam ser suficientes para demonstrar a idoneidade para a execução do contrato”, e avaliou que “a Autora absteve-se por completo de, no procedimento administrativo [até o mesmo culminar] pugnar pela relevação do impedimento, em termos de fornecer os elementos necessários [v.g. através da enunciação das medidas realizadas] para a Entidade Adjudicante ponderar a factualidade e circunstâncias específicas e demais medidas adoptadas, de forma a decidir se releva ou não o impedimento no caso específico.”.
O que a argumentação da recorrente não mostra desproporcionado, infundado ou desadequado.
Como nem está em causa uma “perda” indefinida ou ilimitada no tempo, quando a própria norma baliza o impedimento não mais que até à reabilitação.
Numa segunda vertente, explora a recorrente da conformidade da solução nacional para com a Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014 , relativa aos contratos públicos, e que revoga a Diretiva 2004/18/CE.
A desconformidade de norma legislativa interna com as normas comunitárias, de direito originário ou derivado, não constitui um problema de constitucionalidade.
Deverá observar-se que – e também constitucionalmente não resulta semelhante vinculação - não se recolhe nessa Directiva que o impedimento só possa ocorrer por imposição de uma pena acessória [tb. assim no âmbito da Diretiva 2004/18; cfr. o Ac. do Tribunal de Justiça, no acórdão Croce Amica One Italia , de 11/12/2014 (C-440/13, EU:C:2014:2435, n.o 28)].
E não interessa aqui putativa perspectiva do que seria tempo de impedimento caso esse fosse o caso.
O certo é que não é.
E a alegada “caducidade” do impedimento, no caso concreto, não verte.
Não contraria eficazmente a recorrente que “não é aplicável a directiva comunitária em análise, por não se integrar nos limites mínimos [a propósito conferir o artigo 4.º alínea a) da directiva].”.
Pois que, precisamente na perspectiva de sua aplicação de efeito directo, preciso e incondicional é que se “A presente diretiva aplica-se aos contratos cujo valor estimado, sem imposto sobre o valor acrescentado (IVA), seja igual ou superior aos seguintes limiares: a) 5 186 000 UUR para os contratos de empreitada de obras públicas” (artigo 4.º alínea a)), então, nas circunstâncias do caso, ela não é convocável na aplicação do seu art.º 57º, n.º 7 (Os Estados-Membros devem especificar as condições de aplicação do presente artigo por meio de disposições legislativas, regulamentares ou administrativas e tendo em conta o direito da União. Devem, em particular, determinar o período máximo de exclusão no caso de o operador económico não ter tomado medidas, como as especificadas no n.º 6, para demonstrar a sua fiabilidade. Se o período de exclusão não tiver sido fixado por decisão transitada em julgado, esse prazo não pode ser superior a cinco anos a contar da data da condenação por decisão transitada em julgado nos casos referidos no n.º 1 e três anos a contar da data do facto pertinente nos casos referidos no n.º 4.).
As normas das diretivas não se aplicam aos contratos cujo valor não atinja o limiar por elas fixado, sem prejuízo de sujeição às regras fundamentais e aos princípios gerais do Tratado FUE, em particular aos princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação em razão da nacionalidade, e à obrigação de transparência deles decorrente, desde que esses contratos revistam um interesse transfronteiriço certo, tendo em conta certos critérios objectivos (cfr. acórdão Enterprise Focused Solutions, C-278/14, EU:C:2015:228, n.°s. 15 e 16 e jurisprudência aí referida); porém, aqui sem tal interesse transfronteiriço.
Esboroando todo declinada argumentação da recorrente, a erigir em único impedimento a condenação no Processo nº 405/14.0T9BRG - com dissociação entre a empresa proponente e a conduta do administrador constitutiva de crime e a negação de falta grave -, e análise de princípio por aí compartimentada.
***
Pelo exposto, acordam em conferência os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas: pela recorrente, tal como em 1ª instância com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Porto, 26 de Julho de 2019.
Ass. Luís Migueis Garcia
Ass. Frederico Branco
Ass. Conceição Silvestre