Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00315/13.8BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/29/2014
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Pedro Nuno Pinto Vergueiro
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL.
INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA.
NOTIFICAÇÃO DAS LIQUIDAÇÕES.
PRESUNÇÃO - ART. 39º 1 DO CPPT.
Sumário:I) Nos termos do art. 280º nº 1 do C.P.P.T., das decisões dos Tribunais Tributários de 1.ª Instância cabe recurso a interpor, em primeira linha, para os Tribunais Centrais Administrativos, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que tal recurso tem de ser interposto para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, sendo que, no caso presente, as conclusões 2ª, 3ª, 4ª, 9ª e 10ª envolvem a consideração de elementos de facto que obstam à conclusão de que a apreciação e decisão do recurso passa, em exclusivo, pelo tratamento de conceitos jurídicos, de matéria jurídica ou de direito.
II) Nos termos do art. 38º nº 3 do CPPT “as notificações não abrangidas pelo n.º 1, bem como as relativas às liquidações de tributos que resultem de declarações dos contribuintes ou de correcções à matéria tributável que tenha sido objecto de notificação para efeitos do direito de audição, são efectuadas por carta registada”, referindo o art. 39º nº 1 do mesmo diploma que “as notificações efectuadas nos termos do n.º 3 do artigo anterior presumem-se feitas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil”.
III) Nestas condições, impunha-se uma maior reflexão do Tribunal recorrido, pois que a presunção que pretende aplicar, como está bom de ver, apenas vale nos casos em que a carta não seja devolvida, como se pressupõe no n.º 2, em que apenas se admite a possibilidade de ilidir a presunção demonstrando que a notificação ocorreu em data posterior à presumida e já não quando a notificação não tiver ocorrido.
IV) Pois bem, o probatório informa sem rodeios que as liquidações em apreço foram emitidas em 06 de Março de 2012, só foram aceites nos CTT para distribuição em 09 de Março de 2012, verificando-se em 12-03-2012 “Entrega não conseguida”, sendo o motivo “Destinatário desconhecido na morada, Devolvido”, sendo que em 13 de Março de 2012 as referidas notas de cobrança foram devolvidas pelos CTT para o serviço de finanças de Felgueiras, o que colide com a necessidade do destinatário receber/ser avisado de que a carta está à sua disposição na estação dos correios respectiva, onde pode/deve ser reclamada.
V) Nestas condições, não pode subscrever-se o exposto na decisão recorrida, quando defende que as liquidações de imposto que definem as dívidas em cobrança foram validamente notificadas, pois que, de acordo com o que fica exposto, não pode valer a presunção de notificação prevista no artigo 39º nº 1 do CPPT, sendo que se impunha à AT a prova de que houve uma notificação validamente efectuada ou foi atingido o fim por ela visado de transmitir ao destinatário o teor da liquidação.
VI) Nas situações em que a notificação do acto de liquidação nunca ocorreu ou, pelo menos, não ocorreu antes da instauração da execução fiscal, está-se perante uma situação de ineficácia do acto de liquidação, que constitui fundamento de oposição enquadrável na alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT.
VII) Nas situações em que a notificação do acto de liquidação ocorreu, mas se verifica que essa notificação foi realizada já depois de decorrido o prazo de caducidade do direito de liquidação, está-se perante um fundamento de oposição à execução fiscal enquadrável na alínea e) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT.
VIII) A partir daqui, e com os elementos presentes nos autos, aceitando a tese da AT e da sentença recorrida no sentido de que o prazo em crise apenas se esgotaria em 31-03-2012, é inequívoco que se verifica o fundamento da falta de notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade, previsto na alínea e) do n.º 1 do artº 204.º do C.P.P.T., pois que a ora Recorrente alude a uma notificação posterior, mas que não foi feita dentro do prazo de caducidade, situação em que, independentemente de o acto de liquidação notificado enfermar ou não de qualquer vício, ele não produz efeitos em relação ao destinatário, por a notificação não ser efectuada dentro do prazo previsto na lei.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:P..., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
“P…, Lda.”, identificada nos autos, inconformada veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, datada de 04-11-2013, que julgou improcedente a pretensão pela mesma deduzida na presente instância de OPOSIÇÃO com referência à execução fiscal nº 1759201201035940 contra si instaurada pela Fazenda Nacional, que corre termos no Serviço de Finanças de Amarante, para cobrança coerciva de dívidas de IVA e Juros Compensatórios do ano de 2007, no valor de € 3.337,79.

Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 111-122), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(…)
A) A Recorrente deduziu oposição no âmbito do processo de execução fiscal para cobrança coerciva de dívidas de IVA do ano de 2007, no valor de € 3.337,79 invocando a caducidade prevista no artigo 45º da Lei Geral Tributária, uma vez que a executada só foi notificada da liquidação decorridos mais 4 anos e 91 dias, conforme certidão que juntou.
B) Com efeito, a executada alterou a sua sede para o Concelho de Amarante no dia 20 de Fevereiro de 2012, e conforme se pode constatar das notificações constante na certidão supra referida a mesma foi enviada para a Freguesia de Sendim, Concelho de Felgueiras em 9 de Março de 2012, sendo certo que também consta da mesma certidão que a notificação foi devolvida pelos serviços dos CTT em 13/03/2012 - (doc. 3 junto aos autos) e nesta data a executada tinha a sua sede na Freguesia de Telões, concelho de Amarante, cujo registo foi efectuado na Conservatória do Registo Comercial de Amarante, conforme doc. 4 que juntou.
C) Dispõe o artigo 38.º n.º 3 do Código de Procedimento e Processo Tributário que as notificações relativas às liquidações de tributos que resultem das declarações dos contribuintes ou correcções à matéria tributável serão efectuados por carta registada ou ainda através de transmissão electrónica de dados.
D) As cartas registadas nunca foram recepcionadas pela executada e a notificação electrónica foi efectuada após o decurso do prazo de caducidade da liquidação.
E) Assim, como a liquidação não foi validamente notificada à executada no prazo de 4 anos, a caducidade do direito à liquidação constituiu vício do acto tributário o que se argui para os devidos efeitos e com as legais consequências.
F) A Fazenda Pública contestou, alegando que as notificações foram validamente notificadas à sociedade oponente e que por tal facto são exigíveis.
G) A oponente apresentou as suas alegações reiterando o alegado na oposição, ou seja a caducidade, pois a liquidação não foi validamente notificada à Oponente, uma vez que o domicílio fiscal da Opoente, foi alterado em 06.03.2012, a qual produziu efeitos na mesma data no cadastro da administração tributária, por ligação informática com a base de dados do Ministério da Justiça, donde decorre que, em 09 de Março de 2012, a Administração tributária tinha conhecimento da alteração da sede, não tendo sido observadas as formalidades legais nas notificações enviadas.
H) A decisão ora recorrida não teve em consideração o alegado pela recorrente e julgou a oposição improcedente, sustentando que a executada foi validamente notificada, sustentando que:
I) A ora oponente foi alvo de procedimento de inspecção externa de âmbito geral e com referenda ao ano fiscal de 2007, tendo a mesma tido início a 7 de Setembro de 2011.
J) Em 06.12.2011, data da assinatura do aviso de recepção relativo à notificação efectuada peio oficio n.º 72021/0505, de 02.12.2011, a sociedade ora oponente foi notificado do relatório final do procedimento de inspecção tributária, nos termos do art. 77º, da LGT e do art. 62º do RCPIT, momento a partir do qual se considera concluído o procedimento de inspecção, nos termos do art. 62º, n.º 2, do RCPIT.
K) Como consequência das correcções determinadas em procedimento inspectivo foram emitidas as liquidações de Imposto e dos correspondentes juros compensatórios do IVA do exercício de 2007 no valor global do € 3.337,79.
L) Foi junta à petição inicial, como doc. 1, certidão emitida pelo serviço de finanças de Felgueiras-1, que certifica que as fotocópias constantes de fls 3 a 10.
M) Foram extraídas das notificações devolvidos pelos serviços dos CTT em 13.03.2012 e arquivadas no processo individual do contribuinte e que a sociedade oponente nos presentes autos “se considera notificada em 14.03.2012, conforme consta da respectiva aplicação de averbamento de notificações”.
N) O que significa que as liquidações de imposto que definem as dívidas em cobrança foram validamente notificadas, de acordo com o disposto nos artigos 38º, n.º 3 e 39º, n.º 1, ambos do CPPT, tendo em conta os factos que se consideraram provados, com base no teor da certidão do serviço de finanças de Felgueiras.
O) Sucede que, entre 07.09.2011 e 06.12.2011, decorreu o procedimento inspectivo externo referido, o qual não ultrapassou o prazo de seis meses após a notificação do seu início, ocorrendo a suspensão do prazo de caducidade do imposto sobre o qual incidiu o procedimento inspectivo. cf. n.º1 do art. 46º, da Lei Geral Tributária (LGT).
P) Nos termos do art. 45º, n.º 4 da LGT e, estando em causa um imposto de natureza periódica - IVA, o início do prazo de caducidade dá-se em 01.01.2008, e suspende-se conforme já se disse, por seis meses, nos termos do disposto no art. 46º, nº 1, da LGT.
Q) Esta suspensão terminou com a conclusão do procedimento inspectivo, retomando-se a contagem do prazo de caducidade a partir do momento definido no art. 62º, n.º 2, do RCPIT. Assim, o termo final do prazo de caducidade do direito a liquidar o IVA/2007 a sociedade ora oponente foi protelado para 31.03.2012, data em que se esgotava o prazo de 4 anos e 91 dias, ainda em contagem em 14.03.2012.
R) Assim, caducando o direito à liquidação em 31.03.2012, a notificação da liquidação foi efectuada antes do termo do prazo de caducidade. Pelo que, improcede a presente oposição.
S) Com o devido respeito, andou mal o Tribunal “a quo” em violação do correcto entendimento das normas aplicáveis.
T) Dos documentos juntos com a Petição Inicial, nomeadamente o Doc. 1 e doc. 3, resulta que as liquidações apesar de emitidas em 06 de Março de 2012, só foram aceites nos CTT para distribuição em 09 de Março de 2012.
U) Pelo que à data do envio das liquidações, a morada da recorrente não era a que constava das mesmas, pois alterou a sede em 06 de Março.
V) E, em consequência, foram as notificações devolvidas em 13 de Março de 2012, considerando a Administração Tributária, erradamente, que a Oponente se considerou notificada em 14 de Março de 2012.
W) Pois, conforme decorre da alínea b) do n.º 1 e n.º 2 e n.º 3 do artigo 19.º da LGT, na redacção vigente ao tempo das mencionadas notificações da liquidação de IVA/2007, que, para as pessoas colectivas, o domicílio fiscal é o local da sede ou direcção efectiva e, que, nos termos da lei, é obrigatória a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária, sendo a mudança de domicilio ineficaz enquanto não for comunicada à administração tributária.
X) No caso dos autos, a comunicação, por parte da ora recorrente, da mudança do seu domicílio fiscal efectuou-se em 06.03.2012, através da apresentação a registo comercial promovida sob o n.º 1/20120306, alterou a sua sede para o Lugar da Boavista, n.º 6, freguesia de Telões, concelho de Amarante, com o código postal 4600-756, a qual produz efeitos na mesma data no cadastro da administração tributária, sob o n.º MJ03000222062, por ligação informática com a base de dados do Ministério da Justiça.
Y) Na sequência da devolução da notificação da liquidação, a Administração tributária deveria ter procedido de acordo com o disposto no n.º 5 do artigo 39.º do CPPT, e ao proceder de tal forma iria verificar que a morada da Recorrente tinha sido alterada e em virtude do registo obrigatório verificaria que tal alteração lhe era oponível.
Z) Ao invés, considerou que a Recorrente foi validamente notificada em 14.03.2012.
AA) Donde decorre, que as formalidades legais nas notificações enviadas não foram observadas, o que implica a sua nulidade, o que novamente se invoca.
BB) Assim, o direito à liquidação do IVA/2007 à sociedade ora recorrente caducou em 07.03.2012, e não em 31.03.2012. pois o prazo de caducidade apenas esteve suspenso entre 07.09.2011 e 06.12.2011, reiniciando-se em 07 de Dezembro o referido prazo de caducidade, sem que a Administração Tributária tenha validamente notificado a Recorrente.
CC) Ao não entender desta forma a sentença preferida violou o correcto entendimento do disposto na alínea b) do n.º 1 e n.º 2 e n.º 3 do artigo 19.º e artigo 45.º da LGT, no n.º 2 e n.º 5 do artigo 39.º do CPPT.
DD) Ainda e sem prescindir, o direito à liquidação do IVA/2007, aquando da expedição da carta de notificação, ou seja, em 09 de Março de 2012, já havia caducado.
EE) Pelo que deve ser revogada a sentença ora recorrida e substituída por uma outra que dê provimento aos fundamentos apresentados na Oposição apresentada pela Recorrente.
TERMOS EM QUE, NOS MELHORES DE DIREITO, E SEMPRE COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE POR PROVADO TERMOS EM QUE, E NOS MELHORES DE DIREITO E COM O SEMPRE MUI DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVE A SENTENÇA RECORRIDA SER REVOGADA, COM O QUE SE FARÁ INTEIRA E SÃ JUSTIÇA!”

