Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00010/09.2BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/25/2021
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:MAIS-VALIAS, REINVESTIMENTO, CONSTRUÇÃO ANTERIOR AO GANHO, ALIENAÇÃO DE IMÓVEL, MOMENTO DA TRIBUTAÇÃO,
NORMA DE EXCLUSÃO DA TRIBUTAÇÃO, INTERPRETAÇÃO, INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário:I - As normas de incidência dos tributos, bem como as que concedem isenções ou exclusões de tributação, devem ser interpretadas nos seus exactos termos, sem o recurso à analogia, tornando prevalente a certeza e a segurança na sua aplicação.

II - A alínea b) do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS, na redacção vigente em 2004, apenas contempla a “aquisição a que se refere a alínea anterior” – seja, a da “propriedade de outro imóvel” ou “de terreno para construção” – que não a “construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel”.

III - Não está, assim, excluído da tributação o produto da alienação de imóvel, efectuada posteriormente à construção de outro, ambos para residência permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, alegadamente custeada com tal produto.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:A. e Outra
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A., NIF (…) e I., NIF (…), residentes na Rua (…), interpuseram recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, proferida em 06/03/2020, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de IRS e respectivos juros compensatórios, do ano de 2004, no montante de €25.329,86.

Os Recorrentes terminaram as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:

