Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00013/19.9BELSB |
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Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
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Data do Acordão: | 04/21/2023 |
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Tribunal: | TAF de Coimbra |
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Relator: | Luís Migueis Garcia |
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Descritores: | RESPONSABILIDADE; PRESCRIÇÃO; |
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Sumário: | I) – «O momento a partir do qual se inicia a contagem do prazo de prescrição é aquele em que o lesado teve «conhecimento do direito que lhe compete» [art. 498.º, n.º 1, do Código Civil], conhecimento este que não é, ou não significa, necessariamente conhecer na perfeição e na sua integralidade todos os elementos que compõem o dever de indemnizar, não se traduzindo na consciência de que haja uma possibilidade legal de ressarcimento.» (Ac. do STA, Pleno, de 07-05-2020, proc. n.º 02142/13.3BELSB).* * Sumário elaborado pelo relator (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
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Votação: | Unanimidade |
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Meio Processual: | Acção Administrativa Comum |
Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | ![]() |
1 | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: AA (Rua ..., ..., ...) interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF de Coimbra, que, em acção administrativa intentada contra o Estado Português, julgou “procedente a excepção peremptória de prescrição do direito do autor à indemnização, absolvendo o réu da instância”. Conclui: 1º. Por sentença de 29/11/2022 foi julgada procedente a exceção perentória de prescrição do direito do autor à indemnização reclamada na presente ação, pondo, assim, termo ao processo, sem qualquer decisão sobre o mérito da causa. 2º. O recorrente não pode conformar-se com essa sentença, porque a mesma parte do pressuposto de que os documentos juntos pelo ora recorrido na sua contestação são genuínos e autênticos, mas a verdade é que a grande maioria foi impugnada pelo recorrente em sede de réplica, designadamente o doc. ..., que foi considerado para julgar provado o facto 3 na sentença, o qual é falso! 3º. Além disso, os fundamentos que determinaram a procedência da exceção invocada pelo Réu na sua Contestação resumem-se aos prazos de contagem da prescrição do direito à indemnização, considerando o douto tribunal a quo que tal prazo começou a contar em 06/10/2008 e, por isso, o direito é tido como prescrito desde 07/10/2011. 4º. No dia 06/10/2008, o recorrente ficou a saber que os benefícios SAD lhe tinham sido retirados, tenho-lhe sido explicado que tal ocorreu porque entrou em vigor um novo Decreto-Lei que fez alterar o regime de beneficiários. Nesse momento, sentiu-se simplesmente injustiçado, procurou esclarecimentos por todas as vias e até deu entrada de ação judicial com o pedido único de reposição dos benefícios. 5º. Apenas em 10/02/2017, na sequência da citação para a mencionada ação, é que foi proferido despacho para reposição dos benefícios médico-social (SAD) de aposentado da PSP, momento que coincide com o preenchimento de todos os pressupostos da responsabilidade civil do Estado, porquanto até esse momento não tinha sido reconhecida a ilicitude do ato pelo qual foram cessados os benefícios (vide nesse sentido, Ac. TCAS, 22/06/2017, proc. n.º 08572/12; Ac. TCAS, 04/10/2018, Proc. n.º 1909/16.5BELSB; Ac. TCAS, 18/06/2020, Proc. n.º 1200/16.7BESNT-A). 6º. Antes dessa data o recorrente não podia reclamar esse direito, porque o ato de cessação dos benefícios era tido como lícito. Afirmar-se o contrário, nos termos da sentença recorrida, é afirmar-se que os danos não patrimoniais são indemnizáveis independentemente do direito aos benefícios e independentemente da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil! 7º. A obrigação de indemnizar depende da verificação cumulativa dos pressupostos da responsabilidade civil previstos no art.º 483º do Código Civil, pelo que só no momento do reconhecimento do direito à reposição é que os mesmos foram integralmente preenchidos, uma vez que sem o reconhecimento do erro, não existe ilicitude e, consequentemente, inexiste direito a indemnização pela privação dos benefícios. 