Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00693/13.9BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/23/2019
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:REVERSÃO DA EXECUÇÃO, CULPA NA INSUFICIÊNCIA DO PATRIMÓNIO
Sumário:
I - Para afastar a responsabilidade subsidiária pelas dívidas de impostos cujo termo do prazo para pagamento ou entrega terminou durante o período da sua administração, é necessária a demonstração de que não é imputável aos gerentes ou administradores das sociedades a falta de pagamento ou de entrega do imposto [artigo 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT].
II - Neste caso, existe uma presunção legal de culpa, recaindo sobre o administrador ou gerente o ónus da prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento ou de entrega da prestação tributária.
III - Não tendo o responsável subsidiário feito prova que a falta de pagamento não lhe era imputável, é o mesmo parte legítima na execução.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:AAPM
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório
AAPM, NIF 15xxx30, residente na Rua C…, Guimarães, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, em 18/06/2015, que julgou improcedente a pretensão deduzida pelo mesmo na presente instância de OPOSIÇÃO, com referência à execução fiscal n.º 3746200401022326 e apensos, originariamente instaurada contra a sociedade “P&F, LDA.”, e contra ele revertida, por dívidas de IVA dos anos de 2004, 2005 e 2006, no montante global de €15.871,74.
O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
A. O presente Recurso visa apreciar se o Opoente teve, ou não culpa, pela falta de entrega de IVA dos anos de 2007 a 2009, IRC de 2009 e 2010, e IRS[ Na medida em que os presentes processos de execução fiscal respeitam somente a dívidas de IVA dos anos de 2004, 2005 e 2006, tal menção consubstanciará, certamente, um lapso de escrita.].
B. A testemunha CF foi clara ao afirmar que em 2005 e 2006 a empresa atravessava uma crise, e como tal procurou novos clientes.
C. Conseguiu angariar um novo cliente “TM”, contratando mais duas funcionárias e aumentando os seus custos de produção.
D. Esse novo cliente apenas cumpriu com os pagamentos durante cerca de um ano.
E. A devedora originária deixou de receber em tempo, e ainda passou a ter necessidade de pagar as reformas das letras, meio de pagamento utilizado pela “TM”.
F. O Opoente requereu planos de pagamentos em prestações, e foram realizados alguns pagamentos por conta.
G. O Opoente tentou recorrer ao crédito bancário para fazer face ao pagamento das obrigações fiscais, tendo-lhe sido recusado a concessão de crédito, quer na devedora originária, quer pessoalmente, devido à existência de dívidas fiscais da empresa.
H. O Tribunal a quo não valorizou o depoimento da testemunha CF, tendo-o considerado vago e genérico, sem qualquer justificação ou fundamentação.
I. Em consequência, concluiu pela falta de prova da inexistência de culpa do Opoente na falta de pagamento das suas obrigações fiscais.
J. Foram evidentes os factos concretamente realizados pelo Opoente, como sendo a angariação de novos clientes para a empresa, o pedido de plano de pagamentos em prestações, que posteriormente se viu forçado a incumprir por falta de capacidade financeira da empresa, e ainda as diversas tentativas de recurso ao crédito bancário, que resultaram infrutíferas atenta as existentes dívidas fiscais, sendo que o crédito solicitado ao pagamento destas se destinava.
K. O Opoente, inclusive, numa tentativa de não agravar mais a situação de incumprimento da empresa, decidiu apresentar a empresa à insolvência, para não avolumar mais dívidas.
L. Não pode, por isso, conformar-se com a conclusão de que não actuou como um bonus pater familiae.
M. Ora, a testemunha CF indicou, em concreto, várias medidas tomadas pelo Recorrente no sentido de debelar a situação de incumprimento da sociedade, não tendo contudo êxito.
N. A lei exige que o Opoente prove que não teve culpa na falta de pagamento das obrigações fiscais.
O. E a prova produzida em sede de audiência de julgamento é susceptível de ilidir a presunção de culpa que se abate sobre o Recorrente, na qualidade de gerente da devedora originária.