“i) Os impugnantes, ora recorrentes, invocaram a ilegalidade das correções efetuadas pela AT à sua situação tributária em sede de IRS do ano de 2004, e que motivaram a liquidação adicional de imposto e de juros compensatórios, no valor total de € 25.329,86;
ii) A liquidação adicional resultou da desconsideração da exclusão de tributação, nos termos do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS, das mais valias imobiliárias realizadas com a venda do prédio, designado por fração “S”, inscrito sob o artigo 10.599 da freguesia de (...), em Coimbra, que constituiu o local da sua habitação própria e permanente;
iii) Foi a alienação deste imóvel é que produziu as mais-valias realizadas, as quais, não obstante caírem no âmbito da incidência da norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS, dado que foram reinvestidas na aquisição de materiais e de serviços de construção para construção do “prédio de destino”, devem os sujeitos passivos usufruir do benefício da exclusão de tributação previsto no n.º 5 do artigo 10.º do CIRS;
iv) Alienação do “prédio de partida” foi contextualizada nos termos de um contrato promessa de compra e venda celebrado em 3 de Agosto de 2001, entre os promitentes vendedores, os sujeitos passivos, e dois cidadãos portugueses com residência sinalizada no concelho de Aveiro, mas com residência efetiva na Venezuela, na qualidade de promitentes compradores;
v) Com a outorga do contrato-promessa foi pago o valor do sinal e o início do pagamento do preço e na cláusula 3.ª do contrato-promessa foi estabelecida a calendarização de diversos pagamentos parciais do preço, os quais não foram integral e atempadamente cumpridos, conforme foi provado pela prova produzida;
vi) Os promitentes compradores entraram em situação de incumprimento do contrato-promessa e os promitentes vendedores tiveram de recorrer à modalidade de notificação judicial avulsa para tentar realizar a notificação da data de realização da escritura do contrato prometido, com data marcada para 11 de Novembro de 2002;
vii) As notificações dos promitentes compradores que os promitentes vendedores tentaram concretizar ficaram todas frustradas, visto que os promitentes compradores residiam na Venezuela, conforme foi provado pela petição da ação judicial ordinária n.º 153/03.6TBCBR, que correu termos na 2.ª Vara Mista do Tribunal de Coimbra;
viii) Esta ação judicial foi interposta pelos promitentes compradores contra os promitentes vendedores, no sentido de obter a declaração negocial de venda e o cancelamento do ónus que incidia sobre o imóvel objeto do contrato promessa de compra e venda;
ix) Os promitentes vendedores não só contestaram a ação judicial ordinária, bem como deduziram reconvenção;
x) Esta ação judicial acabou por ser extinta por efeito da homologação da transação entre as partes conflituantes;
xi) Os promitentes vendedores, não obstante os transtornos administrativos, legais e económicos provocados pelo incumprimento do contrato promessa, acordaram celebrar a transação e pôr fim à ação judicial, dado que a boa-fé com que sempre negociaram com os promitentes compradores, compreenderam que as reais e efetivas razões que motivaram o incumprimento do contrato promessa, que consistiram na situação de crise social, económica e política vivida na Venezuela, crise que era sobejamente conhecida por via dos órgãos de comunicação social, não eram imputáveis àqueles;
xii) Se o contrato prometido tivesse sido cumprido, a escritura notarial de venda da fração “S”, sita em Coimbra, teria sido realizada antes do fim do ano de 2002, e não no dia 29 de Setembro de 2004, como se verificou;
xiii) Em resultado da celebração do contrato-promessa, os contribuintes promoveram as diligências e procedimentos tendentes à emissão do alvará de construção pela Câmara de Aveiro, o qual, em virtude do incumprimento do contrato-promessa de venda do “prédio de partida”, teve de ser alvo de sucessivas prorrogações;
xiv) As razões que provocaram o incumprimento do contrato-promessa não são imputáveis a qualquer uma das partes contratuais, mas sim a factos de força maior, isto é, à situação social económica e política da Venezuela, país de residência dos promitentes compradores, pelo que estes factos, dado que se projetaram através de efeitos jurídicos em Portugal deviam ser subsumidos na parte inicial da alínea b) do n.º 6 do artigo 10.º do CIRS;
xv) Estes factos deviam ter sido ponderados e considerados pelo tribunal a quo, dado que são eles a causa da situação em que os impugnantes, ora recorrentes, se viram envolvidos;
xvi) Se o contrato-promessa tivesse sido cumprido, a escritura notarial de venda da fração “S” tinha sido feita antes do termo do ano de 2002 e os contribuintes tinham feito, tranquilamente, o reinvestimento das mais-valias realizadas no âmbito da norma da alínea a) do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS e a AT não teria promovido a revogação do benefício fiscal relativo à exclusão da tributação das mais-valias;
xvii) Em face do incumprimento do contrato-promessa, os contribuintes viram-se obrigados a fazer o reinvestimento prévio ou retroativo das mais-valias realizadas, por força da aplicação do princípio da realização, que conduz a que as mais-valias só se consideram realizadas na data da outorga da escritura notarial e do pagamento do preço da venda do imóvel fonte do rendimento sujeito a tributação;
xviii) Contudo, importa trazer aqui à colação a jurisprudência firmada no acórdão do TCAS tirado no processo n.º 03734/10, de 03.02.2010, em que se estabelece que “o contrato promessa de compra e venda validamente celebrado constitui título jurídico suficiente para que qualquer importância entregue em seu cumprimento, ainda que a título de sinal, possa ser levada à conta de reinvestimento, para efeitos da alínea a) do n.º 5 do artigo 10.° do CIRS”;
xix) Logo que foi possível celebrar a escritura pública de alienação da fração “S”, “prédio de partida”, os contribuintes procederam, em relação ao “prédio de destino” à realização de todos os procedimentos legais de modo a observar os requisitos legais conducentes à concretização da exclusão da tributação, nos termos do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS, de modo a afastar a aplicação do n.º 6 daquele artigo, o que prova a boa-fé com que contribuintes lidaram com a situação;
xx) Os negócios imobiliários realizados atinentes ao “prédio de partida” e ao “prédio de destino” foram motivados por razões inerentes à carreira profissional e académica do sujeito passivo A. e não a qualquer motivação de planeamento fiscal, de fraude ou de evasão fiscal;
xxi) Foi provado o nexo de causalidade entre os fluxos financeiros entre o pagamento do preço da fração “S”, “prédio de partida”, e o reinvestimento das mais-valias realizadas na aquisição dos materiais e serviços para construção do “prédio de destino”;
xxii) A correção da situação tributária dos sujeitos passivos e a realização da liquidação adicional de IRS do ano de 2004 teve por fundamento a circunstância de ter sido considerado que o reinvestimento prévio feito pelos contribuintes não poder ser integrado na alínea b) do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS, dado, no entendimento da AT, aquela norma só abranger a aquisição de outro imóvel ou a aquisição do terreno e não a construção do “prédio de destino”;
xxiii) O tribunal a quo adotou a mesma linha de interpretação restritiva quanto ao sentido normativo da alínea b) do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS, e considerou que as correções à matéria tributável e a liquidação adicional de IRS do ano de 2004, não devia ser alvo de qualquer censura;
xxiv) Todavia, esta interpretação restritiva da norma da alínea b) do n.º 5 do 10.º do CIRS é violadora dos princípios da igualdade tributária e da capacidade contributiva;
xxv) O Tribunal constitucional tem afirmado que o princípio da capacidade contributiva, apesar de não se encontrar expressamente consagrado na Constituição, mais não será que a expressão do princípio da igualdade, entendido este em sentido material, no domínio dos impostos, ou seja, a igualdade no imposto. E nesse sentido, constitui o corolário tributário dos princípios da igualdade e da justiça fiscal (cfr. acórdãos n.ºs 197/2016 e 211/2017, do TC);
xxvi) Nós entendemos, na linha de Rui Duarte Morais, que a norma da alínea b) do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS sempre abrangeu a construção do “prédio de destino”, e que a alteração que foi introduzida nesta norma pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro, outro objetivo não teve senão clarificar que o reinvestimento retroativo também contemplava o reinvestimento na construção do novo imóvel e, assim, remover os obstáculos e dificuldades que foram criadas pela interpretação normativa e aplicação daquela norma legal;
xxvii) As mais-valias imobiliárias realizadas foram efetivamente reinvestidas na aquisição do terreno e na construção do “prédio de destino” pelo que não há lugar a qualquer tributação, isto é, não existe rendimento, visto que este deve usufruir do benefício fiscal previsto no n.º 5 do artigo 10.º do CIRS;
xxviii) É inequívoco que o contribuinte deve beneficiar da exclusão de tributação prevista no n.º 5 do artigo 10.º do CIRS, visto que foi provado que a fonte do capital investido na construção do “prédio de destino” foi o capital recebido com a venda do “prédio de partida”, e que a ambos os prédios foi atribuído o fim de habitação própria e permanente dos sujeitos passivos;
xxix) A decisão recorrida, ao fazer uma interpretação restritiva da norma da alínea b) do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS, violou os princípios da igualdade, da capacidade contributiva, da proporcionalidade e da justiça, princípios que são estruturantes do nosso sistema fiscal;
xxx) A interpretação restritiva do normativo da alínea b) do n.º 5 do artigo 10 do CIRS feita pelo tribunal a quo encerra uma inconstitucionalidade material.
Por todas as razões expostas e aduzidas, e com o mui douto suprimento dos Venerandos Conselheiros, deve o presente Recurso Jurisdicional ser considerado procedente e, consequentemente, ser anulada a sentença recorrida e proferida outra decisão que considere precedente a pretensão dos impugnantes, ora recorrentes, assim se fazendo a adequada e correta aplicação do direito e a costumada JUSTIÇA.”
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A Recorrida não contra-alegou.
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O Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar que os ganhos provenientes da transmissão onerosa aqui em causa não podem ser excluídos de tributação em IRS, a título de mais-valias, por não estarem reunidos os pressupostos do artigo 10.º, n.º 5, alínea b) do Código de IRS.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Da sentença prolatada em primeira instância consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, e de acordo com as diversas soluções plausíveis de direito, consideram-se provados os seguintes factos:
A) Em 03/08/2001, os aqui impugnantes celebraram com M., um acordo escrito intitulado “contrato promessa de compra e venda de imóvel”, pelo qual prometeram vender a este, pelo preço de 47.000.000$00, a fração autónoma designada letra “S” do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na freguesia de (...), concelho de Coimbra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o n.º (...), da freguesia de (...), inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo 10599 – cfr. fls. 12/13 do suporte físico dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
B) Da cláusula 3.ª do mencionado contrato promessa de compra e venda consta o seguinte:
“1. A título de sinal e princípio de pagamento do preço, os PRIMEIROS OUTORGANTES recebe nesta data dos SEGUNDOS OUTORGANTES a quantia de ESC.: 2.000.000$00 (três milhões de escudos), de que aquele dá a respectiva quitação neste contrato.
2. A restante parte do preço, no valor de 45.000.000$00 (quarenta e quatro milhões de escudos), será paga pelos SEGUNDOS OUTORGANTES do seguinte modo:
a) 10.000.000$00 até 15 de Outubro de 2001;
b) 5.000.000$00 até Janeiro de 2002;
c) 5.000.000$00 até Abril de 2002;
d) 5.000.000$00 até 30 de Junho de 2002;
e) 20.000.000$00 no acto da escritura pública de compra e venda.” – cfr. fls. 12/13 do suporte físico dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
C) Em 06/08/2001 a conta dos impugnantes com o n.º (...), domiciliada na Caixa Geral de Depósitos foi creditada na quantia de 2.000.000$00 – cfr. fls. 175 do suporte físico dos autos.
D) Em 12/09/2001 a Câmara Municipal de Aveiro, no âmbito do procedimento de licenciamento n.º 625/00, emitiu o alvará de licença de construção n.º 1135/01, para construção de uma moradia unifamiliar, para habitação, no prédio sito na Rua (…., descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o n.º (...), do qual consta como prazo de validade da licença “1 ano (12 de Setembro de 2002”)” – cfr. fls. 15 do suporte físico dos autos.
E) Em 16/10/2001 a conta dos impugnantes com o n.º (...), domiciliada na Caixa Geral de Depósitos, foi creditada na quantia de 10.000.000$00 – cfr. fls. 176 do suporte físico dos autos.
F) Em 05/12/2001 a conta dos impugnantes com o n.º (...), domiciliada na Caixa Geral de Depósitos, foi creditada na quantia de 9.975,96 € – cfr. fls. 178 do suporte físico dos autos.
G) Em 17/12/2001 a conta dos impugnantes com o n.º (...), domiciliada na Caixa Geral de Depósitos, foi creditada na quantia de 12.469,95 € – cfr. fls. 179 do suporte físico dos autos.
H) Em 21/03/2002 a conta dos impugnantes com o n.º (...), domiciliada na Caixa Geral de Depósitos, foi creditada na quantia de 24.939,89 € – cfr. fls. 180 do suporte físico dos autos.