A recorrida Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 130 a 132 dos autos, suscitando a questão da incompetência em razão da hierarquia deste Tribunal para conhecer do recurso.

Notificadas as partes para se pronunciarem, nada disseram.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO –QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a matéria suscitada nos autos prende-se com a questão da notificação ou não das liquidações que deram causa à dívida exequenda, sendo que previamente à situação apontada importa apreciar da excepção suscitada nos autos a fls. 130-132.


3. FUNDAMENTOS
3.1 DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
1.º - Em 05 de Junho de 2012 foi instaurado contra a ora oponente o processo de execução fiscal n°1759201201035940 pelo serviço de finanças de Amarante, relativo a dívidas de IVA e respectivos Juros Compensatórios do ano de 2007, no montante de € 3.337,79 - cf. teor da Informação do serviço de finanças de Amarante a fls.41 dos autos.
2.º - A referida dívida respeita a liquidações adicionais apuradas pela Inspecção Tributária na sequência de acção de inspecção externa iniciada em 07 de Setembro de 2011 - cf. teor da Informação do serviço de finanças de Amarante a fls.41 dos autos.
3.º - A referida acção de inspecção terminou em 06 de Dezembro de 2011 - cf. teor da Informação do serviço de finanças de Amarante a fls.41 dos autos.
4.º - Data em que foi enviada notificação à ora oponente - cf. doc. de fls.37 a 40 dos autos.
5.º - Em 06 de Março de 2012 foram enviadas pelos Serviços Centrais as notas de cobrança do IVA e respectivos Juros Compensatórios para a morada:
“C… - 4610-756 Sendim FLG – cf. teor da Informação do serviço de finanças de Amarante a fls.41 dos autos.
6.º - Em 13 de Março de 2012 as referidas notas de cobrança foram devolvidas pelos CTT para o serviço de finanças de Felgueiras - cf. teor da Informação do serviço de finanças de Amarante a fls.41 dos autos.
7.º - As referidas notas estão arquivadas no processo individual do contribuinte - cf. doc.1, junto aos autos pela oponente.
8.º - O Órgão de execução fiscal através de consulta ao sistema informático do IVA, constata que consta averbada como data de notificação das liquidações à firma executada o dia 14 de Março de 2012 - cf. teor da informação do serviço de finanças de Amarante a fls 41 dos autos.
9.º - Em 11 de Junho de 2012 foi efetuada a citação postal da executada.
10.º - A executada, em 06 de Março de 2012, solicitou a alteração da sede para: “Lugar…- Telões, 4600-756 Amarante - cf. teor da Informação do serviço de finanças de Amarante a fls.41 dos autos e docs. de fls. 33 a 35 dos autos.
11.º - A presente oposição foi enviada ao Serviço de finanças de Amarante, via fax, em 11 de Julho de 2012, pelas 18 horas e 47 minutos - cf. teor da Informação do serviço de finanças de Amarante a fls.41 dos autos.
12.° - O original da petição deu entrada no serviço de finanças de Amarante em 13 de Julho de 2012 - cf. teor da informação do serviço de finanças de Amarante a fls.41 dos autos.
Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a apreciação das questões em apreço.
Motivação.
O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque - art.74°, n°1, da Lei Geral Tributária (LGT).
A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita - art.516º do Código de Processo Civil (CPC).
No que respeita à factualidade considerada provada e relevante à decisão da causa, o Tribunal fundou a sua convicção na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e que não foram objecto de impugnação, assim como, em parte dos factos alegados pelas partes que não foram impugnados e que estão, igualmente, corroborados pelos documentos constantes dos autos (cf. artigos 74º e 76º nº 1 da LGT e artigos 362º e seguintes do Código Civil).”
Ao abrigo do disposto no art. 712º nº 1 al. a) do C. Proc. Civil (actual art. 662º), adita-se ao probatório o seguinte:
13.º - As liquidações emitidas em 06 de Março de 2012, só foram aceites nos CTT para distribuição em 09 de Março de 2012, verificando-se em 12-03-2012 “Entrega não conseguida”, sendo o motivo “Destinatário desconhecido na morada, Devolvido” (fls. 18 e 41 dos autos).
3.1 DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, então, antes de mais, entrar na análise da excepção suscitada.
A competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de outra matéria - art. 13º do C. P. T.A., aplicável “ex vi” art. 2º, al. c), do C. P. P. Tributário.
Significa isto que é um pressuposto de conhecimento oficioso, quer se trate de incompetência absoluta (em razão da matéria ou da categoria do tribunal) quer se trate de incompetência relativa (em razão do território) e que o seu conhecimento tem prioridade sobre qualquer outro assunto.
A incompetência em razão da hierarquia determina a incompetência absoluta do tribunal, a qual é do conhecimento oficioso e pode ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão final ( cfr. art. 16º do C.P.P. Tributário ).
Ora, nos termos do art. 280º nº 1 do C.P.P.T., das decisões dos Tribunais Tributários de 1.ª Instância cabe recurso a interpor, em primeira linha, para os Tribunais Centrais Administrativos, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que tal recurso tem de ser interposto para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
Deste modo, para aferir da competência, em razão da hierarquia, do STA, há que olhar para as conclusões da alegação do recurso e verificar se, perante elas, as questões controvertidas se resolvem mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação de normas jurídicas, ou se, pelo contrário, implicam a necessidade de dirimir questões de facto - seja porque o recorrente defende que os factos levados ao probatório não estão provados, seja porque diverge das ilações de facto que deles se devam retirar, seja porque invoca factos que não vêm dados como provados e que não são, em abstracto, indiferentes para o julgamento da causa.
Confrontando a matéria tratada na decisão recorrida com a matéria vertida nas conclusões, e como se retira do aditamento à matéria de facto, a conclusão T) envolve a consideração de elementos de facto que obstam à conclusão de que a apreciação e decisão do recurso passa, em exclusivo, pelo tratamento de conceitos jurídicos, de matéria jurídica ou de direito, de modo que, é manifesto que não procede a matéria de excepção invocada pelo Exmo. Magistrado do Ministério Público.
Pelo que somos levados a concluir, sempre com o devido respeito por contrária opinião, que o presente recurso não tem por exclusivo fundamento matéria de direito, mas, também, matéria de facto, sendo, por isso, competente para o seu conhecimento esta Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte.

