Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02593/15.9BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/24/2023
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Antero Pires Salvador
Descritores:AJUDAS COMUNITÁRIAS - PROGRAMA PROMAR;
PEQUENA PESCA COSTEIRA;
INVALIDADE ORDEM DE RESTITUIÇÃO;
Sumário:1 . De acordo com a legislação europeia, a elegibilidade/comparticipação de ajudas pressupõe o preenchimento de três requisitos de verificação cumulativa, a saber, (i) um pagamento, (ii) executado pelo beneficiário final e (iii) justificado por facturas ou documentos contabilísticos com força probatória equivalente.

2 . Não se mostrando dos autos que a despesa realizada, em nenhum dos sentidos, foi simulada e/ou fraudulenta, (i) não apenas porque existiu um pagamento (ii) mas porque existiu o elemento corpóreo e material da relação jurídica (a fornecedora executou na totalidade a obra para a qual o Autor a contratou pelo valor razoável ou de mercado); (iii) assim como, a fornecedora facturou a obra realizada e a quantia facturada corresponde ao pagamento efectivado, como se evidencia em em sede de controlo documental, aquando da apresentação a pagamento, nos termos da qual a DRAP Norte atestou a regularidade e conformidade das operações –, temos que inexiste razão para a revogação da concessão do subsídio e consequente ordem de restituição.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, no Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo:

I
RELATÓRIO
1. O INSTITUTO de FINANCIAMENTO da AGRICULTURA e PESCAS, IP. (IFAP,IP.), inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do TAF de Braga, datada de 17 de Novembro de 2022, que julgando procedente a Acção Administrativa contra si instaurada por AA, residente na Rua ..., ..., na qual pedia a anulação do acto de resolução contratual, bem como a restituição do apoio concedido a título de atribuição de financiamento no valor de 9.315,25€, e a condenação do Réu no pagamento de juros de mora, decidiu anular o acto administrativo que determinou a resolução contratual e devolução do apoio recebido, mais condenando o R./Recorrente a restituir ao A./Recorrido a quantia dada como garantia, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação, em consonância com o disposto no art.º 805.º, n.º 1 do Código Civil e até integral pagamento.
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2. Nas suas alegações recursivas, o Recorrente IFAP-IP formulou as seguintes conclusões:
A. Por sentença proferida em 23/2/2021, pelo Tribunal foi julgada procedente a ação administrativa interposta por AA, e em consequência foi anulado “... o acto administrativo que determinou a resolução contratual e devolução do apoio recebido, e condenando-se o Réu a restituir ao Autor a quantia dada como garantia, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação, em consonância com o disposto no artigo 805.º, n.º1, do Código Civil, e até integral pagamento”.
B. Salvo melhor opinião, o Tribunal a quo não faz uma correta interpretação dos factos e aplicação do direito, pois parte de um pressuposto que o ora recorrente, considera que não é correto, nomeadamente que as despesas se encontravam efetivamente pagas, e que o recorrido havia desembolsado o montante constante da fatura e do recibo emitidos pelo F..., Unipessoal, L. da, procedeu ao pagamento do subsídio no montante de 9.150,00 €.
C. O recorrido era obrigado a remeter modelo com os documentos comprovativos dos pagamentos efetuados, declarando a liquidação da despesa remetida, pelo que, sempre teve conhecimento, desde o início, que deveria, entre outras condições, remeter comprovativos dos pagamentos efetuados, por forma a que o pagamento pudesse ser efetuado.
D. Incontornável, é o facto do beneficiário, ora recorrido, ter declarado que os documentos apresentados haviam sido corretamente aplicados e ter junto recibos, quando efetivamente não havia ainda ocorrido a liquidação das faturas em causa, e, como tal, ter conhecimento que o recibo (documento de quitação) não correspondia à realidade.
E. No entanto, na verdade, o próprio recorrido confessou, em resposta ao ofício de audiência prévia, que «não dispondo [...] da totalidade dos fundos que permita o pagamento integral da verba para depois, in casu, poder ser reembolsado nos termos contratuais, solicita um empréstimo ao BB, sócio-gerente e único da “F..., Unipessoal, Lda. [...], a fim de ser emitido o competente recibo de quitação da fatura correspondente e aceder ao reembolso”.