I) Em 08/07/2002 a Câmara Municipal de Aveiro, no âmbito do referido procedimento de licenciamento n.º 625/00, emitiu o alvará de licença de construção n.º 593/02, para “alterações à moradia unifamiliar” a edificar no prédio sito na Rua (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o n.º (...), do qual consta como prazo de validade da licença “12 de Setembro de 2002” – cfr. fls. 16 do suporte físico dos autos.
J) Em 11/09/2002 no âmbito do procedimento de licenciamento n.º 625/2000, a Câmara Municipal de Aveiro, emitiu o alvará de licença de construção n.º 744/02, pelo qual foi prorrogado o prazo da licença de obras, por 6 meses, até ao dia 12/03/2003 – cfr. fls. 17 do suporte físico dos autos.
K) Em 27/09/2002 a conta dos impugnantes com o n.º (...), domiciliada na Caixa Geral de Depósitos, foi creditada na quantia de 26.935,09 € – cfr. fls. 181 do suporte físico dos autos.
L) Em 11/10/2002 deu entrada no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro notificação judicial avulsa de M. e H., através da qual os aqui impugnantes comunicam aos aí requeridos que a escritura pública que formalizará a compra e venda da fração autónoma a que se alude na alínea A) supra encontra-se marcada para o dia 11/11/2002, pelas 11:horas no 1.º Cartório Notarial de Aveiro, e que a “ a não ser celebrado o prometido negócio naquela data de onze de Novembro de 2002, os requerentes deixarão de ter qualquer interesse objectivo na celebração daquele contrato” – cfr. fls. 19/21 do suporte físico dos autos.
M) Em 23/01/2003 os referidos M. e H. intentaram contra os aqui impugnantes, ação ordinária destinada a obter a declaração negocial de venda por parte dos promitentes vendedores e o cancelamento da hipoteca que incidia sobre a fração autónoma prometida vender, a qual correu termos na 2.ª Secção da Vara de Competência Mista de Coimbra sob o n.º 153/03.6TBCBR– cfr. fls. 23/26 do suporte físico dos autos.
N) Os impugnantes, no âmbito da referida ação ordinária, deduziram contestação, invocando que não provinha da sua culpa a não outorga da escritura prometida, e deduziram reconvenção, peticionando a perda de interesse dos promitentes vendedores no negócio, face ao incumprimento dos promitentes compradores – 27/30 do suporte físico dos autos.
O) Em 07/03/2003, no âmbito do procedimento de licenciamento n.º 625/2000, a Câmara Municipal de Aveiro, emitiu o alvará de licença de construção n.º 114/02, pelo qual foi prorrogado o prazo da licença de obras, por 6 meses, até ao dia 12/09/2003 – cfr. fls. 18 do suporte físico dos autos.
P) Em 09/06/2003 os impugnantes celebraram com a Caixa Geral de Depósitos, S.A. o empréstimo n.º 003501850027464985, no montante de 75.000,00 € para liquidação do empréstimo n.º 0255010450985, no montante de 34.014,69 €, concedido para aquisição da fração autónoma designada pela letra “S”, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na freguesia de (...), concelho de Coimbra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o n.º (...), e para a conclusão da construção do prédio sito na Rua do (...), edificada no prédio - cfr. fls. 170/171 do suporte físico dos autos.
Q) Em 08/07/2003 a Caixa Geral de Depósitos, S.A. autorizou o cancelamento da hipoteca pendente sobre a fração autónoma designada pela letra “S”, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na freguesia de (...), concelho de Coimbra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o n.º (...), registada pela inscrição C19980710028, constituída para garantia do empréstimo concedido aos impugnantes – cfr. fls. 172/173 do suporte físico dos autos.
R) Em 27/11/2003 a Câmara Municipal de Aveiro emitiu o alvará de licença de utilização n.º 375/03 relativo ao prédio urbano sito na Rua do (...), (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o n.º (...) – cfr. fls. 36 do suporte físico dos autos.
S) Em 29/01/2004 os impugnantes apresentaram a declaração para inscrição de prédio urbano na matriz, modelo 1 de IMI, relativo ao prédio urbano sito na Rua do (...), n.º 66/68, Bonsucesso, (...), Aveiro, descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o n.º (...), ao qual atribuído o artigo matricial P 4507 – cfr. fls. 37/40 do suporte físico dos autos.
T) Da mencionada declaração modelo 1 de IMI, os impugnantes inscreveram como “data da licença de utilização”, 27/11/2003, e como “data de ocupação”, 06/01/2004 – cfr. fls. 37/40 do processo administrativo apenso aos autos.
U) As obras de construção do imóvel inscrito na matriz predial urbana da freguesia de (...) sob o artigo 4507 foram concluídas em 27/11/2003 – facto confessado (cfr. artigo 20.º da petição inicial).
V) Em 29/09/2004, no 2.º Cartório Notarial de Aveiro foi celebrada escritura pública intitulada “Compra e Venda”, na qual os aqui impugnantes declararam vender, pelo preço de 234.435,01 €, a M., a fração autónoma designada pela letra “S”, identificada na alínea A) supra – cfr. fls. 32/33 do suporte físico dos autos.
W) Em 30/09/2004 a conta dos impugnantes com o n.º (...), domiciliada na Caixa Geral de Depósitos, foi creditada na quantia de 107.651,39 € – cfr. fls. 182 do suporte físico dos autos.
X) Em 04/10/2004, no âmbito do processo n.º 153/03.6TBCBR foi proferida sentença de homologação da transação celebrada entre os aqui impugnantes e M. e H. – cfr. fls. 34/35 do suporte físico dos autos.
Y) Pelo ofício n.º 2929, de 21/04/2008, os impugnantes foram notificados para, com vista ao início de procedimento inspetivo de análise interna, apresentarem os elementos documentos que serviram de base ao preenchimento do anexo G da declaração de rendimentos modelo 3 de IRS apresentada com referência ao ano de 2004 – cfr. fls. 4/6 do processo administrativo apenso aos autos.
Z) Em 15/05/2008 os impugnantes apresentaram na Direção Geral dos Impostos pedido de informação vinculativa, do qual consta, entre o mais, o seguinte:
“(…) Tendo surgido dúvidas acerca da interpretação da al. b) conjugada com a al. a) do n.º 5 do artigo 10º do CIRS o requerente A. solicita que lhe sejam considerados como reinvestimento os montantes 134.843,92 € e de 99.591,09 €, relativamente a despesas de encargos, devidamente documentados, com a construção de moradia inscrita na matriz predial sob o artigo P-4507 da freguesia 010501 (…) utilizada como habitação própria permanente. Os encargos atrás referidos dizem respeito aos anos de 2003 e 2004 respectivamente, conforme foram relevados nos campos 505 e 506 do anexo G à declaração de rendimentos de 2004.
Na sequência do exposto, apesar de a declaração de rendimentos de 2004, anexo G, apresentar custos em dois anos sucessivos, requer-se a emissão de informação vinculativa urgente em que se reconheça que estes encargos são válidos para efeitos de reinvestimento. (…)” – cfr. fls. 1/2 do processo administrativo apenso aos autos.
AA) Pelo ofício n.º 15297 de 01/08/2008, a Direção de Serviços do IRS comunicou à Direção de Finanças de Aveiro, que prestou aos impugnantes o seguinte esclarecimento:
“(…) Em referência à exposição relacionada com o assunto em epígrafe, informa-se, com carácter vinculativo, que de harmonia com o disposto no n.º 5 do artigo 10.º do CIRS, são excluídos de tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados à habitação própria e permanente do sujeito passivo e do seu agregado familiar,
• se no prazo de 24 meses contados da data da realização, o valor da realização deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel, ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel, exclusivamente com o mesmo destino (alínea a), n.º 5, artigo 10.º do CIRS).
ou
•se o valor de realização, deduzido da amortização do eventual empréstimo contraído para aquisição de imóvel, for utilizado no pagamento da aquisição acima referida, desde que efectuada nos 12 meses anteriores (alínea b), do n.º 5, artigo 10.º do CIRS).
Ora, considerando a letra da Lei, verifica-se que, para efeitos, de reinvestimento, a “aquisição” referida na alínea b) do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS respeita tão somente a aquisição de imóvel ou de terreno para construção de imóvel.
Assim sendo, porque no caso se trata de reinvestimento na construção, não se pode considerar reinvestido qualquer valor despendido com a construção no período que antecede a mesma, pelo que não pode a sua pretensão ser atendida.”
(…)” – cfr. fls. 30/31 do processo administrativo apenso aos autos.
BB) Em 15/10/2008 foi emitido o projeto de relatório de inspeção tributária constante de fls. 13/15 do processo administrativo apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido, destacando-se o seguinte:
“(…)
3 – Comparecendo o S. Passivo, dentro do prazo solicitado para os referidos esclarecimentos, acontece, porém, que os montantes por aquele indicados no competente anexo G (Mais-Valias) como reinvestidos reportam-se aos custos de construção da moradia unifamiliar por si construída, e eleita como habitação própria e permanente, actualmente inscrita na m.p. urbana da freguesia de (...) (010501) sob o artº n.º 4507, custos esses suportados, na totalidade, em data anterior ao da transmissão onerosa da fracção “S” (anterior imóvel para a sua residência própria e permanente) que ocorreu, como já foi referido acima, em 29-09-2004, conforme se poderá facilmente confirmar pelo conteúdo da declaração modelo 1 de IMI da nova habitação própria e permanente, apresentada pelo S.Passivo ora analisado, e onde são indicadas as datas de 27-11-2003, e de 06/01/2004 como sendo, respectivamente, a da concessão da licença de utilização e a da ocupação da referida moradia unifamiliar;
4) - Tendo em conta a redacção da alínea b) do n.º 5 do art.º 10.º do Código do IRS, em que se dispõe que “são excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar (…) se o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for utilizado no pagamento da aquisição a que se refere a alínea anterior (alínea a) – do mesmo n.º e artigo antecedentes), desde que efectuada nos doze meses anteriores, condição essa que o(s) S. Passivo ora analisado não reúne, dado que os custos e/ou pagamentos efectuados dizerem respeito, exclusivamente, à construção do imóvel por administração directa, e não à sua aquisição;
5) – Não obstante a interpretação indicada no ponto anterior, e subsistindo dúvidas por parte do Sujeito Passivo este, inconformado, solicitou informação com caracter vinculativo, ao abrigo do disposto na alínea e) – do n.º 3 do art.º 59.º da Lei Geral Tributária, tendo sido transmitido a este Serviço (…) o teor do ofício n.º 15297, de 01-08-2008, da Divisão de Concepção da Direcção de Serviços de IRS, e no qual é perfilhado, com carácter vinculativo, a interpretação dos valores considerados como reinvestimento expandida nos números antecedentes do presente Projecto de Relatório, ou seja, terão que ser expurgados os montantes indicados nos campos 505 e 506 do anexo G, por não se enquadrarem na letra da Lei (aludida alínea b) – do n.º 5 do art.º 10.º do CIRS);
c) – Face ao exposto no n.º 5 antecedente, e ao facto do S. Passivo não ter sanado, até à presente data, as incorrecções declarativas constantes dos aludidos campos 505 e 506 do anexo G à Declaração modelo 3 de IRS do ano de 2004, é proposto, conforme consta da capa que antecede este Projecto de Relatório, a exclusão total dos montantes indicados, a título de reinvestimento, respectivamente, de € 134 843,92 (campo 504) e de € 99 591,09 (campo 506), aliás, em consonância com a interpretação vinculativa superior, acima indicada.
(…)”
CC) Através do ofício n.º 7124, de 16/10/2008, os aqui impugnantes foram notificados para exercer o direito de audição sobre o projeto de relatório de inspeção a que se alude na alínea que antecede – cfr. fls. 27/28 do processo administrativo apenso aos autos.
DD) Em 31/10/2008, não tendo os impugnantes exercido o direito de audição prévia, foi emitido o relatório de inspeção tributária constante de fls. 12/15 do processo administrativo apenso aos autos.
EE) Pelo ofício n.º 7681, de 05/11/2008, rececionado em 11/11/2008, foram os impugnantes notificados do relatório da ação inspetiva – cfr. fls. 7/9 do processo administrativo apenso aos autos.
FF) Na sequência da ação inspetiva, foi emitido o ato de liquidação adicional n.º 2008 5004659509, referente a IRS do ano de 2004, no montante de 22.267,34 € e respetivos juros compensatórios, no montante de 3.062,52 €, do qual resultou o valor a pagar de 25.329,86 € - cfr. fls. 11 do suporte físico dos autos.
GG) Nos anos de 2002 e 2003 os impugnantes suportaram as despesas constantes dos documentos de fls. 41/99 do suporte físico dos autos, na construção da casa de habitação erigida no prédio atualmente inscrito na matriz predial urbana da freguesia de (...) sob o artigo 4507 – cfr. fls. 49/51 do suporte físico dos autos, cujo teor se dá aqui por reproduzido; facto não controvertido.
HH) Ao prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de (...), concelho de Aveiro, sob o artigo 4507, em resultado da avaliação, foi atribuído o valor patrimonial tributário de 231.136,69 € - cfr. fls. 183/184 do suporte físico dos autos.
Factos não provados
Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.
Motivação da matéria de facto
A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto provada resultou da análise crítica dos documentos e informações constantes do processo administrativo apenso aos autos, os quais não foram impugnados, da posição assumida pelas partes nos respetivos articulados e, bem assim, dos depoimentos das testemunhas, tudo conforme se encontra especificado em cada um dos pontos do probatório.
Relativamente à prova testemunhal, importa referir que os depoimentos das testemunhas, que se revelaram claros e coerentes entre si, corroboram, no essencial, a factualidade já decorrente dos documentos constantes dos autos, designadamente no que concerne à relação negocial litigiosa entre os impugnantes e os adquirentes da fração autónoma designada pela letra “S”, cuja alienação esteve na origem das mais valias tributadas.”
*
2. O Direito

