Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00089/13.2BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/15/2014
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Pedro Nuno Pinto Vergueiro
Descritores:RECLAMAÇÃO ART. 276º CPPT. NULIDADE DA SENTENÇA POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA E POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO.
IVA. PRESCRIÇÃO. INTERRUPÇÃO DO PRAZO.
Sumário:I) Em termos de omissão de pronúncia, embora o julgador não tenha que analisar todas as razões ou argumentos que cada parte invoca para sustentar o seu ponto de vista, incumbe-lhe a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, todos os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. E questão, para este efeito (contencioso tributário), é tudo aquilo que é susceptível de caracterizar um vício, uma ilegalidade do acto tributário impugnado.
II) No que concerne à nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto e de direito, há que ter em atenção que, como é sabido, só se verifica tal nulidade quando ocorre falta absoluta de fundamentação, sendo que há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.
III) Com a alteração que o art. 40º da Lei nº 55-B/2004 introduziu no nº 1 do art. 48º da LGT, o prazo de prescrição das dívidas relativas a IVA e, em certos casos, a impostos sobre o rendimento, passou a contar-se a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se tenha verificado, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.
IV) A Lei n.º 53-A/2006, de 29-12, dando nova redacção ao art. 49º da LGT veio consignar no n.º 3 deste preceito que “(s)em prejuízo do disposto no número seguinte, a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar”.
V) Assim, no caso dos autos, em foram identificados dois factos interruptivos da prescrição da divida exequenda já na vigência da LGT - a citação na execução fiscal e a reclamação graciosa - antes da entrada em vigor da aludida nova redacção do art. 49º da LGT, ocorrendo a interposição do recurso hierárquico na vigência da redacção actual do agora apontado art. 49º nº 3 da LGT, não tem esse facto eficácia interruptiva do prazo prescricional.
VI) Este novo elemento ocorrido já em 2007 não tem por efeito nova interrupção da prescrição, pois que segundo o n.º 2 do artigo 49.º da LGT (aplicável por força do n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil), a interrupção da prescrição tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar e, no caso dos autos, a prescrição tinha já sido interrompida com a citação na execução fiscal e a reclamação graciosa.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:L...
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública, devidamente identificada nos autos, inconformada veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, datada de 23-05-2013, que julgou procedente a pretensão deduzida por L...no âmbito da presente Reclamação de acto do órgão da execução fiscal, relacionada com o despacho proferido em 13/11/2012 pelo Chefe do Serviço de Finanças de Oliveira de Azeméis, no processo de execução fiscal nº 3751200401002074 a correr termos naquele Serviço de Finanças, por dívidas de IVA referente ao ano de 1999 e juros compensatórios no montante global de € 153 944,03, e que indeferiu pedido apresentado em 08/11/2012 solicitando o reconhecimento da prescrição das dívidas exequendas.