P. O único esforço que o Recorrente não realizou foi o de intentar acções de cobrança sobre os devedores de mais de €40.000,00 à devedora originária, com o receio de que judicialmente não iria receber qualquer valor, como acontece diariamente.
Q. Tentou sempre cobrar, através do diálogo, e foi conseguindo cobrar alguns créditos que foi aplicando em pagamentos por conta, como também foi referido pela testemunha CF.
R. Foi demonstrada a inexistência de culpa na falta de pagamento das obrigações fiscais, ilidindo-se a presunção que sobre si incide,
S. A decisão recorrida ao assim não o considerar, errou no seu julgamento, pelo que em consequência foi violado o disposto no artigo 24º, n.º 1 a da LGT.
Em face do exposto, formula-se o seguinte
PEDIDO:
Deverá ser julgado procedente, por provado, o presente Recurso, e em consequência ser revogada a sentença recorrida, substituindo-se por uma outra que decida pela procedência da Oposição do Opoente, por provada a inexistência de culpa na falta de pagamento das obrigações fiscais, assim se fazendo a acostumada, JUSTIÇA!”
*
Não houve contra-alegações.
*
O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*
II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se em analisar o invocado erro de julgamento em matéria de facto e ainda indagar da existência ou não de culpa por parte do Recorrente na insuficiência do património da sociedade devedora originária.
*
III. Fundamentação
1. Matéria de facto
Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Factos provados:
A) Foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Guimarães 2 o processo de execução fiscal n.º 3746200401022326 e apensos, contra a devedora originária “P&F, LDA, Lda”, por dívidas de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) dos anos de 2004, 2005 e 2006, no montante global de €15.871,74 e cujos prazos de pagamento voluntário terminaram entre 17-05-2004 e 16-08-2006 – fls 117 do PEF apenso e informação de fls 27;
B) Em 04-09-2012 foi proferido despacho de projeto de reversão contra o oponente, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais – fls 117/118 do PEF apenso;
C) Por ofício datado de 12-10-2012 foi o oponente notificado para querendo exercer o seu direito de audição – fls 120 do PEF apenso;
D) Em 24-10-2012, deu entrada o requerimento de audição prévia do oponente – fls 125 e seguintes do PEF apenso;
E) Em 18-12-2012 foi proferido despacho de reversão contra o oponente, que se transcrevem as partes mais relevantes:
“(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…) ”
- fls 162 e seguintes do Pef apenso;
F) Foi remetido o ofício com a designação: “citação- reversão” ao ora Oponente em 18.12.2012 – fls 171/172 dos autos;
G) Tal expediente foi rececionado em 20-12-2012 – fls 201/202;
H) A petição inicial foi apresentada no Serviço de Finanças em 18-01-2013 cfr. Fls 6 dos autos
Factos não provados:
Nada mais se provou com interesse para o conhecimento do mérito, designadamente não se provou que o oponente não teve culpa pela insuficiência do património da sociedade, alegação conclusiva que importava concretizar e/ou que necessitava de prova documental ou outra concretização por parte das testemunhas.
Fundamentação da matéria de facto:
A decisão da matéria de facto provada, consonante ao que acima ficou exposto, efetuou-se com base nos documentos e informações constantes dos autos e referidos em cada uma das alíneas do elenco dos factos provados, os quais não foram impugnados e que, dada a sua natureza e qualidade, mereceram a credibilidade do tribunal.
Da Prova testemunhal:
Nos presentes autos, prestou depoimento a testemunha PASG, fornecedor de equipamentos informáticos e de escritório da devedora originária desde o seu início ao encerramento. Referiu que sempre que se deslocava à empresa era o aqui oponente que o recebia e efetuava os pagamentos. Mais disse que o oponente era uma pessoa preocupada e idónea acrescentando que “a empresa era a vida dele”. Também referiu ter a noção que a empresa começou a passar por dificuldades mais para o final, mas que não lhe ficou a dever nada. Nada mais adiantou ou concretizou.
CMM, TOC da devedora originária desde o seu início até ao encerramento, disse que a empresa se dedicava a confeção a feitio e que não tinha muitos clientes. Referiu que tentaram fazer pagamentos por conta e plano de pagamentos em prestações mas que não foi possível concretizá-los porque o cliente “TM” (cliente angariado nos anos de 2005/2006) deixou de pagar.