A partir daqui, cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos e que se prende com a questão da notificação ou não das liquidações que deram causa à dívida exequenda.

Para julgar a presente oposição improcedente, a sentença recorrida considerou que:
“…
A falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade constitui fundamento de oposição.
A ora oponente foi alvo de procedimento de inspecção externa de âmbito geral e com referência ao ano fiscal de 2007, tendo a mesma tido início a 7 de Setembro de 2011.
Em 06.12.2011, data da assinatura do aviso de receção relativo à notificação efectuada pelo oficio n°72021/0505, de 02.12.2011, a sociedade ora oponente foi notificada do relatório final do procedimento de inspecção tributária, nos termos do art 77°, da LGT e do art.62° do RCPIT, momento a partir do qual se considera concluído o procedimento de inspecção, nos termos do art 62°, n.°2, do RCPIT.
Como consequência das correcções determinadas em procedimento inspectivo foram emitidas as liquidações de imposto e dos correspondentes juros compensatórios do IVA do exercício de 2007, no valor global de € 3.337,79.
Foi junta à petição inicial, como doc.1, certidão emitida pelo serviço de finanças de Felgueiras-1, que certifica que as fotocópias constantes de fls.3 a 10 foram extraídas das notificações devolvidas pelos serviços dos CTT em 13.03.2012 e arquivadas no processo individual do contribuinte e que a sociedade oponente nos presentes autos “se considera notificada em 14.03.2012, conforme consta da respetiva aplicação de averbamento de notificações”
O que significa que as liquidações de imposto que definem as dívidas em cobrança foram validamente notificadas, de acordo com o disposto nos artigos 38°, n°3 e 39°, n°1, ambos do CPPT, tendo em conta os factos que se consideraram provados, com base no teor da certidão do serviço de finanças de Felgueiras.
Sucede que, entre 07.092011 e 06.12.2011, decorreu o procedimento inspectivo externo referido, o qual não ultrapassou o prazo de seis meses após a notificação do seu início, ocorrendo a suspensão do prazo de caducidade do imposto sobre o qual incidiu o procedimento inspectivo, cf. n°1 do art.46°, da Lei Geral Tributária (LGT).
Nos termos do art.45°, n.°4 da LGT e, estando em causa um imposto de natureza periódica - IVA, o início do prazo de caducidade dá-se em 01.01.2008, e suspende-se conforme já se disse, por seis meses, nos termos do disposto no art.46°, n.°1, da LGT.
Esta suspensão terminou com a conclusão do procedimento inspectivo, retomando-se a contagem do prazo de caducidade a partir do momento definido no art.62°, n.°2, do RCPIT.
Assim, o termo final do prazo de caducidade do direito a liquidar o IVA/2007 à sociedade ora oponente foi protelado para 31.03.2012, data em que se esgotava o prazo de 4 anos e 91 dias, ainda em contagem em 14.03.2012.
Assim, caducando o direito à liquidação em 31.03.2012, a notificação da liquidação foi efectuada antes do termo do prazo de caducidade. …”.