Formulou as respectivas alegações ( cfr. fls. 174-182 ) no âmbito das quais enuncia as seguintes conclusões:
“(…)
A. Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou procedente a reclamação judicial da decisão do órgão de execução fiscal, declarando a prescrição da dívida exequenda.
B. Ressalvado o respeito devido, não pode conformar-se a Fazenda Pública com o que foi decidido, pelas razões que de imediato se passam a expender.
C. Para julgar procedente a presente reclamação de actos do órgão de execução fiscal, o Mm.o Juiz a quo alicerçou a sua decisão, dando como factos provados “(…) E) O Reclamante foi citado por carta registada com aviso de recepção assinado em 19/02/2004 (…) H) Em 01/02/2005 foi emitido mandado de penhora (…) I) Em 15/11/2006 foi comunicado pelo TAF de Viseu o recebimento da petição inicial identificada em F) (…) J) Entre as datas identificadas em H e I) não foram praticados actos na execução fiscal (…) K) Em 25/02/2004 o Reclamante apresentou reclamação graciosa (…) L) Entre 26/02/2004, data da autuação e 02/08/2006, data da elaboração do projecto de decisão, não foram praticados actos no processo de reclamação graciosa (…) M) Por despacho de 05/07/2007 foi indeferida a reclamação graciosa (…) P) Na sequência do indeferimento da reclamação graciosa, em 20/08/2007 o reclamante apresentou recurso hierárquico para o Director-Geral dos Impostos (…) Q) Em 12/05/2009 foi proferida decisão de
deferimento parcial do recurso determinante da anulação parcial (…) T) Em data não identificada foi proferido despacho ordenando a suspensão do processo na sequência da anulação parcial das liquidações e até à resolução do processo identificado em F) (…)”.
D. Tendo considerado que “(…) não há que avaliar dos efeitos decorrentes das paragens dos processos de execução, reclamação graciosa e recurso hierárquico para efeitos de suspensão da contagem do prazo prescricional. Já que para além do efeito instantâneo de destruição do prazo em curso, com início de nova contagem do prazo prescricional, e eventual reinício de contagem do mesmo após as paragens dos processos, não se verificam quaisquer efeitos permanentes ou duradouros determinantes da suspensão da contagem na pendência daqueles. A citação do Reclamante ocorreu em 19/02/2004 (…) verificando-se naquela data a primeira interrupção do prazo prescricional. Apresentada Reclamação Graciosa em 25/02/2004 verificou-se nova interrupção do prazo prescricional, sem alteração do período decorrido desde 01/01/2000, por força dos efeitos decorrentes da primeira das interrupções. Finalmente, com a apresentação de recurso hierárquico em 20/08/2007, ocorreu outro facto que hipoteticamente teria a virtualidade de interromper o decurso do prazo prescricional, não fora ele ter ocorrido já na vigência do artigo 49.º n.º 3 da LGT conferida pela Lei 53-A/2006. É que enquanto para os dois primeiros ocorridos antes de 01/01/2007 é reconhecida a virtualidade interruptiva de qualquer um deles, de acordo com a nova redacção a interrupção só se tem por verificada uma vez com o facto que se verificar em primeiro lugar. Não conferindo assim a lei qualquer eficácia interruptiva à apresentação do recurso hierárquico em 20/08/2007 uma vez que, antes de ela ocorrer, tinham já ocorrido, na vigência da redacção anterior do artigo 49.º da LGT, outras duas com idêntico efeito. (…) A apresentação do recurso hierárquico em 20/08/2007 não produziu efeito interruptivo da contagem do prazo prescricional por força da alteração do n.º 3 do artigo 49.º da LGT conferida pela Lei 53-A/2006, uma vez que após 01/01/2007 a interrupção só se verifica uma vez com o primeiro dos factos que se tiver verificado. A apresentação do recurso hierárquico em 20/08/2007 não produziu efeito suspensivo da contagem do prazo prescricional por força do aditamento do n.º 4 do artigo 49.º da LGT efectuada pela Lei 53-A/2006, uma vez [que] a cobrança da dívida não se encontrava legalmente suspensa nos termos previstos nos artigos 212.º e 169.º do CPPT, por inexistência de garantia ou penhora garante da totalidade da dívida exequenda e acrescidos. Iniciada a contagem do prazo prescricional em 01/01/2000, e retomada a sua contagem em 02/02/2006, na sequência de paragem do processo de execução por período superior a um ano por causa não imputável ao Reclamante, o prazo de 8 anos decorreu integralmente até ao dia 14/01/2010, mostrando-se consequentemente prescrita a dívida tributária. (sublinhado nosso)”.
E. Antes de mais, nada foi dado como provado quanto à (in)suficiência da garantia consubstanciada na hipoteca legal, sendo que no segmento da decisão da sentença propriamente dito já aplica o direito pressupondo como facto provado a insuficiência daquela garantia, o que, salvo melhor entendimento, conduz à nulidade de sentença por omissão de pronúncia, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 668.º e do n.º 2 do artigo 660.º, ambos do CPC ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT.
F. Por outro lado, e salvo melhor entendimento, a Fazenda Pública considera que, reportando-se a dívida em causa a Imposto sobre o Valor Acrescentado e Juros Compensatórios do ano de 1999, o prazo de prescrição aplicável é o de oito anos, previsto no n.º 1 do artigo 48.º da LGT, contando-se a partir do início do ano civil seguinte ao da exigibilidade da dívida, ou seja, 01/01/2000.
G. Tendo o executado sido citado pessoalmente em 19/02/2004, mas tendo havido paragem do processo de execução fiscal por mais de um ano, por facto não imputável ao executado, o potencial facto interruptivo da prescrição converteu-se em facto suspensivo, passando a somar-se ao tempo decorrido até à autuação o tempo decorrido após a paragem do ano por facto não imputável ao contribuinte, conforme resulta dos n.os 1 e 2 do artigo 49.º da LGT, na redacção da Lei n.º 100/99, de 26/07.
H. Igual raciocínio é aplicável ao potencial facto interruptivo da prescrição consubstanciado na apresentação de reclamação graciosa em 25/02/2004, pois por também ter havido paragem do respectivo processo por mais de um ano, por facto não imputável ao executado, aquele facto converteu-se em facto suspensivo, passando a somar-se ao tempo decorrido até à autuação o tempo decorrido após a paragem do ano por facto não imputável ao contribuinte.
I. Diferentemente do que sucedeu com o facto interruptivo da prescrição concretizado na interposição de recurso hierárquico em 20/08/2007, porquanto, à luz do n.º 3 do artigo 49.º da LGT, na redacção introduzida pela Lei n.º 53-A/2006, de 29/12, o respectivo efeito interruptivo instantâneo implicou a eliminação do tempo decorrido até à sua verificação, iniciando-se o prazo a partir daí, e o seu efeito duradouro obsta ao decurso da prescrição até ao trânsito em julgado da decisão que pôs termo ao processo, ou seja, 11/05/2009, nos termos do n.º 1 dos artigos 326.º e 327.º do CC ex vi alínea d) do artigo 2.º da LGT, pelo que o já mencionado prazo de prescrição de oito anos ainda não se completou.
J. Assim, constituindo tal recurso hierárquico facto interruptivo do prazo de prescrição, previsto no n.º 1 do artigo 49.º da LGT, e sendo o primeiro (e único!) facto interruptivo a ocorrer na vigência da Lei n.º 53-A/2006, que alterou o n.º 3 do artigo 49.º da LGT, que apenas admite que a interrupção tenha lugar uma única vez, daí decorre que o prazo só se iniciaria após a sua decisão, que ocorreu em 11/05/2009, pelo que a prescrição ainda não ocorreu, diferentemente do que decidiu o M.mo Juiz a quo.
K. Neste sentido a contrario vide o Acórdão da 2.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Norte de 17/05/2012, no processo n.º 00918/11.5BEAVR, bem como os Acórdãos da 2.ª Secção do STA de 12/08/2009, 24/03/2010, 29/09/2010 e 25/05/2011, nos processos n. os 0748/09, 01187/09, 0498/10 e 0465/11, respectivamente.
L. E conforme as conclusões deste último aresto, “I - A redacção actual do n.º 3 do artigo 49.° da LGT, estabelecendo expressamente que a interrupção se opera uma única vez, aplica-se apenas aos factos interruptivos verificados após o início da vigência do diploma que introduziu a alteração da norma.”, logo, tendo apenas ocorrido um facto interruptivo após 01/01/2007 - a interposição de recurso hierárquico em 20/08/2007 - não se lhe pode deixar de reconhecer os respectivos efeitos interruptivos instantâneos e duradouros, pelo que, reitera-se, a dívida em cobrança coerciva não está prescrita.
M. Assim sendo, e salvo melhor opinião, a douta sentença incorreu em erro de julgamento ao fazer uma aplicação errada da lei e do direito aos factos relatados nos autos, tornando-a nula, nos termos das alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 668.º conjugado com o n.º 2 do artigo 660.º e o n.º 1 do artigo 661.º, todos do CPC, bem como com a parte final do artigo 125.º do CPPT ex vi n.º 1 do artigo 211.º do CPPT.
N. Pelo que deve a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que determine a reclamação de actos do órgão de execução fiscal totalmente improcedente, por não provada a prescrição da dívida exequenda, com a consequente condenação do ora Recorrido nas respectivas custas processuais.
Nestes termos, e nos melhores de Direito, sempre com o douto suprimento de V. Ex. as, deve o presente recurso ser julgado procedente e revogada a sentença de que se recorre, substituindo-a por outra que julgue totalmente improcedente a presente reclamação de actos do órgão de execução fiscal, como se nos afigura mais conforme com o que consideramos ser a melhor realização do Direito e Justiça.