F. Ou seja, o recorrido conhecedor das regras legais de acesso ao subsídio em causa, nomeadamente da necessidade de cumprir a regra da elegibilidade das despesas, que impõe que apenas são suscetíveis de ser subsidiadas as despesas efetivamente pagas, e porque não possuía fundos, mas tendo apenas como único objetivo a libertação do subsídio, e com a ajuda do estaleiro, forjou um esquema que lhe permitiu alcançar o seu objetivo, sem que tenha desembolsado qualquer montante.
G. Este esquema traduziu-se no seguinte: com vista a entregar no recorrente os documentos comprovativos da realização da despesa, e, porque era necessário demonstrar através de extrato bancário a transferência bancária, para além da fatura e do respetivo recibo o fornecedor, em 29/08/2011, recebeu o montante de € 12.500,00, e no dia seguinte, 30/08/2011, transferiu para a conta do A. igual montante, daí resultando que o A. não procedeu a qualquer pagamento, nem desembolsou qualquer montante.
H. Ao agir como agiu o recorrido prestou «falsas informações ou informações inexactas ou incompletas, [...] sobre a situação do projecto ou falsificando documentos fornecidos no âmbito do projecto», pelo que o alegado pelo A. não tem nenhum fundamento.
I. Razão pela qual a decisão final de resolução contratual com a consequente exigência de devolução das ajudas indevidamente pagas fundou-se nos pressupostos legais e contratuais do regime de ajudas e foi correta e a única possível.
J. Face ao exposto, salvo melhor entendimento, a sentença proferida pelo Tribunal a quo não faz uma correta interpretação dos factos e da legislação aplicável ao caso, pelo que se verifica que o ato impugnado nos presentes autos não padece de qualquer vício, pelo que esta decisão deve ser revogada e substituída por acórdão que conclua que o ato impugnado não padece de qualquer vício devendo ser mantido na ordem jurídica”.
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3. Notificado da interposição do recurso, o Recorrido AA, apresentou contra-alegações, dizendo apenas em conclusão:
A sentença recorrida não merece qualquer reparo, porquanto, atenta a matéria de facto dada como provada, que não mereceu beliscadura do recorrente, bem assim como toda a documentação nos autos, permitiram ao Tribunal a quo a análise crítica da prova que, com equilíbrio e justiça, decidiu como devia ter decidido.”
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4. O Digno Magistrado do M.º P.º neste TCA, notificado nos termos do art.º 146.º n.º 1 do CPTA, não se pronunciou.
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5. Sem vistos, mas com envio prévio do projecto aos Exmos. Srs. Juízes Desembargadores Adjuntos, foram os autos remetidos à Conferência para julgamento.
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6. Efectivando a delimitação do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, acima elencadas, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, ns. 3 e 4 e 685.º A, todos do Código de Processo Civil, “ex vi” dos arts. 1.º e 140.º, ambos do CPTA.
II
FUNDAMENTAÇÃO
1. MATÉRIA de FACTO
São os seguintes os factos fixados na sentença recorrida, cuja fidelidade e completude não se mostram questionadas em sede recursiva:
A. Em 28.10.2010, AA apresentou a sua candidatura ao programa PROMAR – Eixo 1 – Medida 1.4. – Pequena Pesca Costeira, que recebeu o n.º 01-04-FEP-13, referente à substituição de motores e melhoramentos na embarcação “..., V-183-L”, tendo preenchido o formulário respectivo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido incluindo o seguinte (cf. fls. 1 a 11 do processo administrativo junto aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido):
B.