Nas suas conclusões, a Recorrente aponta que dos documentos juntos com a Petição Inicial, nomeadamente o Doc. 1 e doc. 3, resulta que as liquidações apesar de emitidas em 06 de Março de 2012, só foram aceites nos CTT para distribuição em 09 de Março de 2012, pelo que à data do envio das liquidações, a morada da recorrente não era a que constava das mesmas, pois alterou a sede em 06 de Março e, em consequência, foram as notificações devolvidas em 13 de Março de 2012, considerando a Administração Tributária, erradamente, que a Oponente se considerou notificada em 14 de Março de 2012, pois, conforme decorre da alínea b) do n.º 1 e n.º 2 e n.º 3 do artigo 19.º da LGT, na redacção vigente ao tempo das mencionadas notificações da liquidação de IVA/2007, que, para as pessoas colectivas, o domicílio fiscal é o local da sede ou direcção efectiva e, que, nos termos da lei, é obrigatória a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária, sendo a mudança de domicilio ineficaz enquanto não for comunicada à administração tributária e no caso dos autos, a comunicação, por parte da ora recorrente, da mudança do seu domicílio fiscal efectuou-se em 06.03.2012, através da apresentação a registo comercial promovida sob o n.º 1/20120306, alterou a sua sede para o Lugar da Boavista, n.º 6, freguesia de Telões, concelho de Amarante, com o código postal 4600-756, a qual produz efeitos na mesma data no cadastro da administração tributária, sob o n.º MJ03000222062, por ligação informática com a base de dados do Ministério da Justiça.
Na sequência da devolução da notificação da liquidação, a Administração tributária deveria ter procedido de acordo com o disposto no n.º 5 do artigo 39.º do CPPT, e ao proceder de tal forma iria verificar que a morada da Recorrente tinha sido alterada e em virtude do registo obrigatório verificaria que tal alteração lhe era oponível.
Ao invés, considerou que a Recorrente foi validamente notificada em 14.03.2012, donde decorre, que as formalidades legais nas notificações enviadas não foram observadas, o que implica a sua nulidade, o que novamente se invoca, o que significa que o direito à liquidação do IVA/2007 à sociedade ora recorrente caducou em 07.03.2012, e não em 31.03.2012. pois o prazo de caducidade apenas esteve suspenso entre 07.09.2011 e 06.12.2011, reiniciando-se em 07 de Dezembro o referido prazo de caducidade, sem que a Administração Tributária tenha validamente notificado a Recorrente.

Que dizer?
Neste âmbito, importa começar por ponderar a relevância da comunicação, por parte da ora Recorrente, da mudança do seu domicílio fiscal efectuou-se em 06.03.2012, através da apresentação a registo comercial promovida sob o n.º 1/20120306, alterou a sua sede para o Lugar da Boavista, n.º 6, freguesia de Telões, concelho de Amarante, com o código postal 4600-756, a qual produz efeitos na mesma data no cadastro da administração tributária, sob o n.º MJ03000222062, por ligação informática com a base de dados do Ministério da Justiça.
Neste ponto, crê-se que o exposto pela Recorrente não é decisivo, na medida em que, nos termos do art. 43º nº 1 do CPPT “os interessados que intervenham ou possam intervir em quaisquer procedimentos ou processos nos serviços da administração tributária ou nos tribunais tributários comunicam, no prazo de 15 dias, qualquer alteração do seu domicílio, sede ou caixa postal electrónica, referindo o nº 2 que “a falta de recebimento de qualquer aviso ou comunicação expedidos nos termos dos artigos anteriores, devido ao não cumprimento do disposto no n.º 1, não é oponível à administração tributária, sem prejuízo do que a lei dispõe quanto à obrigatoriedade da citação e da notificação e dos termos por que devem ser efectuadas”.

A propósito dos requisitos da não oponibilidade da alteração de domicílio à administração tributária referida no n.º 2 será necessário, como refere o Cons. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 6ª edição, 2011, vol. I, págs. 409-410, que se demonstre:
- que o interessado tivesse feito, antes da notificação, uma comunicação de domicílio à administração tributária;
- que, no momento da notificação, o destinatário já não tenha domicílio no local indicado anteriormente ;
- que entre a data em que ocorreu a mudança de domicílio e a data em que ocorreu a tentativa de notificação tenha decorrido um período de tempo superior a 20 dias;
- se se tratar de caso em que deva utilizar-se carta com aviso de recepção, que tenha sido enviada uma segunda carta após devolução da primeira e que o interessado não demonstre a existência de justo impedimento na recepção ou levantamento da carta ou impossibilidade de comunicação da alteração de domicílio no prazo referido. …”.
Assim sendo, considerando o que fica exposto na anotação agora descrita e o teor da norma acima apontada, o facto de a data da emissão das liquidações coincidir com a aludida comunicação e o momento em que foi feita a tentativa de notificação, não pode operar a tese da Recorrente no sentido de que a situação foi comunicada em termos de ser oponível à AT.

No entanto, cabe notar que o preceito legal descrito, na sua parte final, ressalva o disposto na lei quanto à obrigatoriedade da citação e da notificação e dos termos por que devem ser efectuadas.
Isto porque, e neste ponto, assiste razão à Recorrente, não foi efectuada qualquer notificação.
Com efeito, atente-se no probatório:
“5.º - Em 06 de Março de 2012 foram enviadas pelos Serviços Centrais as notas de cobrança do IVA e respectivos Juros Compensatórios para a morada:
“Casal ou Seixo - 4610-756 Sendim FLG – cf. teor da Informação do serviço de finanças de Amarante a fls.41 dos autos.
6.º - Em 13 de Março de 2012 as referidas notas de cobrança foram devolvidas pelos CTT para o serviço de finanças de Felgueiras - cf. teor da Informação do serviço de finanças de Amarante a fls.41 dos autos.
7.º - As referidas notas estão arquivadas no processo individual do contribuinte - cf. doc.1, junto aos autos pela oponente.
8.º - O Órgão de execução fiscal através de consulta ao sistema informático do IVA, constata que consta averbada como data de notificação das liquidações à firma executada o dia 14 de Março de 2012 - cf. teor da informação do serviço de finanças de Amarante a fls 41 dos autos. …
13.º - As liquidações emitidas em 06 de Março de 2012, só foram aceites nos CTT para distribuição em 09 de Março de 2012, verificando-se em 12-03-2012 “Entrega não conseguida”, sendo o motivo “Destinatário desconhecido na morada, Devolvido” (fls. 18 e 41 dos autos)”.