A liquidação de IRS em crise resultou da desconsideração da exclusão de tributação, nos termos do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS, das mais-valias imobiliárias realizadas com a venda do prédio, designado por fracção “S”, inscrito sob o artigo 10.599 da freguesia de (...), em Coimbra, em 29/09/2004.

Assim, importará recordar o disposto nos n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º do CIRS, na versão em vigor ao tempo do facto tributário em causa nos autos (2004), a saber:
“(…) 5 – São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, nas seguintes condições:
a) Se, no prazo de vinte e quatro meses contados da data da realização, o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para a construção de imóvel, ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino, e desde que esteja situado em território português;
b) Se o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for utilizado no pagamento da aquisição a que se refere a alínea anterior, desde que efectuada nos doze meses anteriores;
c) Para os efeitos do disposto na alínea a), o sujeito passivo deverá manifestar a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando, na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação, o valor que tenciona reinvestir.
6 – Não haverá lugar ao benefício referido no número anterior quando:
a) Tratando-se de reinvestimento na aquisição de outro imóvel, o adquirente o não afecte à sua habitação ou do seu agregado familiar, até decorridos seis meses após o termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efectuado;
b) Tratando-se de reinvestimento na aquisição de terreno para construção, o adquirente não inicie, excepto por motivo imputável a entidades públicas, a construção até decorridos seis meses após o termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efectuado ou não requeira a inscrição do imóvel na matriz até decorridos 24 meses sobre a data de início das obras, devendo, em qualquer caso, afectar o imóvel à sua habitação ou do seu agregado familiar até ao fim do quinto ano seguinte ao da realização;
c) Tratando-se de reinvestimento na construção, ampliação ou melhoramento de imóvel, não sejam iniciadas as obras até decorridos seis meses após o termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efectuado ou não seja requerida a inscrição do imóvel ou das alterações na matriz até decorridos 24 meses sobre a data do início das obras, devendo, em qualquer caso, afectar o imóvel à sua habitação ou do seu agregado familiar até ao fim do quinto ano seguinte ao da realização. (…)”