O recorrido L...apresentou contra-alegações, onde termina com o seguinte quadro conclusivo:
“(…)
A) - As causas de interrupção da prescrição que ocorram antes da alteração ao n.º 3 do artigo 49º da LGT, introduzida pela Lei n.º53-A/2006, ou seja, antes de 01/01/2007, produzem os efeitos que a lei vigente no momento da sua vigência associava à sua ocorrência.
B) - Ou seja, eliminam o período de tempo anterior à sua ocorrência e obstam ao decurso do prazo de prescrição, se o processo estiver parado por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte.
C) No caso concreto verifica-se que a execução esteve parada por facto não imputável ao reclamante por mais de um ano, bem como o processo de reclamação graciosa.
D) - O processo de execução fiscal nunca esteve suspenso em virtude da prestação de garantia, ainda que o reclamante tenha constituído hipoteca voluntária sobre um imóvel, a qual foi considerada insuficiente, o que determinou a não suspensão da execução fiscal por falta de garantia idónea.
E) - O processo executivo esteve parado entre 02/02/2005 e 01/02/2006, ou seja, por mais de um ano por motivo não imputado ao reclamante, o que determinou a transformação do efeito interruptivo em suspensivo, logo há que somar o período de tempo decorrido até à interrupção da execução, com a citação, em 19-02-2005, ao prazo posterior a 01/02/2006, para se concluir pelo decurso do prazo prescricional de 8 anos.
F) -A paragem decorrente da instauração da reclamação graciosa não admite qualquer alteração relevante na contagem do prazo, uma vez que este facto interruptivo ocorreu apenas 5 dias após a citação (1º facto interruptivo), quer um quer outro converteram-se em efeito suspensivo pela paragem da execução e da reclamação graciosa por período superior a um ano.
G) - A apresentação do recurso hierárquico ocorreu em 20/08/2007, ou seja, depois da entrada em vigor da alteração ao n.º 3 do artigo 49º da LGT, pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, pelo que esta “nova” causa de interrupção da contagem do prazo de prescrição não opera autonomamente, como invoca a recorrente.
H) - Tem sido entendimento da jurisprudência que ocorrendo sucessivas causas de interrupção, antes da entrada em vigor da actual redacção do n.º 3 do artigo 49º da LGT, todas elas devem ser consideradas autonomamente.
I) - Todavia, no caso dos autos, a situação é diferente, porque o recurso hierárquico foi apresentado depois da entrada em vigor da actual redacção do n.º3 do artigo 49º da LGT, determinando a nova redacção da Lei, que a interrupção só tem lugar uma única vez e com o facto que ocorrer em primeiro lugar.
J) - No caso concreto, o facto que ocorrido em primeiro lugar foi sem dúvida, a citação, logo o recurso hierárquico não é susceptível de interromper o prazo prescricional em curso, como defendido pela ERFP.
L) - Recurso hierárquico que também, não é susceptível de gerar qualquer efeito suspensivo da contagem do prazo de prescrição, porque o processo de execução fiscal nunca esteve suspenso, contrariamente ao alegado pela ERFP, na verdade a garantia prestada foi considerada insuficiente, nunca tendo sido considerada idónea pelo OEF, o que implicou a não suspensão do processo de execução fiscal, que por sua vez obsta à suspensão do prazo de prescrição nos termos do n.º4 do artigo 49º da LGT.
M) - Conclui-se, deste modo, que a douta sentença recorrida não merece censura na apreciação dos factos determinantes para a contagem do prazo da prescrição da obrigação tributária, nem na interpretação e aplicação das regras de direito aplicáveis no caso em pareço, nomeadamente o disposto no art.º 49º da LGT.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a douta sentença recorrida, que declarou prescrita a dívida exequenda.”

O Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido da improcedência do presente recurso.

Sem vistos, por se tratar de processo classificado de urgente, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, em indagar da invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia por falta de fundamentação e em saber se a dívida relacionada com liquidação de IVA/99 se encontra ou não prescrita.


3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
A) Em 22/09/2003 a Administração Fiscal efectuou a liquidação adicional nº 03278677 relativa a IVA do 1999 no montante de € 121 958,83 de acordo com a efectuação de operações sem liquidação de imposto pelo aqui Reclamante L..., de acordo com o artigo 82º do CIVA (Apenso ao processo 392/04.2 BEVIS);
B) Na mesma data foram efectuadas doze liquidações adicionais respeitantes aos juros devidos pelo retardamento das liquidações mensais dos períodos 99/91 a 99/12 no montante global de € 31 985,20 de acordo com os artigos 89º do CIVA e 35º da LGT (Apenso ao processo 392/04.2 BEVIS);
C) As liquidações foram remetidas ao Oponente por cartas registadas com aviso de recepção assinados por aquele em 31/10/2003 (Apenso ao processo 392/04.2 BEVIS);
D) Por falta de pagamento voluntário até 30/11/2003 e para cobrança coerciva da quantia exequenda de € 153 944,03 relativa às liquidações identificadas em A) e B) e acrescidos em 07/02/2004 foi instaurado no Serviço de Finanças de Oliveira de Azeméis 3 o processo de execução fiscal nº 3751200401002074, (fls. 3 dos Autos);
E) O Reclamante foi citado por carta registada com aviso de recepção assinado em 19/02/2004 (fls. 21 e 21 verso dos Autos);
F) Tendo apresentado Oposição à execução em 12/03/2004 e que correu termos neste Tribunal sob o nº 392/04.2 BEVIS (fls. 1 do Processo 392/04.2 BEVIS apenso);
G) Em 17/03/2004 o Serviço de Finanças notificou o Reclamante para proceder ao reforço da garantia, por insuficiência da Hipoteca legal constituída, € 229 497,70 (fls. 31 a 32 dos Autos);
H) Em 01/02/2005 foi emitido mandado de penhora (fls. 38 a 39 dos Autos);
I) Em 15/11/2006 foi comunicado pelo TAF de Viseu o recebimento da petição inicial identificada em F) (fls. 40 a 42 dos Autos);
J) Entre as datas identificadas em H) e I) não foram praticados actos na execução fiscal (fls. 39 a 40 dos Autos);
K) Em 25/02/2004 o Reclamante apresentou reclamação graciosa das liquidações identificadas em A) e B) dando origem ao processo nº 3751-04/400012.9 (fls. 1 a 102 dos Autos de reclamação apensos);
L) Entre 26/02/2004, data da autuação e 02/08/2006, data da elaboração do projecto de decisão, não foram praticados actos no processo de reclamação graciosa (fls. 103 a 104 dos Autos de reclamação graciosa)
M) Por despacho de 05/07/2007 foi indeferida a reclamação graciosa (fls. 115 dos autos de reclamação apensos);
N) O reclamante, na pessoa do seu mandatário, foi notificado por carta registada com aviso de recepção assinado em 20/07/2007 (fls. 117 a 119 dos Autos de reclamação apensos);
O) Em 16/08/2007 foi determinada a notificação do reclamante para prestação de garantia pelo montante de € 185 907,34 (fls. 48 dos Autos);
P) Na sequência do indeferimento da reclamação graciosa, em 20/08/2007 o reclamante apresentou recurso hierárquico para o Director-Geral de Impostos dando origem ao processo nº 3/2007 (fls. 1 a 67 dos Autos de recurso hierárquico apensos);
Q) Em 12/05/2009 foi proferida decisão de deferimento parcial do recurso determinante da anulação parcial da liquidação identificada em A) pelo montante de € 68 137,74 e dos correspondentes juros compensatórios das liquidações identificadas em B) (fls. 75 a 91 dos Autos de recurso hierárquico apensos);
R) O reclamante, na pessoa do seu mandatário, foi notificado por carta registada com aviso de recepção assinado em 25/05/2009 (fls. 92 a 94 dos Autos de recurso hierárquico apensos);
S) Por ofício datado de 21/05/2009 e recebido em 26/05/2009 foi comunicada ao Serviço de Finanças de Oliveira de Azeméis a decisão de provimento parcial do recurso hierárquico e ordenada a anulação manual das liquidações identificadas em A) e B) pelos montantes de € 68 137,74 (LA) e € 17 982,72 (JC) (fls. 95 dos Autos de recurso hierárquico apensos e 51 a 68 dos Autos);
T) Em data não identificada foi proferido despacho ordenando a suspensão do processo na sequencia da anulação parcial das liquidações e até à resolução do processo identificado em F) (fls. 49 dos Autos);
U) Na sequência de decisão transitada em julgado no sentido da improcedência da Oposição apresentada, os autos foram devolvidos ao Serviço de Finanças por ofício datado de 22/10/2012 (fls. 130 a 160 do Processo 392/04.2 BEVIS apenso);
V) Recebidos os Autos de Oposição 26/10/2012 foi ordenado o prosseguimento da execução e na mesma data notificado o aqui Reclamante para proceder ao pagamento da quantia exequenda (fls. 72 a 73 dos Autos);
W) Notificado por carta registada com aviso de recepção assinado em 02/11/2012, o Reclamante apresentou em 08/11/2012 requerimento requerendo o reconhecimento da prescrição da dívida exequenda (fls. 74 a 84 dos Autos);
X) Na sequência de informação, por despacho proferido em 13/11/2012 foi indeferido pelo Chefe do Serviço de Finanças o reconhecimento da prescrição da dívida exequenda (fls. 88 e 88 verso dos Autos);
Y) Notificado em 19/11/2012, o Reclamante apresentou a presente reclamação em 30/11/2012 (fls. 89 e 93 dos Autos).