Esta empresa “TM” como lhe deu mais trabalho teve de admitir mais dois funcionários. No entanto, passado cerca de um ano a “TM” começou a pagar com letras. Como deixou de pagar a reforma das letras e a oponente tinha de as pagar ainda se “afundou mais” (sic).
Disse ter ficado cerca de 20.000,00 € por receber.
Também acrescentou que não foi possível obter empréstimos bancários porque a empresa tinha dívidas fiscais e os bancos não aprovavam os empréstimos. Também disse não ter acompanhado o oponente ao banco a solicitar empréstimos.
Acrescentou que a opção por pagar salários em detrimentos dos impostos resulta do facto de a empresa ter sede num meio pequeno, de haver uma relação muito próxima com os trabalhadores e ainda porque precisava deles para trabalhar.
Referiu também que o património da empresa sempre foi o mesmo até ao seu encerramento, à exceção de uma carrinha que foi vendida.
Disse que o oponente nunca propôs ações de cobrança de dívida porque preferia falar com os devedores e ir recebendo. Os créditos que ficaram por receber seriam de cerca de € 40.000,00.
Situou a crise no sector em 2007/2008.
Desta feita, atento os depoimentos de conteúdo vago, genérico e pouco preciso e concretizados sobre os factos dos quais o oponente pretendia fazer prova, não mereceu a credibilidade por parte do Tribunal.”
*
2. O Direito
Cumpre, agora, entrar na análise do recurso jurisdicional “sub judice”, sendo que, como já ficou dito, as questões suscitadas resumem-se em apreciar o invocado erro de julgamento em matéria de facto e ainda indagar da existência ou não de culpa por parte do Recorrente na insuficiência do património da sociedade devedora originária.
Quanto a esta última matéria, a sentença recorrida ponderou:
“(…)
O Oponente sustenta no essencial a sua falta de culpa, no entanto e atenta a ausência de factos concretos alegados em sede de petição inicial, não permitiram sequer ao Tribunal perceber o que terá ocorrido para que a empresa fosse declarada insolvente e encerrasse.
Do que resulta do depoimento das testemunhas é já uma consequência, ou seja, a testemunha CF referiu que em 2005 e 2006 (altura da entrada do Cliente TM) foi já uma tentativa de revitalizar a empresa que já se encontrava com problemas mas que não surtiu efeito pois acabou por pagar com letras que não eram reformadas e originar ainda mais encargos para a P&F, LDA, o seu depoimento foi sempre muito vago, pouco concreto e insuficiente para que o oponente fizesse a prova que lhe competia. O mesmo se diga relativamente à outra testemunha que apenas “tinha a noção que a empresa começou a passar por dificuldades mais para o final” (sic).
Na verdade, importa que os gerentes ou administradores tragam ao Tribunal dados concretos sobre o funcionamento da empresa, que implica uma descrição, ainda que sumária, da sua organização, alguma explicação sobre o modelo organizacional adotado, à luz das especificidades do sector e face à conjuntura do mercado, a identificação dos seus principais clientes e alguma alusão à natureza das relações comerciais respetivas, e a identificação dos seus principais clientes, bem como da sua representatividade no volume de negócios anual (que possa, nomeadamente, justificar algumas concessões de natureza negocial).
Importa, também, que sejam fornecidos valores sobre as principais contas e sua flutuação no período considerado. Só a partir dessas coordenadas gerais é que o Tribunal poderia aferir em concreto, a natureza da crise gerada pelas faltas de pagamento e concluir que o Oponente nada pôde fazer para lhe fazer frente.