In casu, está em causa alegado reinvestimento na construção de um novo imóvel, que a sentença recorrida, seguindo jurisprudência do nosso mais alto tribunal, entendeu só poder ser posterior à alienação, tendo por base o prazo previsto legalmente para o início das obras, para a inscrição respectiva na matriz e para a afectação do imóvel à habitação. Uma vez que as obras de construção ficaram concluídas em 27/11/2003 e a realização ocorreu em 29/09/2004, com a alienação do prédio geradora dos ganhos, a sentença julgou não se verificarem as condições previstas legalmente para a exclusão da tributação de mais-valias, designadamente, o disposto no artigo 10.º, n.º 5, alínea b) do CIRS.

De resto, à luz do disposto na alínea a) no n.º 5 do artigo 10.º do CIRS são excluídos de tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, se no prazo de 24 meses contados da data da realização, o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for reinvestido na aquisição de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino e desde que esteja situado em território português.
Ora, como emerge do probatório, o imóvel (“de destino”) em questão não foi adquirido mas construído anteriormente, pelo que não podem aceitar-se os valores de reinvestimento declarados pelos Recorrentes.

De facto, se o legislador refere expressamente “aquisição” no artigo 10.º, n.º 5, alínea b) do CIRS, há que concluir, como o fez a sentença recorrida, que tal valor não deverá ser considerado no caso em apreço, pois não menciona o reinvestimento na construção anterior à data da realização.
Porém, na interpretação da questão de saber se aquisição e construção devem ter igual tratamento, é relevante o confronto de todas as hipóteses previstas nos números 5 e 6 deste artigo 10.º do CIRS.

A este propósito, como alude a sentença recorrida, já se pronunciou o STA, em Acórdão proferido em 13/02/2008, no âmbito do processo n.º 0996/07, considerando:
“(…) Ora, a literalidade expressa corresponde à vontade do legislador, adentro da sua liberdade de conformação legislativa. Na verdade, os nºs 5 e 6 do referido artigo 10.º formam um corpo legislativo único, não podendo ver-se separadamente.
Aquele último inciso normativo coloca limites de exclusão ao benefício fiscal, nomeadamente com referência – alínea c) – ao reinvestimento na construção, ampliação ou melhoramento de imóvel, que só podem ser posteriores à alienação como logo se conclui do prazo para o início das obras, inscrição respectiva na matriz e afectação do imóvel à habitação. Ora, não há, na lei, qualquer regulamentação relativamente a um reinvestimento anterior à alienação, em termos dos referidos itens: construção, etc.
Da conjugação daqueles dois números, resulta que a lei não prevê qualquer benefício fiscal – antes o exclui, pois – para os casos de construção de habitação anterior à alienação.
Aliás, outra conclusão não suporta a proximidade dos respectivos articulados legais: a alienação referida na alínea b) é a mesma da alínea a) – a referida na alínea anterior – seja, «a aquisição da propriedade de outro imóvel» ou «de terreno para a construção de imóvel». (…)
Pelo que a referência à aquisição, excluindo ao benefício a construção, só pode ter-se por intencional.
De outro modo, o legislador não teria deixado de referir a construção, o que singelamente poderia concretizar acrescentando à aquisição o vocábulo construção, lendo-se então «no pagamento da aquisição ou construção a que se refere a alínea anterior».”

Nesta conformidade, não acompanhamos a ideia, vertida na conclusão xxvi) das alegações de recurso, de que a norma da alínea b) do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS sempre abrangeu a construção do “prédio de destino”, nem que a alteração que foi introduzida nesta norma pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro, outro objectivo não teve senão clarificar que o reinvestimento retroactivo também contemplava o reinvestimento na construção do novo imóvel.

Admitimos que tenham surgido dúvidas e dificuldades na interpretação normativa e na aplicação daquela norma legal, mas não podemos esquecer tratar-se de uma norma de exclusão de tributação, pelo que é de concluir que a solução legalmente adoptada corresponde ao objectivo pretendido pelo legislador naquele momento temporal.

Acresce que as normas de incidência dos tributos, bem como as que concedem isenções ou exclusões de tributação devem ser interpretadas nos seus exactos termos, sem recurso a analogia, tornando prevalente a certeza e segurança na sua aplicação. Neste sentido vide, entre outros, o Acórdão do TCA Sul de 02/10/2012, proferido no âmbito do processo n.º 05320/12.

Efectivamente, em matéria de incidência tributária, não há, por definição, lacunas, pois as situações não previstas como não sujeitas a imposto estão, pura e simplesmente, fora do âmbito da norma de delimitação negativa da incidência, mercê do especial vigor que o princípio da legalidade, na sua vertente de tipicidade tributária - artigo 103.º n.º 2 da CRP - assume nestes domínios.

Não é, pois, constitucionalmente permitido ao juiz integrar uma suposta lacuna existente numa norma tributária de isenção ou de não sujeição a tributação, mercê do princípio da legalidade tributária, na sua vertente de tipicidade.

Não se encontra, porém, constitucionalmente vedada a possibilidade de interpretação extensiva.

Mas, neste contexto, não podem restar dúvidas que, na situação colocada pelos Recorrentes, a letra da lei se quedou aquém do seu espírito, e aí haverá que adequar a letra ao respectivo espírito por via da interpretação extensiva (sobre a interpretação extensiva na doutrina tradicional, pressuposta pelo nosso legislador, cfr. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 13.ª reimpressão, Coimbra, Almedina, 2002, pp. 185/186).

Pressuposto para assim operar é, contudo, a demonstração de que o legislador minus dixit quam voluit. É difícil detectar estas situações, na medida em que os casos de não sujeição tributária são medidas fiscais de carácter excepcional, relacionadas com a própria tributação que delimitam negativamente. Sendo medidas com carácter excepcional, o legislador delimita, com rigor, as situações concretas objecto de exclusão de tributação e as condições para operar. Sendo certo que tal delimitação pode sofrer alterações ao longo do tempo, consoante os objectivos a atingir em cada momento, em articulação com todos os interesses em jogo, de que as diversas sucessivas redacções da norma em apreço são claro reflexo.

Os elementos disponíveis não permitem concluir, com a segurança e certeza exigíveis, que o legislador tenha dito, no caso concreto, menos do que pretendia.

Este tipo de normas pode visar a promoção de objectivos extra-fiscais em domínios muito diversos, desde a prossecução de fins de utilidade pública ao incentivo empresarial. A solução consagrada nesta norma foi sofrendo ajustamentos (muitos, fruto das dificuldades na aplicação prática da norma), mas sempre tendo em vista a protecção da família; por isso a lei se refere, sempre, ao sujeito passivo e seu agregado familiar, e à protecção do direito à habitação.