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

B. Para efeito da apreciação da elegibilidade da despesa a financiamento, AA apresentou junto da entidade administrativa competente, designadamente, os seguintes documentos (cf. fls. 241 e seguintes do processo administrativo junto aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido):
[imagem que aqui se dá por reproduzida]


C. Em 18.01.2012, a Direcção Regional da Agricultura e Pescas do Norte efectuou a vistoria na embarcação “... – V-183-L”, propriedade de AA, com vista à libertação do subsídio, a qual serviu de base ao relatório de verificação final elaborado, no qual se concluiu que: (i) foram realizados os melhoramentos e reparações propostos, (ii) para além ter sido verificado o dossiê da candidatura e do pedido de pagamento que se encontravam regularizados, (iii) estando também a contabilidade regularizada, (iv) e a candidatura regular (cf. fls. 259 e 177 e seguintes do processo administrativo junto aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido):
D. Por ofício datado de 17.07.2014, a Direcção Regional de Agricultura e Pescas do Norte notificou AA do seguinte (cf. fls. 190 e 191 do processo administrativo junto aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido):
[imagem que aqui se dá por reproduzida]


E. Em 08.11.2013, a Autoridade Tributária e Aduaneira elaborou uma informação, na sequência da acção inspectiva levada a cabo ao sujeito passivo F...– Unipessoal, Lda, com o seguinte teor (cf. documento junto aos autos em 02.05.2022, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido):
[imagem que aqui se dá por reproduzida]



F. Pelo Ministério da Agricultura e do Mar, e no âmbito do programa operacional de pescas PROMAR, foi elaborada a informação n.º ...14..., com o seguinte teor (cf. documento junto aos autos em 02.05.2022, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido):
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

G. Por ofício de n.º 050623/2014, a Direcção Regional de Agricultura e Pescas do Norte notificou AA do seguinte (cf. fls. 46 e seguintes do processo administrativo junto aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido):
[imagem que aqui se dá por reproduzida]



H. Em 14.10.2014, AA exerceu junto do Presidente do Conselho Directivo do Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, IP o seu direito de audiência prévia, com o seguinte teor (cf. fls. 42 e seguintes do processo administrativo junto aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido):
[imagem que aqui se dá por reproduzida]


I. Por ofício de n.º 004551/2015, o Instituto de Financiamento da Agricultura e das Pescas, IP notificou AA do seguinte (cf. fls. 32 e seguintes do processo administrativo junto aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido):
[imagem que aqui se dá por reproduzida]


J. Em 15.04.2015, AA apresentou recurso hierárquico da decisão final de resolução contratual (cf. fls. 1 e seguintes do processo administrativo junto aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
K. Em 09.05.2015, AA prestou garantia nos seguintes termos (cf. fls. 26 do processo administrativo junto aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido):
L. Em 26.06.2015, deu entrada neste Tribunal de petição inicial que originou os presentes autos e a 06.07.2015 a entidade demandada foi citada para contestar a presente acção (cf. fls. do SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

M. Foi concedido a AA apoio judiciário na modalidade dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e a atribuição de agente de execução para intentar a presente acção (cf. documento junto aos autos em 01.10.2015, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
2. MATÉRIA de DIREITO
No caso dos autos, delimitando o objecto do recurso, atentas, por um lado, as conclusões das alegações supra transcritas, por outro, a petição inicial, nos seus elementos estruturantes (causa de pedir e pedido) e ainda a sentença recorrida, nos seus fundamentos e dispositivo, importa elucidar a posição das partes e objectivar concretamente o dissídio que nos cumpre apreciar decidir que consiste apenas e só avaliar se existe erro de julgamento.
Assim e antes de mais, importa relembrar a decisão recorrida que assertivamenteadiantamos, desde já –, depois de ter entendido que inexistiam - relevantemente - as invalidades formais de falta de fundamentação e audiência prévia, além da inverificação da alegada usurpação de funções – decisões parcelares não questionadas nesta sede recursiva – julgou a acção procedente, secundando, aliás, decisão, em caso muito similar aos dos autos, deste TCA-N, de 17/12/2021, in Proc. 2561/15.0BEBRG Aliás, o 2.º Juiz Desembargador Adjunto deste processo também subscreveu, como adjunto, essa decisão de 17/12/2021., cujo Recurso de Revista não foi admitido pelo STA – cfr. Ac. de 24/3/2022 – art.º 150.º do CPTA – destacando os seus pontos essenciais – sublinhando-os :
4.2. De direito
Através da presente acção, o Autor pretende que seja declarado nulo ou anulado o acto administrativo de resolução contratual e que exige a restituição do apoio concedido, materializado na quantia de €9.315,25, por o mesmo padecer dos seguintes vícios: falta de fundamentação, falta de audiência prévia, não realização das diligências instrutórias requeridas pelo Autor, usurpação de poderes, violação de lei e erro nos pressupostos de facto.
Vejamos se pode proceder a sua pretensão.

Do alegado vício de violação de lei e de erro nos pressupostos de facto
Sustenta o Autor que não incumprira com as obrigações decorrentes do contrato de financiamento celebrado, nem com o regime aplicável à concessão deste tipo de financiamentos, o qual, no seu entender, não proíbe o recurso ao crédito.