Não se provaram outros factos relevantes à decisão da causa.”
«»
3.2. DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, então, antes de mais, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal, está cometida, desde logo, a tarefa de indagar da nulidade da sentença por omissão de pronúncia e por falta de fundamentação.
Com efeito, no âmbito das suas alegações, a Recorrente aponta que nada foi dado como provado quanto à (in)suficiência da garantia consubstanciada na hipoteca legal, sendo que no segmento da decisão da sentença propriamente dito já aplica o direito pressupondo como facto provado a insuficiência daquela garantia, o que, salvo melhor entendimento, conduz à nulidade de sentença por omissão de pronúncia, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 668.º e do n.º 2 do artigo 660.º, ambos do CPC ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT.
No que concerne ao núcleo essencial desta arguição, há que ter em atenção que, como é sabido, só se verifica tal nulidade quando ocorre falta absoluta de fundamentação - Ac. do S.T.A. de 16-11-2011, Proc. nº 0802/10, www.dgsi.pt - , sendo que tal como refere o Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, página 140 “há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.”.
Porém, como refere o Cons. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 5ª ed., Vol. I, pág. 909, “deverão considerar-se como falta absoluta de fundamentação os casos em que ela não tenha relação perceptível com o julgado ou seja ininteligível, situações em que se está perante uma mera aparência de fundamentação.
Com efeito, a fundamentação destina-se a esclarecer as partes, primacialmente a que tiver ficado vencida, sobre os motivos da decisão, não só para ficar convencida de que não tem razão, mas também porque o conhecimento daqueles é necessário ou, pelo menos, conveniente, para poder impugnar eficazmente a decisão em recurso ou arguir nulidades, designadamente a derivada de eventual contradição entre os fundamentos e a decisão.
Por isso, quando a fundamentação não for minimamente elucidativa das razões que levaram a decidir como se decidiu deverá entender-se que se está perante uma nulidade por falta de fundamentação”.
Diga-se ainda que segundo o disposto no artigo 125º nº 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, é nula a sentença quando ocorra “a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”, sendo que esta nulidade está directamente relacionada com o dever que é imposto ao juiz, pelo artigo 660º nº 2 do Código de Processo Civil, de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e de não poder ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, determinando a violação dessa obrigação a nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Assim, embora o julgador não tenha que analisar todas as razões ou argumentos que cada parte invoca para sustentar o seu ponto de vista, incumbe-lhe a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, todos os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. E questão, para este efeito (contencioso tributário), é tudo aquilo que é susceptível de caracterizar um vício, uma ilegalidade do acto tributário impugnado.
A partir daqui, é manifesto que o Recorrente não tem razão no que diz respeito à invocada nulidade da sentença, dado que, a questão nuclear apontada nos autos foi concretamente apreciada, não tendo qualquer sentido a apresentação desta questão enquanto fundamento de nulidade da sentença neste domínio, além de que na decisão recorrida foi elencada a realidade de facto que esteve na base da decisão, a qual foi enquadrada em termos que permitiram ao ora Recorrente apreender tal situação, tal como o presente recurso bem evidencia.
No mais, resta apenas acrescentar que também não tem qualquer virtualidade a alegação de que a sentença não está fundamentada de facto e de direito, sendo de notar que esta nulidade apenas se verifica, como se disse, quando haja falta absoluta de fundamentos, e não quando a justificação seja apenas deficiente, visto o tribunal não estar adstrito à obrigação de apreciar todos os argumentos das partes, o que manifestamente não sucede no caso em apreço.
Por outro lado, não se vê que a discriminação de factos relativos à suficiência ou insuficiência da garantia prestada constituísse matéria relevante para a decisão da causa, pois que, questionando-se apenas a verificação ou não da prescrição das dívidas exequendas, o que para esse efeito importava saber era se a execução fiscal havia sido suspensa em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou de reclamação, impugnação, recurso ou oposição porque, nessas situações, a suspensão da execução fiscal implica a suspensão do prazo prescricional. E a ponderação sobre a existência ou não desse facto suspensivo que, em regra, está ligado à prestação de garantia bastante, extrai-se da leitura conjugada dos factos assentes, mormente daqueles que constam das alíneas G), O) e T) do probatório. Aliás, como adiante se verá, a matéria da existência ou não de suspensão operante para efeitos prescricionais nem sequer constitui questão controvertida.
Daí que a aludida nulidade da sentença se não verifique em qualquer das vertentes analisadas.