Nesta sequência, a sentença recorrida considerou que “as liquidações de imposto que definem as dívidas em cobrança foram validamente notificadas, de acordo com o disposto nos artigos 38°, n°3 e 39°, n°1, ambos do CPPT, tendo em conta os factos que se consideraram provados, com base no teor da certidão do serviço de finanças de Felgueiras”.

O primeiro desses normativos estabelece que “as notificações não abrangidas pelo n.º 1, bem como as relativas às liquidações de tributos que resultem de declarações dos contribuintes ou de correcções à matéria tributável que tenha sido objecto de notificação para efeitos do direito de audição, são efectuadas por carta registada”, referindo o segundo que “as notificações efectuadas nos termos do n.º 3 do artigo anterior presumem-se feitas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil”.

Nestas condições, impunha-se uma maior reflexão do Tribunal recorrido, pois que a presunção que pretende aplicar, como está bom de ver, apenas vale nos casos em que a carta não seja devolvida, como se pressupõe no n.º 2, em que apenas se admite a possibilidade de ilidir a presunção demonstrando que a notificação ocorreu em data posterior à presumida e já não quando a notificação não tiver ocorrido (Cons. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 6ª edição, 2011, vol. I, págs. 382).

Pois bem, o probatório informa sem rodeios que as liquidações em apreço foram emitidas em 06 de Março de 2012, só foram aceites nos CTT para distribuição em 09 de Março de 2012, verificando-se em 12-03-2012 “Entrega não conseguida”, sendo o motivo “Destinatário desconhecido na morada, Devolvido”, sendo que em 13 de Março de 2012 as referidas notas de cobrança foram devolvidas pelos CTT para o serviço de finanças de Felgueiras, o que colide com a necessidade do destinatário receber/ser avisado de que a carta está à sua disposição na estação dos correios respectiva, onde pode/deve ser reclamada.
Nestas condições, não pode subscrever-se o exposto na decisão recorrida, quando defende que as liquidações de imposto que definem as dívidas em cobrança foram validamente notificadas, pois que, de acordo com o que fica exposto, não pode valer a presunção de notificação prevista no artigo 39º nº 1 do CPPT, sendo que se impunha à AT a prova de que houve uma notificação validamente efectuada ou foi atingido o fim por ela visado de transmitir ao destinatário o teor da liquidação.
Assim sendo, afastada que está a relevância da notificação apontada na decisão recorrida, não pode concluir-se, nem sequer se percebe como é que foi averbada ao sistema informático do IVA como data de notificação das liquidações à firma executada o dia 14 de Março de 2012.