Efectivamente, aquando do exercício do direito de audiência prévia, o Autor alegara o seguinte: «(...) Todavia, nenhum comportamento do auditado constitui causa típica da resolução por incumprimento prevista na disposição legal em causa. O que aconteceu, como acontece, é que não dispondo o auditado da totalidade dos fundos que permita o pagamento integral da verba para depois, in casu, poder ser reembolsado nos termos contratuais, solicita um empréstimo ao BB, sócio gerente e único da “F..., Unipessoal, Lda. Dada a longínqua relação comercial e o clima de absoluta confiança entre ambos, nenhuma formalização levam a cabo (...)».
Como supra referido, é o artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 81/2008, de 16 de Maio, que consagra a possibilidade de resolução contratual quando se verifique uma das seguintes situações: a) Incumprimento pelo promotor das obrigações decorrentes do presente decreto-lei, dos regulamentos que aprovam os regimes de apoio ou dos contratos e b) Prestação de falsas informações ou informações inexactas ou incompletas, seja sobre factos que serviram de base à apreciação da candidatura, seja sobre a situação do projecto ou falsificando documentos fornecidos no âmbito do projecto.
Determinando ainda o artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2008, de 16 de Maio que constituem obrigações dos promotores: «f) Manter toda a documentação relativa ao projecto organizada até três anos após a data de encerramento do PROMAR, incluindo, nomeadamente, documentos susceptíveis de comprovar as informações prestadas aquando da candidatura, bem como todos os documentos comprovativos da realização das despesas e respectivos pagamentos».
Mas tendo em conta que estão em causa fundos comunitários, teremos ainda de nos socorrer da legislação comunitária.
Verifica-se, contudo, que questão similar à dos presentes autos fora decidida pelo Tribunal Central Administrativo Norte, no processo n.º 2561/15.0BEBRG, na qual se expende extensamente sobre a legislação comunitária aplicável, passando-se, por isso, a transcrever, por economia de meios e total concordância com a fundamentação, o seguinte trecho do acórdão que fora proferido naquele processo e que tem plena aplicação à situação em apreço, vejamos:
«(...) A definição de despesa efetivamente paga encontrava-se plasmada no art. 32.º, n.º 1, do Regulamento CE n.º 1260/1999, de 21 de Junho de 1999 – que estabelecia disposições gerais sobre os Fundos estruturais – a saber: “os pagamentos intermédios ou do saldo serão referentes às despesas efectivamente pagas, que devem corresponder a pagamentos executados pelos beneficiários finais e justificados por facturas pagas ou documentos contabilísticos com um valor de prova equivalente”.
Dando execução – nos termos do disposto no art. 53.º ao Regulamento (CE) n.º 1260/1999 do Conselho de 21 de Junho –, a Comissão aprovou o Regulamento n.º 1685/2000, de 28 de Julho [posteriormente alterado pelos Regulamentos (CE) n.º 1145/2003 daComissão, de 27 de Junho e pelo Regulamento (CE) n.º 448/2004 da Comissão, de 10 de Março], relativo à elegibilidade das despesas no âmbito das operações co-financiadas pelosFundos Estruturais, conforme as regras gerais definidas no art. 30.º do Regulamento n.º 1260/99.
Acresce que, na redação do Regulamento n.º 1685/2000 – dada pelo Regulamento (CE) n.º 448/2004 –, foi revogada a seguinte parte: n.º 1685/2000 – dada pelo Regulamento (CE) n.º 448/2004 – além disso, nos casos em que a execução das operações não esteja sujeita a um procedimento de consulta ao mercado, os pagamentos executados pelos beneficiários finais têm de ser justificados por despesas efetivamente liquidadas (incluindo os encargos referidos no pomo 1.4) pelos organismos ou empresas públicas ou privadas relevantes, no âmbito da execução da operação”. Ademais, o anexo ao Regulamento (CE) n.º 1685/2000 fixava as regras de elegibilidade das despesas, sendo estabelecida como primeira regra que as despesas tenham sido efectivamente pagas. Regra n.º 1.1. “os pagamentos executados pelos beneficiários finais, nos termos do n.º 1, terceiro parágrafo, do artigo 32º do Regulamento (CE) nº 1260/1999 (seguidamente designado «regulamento geral», serão pagamentos em dinheiro, salvo as exceções indicadas no ponto 1 – é esta a redacção dada pelo Regulamento n.º 448/2004 (CE), de 10 de Março. Sendo que, de acordo com o previsto no ponto 2. (...)