A partir daqui, cabe notar que, nas suas alegações, a Recorrente considera que, reportando-se a dívida em causa a Imposto sobre o Valor Acrescentado e Juros Compensatórios do ano de 1999, o prazo de prescrição aplicável é o de oito anos, previsto no n.º 1 do artigo 48.º da LGT, contando-se a partir do início do ano civil seguinte ao da exigibilidade da dívida, ou seja, 01/01/2000, verificando-se que o executado foi citado pessoalmente em 19/02/2004, mas tendo havido paragem do processo de execução fiscal por mais de um ano, por facto não imputável ao executado, o descrito facto interruptivo da prescrição converteu-se em facto suspensivo, passando a somar-se ao tempo decorrido até à autuação, o tempo decorrido após a paragem do ano por facto não imputável ao contribuinte, conforme resulta dos n.os 1 e 2 do artigo 49.º da LGT, na redacção da Lei n.º 100/99, de 26/07.
Igual raciocínio é aplicável ao potencial facto interruptivo da prescrição consubstanciado na apresentação de reclamação graciosa em 25/02/2004, pois que, por também ter havido paragem do respectivo processo por mais de um ano, por facto não imputável ao executado, aquele facto converteu-se em facto suspensivo, passando a somar-se ao tempo decorrido até à autuação o tempo decorrido após a paragem do ano por facto não imputável ao contribuinte.
Diferentemente do que sucedeu com o facto interruptivo da prescrição concretizado na interposição de recurso hierárquico em 20/08/2007, porquanto, à luz do n.º 3 do artigo 49.º da LGT, na redacção introduzida pela Lei n.º 53-A/2006, de 29/12, o respectivo efeito interruptivo instantâneo implicou a eliminação do tempo decorrido até à sua verificação, iniciando-se o prazo a partir daí, e o seu efeito duradouro obsta ao decurso da prescrição até ao trânsito em julgado da decisão que pôs termo ao processo, ou seja, 11/05/2009, nos termos do n.º 1 dos artigos 326.º e 327.º do CC ex vi alínea d) do artigo 2.º da LGT, pelo que o já mencionado prazo de prescrição de oito anos ainda não se completou.
Assim, constituindo tal recurso hierárquico facto interruptivo do prazo de prescrição, previsto no n.º 1 do artigo 49.º da LGT, e sendo o primeiro (e único!) facto interruptivo a ocorrer na vigência da Lei n.º 53-A/2006, que alterou o n.º 3 do artigo 49.º da LGT, que apenas admite que a interrupção tenha lugar uma única vez, daí decorre que o prazo só se iniciaria após a sua decisão, que ocorreu em 11/05/2009, pelo que a prescrição ainda não ocorreu, diferentemente do que decidiu o M.mo Juiz a quo.
Neste sentido a contrario vide o Acórdão da 2.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Norte de 17/05/2012, no processo n.º 00918/11.5BEAVR, bem como os Acórdãos da 2.ª Secção do STA de 12/08/2009, 24/03/2010, 29/09/2010 e 25/05/2011, nos processos n. os 0748/09, 01187/09, 0498/10 e 0465/11, respectivamente, e conforme as conclusões deste último aresto, “I - A redacção actual do n.º 3 do artigo 49.° da LGT, estabelecendo expressamente que a interrupção se opera uma única vez, aplica-se apenas aos factos interruptivos verificados após o início da vigência do diploma que introduziu a alteração da norma.”, logo, tendo apenas ocorrido um facto interruptivo após 01/01/2007 - a interposição de recurso hierárquico em 20/08/2007 - não se lhe pode deixar de reconhecer os respectivos efeitos interruptivos instantâneos e duradouros, pelo que, reitera-se, a dívida em cobrança coerciva não está prescrita.
Assim sendo, e salvo melhor opinião, a douta sentença incorreu em erro de julgamento ao fazer uma aplicação errada da lei e do direito aos factos relatados nos autos, tornando-a nula, nos termos das alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 668.º conjugado com o n.º 2 do artigo 660.º e o n.º 1 do artigo 661.º, todos do CPC, bem como com a parte final do artigo 125.º do CPPT ex vi n.º 1 do artigo 211.º do CPPT, pelo que deve a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que determine a reclamação de actos do órgão de execução fiscal totalmente improcedente, por não provada a prescrição da dívida exequenda, com a consequente condenação do ora Recorrido nas respectivas custas processuais.