E, não se diga que, lhe bastava aludir às dificuldades financeiras (a falta de concessão de empréstimos bancários por ter dívidas fiscais, tal como avançado pela testemunha CF) ou aos problemas financeiros em virtude da crise do sector (que aqui curiosamente a testemunha CF aponta como correspondendo ao ano de 2009, ou seja em data muito posterior ao das dívidas em causa) e que ao Tribunal cabia oficiosamente indagar desses valores. A alegação da existência de problemas financeiros não é um facto, mas uma conclusão a extrair de factos concretos consubstanciados nos dados contabilísticos dessas contas. E, embora as partes só sejam obrigadas a alegar os factos essenciais, têm que ser factos concretos, historicamente contextualizados, que consubstanciem a sua causa de pedir, demonstrando de forma cabal, em que medida a crise nacional afetou irremediavelmente a devedora originária (Sobre a teoria da substanciação, em vigor entre nós, vd. ARTUR ANSELMO DE CASTRO, «Direito Processual Civil Declaratório», volume I, Almedina, págs. 205 e seguintes).
Na verdade, o Oponente não indicou qualquer medida concreta que tivesse tomado para impedir o agravamento da situação da empresa logo que se apercebeu da situação deficitária em que se encontrava, nem qualquer diligência tomada no sentido de recuperar os “créditos” de que alega ser detentora a devedora originária (aliás e de acordo com o depoimento da testemunha CF o oponente optou por nunca intentar qualquer ação de cobrança, limitando-se a falar com os alegados devedores que nem sequer foram identificados) ao que revela que o Oponente agiu com falta de zelo e cuidado na condução dos negócios da executada originária.
De ressaltar ainda, e relativamente a parte das dívidas em causa que a prova no caso sub judice terá de ser particularmente exigente porquanto nos situamos perante dívidas de IVA, que foi apurado pela própria sociedade originária devedora. Note-se que, embora o não recebimento do IVA dos clientes não justifique que o mesmo não haja de ser entregue ao Estado (ao sujeito passivo de IVA compete, em conformidade com o Código daquele imposto, entregar o IVA resultante da diferença entre o imposto liquidado e o imposto dedutível, independentemente de o ter recebido ou não do cliente), é facto que pode e deve ser ponderado na avaliação da culpa do gerente pela falta de entrega do imposto ao Estado, designadamente se puder estabelecer-se uma conexão entre a falta de fundos da empresa e o não recebimento dos clientes.
O que significa que, em princípio, o montante correspondente ao imposto a entregar ao Estado terá entrado na sociedade. E, se assim foi, por certo apenas circunstâncias muito excecionais poderiam justificar por que a sociedade não efetuou a entrega desse montante ao Estado e, assim, permitir que o Oponente, como gerente da sociedade, afastasse a presunção de culpa por essa falta de entrega. Neste sentido, Ac. Do TCAN de 20.10.2009, Proc. 00228/07.2BEBRG.
Mas, ainda que a sociedade originária devedora não tenha recebido dos seus clientes o IVA que havia de entregar ao Estado, tal não determinaria, por si só, o afastamento da culpa do Oponente pela falta de entrega do imposto. Para tanto, sempre haveria que provar-se factualidade que permitisse a conclusão de que a sociedade não tinha os fundos necessários à entrega do imposto e que o Oponente nenhuma responsabilidade tinha nessa situação. Ora, a esse propósito nada ficou provado.
Pelo que, concluímos, pois, que não há nos autos prova no sentido de que a falta de pagamento da dívida ora em cobrança coerciva, não seja imputável ao Oponente, porquanto aquele era o gerente da sociedade originária devedora no período em que deveriam ter sido entregues os montantes que a sociedade originária devedora apurou a título de IVA (2004, 2005 e 2006), não tendo o Oponente logrado provar que não foi por culpa sua que não foram efetuados os referidos pagamentos, não tendo gerido a sociedade com a diligência de um bonus pater familiae, pelo que tem de ser responsabilizado pelas dívidas exequendas.
Assim, nada se demonstrando no sentido de afastar a culpa do Oponente pela não entrega destes tributos, deve ele responder pelas mesmas ao abrigo da alínea b) do art. 24.º, n.º 1, da LGT. (…)”.
Nas suas alegações, o Recorrente começa por dizer que a testemunha CF foi clara ao afirmar que em 2005 e 2006 a empresa atravessava uma crise, e como tal procurou novos clientes, conseguiu angariar um novo cliente “TM”, contratando mais duas funcionárias e aumentando os seus custos de produção, sendo que esse novo cliente apenas cumpriu com os pagamentos durante cerca de um ano e a devedora originária deixou de receber em tempo, e ainda passou a ter necessidade de pagar as reformas das letras, meio de pagamento utilizado pela “TM”.