Com efeito, o n.º 5 do artigo 10.º do CIRS visou aliviar a tributação ou até mesmo eliminá-la, nos casos em que o sujeito passivo aliena um imóvel destinado à sua habitação própria e permanente e reinveste o produto da alienação na aquisição ou construção de outro imóvel com aquele mesmo fim.

Configura-se aqui uma exclusão tributária [«norma de delimitação negativa da incidência, teoricamente enquadrada no aspecto quantitativo do elemento objectivo da incidência» (Vieira de Almeida & Associados, «Reinvestimento das mais-valias provenientes da alienação de um imóvel destinado a habitação - análise da jurisprudência», Fiscalidade n.º 18 (2004) p. 131.)]. E embora a razão de ser desta exclusão de tributação seja a de proteger e favorecer fiscalmente a aquisição de habitação própria e permanente, Rui Duarte Morais in Sobre o IRS, Almedina, 2ª edição, página 142, salienta que o «objectivo da lei é claro: eliminar obstáculos fiscais à mudança de habitação, em casa própria, por parte das famílias» (Sobre esta matéria, cfr. José Guilherme Xavier de Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra, 2007, pp. 412/420. Cfr., igualmente, Paula Rosado Pereira, Estudos Sobre IRS: Rendimentos de Capitais e Mais-Valias, Almedina, 2005, pp. 99 a 101). Refere, também, André Salgado Matos in Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, anotado, revisto por Rodrigo Queiroz e Melo, Instituto Superior de Gestão, 1999, p. 168, que tal norma visa “(…) não onerar fiscalmente a efectivação do direito fundamental à habitação”. Contudo, a lei não deixa de explicitar os requisitos que devem estar preenchidos para que opere tal exclusão tributária do ganho obtido mediante a alienação onerosa de imóveis destinados a habitação do sujeito passivo: é preciso que o ganho seja reinvestido, no prazo de 24 meses, na aquisição ou construção de outro imóvel e que este também tenha como destino a habitação do sujeito passivo ou do seu agregado familiar.

Pois bem, os normativos em referência (artigo 10.º, nºs 5 e 6 do CIRS) são claros quanto aos pressupostos exigidos legalmente para aferir da eventual aplicação ou não da exclusão de tributação e, na nossa óptica, não será possível extravasar os seus exactos termos, tão-pouco contemplar a aplicação de critérios não previstos. Não podendo afirmar-se, como o fazem os Recorrentes, que o tribunal “a quo” efectuou uma interpretação restritiva do artigo 10.º, n.º 5, alínea b) do CIRS, ao não admitir um reinvestimento “para trás” na construção de um novo imóvel. Reiteramos, não é restritiva, porque a redacção da norma aplicável à data não contemplava esse reinvestimento retroactivo, tendo o tribunal recorrido realizado a interpretação que encontrava suporte no disposto no artigo 10.º, n.º 5, alínea b) do CIRS à data do facto tributário.

Como já se referiu supra, estamos perante normas de incidência dos tributos, neste caso de incidência negativa, pois que consagram a possibilidade de exclusão da tributação, as quais obedecem estritamente ao princípio da legalidade, constitucionalmente consagrado no artigo 103.º, n.º 2, da CRP. Por ser assim, devem ser interpretadas nos seus exactos termos, não estando a AT ou o intérprete habilitados a aplicar critérios que não se encontrem expressamente previstos nos normativos de referência - artigo 10.º, n.º 5 e n.º 6 do CIRS.

Nestes termos, apenas relevam as circunstancias consagradas na lei como pressuposto para a exclusão da tributação. Assim, como não estava previsto o reinvestimento retroactivo na construção de novo imóvel, então deve aplicar-se a tributação prevista.

De facto, a redacção aplicável nos autos encerrava em si um obstáculo ao reinvestimento. Ao referir que a exclusão da tributação ocorria somente quando o sujeito passivo reinvestisse o valor de realização na “aquisição a que se refere a alínea anterior”, pretendia o legislador dizer que somente a aquisição da propriedade de outro imóvel ou de terreno para a sua construção (desde que com a mesma finalidade) estariam excluídas. Logo, se o sujeito passivo reinvestisse “para trás”, como é o caso, o valor de realização na construção, ampliação ou melhoramentos de imóvel, ainda que destinado à habitação, não se verificaria a exclusão – cfr. o Acórdão do STA, de 13/02/2008, referido na sentença recorrida.
O facto de, entretanto, a alínea b) do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS já não deixar margem para dúvidas, pois refere-se ao reinvestimento previsto na alínea a) e não ao “reinvestimento na aquisição a que se refere a alínea anterior”, significa que, actualmente, o legislador introduziu mais um pressuposto/condição para a exclusão de tributação - o reinvestimento “para trás” abrange qualquer uma das situações previstas nas quais este se pode efectivar, o que inclui, desde a alteração introduzida pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro, a construção de um novo imóvel.

Todavia, o direito fiscal é dinâmico, não podendo significar que a redacção aplicável à data das normas constantes do artigo 10.º, n.º 5 e n.º 6 do CIRS, tal como foram aplicadas ao caso concreto, enfermassem de inconstitucionalidade.

Efectivamente, os Recorrentes, nas suas conclusões xxiv), xxv), xxix) e xxx), alegam que a interpretação restritiva do artigo 10.º, n.º 5, alínea b) do CIRS feita pelo tribunal recorrido encerra inconstitucionalidade material, por violação dos princípios da igualdade, da capacidade contributiva, da proporcionalidade e da justiça.

O princípio da capacidade contributiva é expressão do princípio da igualdade, entendido em sentido material, no domínio dos impostos, ou seja, a igualdade no imposto. E, neste sentido, constitui o corolário tributário dos princípios da igualdade e da justiça material (cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 197/2016 e n.º 211/2017).

Na construção do conceito de rendimento tributário, o CIRS adopta a concepção de rendimento-acréscimo, segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela as mais-valias (vistas enquanto acréscimos patrimoniais que não provêm de uma actividade produtiva, mas que têm algum significado económico e sendo passíveis de controlo pela AT, nestas se incluindo as mais-valias prediais) e, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva (cfr. n.º 5 do preâmbulo do CIRS; Paulo de Pitta e Cunha, A Fiscalidade dos Anos 90, O Novo Sistema de Tributação do Rendimento, Almedina, 1996, pág.20; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.39 e seg.).

Nestes termos, o legislador fiscal vai adoptando opções legislativas e vai modificando essas soluções muito próprias, por razões de conveniência tributária em cada momento, não podendo o intérprete afastar-se das mesmas e questionar o seu acerto, sem uma visão totalmente ampla do sistema de tributação do rendimento.

De facto, neste caso concreto, era mais conveniente aos Recorrentes que a norma aplicável à data já previsse o reinvestimento retroactivo na construção de um novo imóvel, dado que, por vicissitudes várias, as obras de construção ficaram concluídas antes de conseguirem outorgar a escritura pública de alienação do imóvel gerador do produto da realização.
«O princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária na sua vertente de “uniformidade” – o dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério – preenchendo a capacidade contributiva o critério unitário da tributação.
Consiste este critério em que a incidência e a repartição dos impostos – dos “impostos fiscais” mais precisamente – se deverá fazer segundo a capacidade económica ou “capacidade de gastar” (na formulação clássica portuguesa, de Teixeira Ribeiro, “A justiça na tributação” in “Boletim de Ciências Económicas”, vol. XXX, Coimbra 1987, n.º 6, autor que também se lhe refere como “capacidade para pagar”) de cada um e não segundo o que cada um eventualmente receba em bens ou serviços públicos (critério do benefício).