Que dizer?
Para começo de análise, cabe ter presente que, com a alteração que o art. 40º da Lei nº 55-B/2004 introduziu no nº 1 do art. 48º da LGT, o prazo de prescrição das dívidas relativas a IVA e, em certos casos, a impostos sobre o rendimento, passou a contar-se a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se tenha verificado, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.
Ora, este novo modo de contagem do prazo de prescrição é já aplicável, no caso, a esta dívida relativa ao IVA do ano de 1999, dado que se trata de prazo que estava em curso no início da vigência da lei que introduziu tal alteração, não havendo aí qualquer aplicação retroactiva da nova disposição legal, uma vez que o facto extintivo do direito à cobrança coerciva da dívida tributária é duradouro (o decurso do prazo) e não instantâneo (o início do prazo em momento temporal determinado) - cfr. o segmento final do nº 2 do art. 12º do C. Civil (entendimento idêntico tem, aliás, vindo a ser afirmado pela jurisprudência do STA - cfr., entre outros, o Ac. 28/9/2011, Proc nº 764/2011; também no acórdão de 8/2/2012, Proc. nº 033/12, se chega à mesma conclusão, embora apelando à aplicação da regra contida no nº 2 do art. 297º e não à aplicação da regra do nº 2 do art. 12º, ambos do C. Civil).
Na verdade, tal como refere o Prof. Baptista Machado (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 2002, pags. 235 e 242/243), «(…) nada impede que a lei nova se aplique a factos passados que ela assume como pressupostos impeditivos ou desimpeditivos (isto é, como pressupostos negativos ou positivos) relativamente à questão da validade ou admissibilidade da situação jurídica, questão essa que é da sua exclusiva competência» e «tendo o decurso global do prazo o valor de um facto constitutivo (ou extintivo) de um direito ou situação jurídica, se tal prazo ainda se encontrava em curso no momento do início de vigência da lei nova, é porque tal situação jurídica ainda não se encontrava constituída (ou extinta) neste momento.
Logo, cabe à lei nova a competência para determinar os requisitos da constituição da mesma situação jurídica. Achando-se uma situação jurídica em curso de constituição, passa o respectivo processo constitutivo a ficar imediatamente subordinado à lei nova».
Assim, não sendo o início do prazo de prescrição, mas o seu integral decurso, o facto extintivo do direito à cobrança da dívida por parte da AT, é de concluir que, por aplicação da regra contida no segmento final daquele nº 2 do art. 12º do C. Civil e no nº 1 do art. 12º da LGT, a nova redacção do preceito é, no caso vertente, aplicável às dívidas exequendas, embora se trate de dívida de IVA do ano de 1999.
O prazo de prescrição iniciou-se, pois, não na data dos respectivos factos tributários, mas em 1/1/2000 e, deste modo, o seu termo final ocorreria em 31/12/2007, pois que está em causa o prazo de 8 anos, impondo-se ainda notar que os juros compensatórios seguem o mesmo regime.

Antes de avançar, importa notar que as causas de interrupção ou suspensão da prescrição atendíveis para o cômputo em concreto do prazo de prescrição são as previstas na lei vigente à data da respectiva ocorrência, em conformidade com o disposto no nº 2 do artigo 12º do Código Civil, e não, as previstas na lei cujo prazo for aplicável, independentemente do momento em que tais factos se tenham efectivamente verificado.

A partir daqui, é sabido que no quadro da LGT, a citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição (art. 49º nº 1 da LGT), sendo que, de acordo com o nº 2 do mesmo dispositivo legal, a paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo fazia, no entanto, cessar esse efeito interruptivo, somando-se, nesse caso, o tempo decorrido após esse período ao que tivesse decorrido ate a data da autuação.
Neste ponto, importa deixar já consignado que o art. 49º nº 2 da LGT foi revogado pelo art. 90º da Lei n.º 53-A/2006, de 29-12, aplicando-se essa revogação a todos os prazos de prescrição em curso, objecto de interrupção, em que ainda não tivesse decorrido o período superior a um ano de paragem do processo por facto não imputável ao sujeito passivo - art. 91º da Lei n.º 53-A/2006.
Por outro lado, o art. 49º nº 4 da LGT, na linha do que já dispunha o n.º2 3 da versão original do preceito, passou a dispor que “o prazo de prescrição legal suspende-se em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou enquanto não houver decisão definitiva ou passada em julgado, que puser termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida”.
Pois bem, no caso em apreço, como se disse, o prazo de prescrição da dívida exequenda teve o seu início em 01.01.2000 e interrompeu-se com a citação para a execução fiscal (art. 49º nº 1 da LGT) em 19.02.2004, numa altura em que tinham já decorrido 4 anos, 1 mês e 18 dias.
No entanto, como resulta da alínea J) do probatório, não foram praticados na execução fiscal quaisquer actos desde 01.02.2005 até 15.11.2006, de modo que, em função do acima descrito art. 49º nº 2 da LGT, o aludido efeito interruptivo degradou-se em efeito suspensivo, o que significa que o prazo de prescrição estaria em condições de retomar a sua marcha normal em 02-02-2006, somando-se ao período decorrido após essa data aquele que havia decorrido até à data da citação acima apontada.
Neste percurso, cumpre ainda sublinhar que em 25.2.2004 - alínea K) do probatório - foi apresentada reclamação graciosa, ou seja, deparamos com uma nova causa de interrupção da prescrição à qual não poderá deixar de ser dado o devido relevo, não obstante a contagem do prazo já se encontrar, a essa data, interrompida por efeito da citação na execução fiscal.
Com efeito, e como se aponta no Ac. do S.T.A. de 05-06-2013, Proc. nº 0903/13, www.dgsi.pt, “Ocorrendo sucessivas causas de interrupção da prescrição, antes da entrada em vigor da referida redacção do nº 3 do art. 49º da LGT, devem todos elas se consideradas autonomamente, para efeitos de contagem do respectivo prazo, desde que susceptíveis de influir no seu decurso”.
Ora, como decorre da al. L) do probatório, entre 26/02/2004, data da autuação e 02/08/2006, data da elaboração do projecto de decisão, não foram praticados actos no processo de reclamação graciosa.
Tal significa que, de acordo com o disposto no art. 49º nº 2 da LGT, e seguindo o raciocínio acima descrito, o tal efeito interruptivo desta nova causa degradou-se também em efeito suspensivo, o que significa que o prazo de prescrição estaria em condições de retomar a sua marcha normal em 27-02-2005, somando-se ao período decorrido após essa data aquele que havia decorrido até à data da citação acima apontada.
Nestas condições, é manifesto que esta nova causa de interrupção nada aporta de relevante para a situação, pois que, no momento da sua verificação, o prazo estava já interrompido por causa da citação efectuada em sede de execução, sendo que, como se viu, em função dos demais elementos, o prazo de prescrição apenas logrou retomar a sua marcha normal em 02-02-2006, somando-se ao período decorrido após essa data aquele que havia decorrido até à data da citação acima apontada.