Por outro lado, o Oponente requereu planos de pagamentos em prestações, e foram realizados alguns pagamentos por conta, tentou recorrer ao crédito bancário para fazer face ao pagamento das obrigações fiscais, tendo-lhe sido recusado a concessão de crédito, quer na devedora originária, quer pessoalmente, devido à existência de dívidas fiscais da empresa, verificando-se que o Tribunal a quo não valorizou o depoimento da testemunha CF, tendo-o considerado vago e genérico, sem qualquer justificação ou fundamentação e, em consequência, concluiu pela falta de prova da inexistência de culpa do Oponente na falta de pagamento das suas obrigações fiscais.
Sustenta o Recorrente terem sido evidentes os factos concretamente realizados pelo Oponente, como sendo a angariação de novos clientes para a empresa, o pedido de plano de pagamentos em prestações, que posteriormente se viu forçado a incumprir por falta de capacidade financeira da empresa, e ainda as diversas tentativas de recurso ao crédito bancário, que resultaram infrutíferas atenta as existentes dívidas fiscais, sendo que o crédito solicitado ao pagamento destas se destinava e o Oponente, inclusive, numa tentativa de não agravar mais a situação de incumprimento da empresa, decidiu apresentar a empresa à insolvência, para não avolumar mais dívidas, de modo que, não pode, por isso, conformar-se com a conclusão de que não actuou como um bonus pater familiae, sendo que a testemunha CF indicou, em concreto, várias medidas tomadas pelo Recorrente no sentido de debelar a situação de incumprimento da sociedade, não tendo contudo êxito.
Assim, a lei exige que o Oponente prove que não teve culpa na falta de pagamento das obrigações fiscais, defendendo o Recorrente que a prova produzida em sede de audiência de julgamento é susceptível de ilidir a presunção de culpa que se abate sobre o Recorrente, na qualidade de gerente da devedora originária, pois que o único esforço que o Recorrente não realizou foi o de intentar acções de cobrança sobre os devedores de mais de €40.000,00 à devedora originária, com o receio de que judicialmente não iria receber qualquer valor, como acontece diariamente e tentou sempre cobrar, através do diálogo, e foi conseguindo cobrar alguns créditos que foi aplicando em pagamentos por conta, como também foi referido pela testemunha CF, o que significa que foi demonstrada a inexistência de culpa na falta de pagamento das obrigações fiscais, ilidindo-se a presunção que sobre si incide e a decisão recorrida ao assim não o considerar, errou no seu julgamento, pelo que em consequência foi violado o disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT.
Nesta matéria, “é pacífica a jurisprudência que a responsabilidade subsidiária dos gerentes é regulada pela lei em vigor na data da verificação dos factos tributários geradores dessa responsabilidade, e não pela lei em vigor na data do despacho de reversão nem ao tempo do decurso do prazo de pagamento voluntário dos tributos (v. acórdãos do Pleno da SCT do STA de 7/7/2010 e de 24/3/2010, nos recursos n.ºs 945/09 e 58/09, e da SCT do STA de 28/9/2006 e de 11/1/2006, nos recursos n.ºs 488/06 e 717/05, respectivamente)” - Acórdão do STA, de 29-06-2011, Proc. n.º 0368/11.
Sendo as dívidas exequendas provenientes de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), dos anos de 2004, 2005 e 2006, ganha particular acuidade o artigo 24.º, n.º 1 da LGT, sendo que o citado normativo dispõe que:
1- Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.
Nas suas conclusões de recurso, como vimos, o Recorrente começa por questionar a sentença recorrida quanto à decisão sobre a matéria de facto, sendo que constituindo tal erro de julgamento não só o primeiro aduzido mas, em especial, aquele de cuja decisão estaria dependente o que este Tribunal de recurso viesse a decidir quanto ao erro de julgamento de direito, impõe-se, naturalmente, que à sua apreciação venha a ser dada primazia.