8º. Além disso, a jurisprudência afirma que o próprio ato de reconhecimento do direito implica a interrupção da prescrição (vide Ac. do TRG, proferido em 27/04/2017, no âmbito do processo n.º 50/14.0TBMLG.G1) 9º. O recorrente só em 2017 é que teve conhecimento do direito à indemnização por danos não patrimoniais – porque só nesse ano é que se reuniram os elementos que constituíram o próprio direito -, assim como só na mesma data é que foi reconhecida a eventual responsabilidade do Estado no pagamento da indemnização reclamada. 10º. Na verdade, não começa sequer a correr nenhum prazo de prescrição do direito a indemnização sem que exista o direito e, in casu, o direito só se constituiu em 2017, sendo que mesmo que assim não fosse, a anterior ação apresentada pelo recorrente para reposição dos benefícios teria interrompido todos os prazos de prescrição para reclamação de direitos conexos. 11º. Por fim, o recorrente entende que a decisão proferida é discriminatória face à sua anterior situação de reclusão e de toxicodependência, atentando contra o princípio da igualdade constitucionalmente previsto no artigo 13º CRP. O recorrido contra-alegou, concluindo: 1 – Face ao disposto no artigo 498º, nº 1, do Código Civil, aplicável «ex vi » do artº 5º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas (RRCEEDEP ), aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31/12, o prazo de prescrição de três anos do direito de indemnização, fundado em responsabilidade civil extracontratual do Estado, começa a correr a partir da data em que o lesado teve conhecimento da verificação dos pressupostos que definem essa responsabilidade; 2- O antedito conhecimento consubstancia-se na mera consciência da possibilidade legal de ressarcimento dos danos, bastando que o lesado saiba que tem direito a indemnização pelos danos que sofreu; não implica, assim, um conhecimento jurídico, já que basta que o lesado conheça os factos constitutivos desse direito, ou seja, que foi praticado um ato que lhe causou danos; 3 - A prescrição, face ao disposto no artigo 323º, nºs 1 e 4, do Código Civil, apenas se interrompe pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, bem como através de qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do ato àquele (ou seja, à entidade) contra quem efetivamente o direito pode ser exercido; 4 - É que o facto/ato interruptivo da prescrição, por ser meramente pessoal, consiste no conhecimento que teve o concretamente obrigado, através da citação ou notificação judicial, de que o titular pretende exercer o direito, não se bastando a lei com uma qualquer citação, mas tão-somente com a que respeite a qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito face à entidade contra quem o direito pode ser exercido; 5- No caso dos autos, o recorrente (Autor) tomou conhecimento da perda da sua qualidade de beneficiário do SAD/PSP no dia 6 de outubro de 2008, o que significa que foi nessa data que teve conhecimento do alegado facto ilícito, pressuposto da responsabilidade civil extracontratual do Estado; 6- Destarte, o prazo de prescrição começou a correr no citado dia 6 de outubro de 2008 e, dado que não se verificou qualquer causa de interrupção nos três anos seguintes, o direito de indemnização que o Autor entende assistir-lhe prescreveu em 6 de outubro de 2011; 7- Não infirma essa constatação a circunstância alegada pelo Autor/recorrente de que «só em 2017 é que teve conhecimento do direito à indemnização por danos não patrimoniais – porque só nesse ano é que se reuniram os elementos que constituíram o próprio direito -, assim como só na mesma data é que foi reconhecida a eventual responsabilidade do Estado no pagamento da indemnização reclamada», pois que, conforme referido na douta sentença recorrida, citando o Acórdão do TCAS, de 09/09/2021 [proc. nº 354/18.2BEALM]: «O início do prazo prescricional não está dependente do conhecimento jurídico, pelo lesado, do respectivo Direito (…) Considera-se que o lesado passa a conhecer do seu direito indemnizatório e que o pode exercitar logo que saiba que determinado evento ilícito ocorreu, se concretizou»; 8- Assim, na data em que o Autor/recorrente, propôs a presente ação [03.01.2019] e que o Réu Estado Português foi citado [11.03.2019], há muito que já havia sido ultrapassado o prazo de 3 anos previsto no nº 1 do artigo 498º do CC; 9 – Sem prejuízo, e