Tendo sido essa a opção legislativa à data, foi aplicável de igual forma para todos os contribuintes em situações idênticas nesse período de vigência, sendo, de todo, desadequado encontrar “uma leitura das normas mais conveniente”, pois, aí sim, poderá ser geradora de desigualdades de tratamento.

Nem a letra da lei nem a sua «ratio legis» nos permitem concluir que exista algum outro requisito para aplicação da exclusão de tributação, para além dos que se encontram enunciados no artigo 10.º, n.º 5, alínea b) do CIRS. Outro entendimento traduziria clara violação do princípio da tipicidade legal do imposto, o qual não admite qualquer margem de indefinição ou de discricionariedade administrativa nos seus elementos essenciais.

As normas ínsitas no artigo 10.º do CIRS são, por definição, normas de incidência tributária, isto é, grosso modo, normas que tipificam os factos sobre os quais, quando e se verificados, poderá recair imposto sobre o rendimento, como é o caso dos Recorrentes.

A justiça material não é, por força do princípio da legalidade fiscal, a justiça no exclusivo interesse de qualquer das partes, mas a justiça distributiva, que é a visada pelo direito fiscal. Com efeito, a justiça tributária alcança-se pela tributação de cada um, de acordo com a sua capacidade contributiva – cfr. artigo103.º da CRP.

É claro, que o conceito de justiça, tal como o conceito de capacidade contributiva, por serem a transposição jurídica de axiomas éticos, não têm uma definição exacta e precisa, antes surgindo como princípios orientadores do ordenamento jurídico tributário.

Em conclusão, o que verdadeiramente releva para a aplicação ou não da exclusão de tributação é, tão só, que se verifiquem os pressupostos contidos no n.º 5, do artigo 10.º, em conformidade, ainda, com o disposto no seu n.º 6.

Pelo exposto, não vislumbramos, in casu, qualquer violação dos princípios da igualdade, da capacidade contributiva, da proporcionalidade ou da justiça, improcedendo, pois, desta feita, grande parte das conclusões das alegações de recurso.

Nas conclusões xiv), xv) e xvii), os Recorrentes alegam, ainda, que as razões que provocaram o incumprimento do contrato-promessa não são imputáveis a qualquer uma das partes contratuais, mas sim a factos de força maior, isto é, à situação social, económica e política da Venezuela, país de residência dos promitentes-compradores, pelo que estes factos, dado que se projectaram através de efeitos jurídicos em Portugal, deviam ser subsumidos na parte inicial da alínea b) do n.º 6 do artigo 10.º do CIRS. Acrescentam que estes factos deviam ter sido ponderados e considerados pelo tribunal a quo, dado que são eles a causa da situação em que os impugnantes, ora Recorrentes, se viram envolvidos, pois se o contrato-promessa tivesse sido cumprido, a escritura notarial de venda da fracção “S” tinha sido feita antes do termo do ano de 2002 e os contribuintes tinham feito, tranquilamente, o reinvestimento das mais-valias realizadas no âmbito da norma da alínea a) do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS e a AT não teria promovido a revogação do benefício relativo à exclusão da tributação das mais-valias.

Porém, o tribunal recorrido pronunciou-se da seguinte forma a este propósito:
«(…) A intenção subjacente a estas restrições à mencionada isenção ou exclusão de tributação contidas no n.º 6 do aludido artigo 10.º é a de não permitir a invocação fraudulenta de qualquer dos seus fundamentos para encobrir a realização de mais valias realizadas em transações orientadas para um fim diverso do que lhe serve de fundamento (André Salgado de Matos, Código do Imposto do Rendimento das Pessoas Singulares Anotado, Instituto Superior de Gestão, 1999, pág. 168).
Com efeito, para que a exclusão de tributação dos ganhos provenientes da transmissão onerosa do imóvel funcione é necessária a verificação cumulativa de três requisitos: (i) que as obras sejam iniciadas até decorridos seis meses após o termo do prazo em que o revestimento deva ser efetuado, (ii) seja requerida a inscrição ou alteração na matriz até 24 meses sobre a data do início das obras e (iii) afetado o imóvel à sua habitação ou do seu agregado familiar até ao fim do quinto ano seguinte ao da realização.

Ou seja, basta que se verifique uma das situações elencadas no n.º 6 do artigo 10.º do CIRS para que a exclusão de tributação prevista na alínea a) do n.º 5 do mesmo preceito legal deixe de operar.

Nesse sentido, veja-se José Guilherme Xavier de Bastos, IRS Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág. 415/416 e acórdão do STA de 17/12/2019, processo n.º 070/12.9BELLE.

Retomando o caso em apreço, os impugnantes alegam que o incumprimento dos prazos de reinvestimento previstos na alínea c) do n.º 6 do artigo 10.º do CIRS não provêm da sua responsabilidade, mas da relação negocial litigiosa que tiveram com os adquirentes do imóvel cuja alienação deu origem às mais-valias objeto de tributação.

E defendem que, apesar das alíneas b) e c) do n.º 6 do artigo 10.º do CIRS apenas ressalvarem as situações em que o incumprimento dos prazos se deveu a facto imputável a entidades públicas, deverá fazer-se uma interpretação extensiva das normas, por forma a contemplar também os atrasos imputáveis a relações negociais litigiosas entre particulares.

A Administração Tributária, por sua vez, como se extrai da fundamentação vertida no relatório de inspeção tributária que desembocou na liquidação impugnada, entende que os ganhos provenientes da alienação da fração autónoma designada pela letra “S” só estariam excluídos de tributação caso o valor de realização tivesse sido utilizado nos 12 meses anteriores à venda, na aquisição de outro imóvel, destinando a habitação própria e permanente, e não na sua construção.
Ou seja, o fundamento das correções efetuadas ao rendimento tributável declarado pelos impugnantes no ano de 2004, não radica na interpretação literal da norma constante da alínea b) do n.º 6 do artigo 10.º do CIRS, quanto ao facto de não prever a responsabilidade de entidades particulares pelo incumprimento dos prazos de reinvestimento, mas na circunstância da alínea b) do n.º 5 do mesmo preceito apenas contemplar como exclusão de tributação a aquisição, nos dozes meses anteriores à alienação, de imóvel destinado a habitação ou de terreno para construção, e não também “a construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel”. (…)»

Confirmamos este julgamento, pois, desde logo, os Recorrentes não cumprem as condições previstas no artigo 10.º, n.º 5, alínea b) do CIRS. Além do mais, não deveria ter sido ponderada a aplicação do artigo 10.º, n.º 6, alínea b) do CIRS, dado que esta norma trata do reinvestimento na aquisição de terreno para construção e não do reinvestimento para construção, que apenas está referido na alínea c) do mesmo n.º 6.