Sobre esta matéria, e com referência ao julgamento da matéria de facto, crê-se pertinente apontar que com a revisão do CPC operada pelo DL n.º 329-A/95, de 12.12, e pelo DL n.º 180/96, de 25.09, foi instituído, de forma mais efectiva, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto.
Importa, porém, ter presente que o poder de cognição deste Tribunal sobre a matéria de facto ou controlo sobre a decisão de facto prolatada pelo tribunal “a quo” não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto - artigo 685.º-B do CPC, que regulava esta matéria depois da alteração introduzida pelo D.L. n.º 303/07, de 24-08, porquanto, por um lado, tal possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgados e desde que cumpra os pressupostos fixados no artigo 685.º-B nºs 1 e 2 do CPC, e, por outro lado, o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade (vide sobre esta problemática A.S. Abrantes Geraldes in: “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. II, págs. 250 e segs.).
Daí que sobre o recorrente impende um especial ónus de alegação quando pretenda efectuar impugnação com aquele âmbito mais vasto, impondo-se-lhe, por conseguinte, dar plena satisfação às regras previstas no artigo 685.º-B do CPC (actual artigo 640.º).
É que ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no artigo 712.º, n.º 1 do CPC (actual artigo 662.º), incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.
Diga-se ainda que a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova por parte do julgador que se mostra vertido no artigo 655.º do CPC, sendo certo que na formação da convicção daquele quanto ao julgamento fáctico da causa não intervém apenas elementos racionalmente demonstráveis, mas também factores não materializados, visto que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação e/ou na respectiva transcrição.
Contudo, para que possa ser atendida, nesta sede, a divergência quanto ao decidido em 1.ª instância no julgamento de facto deverá ficar demonstrado, pelos meios de prova indicados pelo recorrente, a ocorrência de um erro na apreciação do seu valor probatório, exigindo-se, para tanto, que tais elementos de prova sejam inequívocos quanto ao sentido pretendido por quem recorre, ou seja, neste domínio, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, o que significa que o Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida.
Nesta perspectiva, e perante a análise dos elementos presentes nos autos, com a consideração de todos os meios probatórios, entende-se que o Recorrente nada aponta no sentido de sustentar o invocado erro de julgamento de facto, pois que não dá o mínimo acatamento ao que ficou exposto no sentido de apontar especificamente não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida, o que implica a rejeição do recurso nesta sede.
Quanto à questão da culpa, e na medida em que tal responsabilidade é aferida pela lei vigente ao tempo do nascimento das dívidas, no caso, perante a aludida norma do artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT, ultrapassada que está a questão da gerência (que o oponente não colocou em crise), é ponto assente que o Recorrente não logrou provar, como lhe competia, que não foi por culpa sua que o património da sociedade executada se tornou insuficiente para solver tais dívidas, sendo que, não provando esta falta de culpa na diminuição do património, como lhe cabia, não poderia também, por este fundamento, a oposição deixar de improceder.
Neste ponto, cumpre notar que a lei estabelece aqui uma presunção de culpa do gerente pelo não pagamento do imposto e para ilidir esta culpa o oponente terá que fazer prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento do tributo, ou seja, terá de alegar e provar factos dos quais resultem que a impossibilidade do pagamento - porque não está em causa o acto do não pagamento, mas a impossibilidade de efectuar tal pagamento.
Ora, a posição do ora Recorrente estava condenada ao insucesso ab initio, pois que não são alegados quaisquer factos que demonstrem que não foi por culpa sua que o património da executada originária se tornou insuficiente para satisfação dos créditos fiscais.
Com efeito, na sua petição inicial, o ora Recorrente dedicou seis artigos a esta questão, com o seguinte teor:
“(…) 18. O oponente não teve qualquer culpa na diminuição do património societário, nem lhe pode ser imputável a falta de pagamento das dívidas tributárias por parte da sociedade.
19. A verdade é que a actuação do oponente não pode nunca ser censurável e, portanto, nunca lhe poderá ser atribuída uma qualquer culpa pelo não cumprimento, por parte da EXECUTADA, das respectivas obrigações tributárias.