Com este pano de fundo, e para cabal enquadramento da matéria em apreço, importa ter presente o exposto no Ac. do S.T.A. (Pleno) de 18-09-2013, Proc. nº 0578/13, www.dgsi,pt, onde se ponderou que «Antes do CPPT, o regime da caducidade do direito de liquidação estava previsto no art. 33º do CPT, em que se estabelece que «o direito à liquidação de impostos e outras prestações tributárias caduca se a liquidação não for notificada ao contribuinte no prazo de cinco anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo daquele em que ocorreu o facto tributário ou, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu».
Em termos lógicos, sendo a notificação da liquidação um acto posterior e exterior a esta, destinado a assegurar a sua eficácia (arts. 64.º, nº 1, do CPT), a sua falta, bem como as suas deficiências ou ilegalidades, deveriam afectar apenas a sua eficácia e não a validade do acto notificado.
Aliás, o entendimento sempre adoptado pelo Supremo Tribunal Administrativo, em geral, era o de que o acto de notificação de um acto tributário é um acto exterior e posterior a este e os vícios que afectem a notificação, podendo determinar a ineficácia do acto notificado, são insusceptíveis de produzir invalidade do acto notificado, por não terem a ver com o próprio acto nem com os seus pressupostos (Neste sentido, entre muitos outros, podem ver-se os seguintes acórdãos do STA:
- de 13-4-83 (do Pleno, publicado AD, n.º 262, página 1205);
- de 6-7-88, recursos n.ºs 5608 e 5630, CTF n.º 352, páginas 368 e 562;
- de 28-9-88, recurso n.º 5631, CTF n.º 352, página 575;
- de 26-11-88, recurso n.º 4905, CTF n.º 353, página 230;
- de 3-5-89, recurso n.º 5472, AP-DR 15-5-91, página 522,
- de 12-7-89, recurso n.º 10428, AP-DR de 28-2-92, página 924;
- de 9-10-91, recurso n.º 13540, AP-DR de 20-1-94, página 440;
- de 2-3-9-92, recurso n.º 13713, AP-DR de 30-6-95, página 2237;
- de 14-10-92, recurso 14070, AP-DR de 9-10-95, página 2521; e
- de 2-12-93, recurso n.º 14471, AP-DR de 20-5-96, página 4152;
- de 3-5-2000, recurso n.º 22608.).
Porém, na vigência do CPT, a jurisprudência foi-se formando no sentido de que, nas situações em que a liquidação havia sido efectuada dentro do prazo de caducidade, mas a notificação ocorrera depois desse prazo, a legalidade da liquidação era afectada pela falta ou irregularidade da notificação, que era um requisito de validade da própria liquidação, entendida não em sentido estrito, como o acto que fixa o tributo, mas em sentido lato, como processo de liquidação, integrado por um conjunto de actos conexionados com tal fixação e sua imposição ao destinatário. Neste contexto, a notificação do acto de liquidação era um requisito necessário para não ocorrer a caducidade do direito de liquidar e, por isso, a sua falta afectava a legalidade do processo de liquidação, globalmente considerado.
Por isso se entendia que o vício da liquidação, em sentido lato, constituído pela não notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade, podia apenas ser suscitado em impugnação judicial, que é o meio processual adequado para apreciar a validade de actos de liquidação, e não em oposição à execução fiscal, que está vocacionada, embora com excepções, para apreciar a existência de fundamentos de inexigibilidade da obrigação tributária liquidada.
No entanto, este entendimento não obstava a que, se uma execução fiscal fosse instaurada sem prévia notificação do acto de liquidação da dívida exequenda, o contribuinte pudesse opor-se, invocando como fundamento a ineficácia daquele acto, pois a sua eficácia dependia da notificação (art. 64º do CPT) e sem notificação a dívida era inexigível.
Na verdade, as situações de falta de notificação antes da execução, afectando a exigibilidade da dívida exequenda e não se enquadrando em qualquer das alíneas anteriores, constituem fundamento de execução fiscal como, sempre entendeu este Supremo Tribunal Administrativo, face às normas dos arts. 176º, alínea g), do CPCI e 286º, nº 1, alínea h) do CPT, a que corresponde actualmente o art. 204º, n.º 1, alínea i), do CPPT. (Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do STA:
- de 16-11-1994, recurso n.º 18059, AP-DR de 20-1-97, página 2585;
- de 5-4-1995, recurso n.º 18445, AP-DR de 14-8-97, página 1015;
- de 22-5-1996, recurso n.º 20342, AP-DR de 18-5-98, 1768
- de 26-6-96, recurso n.º 18427, AP-DR de 18-5-98, página 2182;
- de 23-10-1996, recurso n.º 20783, AP-DR de 28-12-98, página 3060;
- de 13-11-1996, recurso n.º 20787, AP-DR de 28-12-98, página 3440;
- de 27-11-1996, recurso n.º 20692, CTF n.º 385, página 364, e no AP-DR de 28-12-98, página 3617;
- de 5-3-97, recurso n.º 21304, AP-DR de 14-5-99, página 760,
- de 19-3-97, recurso n.º 21120, AP-DR de 14-5-99, página 802;
- de 21-5-1997, recurso n.º 21605, AP-DR de 9-10-2000, 1563;
- de 11-3-1998, recurso n.º 22207, AP-DR de 8-11-2001, página 885;
- de 7-10-1998, recurso n.º 22349, AP-DR de 21-1-2002, página 2727;
- de 10-2-1999, recurso n.º 22290, CTF n.º 394, página 322, e no BMJ n.º 484, página 199;
- de 3-3-1999, recurso n.º 22902;
- de 9-3-2000, recurso n.º 23699, AP-DR de 21-11-2002, página 845;
- de 24-10-2001, recurso n.º 26430, AP-DR de 13-10-2003, página 2436;
- de 20-2-2002, recurso n.º 26291, AP-DR de 16-2-2004, página 561;
- de 6-10-2005, recurso n.º 500/05.)
O art. 45º da LGT manteve o essencial do mesmo regime de caducidade do direito de liquidação ao estabelecer que «o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro».
Porém, o CPPT veio introduzir na alínea e) do seu art. 204º um novo fundamento de oposição à execução fiscal, não previsto no art. 286º do CPT, que é a «falta da notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade».
Esta fórmula é ambígua, pois tanto pode ser interpretada:
- como reportando-se a situações em que, antes da execução, ocorreu uma notificação, mas ela foi efectuada fora do prazo de caducidade do direito de liquidação;
- como a situações em que não ocorreu qualquer notificação e a execução foi instaurada dentro desse prazo de caducidade;
- como a todas as situações em não foi efectuada uma notificação da liquidação dentro prazo de caducidade, por isso, tanto aquelas em que execução foi instaurada antes do termo do prazo de caducidade, como aquelas em que a execução foi instaurada depois deste termo.
A introdução do fundamento previsto na alínea e) do nº 1 do art. 204º do CPPT, a par da manutenção de todos os fundamentos de oposição previstos anteriormente no art. 286º, corresponde, forçosamente, a uma intenção legislativa de aumentar os fundamentos de oposição, pois, como é óbvio, se se pretendesse que fossem os mesmos admitidos no CPT, reproduzir-se-iam os aí admitidos em vez de aditar um novo fundamento.
Assim, constatando-se que o CPPT mantém, na alínea i) do nº 1 do art. 204º, o fundamento de oposição previsto na alínea h) do nº 1 do art. 286º do CPT, que abrangia todas as situações em que a execução fiscal fosse instaurada sem prévia notificação, conclui-se com segurança que a alínea e), ao aumentar os fundamentos, não se reporta a situações em que a execução fiscal foi instaurada sem prévia notificação do acto de liquidação da dívida exequenda.
Na verdade, em todas as situações em que a execução fiscal foi instaurada sem prévia notificação do acto de liquidação, este acto é ineficaz e, por isso, não produz efeitos em relação aos seus destinatários (arts. 77º, nº 6, da LGT e 36º, nº 1, do CPPT), não podendo com base nesse exigir-se coercivamente o pagamento da dívida liquidada.
Todas estas situações em que não houve qualquer notificação da liquidação, antes da instauração da execução fiscal enquadravam-se na alínea h) do nº 1 do art. 286º, pois abrangem-se aí «quaisquer fundamentos não referidos nas alíneas anteriores, a provar apenas por documento, desde que não envolvam apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem representem interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título».
E, actualmente, à face do CPPT, todas estas situações em que não houve qualquer notificação, são susceptíveis de enquadramento na alínea i) do n.º 1 do art. 204º, que tem teor idêntico àquela alínea h) do nº 1 do art. 286º do CPT, se não for de entender que a situação se enquadre noutra das alíneas do mesmo número, designadamente na nova alínea e).
De qualquer modo, seja na alínea i), seja na alínea e) do nº 1 do art. 204º do CPPT, tem de concluir-se com segurança que em todos os casos em que não foi efectuada uma notificação da liquidação antes da instauração da execução está-se perante uma situação de ineficácia do acto que é fundamento de oposição à execução fiscal.
Para retirar esta conclusão é absolutamente irrelevante que o acto de liquidação tenha ou não sido praticado dentro do prazo de caducidade, pois para a eficácia da liquidação o que importa é a notificação, e, naturalmente, a eventualidade de o acto de liquidação ser ilegal, por ter sido praticado depois do prazo de caducidade, não o torna eficaz sem notificação.
6 - Assim, estando fora do âmbito daquela alínea e) as situações em que não ocorreu notificação, o sentido da expressão «falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade» é, necessariamente, o de referenciar situações em que ocorreu notificação, mas esta foi efectuada fora do prazo de caducidade.
Isto é, com o CPPT repôs-se a coerência do sistema global de meios de defesa dos contribuintes em matéria tributária, ao tornar a notificação intempestiva da liquidação fundamento de inexigibilidade da obrigação tributária em vez de ilegalidade da liquidação notificada.
Na verdade, à face do novo regime, a notificação intempestiva não constitui ilegalidade do acto notificado, à semelhança do que sucede em relação à generalidade de todos os outros actos administrativos e tributários; esse vício do acto de notificação (intempestividade) afecta-o apenas a ele próprio e não ao acto notificado, retirando-lhe a potencialidade de produzir os efeitos que produziria se não enfermasse dessa ilegalidade, que era o de atribuir eficácia ao acto notificado.
Assim, é agora claro que tanto a falta de notificação como a falta de uma notificação tempestiva afectam a eficácia do acto de liquidação e não a sua validade, pelo que é na oposição que devem ser invocadas tanto a inexistência de qualquer notificação como a intempestividade da notificação que tenha sido efectuada.
Este regime é, globalmente, mais coerente do que o sustentado pela referida jurisprudência na vigência do CPT, pois a notificação de qualquer acto é um acto autónomo e posterior ao acto notificado e, por isso, é duvidosa a razoabilidade do entendimento que se na vigência do CPT se adoptava, no sentido de a falta ou vício da notificação afectar a validade do acto de liquidação, acto este que já estava praticado e permanecia como estava independentemente da notificação.
De qualquer forma, mesmo que se entenda, na esteira da jurisprudência anterior, que a intempestividade da notificação é vício do acto de liquidação e contende com a sua legalidade, o que resulta da alínea e) é que essa ilegalidade, como sucede com outras, pode ser apreciada no processo de execução fiscal. (Apesar de, em princípio, a execução fiscal não se destinar a apreciar a legalidade da dívida exequenda, esta apreciação pode fazer-se em vários casos, enquadráveis nas alíneas a), g) e h).))
Para além disso, a interpretação que mais linearmente decorre do texto da alínea e) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT é, na falta de qualquer elemento textual que suporte uma interpretação restritiva, a de que a oposição pode sempre ter por fundamento «a falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade» e não apenas quando a execução foi instaurada antes de este prazo se completar. Por isso, num domínio de processos contenciosos em que é dada abertura ampla à possibilidade de intervenção autónoma dos particulares sem representação através de advogado (Apenas é obrigatória a constituição de advogado, na 1.ª instância, quando o valor da causa exceda o décuplo da alçada dos tribunais tributários (art. 6.º, n.º 1, deste Código), é de presumir que um legislador que sabe exprimir o seu pensamento em termos adequados (art. 9º, nº 3, do CC), ao elaborar uma norma que se reporta à intervenção primária dos particulares no processo, não deixaria de expressar mais claramente o seu pensamento se entendesse que a norma deveria ter a interpretação fortemente restritiva que consubstanciaria na sua aplicação apenas a casos em que a execução fosse instaurada ainda dentro do prazo de caducidade e sem prévia notificação.
Conclui-se assim que, quer se entenda que a apreciação da intempestividade da notificação da liquidação contende com a eficácia do acto notificado quer se entenda que constitui juízo sobre a sua legalidade, essa intempestividade é fundamento de oposição à execução fiscal. Independentemente de, se for considerado fundamento de ilegalidade do acto de liquidação, poder também ser invocada em impugnação judicial. É, aliás, o que sucede com as outras situações em que pode ser apreciada a legalidade do acto de liquidação em oposição à execução fiscal, designadamente as enquadráveis nas alíneas a) e g) do nº 1 do art. 204º, que tanto podem ser invocadas em impugnação judicial como em oposição à execução fiscal [nas situações referidas na alínea h) por definição, a ilegalidade da liquidação da dívida exequenda apenas pode ser apreciada na oposição à execução fiscal]. …”.