Por último, na conclusão xviii), os Recorrentes trouxeram, ainda, à colação a jurisprudência firmada no Acórdão do TCA Sul, tirado no processo n.º 03734/10, de 03/02/2010, em que se estabelece que “o contrato-promessa de compra e venda validamente celebrado constitui título jurídico suficiente para que qualquer importância entregue em seu cumprimento, ainda que a título de sinal, possa ser levada à conta de reinvestimento, para efeitos da alínea a) do n.º 5 do artigo 10.° do CIRS”.
Antes de mais, importa precisar que o contrato-promessa aludido em A) do probatório se reporta ao mesmo imóvel objecto de alienação por escritura pública formalizada em 29/09/2004, conforme matéria vertida em V) da decisão da matéria de facto. Portanto, não estamos nesta sede a falar do reinvestimento, mas do prédio vendido gerador dos ganhos/mais-valias. Queremos com isto significar que a matéria de facto considerada no Acórdão citado, de 03/02/2010, não tem qualquer respaldo na situação que nos ocupa.

Efectivamente, nesse Acórdão do TCA Sul, a apreciação não se prendia com a averiguação do momento em que o ganho é objecto de tributação, mas sim com o timing do reinvestimento. Com efeito, nessa linha, o artigo 10.º, n.º 5, do CIRS apresenta-se como uma norma de delimitação negativa da incidência, teoricamente enquadrada no aspecto quantitativo do elemento objectivo da incidência, sendo que o conceito de reinvestimento é, no essencial, um conceito económico, em que o que releva é que os sujeitos passivos demonstrem que o valor da realização seja efectivamente reinvestido na aquisição do novo imóvel para o mesmo fim, nas condições e prazos previstos na lei.

Ora, in casu, atento o probatório, não pode restar qualquer dúvida que o reinvestimento na construção do novo imóvel ocorreu antes da realização, uma vez que as obras de construção ficaram concluídas em 27/11/2003 (cfr. alíneas D), I), J), O) e U) do probatório) e a escritura notarial de alienação do imóvel somente foi realizada em 29/09/2004, momento em que o ganho gerado com essa venda se torna objecto de tributação (mais-valia).

Concretizemos quando é que esse ganho se torna objecto de tributação:
Consagra o n.º 3 do artigo 10.º do CIRS, o momento a partir do qual a mais-valia, enquadrável na Categoria G, passa a ser tributada.

Regra geral, o ganho considera-se obtido no momento em que são praticados os actos previstos no n.º 1 do artigo 10.º do CIRS.

No caso de alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis, o ganho tem-se como obtido quando ocorrer a alienação do bem. Porém, outras situações especiais poder-se-ão verificar. Assim, pode acontecer que os interessados no negócio de venda celebrem, antes desta, um contrato-promessa de compra e venda ou troca. Neste caso, logo que verificada a tradição ou posse do imóvel objecto do contrato (alínea a) do n.º 3 do artigo 10.º), verifica-se o ganho objecto de tributação. Nenhum elemento dos autos permite concluir que na situação dos Recorrentes se tenha dado a tradição ou posse do prédio, tanto mais que os promitentes-compradores estavam a residir na Venezuela, tendo sido as vicissitudes inerentes a este facto que determinaram o cumprimento intempestivo do contrato-promessa.

Nestes termos, apesar de o conceito de transmissão relevante para efeitos fiscais se mostrar mais abrangente que para efeitos de direito privado, podendo ter lugar independentemente da celebração da respectiva escritura, uma vez que em causa estão os aspectos económicos e não a titularidade dos bens, a verdade é que o julgamento efectuado em primeira instância deverá acolher-se, por não enfermar de erro:

«(…) Por último, importa ainda esclarecer que, em matéria de incidência de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, o Código do IRS determina que “os ganhos consideram-se obtidos no momento da alienação” (cfr. artigo 10.º, n.º 3). Isto é, estabelece, de forma clara e inequívoca, a regra de que os incrementos patrimoniais ou ganhos derivados da alienação onerosa de imóveis, que se consubstanciam na diferença entre o valor da aquisição e o valor de realização desses bens, constituem mais-valias que se consideram obtidas no momento da alienação, sendo esse o momento da celebração do respetivo contrato de compra e venda (cfr. artigo 408.º e artigos 874.º, 875.º e 879.º, alínea a), todos do Código Civil).

Por conseguinte, as mais-valias ocorrem, como facto tributário sujeito a tributação, no momento em que ocorre a alienação e surge na esfera jurídica o inerente ganho (ainda que o pagamento do preço não ocorra nessa data). O que quer dizer que é neste ganho (consubstanciado no respetivo direito ao recebimento do preço – cfr. alínea c) do art.º 879.º do Código Civil), gerado no momento da alienação, que reside o facto tributário gerador das mais-valias.

Ou seja, o facto tributário que origina e conforma as mais-valias nasce e esgota-se no preciso momento (autónomo e completo) da alienação e coetânea realização das mais-valias, salvas as situações previstas nas als. do n.º 3 do artigo 10.º do CIRS que não se verificam no caso dos autos.
Em sede de IRS, o artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do Código insere no campo de incidência da tributação as mais-valias de alienação de bens imóveis, sendo que esta incidência supõe a realização da mais-valia, ou seja, a sua alienação onerosa. E é esta alienação onerosa – formalizada pela escritura pública de compra e venda – o facto gerador (vd. José Guilherme Xavier de Basto, obra citada, pág. 397).

Como escreve José Guilherme Xavier de Basto, in obra citada, pág. 397 e 427, [n]o que respeita ao momento em que o imposto é exigível [...] rege o n.º 3 do artigo 10.º, que estabelece, como regra geral, que os ganhos se consideram obtidos no momento da prática dos actos previstos no n.º 1. Quer dizer, o facto gerador reporta-se ao momento do ato que “realiza” a mais-valia. Dir-se-á, em termos gerais, que o momento relevante é, pois, o da alienação do ativo em que se apuraram mais-valias tributáveis. Daqui resulta que, em geral, a exigibilidade do imposto coincide com o momento em que se verifica o seu facto gerador – o respetivo contrato por efeito do qual se transmite a propriedade do bem. (…)»

Improcedendo mais esta conclusão xviii), improcedem, afinal, todas as conclusões das alegações do presente recurso.

Em conclusão, e em obediência ao princípio da legalidade constitucionalmente consagrado, não pode o aplicador de uma norma de incidência tributária extravasar os limites que essa mesma norma impõe como condição ou pressuposto para a sua aplicação. Pelo que, a aplicação da lei em vigor à data do facto tributário, interpretada nos termos sustentados pela AT e pela sentença recorrida, se nos afigura conforme à Constituição da República Portuguesa.

Na medida em que o caso dos Recorrentes não se enquadra em nenhuma das situações de exclusão de tributação previstas no n.º 5 do artigo 10.º do CIRS, impõe-se concluir que não reúnem os requisitos necessários para beneficiar dessa exclusão de tributação, sendo de manter a sentença recorrida na ordem jurídica, negando provimento ao recurso.

Conclusões/Sumário

I - As normas de incidência dos tributos, bem como as que concedem isenções ou exclusões de tributação, devem ser interpretadas nos seus exactos termos, sem o recurso à analogia, tornando prevalente a certeza e a segurança na sua aplicação.

II - A alínea b) do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS, na redacção vigente em 2004, apenas contempla a “aquisição a que se refere a alínea anterior” – seja, a da “propriedade de outro imóvel” ou “de terreno para construção” – que não a “construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel”.

III - Não está, assim, excluído da tributação o produto da alienação de imóvel, efectuada posteriormente à construção de outro, ambos para residência permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, alegadamente custeada com tal produto.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo dos Recorrentes, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.

Porto, 25 de Fevereiro de 2021


Ana Patrocínio
Cristina Travassos Bento
Celeste Oliveira