20. Recorde-se, para que exista culpa tem de verificar-se a violação de uma obrigação previamente estabelecida, sendo que o ÓRGÃO DE EXECUÇÃO FISCAL não indicou qual a obrigação alegadamente infringida pelo oponente, não cumprindo o seu dever legal de fundamentação.
21. A falta de pagamento é unicamente imputável à “P&F, LDA”, cabendo aos gestores a função de cumprir as obrigações que decorrem da lei.
22. É manifesto que o Oponente não praticou qualquer acto que impedisse a sociedade executada, de cumprir com as suas obrigações tributárias, nem contribuiu para a diminuição do respectivo património societário.
23. Pelo Exposto, não pode ser o Oponente responsável subsidiário pelas dívidas da sociedade executada, porquanto não se encontra preenchido o requisito do artigo 24.º, n.º 1, alínea a) e b) da LGT. (…)”.
Pois bem, perante esta alegação, claramente conclusiva, sendo que estão em causa dívidas relativas ao período de exercício do seu cargo, não constitui surpresa o facto de a pretensão do Recorrente estar condenada ao insucesso.
Além disso, perante o que fica exposto, resulta também claro que a pretensão do Recorrente em sede de erro de julgamento de facto nunca poderia ser atendida, na medida em que, ainda que tivesse cumprido com os ditames da lei neste âmbito, o Tribunal não poderia conceder abrigo ao exposto, porquanto, os factos descritos não foram alegados em sede de petição inicial, o que inviabiliza a sua consideração para o efeito pretendido.
Na verdade, aquilo que se retira do exposto é que o Recorrente deveria ter alegado tal matéria em sede de petição inicial no sentido de dar sentido ao exposto nas alegações acima descritas que, por si só, nada valem nesta sede, comprometendo qualquer possibilidade de êxito do Recorrente na sua demanda.
A partir daqui, independentemente da análise mais generosa vertida na decisão recorrida, que ponderou alguns elementos que, como vimos, não poderiam ser considerados nos autos, resta apenas, como é natural, constatar que a factualidade apurada nos autos é insuficiente para permitir uma percepção da realidade em termos de se afirmar que o Recorrente não é responsável pela falta de pagamento das liquidações que constituem a dívida exequenda, até porque, como se disse, trata-se de matéria que teria de ser explicitada e desenvolvida em termos de evidenciar o comportamento da sociedade executada e dos seus administradores, nomeadamente o ora Recorrente, o que implicava a descrição da evolução da actividade da sociedade durante o período em que surgiram as dívidas exequendas para traduzir de forma cabal as condições e de que forma se desenvolveu a actividade da sociedade e a situação da mesma na altura em que deixou a referida sociedade para, com este enquadramento, se poder evidenciar a reclamada ausência de culpa do Recorrente pela falta de pagamentos das liquidações que constituem a dívida exequenda, o que significa que tem de concluir-se, como fez a decisão recorrida, no sentido de que o Recorrente não fez prova de tal matéria, pois que, repete-se, no regime do artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT, porque beneficia da presunção legal de que o gerente agiu culposamente, a AT não tem que provar essa culpa – cfr., neste sentido, o Acórdão deste TCA Norte, de 14/01/2016, proferido no âmbito do processo n.º 672/13.6BEBRG.
Daí que, na improcedência das conclusões da alegação do Recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências, negando, por conseguinte, provimento ao presente recurso jurisdicional.
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Conclusões/Sumário
I - Para afastar a responsabilidade subsidiária pelas dívidas de impostos cujo termo do prazo para pagamento ou entrega terminou durante o período da sua administração, é necessária a demonstração de que não é imputável aos gerentes ou administradores das sociedades a falta de pagamento ou de entrega do imposto [artigo 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT].
II - Neste caso, existe uma presunção legal de culpa, recaindo sobre o administrador ou gerente o ónus da prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento ou de entrega da prestação tributária.
III - Não tendo o responsável subsidiário feito prova que a falta de pagamento não lhe era imputável, é o mesmo parte legítima na execução.
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IV. Decisão
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em negar provimento ao recurso.
Custas a cargo do Recorrente, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido, na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
Porto, 23 de Maio de 2019
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Cristina Travassos Bento
Ass. Paulo Ferreira de Magalhães