Verifica-se, assim, que a legislação europeia pressupunha o preenchimento de três requisitos de verificação cumulativa, de modo a que se possa qualificar uma despesa como despesa efectivamente paga: (i) um pagamento, (ii) executado pelo beneficiário final e (iii) justificado por facturas ou documentos contabilísticos com força probatória equivalente.
Como é sabido, o Fundo Europeu de Pescas (FEP) foi instituído através do Regulamento (CE) n.º 1198/2006 do Conselho, de 27 de Julho de 2006, que no seu art. 55.º, n.º 4, refere que as regras sobre a elegibilidade das despesas são da competência das autoridades nacionais, no respeito pelas determinações quanto a essa elegibilidade constantes do próprio regulamento.
Sendo que, no que tange com a efectividade da despesa realizada, o n.º 1, do referido art. 55.º, preceitua – enquanto requisito de elegibilidade da despesa – o seguinte: “as despesas são elegíveis para uma participação do FEP se tiverem sido efectivamente pagas pelos beneficiários entre a data de apresentação do programa operacional à Comissão ou entre 1 de Janeiro de 2007, consoante o que ocorrer primeiro, e 31 de Dezembro de 2015. As operações co-financiadas não podem ter sido concluídas antes do início da data de elegibilidade. Sucede, por seu turno, que o Regulamento CE n.º 1260/1999, de 21 de Junho de 1999 foi revogado pelo Regulamento (CE) n.º 1083/2006 do Conselho, de 11 de Julho que estabelece disposições gerais sobre o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, o Fundo Social Europeu e o Fundo de Coesão [cf. art. 107.º], que versa unicamente no art. 56.º sobre as regras atinentes à elegibilidade das despesas. (...)
Em face do que aqui se expôs, analisadas as coordenadas normativas que conformam e regulam especificamente o Fundo Europeu de Pesca (FEP) através do qual se co-financia a candidatura de que o Autor se mostra beneficiário, não consta qualquer noção ou conceito operativo (densificado) de despesa efectivamente paga, pelo menos não da forma constante do Regulamento CE n.º 1260/1999, de 21 de Junho, que, entretanto foi revogado pelo Regulamento (CE) n.º 1083/2006 do Conselho, de 11 de Julho; sendo que as regras relativas à elegibilidade das despesas são fixadas a nível nacional, sem prejuízo das excepções previstas nos regulamentos específicos de cada Fundo.
A primeira conclusão que impõe extrair é que o Regulamento n.º 1685/2000 de 28 de Julho não se pode mostrar violado, na exacta medida em que não se encontra em vigor. Todavia, ainda que atentamos aos critérios previstos no quadro de vigência do Regulamento CE n.º 1260/1999, de 21 de Junho, para aquilo que se deveria entender como despesa efectivamente paga (pagamento feito pelo beneficiário final comprovado documentalmente por factura ou documento com força probatória equivalente), também não se assoma, compulsada a factualidade supra julgada provada, que foram violadas as características delineadas nos instrumentos legislativos comunitários que encerravam o conceito em apreço. Ou seja, ainda que tal conceito e requisitos não sejam directamente aplicáveis, e como tal careça de sentido invocar que a sua violação constitui causa de resolução contratual [eventualmente, invocando o incumprimento pelo promotor das obrigações decorrentes dos regulamentos que aprovam os regimes de apoio ou dos contratos [cf. art. 12.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-lei n.º 81/2008, de 16 de Maio]], certo é que, no caso em apreço, não é possível colocar em causa a materialidade do pagamento, realizado pelo Autor à fornecedora “F..., Unipessoal, Lda, consubstanciado na existência da concreta transferência do dinheiro do beneficiário através da transferência bancária realizada em 14.11.2011 da conta do Autor para a conta da fornecedora F..., – que foi quem executou as prestações e serviços incluídos dentro da candidatura que foi aprovada ao Autor. Aliás, em 02 de Dezembro de 2011, a Direção Regional de Agricultura e Pescas do Norte (DRAP Norte) efectuou vistoria à –498-L, efectuou vistoria à embarcação do Autor, (...) tendo concluído que os trabalhos realizados, em tal embarcação, correspondiam e estavam conforme aos descritos na factura n.º ...11, emitida em 14-11-2011, pela fornecedora “F..., Unipessoal, Lda (...)