A partir daqui, e com os elementos presentes nos autos, não pondo em crise o mais exposto quanto à aplicação do arts. 45º e 46º da LGT, aceitando a tese da AT e da sentença recorrida no sentido de que o prazo em crise apenas se esgotaria em 31-03-2012, é inequívoco que se verifica o fundamento da falta de notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade, previsto na alínea e) do n.º 1 do artº 204.º do C.P.P.T., pois que a ora Recorrente alude a uma notificação posterior, mas que não foi feita dentro do prazo de caducidade, situação em que, independentemente de o acto de liquidação notificado enfermar ou não de qualquer vício, ele não produz efeitos em relação ao destinatário, por a notificação não ser efectuada dentro do prazo previsto na lei, havendo assim que conceder provimento ao presente recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a oposição à execução fiscal.

4. DECISÃO
Nestes termos, na improcedência da questão prévia suscitada pelo Ministério Público, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, nesta sequência, julgar procedente a presente oposição à execução fiscal e, deste modo, extinta a execução no que concerne às dívidas descritas nestes autos (IVA e respectivos Juros Compensatórios do ano de 2007, no montante de € 3.337,79).
Custas pela Recorrida.
Notifique-se. D.N..
Porto, 29 de Maio de 2014
Ass. Pedro Vergueiro

Ass. Mário Rebelo

Ass. Irene Neves