Seguindo a realidade constante dos autos, verifica-se que em 20.08.2007 o executado, ora Recorrido, interpôs recurso hierárquico do indeferimento da reclamação graciosa - alínea P) dos factos provados - e esse procedimento é também causa de interrupção da prescrição, nos termos do art. 49º nº 1 da LGT, sendo a relevância deste elemento no processo em análise o cerne do dissídio a dirimir nestes autos.

Efectivamente, a Lei n.º 53-A/2006, de 29-12, dando nova redacção ao art. 49º da LGT veio consignar no n.º 3 deste preceito que “(s)em prejuízo do disposto no número seguinte, a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar”, sendo que, nesta situação, já foram identificados dois factos interruptivos da prescrição da divida exequenda - a citação na execução fiscal e a reclamação graciosa.

Nesta conformidade, ocorrendo a interposição do recurso hierárquico na vigência da redacção actual do do agora apontado art. 49º nº 3 da LGT, não tem esse facto, como bem se refere na sentença recorrida, eficácia interruptiva do prazo prescricional.

Como se aponta no Ac. do S.T.A. de 14-10-2009, Proc. nº 0657/09, www.dgsi.pt, “…o artigo 49.º da LGT é aplicável ao caso dos autos, nos termos do n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil, pois que rege sobre os efeitos jurídicos dos factos que ocorrem na sua vigência (assim, Jorge Lopes de Sousa, op. cit., pp. 93 e ss), pelo que terá de concluir-se que este novo facto interruptivo da prescrição, ocorrido quando vigora já a actual redacção do artigo 49.º da LGT, deixa de ter relevo, em razão da anterior interrupção da prescrição. …”. (no mesmo sentido, os Acs. do S.T.A. de 10-02-2010 e de 07-12-2010, Procs. nºs 052/10 e 0428/10, respectivamente).

Isto significa que as causas de interrupção da prescrição ocorridas após 01-01-2007 só têm efeito interruptivo se, antes delas ocorrerem, não existiu qualquer outra com efeito idêntico.

Perante o que fica exposto, e que constitui ao que se crê a jurisprudência actual do S.T.A. sobre esta matéria, sendo que os arestos apontados pela Recorrente não têm qualquer relação com o caso concreto, na medida em que, em nenhuma das situações em causa, o caso é analisado coincide com a matéria descrita nos autos, em que deparamos com causas de interrupção da instância antes e depois da entrada em vigor da nova redacção do art. 49º nº 3 da LGT introduzida pela Lei nº 53-a/2006, de 29-12.

Assim, e na medida em que, como já tinha sido adiantado, não há que considerar qualquer período de suspensão decorrente do uso de meios procedimentais ou processuais associados a prestação de garantia idónea (art. 49º nº 3 da LGT, na sua versão inicial e n.º 4, na versão da Lei n.º 53-A/2006, de 29/12, por simples operação aritmética se vê que quando em 08-11-2012, o reclamante, ora recorrido, solicitou o reconhecimento da prescrição da divida exequendas esta já havia, efectivamente, operado.

Efectivamente, apesar de ter lançado em sede de recurso a questão acima apontada, a propósito da nulidade da sentença, no sentido de que nada foi dado como provado quanto à (in)suficiência da garantia consubstanciada na hipoteca legal, sendo que no segmento da decisão da sentença propriamente dito já aplica o direito pressupondo como facto provado a insuficiência daquela garantia, todo o discurso seguinte da Recorrente quanto à matéria da prescrição da dívida exequenda deixa de lado esta realidade.
Tal situação prende-se com a ideia de que os factos têm a sua própria inteligência, a partir do momento em que está assente que em 17/03/2004 o Serviço de Finanças notificou o Reclamante para proceder ao reforço da garantia, por insuficiência da Hipoteca legal constituída, € 229 497,70 (fls. 31 a 32 dos Autos).
Pois bem, ou estamos perante um lapso da AT, que não é assumido, ou então a questão da insuficiência mostra-se devidamente clarificada em função do comportamento da AT que, diga-se também, não elegeu esta matéria no discurso vertido no despacho reclamado, aí se referindo não serem conhecidos outros bens ou direitos susceptíveis de penhora, o que inviabilizou que a AT pudesse avançar mais neste domínio,
Neste medida, tem de concluir-se, como na decisão recorrida que, iniciada a contagem do prazo prescricional em 01/01/2000, e retomada a sua contagem em 02/02/2006, na sequência de paragem do processo de execução por período superior a um ano por causa não imputável ao Reclamante, o prazo de 8 anos decorreu integralmente até ao dia 14/01/2010, mostrando-se consequentemente prescrita a dívida tributária, o que significa que a sentença recorrida não merece qualquer censura, sendo de manter, devendo, nesta sequência, improceder totalmente o presente recurso jurisdicional.



4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.
Custas pela Recorrente.
Notifique-se. D.N..


Porto, 15 de Maio de 2014
Ass. Pedro Vergueiro

Ass. Mário Rebelo

Ass. Irene Neves