Por outro lado, quando a lei exige ainda que essa despesa, para além de realizada, esteja paga quer dizer que a respetiva obrigação esteja cumprida. Embora não aplicadas as normas supra citadas, a exigência de prova de pagamento através de quitação e facturas pagas resulta também aplicável por via dos termos gerais do direito.
Com efeito, o cumprimento presume-se com a quitação, como resulta do disposto no n.º 1, do art. 786.º do Código Civil (CC); sendo que a prova do cumprimento da obrigação é feita através do recibo de quitação. Daí que, para efeitos contabilísticos a despesa seja justificada com dois documentos: (i) a factura e (ii) o recibo ou documento de quitação – o que se verifica no caso em apreço. (...)
Pelo que, no caso sub judice, as condições de execução do contrato revelam precisamente que o contrato foi cumprido e executado, e não vem indicada norma cuja violação permita desconsiderar as despesas que foram efectuadas em conformidade com as exigências impostas pelo contrato. A despesa, para efeitos de ajudas comunitárias, só pode ser considerada como efectivamente realizada quando haja o pagamento efectivo, nomeadamente a transferência de determinada quantia da conta do beneficiário para a conta do fornecedor – como se verificou no caso dos autos, na medida em que a despesa efectivamente paga corresponde a um efectivo e real pagamento por parte do beneficiário da ajuda comunitária à sua fornecedora, sendo verificado através da análise das datas dos documentos de despesa e do modo de pagamento [nomeadamente, através de transferência bancária, permitindo ao credor entrar na posse imediata da quantia a que tem direito]. Nessa perspetiva, a jurisprudência quanto a essa temática – elegibilidade da despesa efectivamente realizada decorrente da ocasião do pagamento – obriga a que estejam compreendidas no período de elegibilidade a contabilização das facturas e recibos relativos às despesas correspondentes às actividades financiadas e ocorridas nesse período não relevando para efeitos de elegibilidade, o momento em que se efectue o respetivo movimento bancário, sendo o recibo (ou outro documento de quitação fiscalmente aceite) o documento comprovativo do pagamento de determinada quantia – neste sentido, vide o douto Acórdão do VENERANDO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE (TCAN), de 09 de Junho de 2010 (proferido no âmbito do processo n.º 00586/06.6BEPNF) e que se encontra disponível para consulta online em www.dgsi.pt.
Assim, no caso sub judice, cremos que outra solução não existe, que não seja a de considerar que o pagamento relativo às despesas cuja elegibilidade é questionada se mostra comprovada pela emissão, no período elegível, da respectiva factura, da operação respeitante à transferência bancária para pagamento da mesma e do correspondente recibo, sendo claro que o pagamento – movimento bancário associado à transferência – foi, indubitavelmente, efectuado em 14-11- 2011 (data anterior à formulação do pedido de pagamento (ocorrida em 23-11-2011) [cf. factualidade supra julgada provada em 4)]. Embora o Réu faça apelo à figura das despesas efectivamente pagas; certo é que tal não pode abalar a materialidade do pagamento efectuado pelo Autor.
Por outro lado, a despesa realizada não se mostra, em nenhum dos sentidos, simulada e/ou fraudulenta, (i) não apenas porque existiu um pagamento [deslocação patrimonial da esfera do Autor para a esfera da fornecedora “F..., Unipessoal, Lda no valor facturado (ii) mas porque existiu o elemento corpóreo e material da relação jurídica (a fornecedora “F... Unipessoal, Lda” executou na totalidade a obra para a qual o Autor a contratou pelo valor razoável ou de mercado); (iii) assim como, a “F... Unipessoal, Lda” facturou a obra realizada e a quantia facturada corresponde ao pagamento que deu entrada na “F... Unipessoal, Lda. Tanto assim é que, em sede de controlo documental, aquando da apresentação a pagamento, a DRAP Norte atestou a regularidade e conformidade das operações – as quais, segundo se entende, não se mostram abaladas pelo facto de a candidatura executada pelo beneficiário ter sido objecto de recurso a fontes de financiamento que não do próprio, dado que não resulta da lei – ou pelo menos de nenhum normativo invocado – que sancione tal comportamento.