por mera cautela, em resposta ao alegado pelo Autor/recorrente: - Na ação administrativa nº 1/17.0BECBR intentada pelo Autor/recorrente contra o Ministério da Administração Interna e Polícia da Segurança Pública não houve qualquer intervenção do Estado Português (ou do Ministério Público, como seu legal representante, nos termos do disposto nos artigos 10º e 11º do CPTA), pois o mesmo não foi demandado nem citado; - Destarte, a citação dos Réus nessa ação nunca poderia servir de suporte a uma suposta interrupção de prescrição face ao Réu Estado Português, já que no âmbito das mesmas, relativamente a este, não se verificou qualquer «citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito» (cf. artigo 323º do CC); 10 – Em suma, encontra-se verificada a exceção perentória de prescrição, estando todos os danos peticionados pelo Autor/recorrente inelutavelmente prescritos; 11 – Pelo que deve a pretensão do Recorrente soçobrar, negando-se, portanto, provimento ao recurso, e mantendo-se, em consequência, a douta decisão judicial objeto do recurso interposto pelo Autor. * Dispensando vistos, cumpre decidir. * Os factos, fixados na sentença como provados: 1. A 26/04/1994, a Junta de Saúde considerou o réu incapaz para todo o serviço activo da PSP, o qual foi desligado do serviço na data da incapacidade (cf. documento nº ... junto com a contestação, relativo à Ordem de Serviço nº ...6 da PSP ..., de 06/05/1994); 2. A partir 01/07/1995, o réu passou a ser abonado na sua pensão de Guarda de 2ª Classe, pela Caixa Geral de Aposentações (cf. documento nº ... junto com a contestação, relativo à Ordem de Serviço nº ...55 da PSP ..., de 21/07/1995, publicada no Diário da República, nº 148, de 29/06/1995, II Série); 3. Em 06/10/2008, a Subsecção de Pessoal do Comando Distrital de Coimbra da Polícia de Segurança Pública dirigiu um ofício ao Director do Departamento do SAD, tendo por assunto “Recolha de Cartão de Identificação” e de que consta o seguinte texto: “Conforme foi solicitado telefonicamente por esse Departamento a este Comando, compareceu neste serviço o Agente apos. compulsivamente nº ...-AA, tendo o mesmo informado que faria a devolução do cartão pessoalmente, no Departamento do SAD (Lisboa)” (cf. documento nº ... junto com a contestação, estando autografado pelo Comandante, Intendente BB); 4. Datado de 28/09/2016, o Departamento de Saúde e Assistência na Doença da PSP, dirigiu ao Director de Recursos Humanos da PSP, a comunicação com a referência 9.042/DAD/DSAD/16, com o assunto “reposição de benefícios em vigor para aposentados – pedido de informação, aposentado M/... – AA”, com o seguinte conteúdo “(…) cumpre-nos informar V. Ex. que com a entrada em vigor do (…) Regime Jurídico do Subsistema de Saúde e Assistência na Doença da Polícia de Segurança Pública (SAD/PSP), houve a necessidade, à data, de se proceder à reinscrição dos beneficiários titulares e familiares do Subsistema, incluindo o Guarda de 2ª Classe, na situação de Aposentação M/... AA. Por sua vez, à data constava no Sistema de Informação do SAD/PSP a indicação de que se encontrava aposentado compulsivamente desde 1 de fevereiro de 2007 (Cfr. Doc. ...). O Comando Distrital da Polícia de Segurança Pública, através da Comunicação nº SAD/327 de 6 de outubro de 2008, também menciona a situação da aposentação compulsiva do Guarda de 2ª Classe (…). Por sua vez, nos termos da alínea b) do art. 4° do Decreto-Lei n° 158/2005, de 20 de setembro implica a perda da qualidade de beneficiário titular do SAD/PSP, os elementos de Pessoal com Funções Policiais aos quais tenha sido aplicada uma pena disciplinar que implique a perde de vínculo à PSP, incluindo a que resulte de reforma ou aposentação na sequência de sanção disciplinar. Foi com base na informação existente no sistema de informação conjugado com o estatuto (…) que foram suspensos os direitos ao SAD/PSP do Guarda de 2ª Classe (…) AA. Por último, de acordo com a informação transmitida pelo Gabinete de Deontologia e Disciplina da Direção Nacional da PSP, apesar do Guarda de 2ª Classe, na situação de Aposentação M/..., AA, ter cumprido pena efectiva de prisão, não lhe foi instaurado qualquer procedimento disciplinar (…). Assim, na eventualidade de V. Exas não disporem de informação em contrário que permita manter a suspensão do direito ao SAD/PSP, este Departamento, logo que obtenha conhecimento do despacho que recair sobre o requerimento