Daí que, compulsada a factualidade supra julgada provada, a rescisão operada pelo Réu, no acto impugnado, não pode assentar na alínea a), do n.º 1, do art. 12.º do Decreto-lei n.º 81/2008, de 16 de Maio, à míngua da falta de alegação e demonstração de normativos violados.
Igualmente, não se constata que o Autor tenha prestado falsas informações ou informações inexactas ou incompletas, muito menos que incorreu em qualquer prática de falsificação de documentos, pelo que não poderá a rescisão operada pelo acto impugnado obter guarida na alínea b), do n.º 1, do art. 12.º do mesmo Decreto-Lei n.º 81/2008, de 16 de Maio. Em suma, a documentação junta pelo Autor demonstra a materialidade e efectividade das operações [na sua tríplice dimensão: execução da obra, emissão da factura e posterior pagamento], como vimos, ficando por demonstrar, por isso mesmo, que os documentos apenas visaram criar a aparência, sem substracto, do cumprimento formal das regras de elegibilidade.
O que, efectivamente, de relevante decorre da argumentação prende-se, em grande parte, com questões interpretativas que são, de forma enviesada, introduzidas pelo Réu através da figura de despesa não efectivada – pagamento não efectivado/provado –, porquanto o Réu parece, no plano real, proceder à desconsideração [uma espécie de anulação] da despesa efectuada pelo Autor junto da fornecedora F..., Unipessoal, Lda” em razão de ter constatado movimentos na conta bancária a crédito, traduzidos na transferência realizada pelo sócio único da F... Unipessoal Lda, no sentido de considerar que o Autor não incorreu em despesa no valor de €12.500,00 e, nessa decorrência, não pagou tal valor. Ora, reitera-se que se afigura incontroversa a materialidade do pagamento, pelo que, quanto muito se poderá discutir a natureza e legitimidade do financiamento que permitiu ao Autor ser portador dos meios monetários necessários a proceder ao pagamento (efectivo) em causa, mas que, em todo o caso, não permite sustentar, à falta de norma habilitante, a desqualificação ou desconsideração do pagamento em causa, parcial ou integralmente, como faz o Réu o que sempre abala os pressupostos da decisão impugnada.
Com efeito, o Réu não sustentou, em juízo, que existia no plano legal ou regulamentar aplicável, de influência nacional ou comunitária, nem concatenada toda a sistemática do sistema de atribuição de fundos, a proibição ou limitação de que os investimentos realizados no âmbito dos projectos aprovados em candidaturas fossem suportados com recurso a fontes de financiamento externos ao próprio beneficiário, nem invocou normas ou princípios que permitam circunscrever negativamente os potenciais financiadores. Assim sendo, inexiste norma legal, de base nacional ou comunitária, que permita ao Réu classificar como não efectiva [ilegível] uma despesa que materialmente foi paga pelo Autor à fornecedora “F..., Unipessoal, Lda. A factualidade apreendida nos autos nada tem a ver com as situações em que a transferência bancária é realizada após ter sido passado o recibo ou depois de se ter solicitado o pagamento do apoio à entidade competente, dado que nestas situações, a despesa terá necessariamente de considerar-se inelegível [cf. Acórdão do VENERANDO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL (TCAS), proferido no processo 01365/16, e que se encontra disponível para consulta online em www.dgsi.pt].
Desta forma, segundo se entende, a jurisprudência citada pelo Réu não se mostra aplicável à situação presente dos autos, dado que naquela jurisprudência citada, os Tribunais Superiores foram chamados a emitir pronúncia em situações em que não foi dado cumprimento de forma e temporalidade dos documentos e pagamentos das despesas apresentadas, bem ao contrário da situação dos presentes autos, e a ora citada na presente decisão, quando a materialidade do pagamento se mostra consolidada em momento anterior ao pedido de pagamento – o que permite qualificar a despesa como efectivamente paga e por isso mesmo legível.
Desta feita, a situação consubstanciada no empréstimo de um montante equivalente que permita ao Autor proceder ao pagamento do subsídio não se enquadra no disposto no art. 12.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-lei n.º 81/2008, de 16 de Maio – contrariamente ao vertido pelo Réu –, e denota a inexistência tanto de circunstâncias de facto como de norma habilitante que permita decisão de rescisão contratual e revogação do acto que determinou o pagamento do apoio ao Autor. O que gera a anulação do acto impugnado. (...)».
Isto posto, e revertendo à situação dos autos, conclui-se que o apoio fora concedido ao Autor, e pago o montante correspondente, uma vez que a Entidade Demandada confirmara que foram efectuados os melhoramentos na embarcação do Autor, e que justificaram a emissão da factura e do recibo, e que o Autor procedeu pagamento de tal reparação, em momento anterior ao pedido de reembolso.
Conclui-se também, com base na fundamentação supra apresentada, que a existência de financiamento externo para a realização das melhorias na embarcação, não coloca em causa a elegibilidade da despesa e a concessão do financiamento.
Donde, por todo o quanto exposto, e não se tendo logrado provar que o Autor tenha prestado falsas declarações ou informações inexactas ou incompletas, nem que tenha ocorrido a falsificação de documentos, impõe-se julgar procedente a pretensão do Autor, e anular o acto impugnado, ficando o Réu constituído no dever de reconstituir a situação que existiria se o acto administrativo não tivesse sido praticado, ao abrigo do disposto no artigo 173.º do CPTA.
Nessa sequência, mais vai o Réu condenado a restituir ao Autor o valor pago a título de garantia, acrescido de juros de mora desde a citação e até ao integral pagamento, nos termos do disposto no artigo 805.º, n.º 1, do Código Civil.
…”.
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Ora, efectivada uma análise cotejada deste Processo com o Proc. 2561/15, neste, reapreciada a decisão judicial por este TCA-N e STA – como vimos – verificamos, em dissintonia com a alegação do Recorrente IFAP-IP, que as questões são precisamente as mesmas, sendo aliás o mesmo o mandatário de ambos os AA., acrescendo que a alegação recursiva, além de repetitiva do que se fez constar da contestação, não questiona mesmo indirectamente a sentença recorrida, limitando-se a reafirmar a tese, aliás, já oriunda do procedimento administrativo, subsequente à inspecção realizada, em 8/11/2013, pela Autoridade Tributária e Aduaneira que elaborou uma informação, na sequência da acção inspectiva levada a cabo ao sujeito passivo “F...– Unipessoal, L. da” e de que se dá conta na factualidade dada como provada - al. E) – não questionada.
Como decorre, aliás, da contestação Cfr. art.º 31.º da contestação./alegação do IFAP-IP, os trabalhos/serviços, referentes à substituição de motores e melhoramentos na embarcação “..., V-183-L” do A./Recorrido AA, no âmbito do programa PROMAR – Eixo 1 – Medida 1.4. – Pequena Pesca Costeira, que recebeu o n.º 01-04-FEP-13, foram facturados em 26/8/2011 (factura n.º ...11), emitido comprovativos de recebimento em 23/12/2011 (recibo n.º ...11) e o recebimento do apoio concedido pelo IFAP-IP que confirmou, em devido tempo, a documentação e a objectiva realização dos trabalhos/serviços na embarcação em causa Conforme, aliás, resulta da Al. C) da factualidade dada como provada, onde consta, concretamente : “Em 18.01.2012, a Direcção Regional da Agricultura e Pescas do Norte efectuou a vistoria na embarcação “... – V-183-L”, propriedade de AA, com vista à libertação do subsídio, a qual serviu de base ao relatório de verificação final elaborado, no qual se concluiu que: (i) foram realizados os melhoramentos e reparações propostos, (ii) para além ter sido verificado o dossiê da candidatura e do pedido de pagamento que se encontravam regularizados, (iii) estando também a contabilidade regularizada, (iv) e a candidatura regular”., foi efectivado em 30/3/2012, como se evidencia do PA – cfr. al. B) dos factos provados -, ou seja, posteriormente à realização dos trabalhos e facturação.
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Deste modo e concluindo, por todo o exposto, importa apenas, em negação do provimento do recurso, manter a sentença recorrida.
III
DECISÃO
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em negar provimento ao recurso e assim manter a sentença recorrida.
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Custas pelo recorrente.
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Notifique-se.
DN.


Porto, 24 de Fevereiro de 2023


Antero Salvador
Helena Ribeiro
Nuno Coutinho