formulado pelo Ex.mo Senhor Dr. CC, advogado, irá proceder à atribuição dos respectivos benefícios do SAD/PSP, informando a Caixa Geral de Aposentações, entidade processadora da pensão (…) AA, para efectuar os respectivos descontos (…)” (cf. documento nº ... junto com a contestação); 5. A 10/02/2017, o Director Nacional da PSP proferiu o seguinte despacho com o assunto “perda de qualidade de beneficiário do SAD/PSP do ex-Guarda de 2ª Classe AA”, com o seguinte texto: “1. O ex-Guarda (…) AA, com os demais sinais nos autos, requereu, em 21 de julho de 2016, que lhe fossem repostos os benefícios do SAD/PSP em vigor para os aposentados da PSP. 2. Atendendo a que não foi obtida resposta ao seu requerimento, o A. interpôs, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, uma ação administrativa na qual pede a condenação da Direção Nacional da PSP a praticar ato administrativo consubstanciado na reposição dos benefícios do SAD/PSP. 3. Compulsado o conteúdo da petição inicial, bem como as informações sobre o assunto disponibilizadas pelo Departamento de Saúde e Assistência na Doença e pelo Gabinete de Deontologia e Disciplina, ambos da Direção Nacional da PSP e pelo Núcleo de Deontologia e Disciplina do Comando Metropolitano de Polícia de Lisboa, verifica-se que o A. reúne os requisitos necessários para que lhe seja conferida a categoria de beneficiário titular do SAD/PSP. 4. Nestes termos, determino que sejam repostos os benefícios do SAD/PSP ao ex-Guarda de 2ª Classe, AA. 5. Determino, ainda, que o presente despacho seja comunicado ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, nos termos do disposto no artigo 8°, n° 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e, desde já, ao A. e ao seu ilustre mandatário. 6. Determino, por fim, que o Departamento de Saúde e Assistência na Doença da PSP proceda aos trâmites necessários com vista à reposição dos benefícios do SAD/PSP.” (cf. documento ... junto com a petição inicial); 6. A 03/01/2019, o autor deu entrada no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa da petição inicial que iniciou a instância do presente processo (cf. petição inicial a fls. 1 dos presentes autos). * A apelação: O tribunal “a quo” julgou “procedente a excepção peremptória de prescrição do direito do autor à indemnização, absolvendo o réu da instância”. Depois de um enquadramento geral, verteu: «(…) O autor, no dia 06/10/2008, compareceu, em ..., para devolver o cartão do SAD, tendo declarado que faria a devolução, pessoalmente, em Lisboa (facto 3.). De acordo com as regras da experiência comum, o autor, ao ser informado que lhe estava a ser exigida a devolução do cartão de beneficiário do SAD/PSP, terá tomado conhecimento, pelo menos naquele momento que, tinha perdido a qualidade de beneficiário daquele subsistema de saúde. É uma presunção que se retira das regras de ciência do quotidiano (art. 351º CC). Escorando esta presunção, está a aparente irrazoabilidade da situação de o autor, estando em ... e, em vez de entregar o cartão naquele instante, tenha declarado fazer ponto de honra em entregar o cartão, pessoalmente, em Lisboa – no que é uma clara tentativa de manter o cartão na sua posse e os correspondentes benefícios. Pelo que, o Tribunal conclui que o autor, pelo menos a 06/10/2008, teve conhecimento dos elementos fácticos que constituíam o seu direito à indemnização. Sublinhemos, a traço grosso, que o autor não pede o ressarcimento de danos patrimoniais, mas sim, os danos não patrimoniais decorrentes da sua exclusão do subsistema de saúde da PSP. Ou seja, não estão em causa as consequências materiais do seu afastamento daquela protecção previdencial, mas sim, a impossibilidade, querendo, a ela recorrer não o poder fazer, os danos resultantes em ansiedade, transtorno e angústia de se ver privado de um apoio que invoca ser importante para si. Ora, a produção desse dano inicia-se com a ordem da entrega do cartão do SAD e saber-se excluído do subsistema de saúde da PSP, e acontece porque tem conhecimento dos elementos fácticos que compõem o seu direito. Perdoe-se o plebeísmo, mas naquele momento o autor sabe que algo de errado aconteceu. Portanto, a 06/10/2008, o autor tomou conhecimento dos elementos fácticos que constituíam o seu direito à indemnização e, nesse momento, verificou-se o termo inicial do prazo de prescrição previsto no art. 498º/1 CC, de 3 anos. O autor não alegou quaisquer factos que, de acordo com a lei, possam implicar a suspensão ou interrupção da prescrição (arts. 318º e ss. CC). Assim, a prescrição viu o seu termo final ocorrer a 06/10/2011. A presente acção foi proposta a 03/01/2019 (facto 6.), altura em que já estava prescrito o direito do autor à indemnização. E, é pelo já indicado, que a alegação do autor, que apenas teve conhecimento de todos os elementos do seu direito a 10/02/2017, com o despacho de reposição dos benefícios do SAD/PSP (facto 5.) não colhe. “O início do prazo prescricional não está dependente do conhecimento jurídico, pelo lesado, do respectivo Direito, bastando que aquele tenha a consciência da verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade - a existência de facto ilícito e culposo e a verificação dos prejuízos, com nexo de causalidade entre aquele e estes; VI - Considera-se que o lesado passa a conhecer do seu direito indemnizatório e que o pode exercitar logo que saiba que determinado evento ilícito ocorreu, se concretizou, e desde que verifique a existência de danos, daí decorrentes. Exige-se uma mera percepção subjectiva, que se alheia à certeza do Direito, isto é, não tem o lesado de estar ciente dos fundamentos legais, da razão jurídica que justifica o seu Direito, bastando-lhe o conhecimento fáctico da situação que funda os prejuízos e a consciência da possibilidade legal de ser ressarcido desses prejuízos através de uma indemnização; VII - Para a aferição do que seja o conhecimento pelo lesado do seu direito de indemnização, importa apurar, casuisticamente, das circunstâncias que objectivamente justificam que aquele lesado deva ter tal conhecimento. Haverá que avaliar se aquelas circunstâncias concretas permitiriam a um qualquer hipotético lesado, usando de uma diligência média, percepcionar ou consciencializar da existência de um direito a ser indemnizado12”. Deve-se então confrontar, de um lado as circunstâncias concretas do caso e, do outro, um padrão de lesado comum, minimamente diligente. Deste quadro confrontacional, o Tribunal deve extrair uma de duas conclusões: naquele momento o lesado-padrão teria tido conhecimento do seu direito a ser indemnizado e, por isso, ter-se-á iniciado a contagem do prazo da prescrição ou, de outro modo, não é exigível a percepção do seu direito e não é posta em marcha a contagem do prazo. Sendo claros. Este é um cenário para o qual o Tribunal (sobretudo na ordem jurisdicional administrativa e fiscal) está especialmente habilitado a formular um juízo, visto ser frequente no seu quotidiano serem chamados a decidir pretensões de entidades que se consideram no direito a serem indemnizadas. E a resposta é que, perante aquelas concretas contingências, um lesado comum teria tido conhecimento do seu direito indemnizatório aquando das circunstâncias ocorridas a 06/10/2008 (facto 3). O despacho de 10/02/2017 é apenas a assumpção, pelo réu, de que, efectivamente, o autor tem direito a usufruir do SAD/PSP, sem projecção sobre a percepção do direito a ser indemnizado. E nem poderia ser alcandorado em critério, caso contrário, haveria prazos que nunca correriam, dado que a administração poderia nunca reconhecer um erro. ✧ A prescrição é uma excepção peremptória, cuja verificação extingue o direito do autor, importando a absolvição do pedido (art. 89º/3 CPTA), prejudicando conhecimento das demais questões. (…)». O direito dito prescrito identifica-se na própria pretensão formulada a juízo, em que o Autor «requer a condenação do ESTADO PORTUGUÊS, a pagar, a título de danos não patrimoniais, em virtude dos transtornos sofridos pela não concessão do benefício de assistência médica, durante 12 (doze) anos, uma quantia não inferior a 100.0000,00€ (cem mil euros), com base nos artigos 7º, nº 1 e 9º, nº 1 da Lei 67/2007 de 31 de Dezembro, com correção monetária e juros vincendos até o seu efetivo e integral pagamento.». Os traços fundamentais da causa de pedir podem recolher-se nos seguintes passos de alegação: “A presente ação tem por objeto constitutivo da Responsabilidade Civil a prática de um ato administrativo pela PSP que privou o Autor, durante um período de 12 (doze) anos (desde 2005 até 10 de fevereiro de 2017) de usufruir dos benefícios de assistência médica que fazia jus (art.º 6º da p.i.) (…) deixaram de subsidiar as suas despesas médicas no ano de 2005, sem qualquer decisão e muito menos notificada ao Autor (art.º 12º da p.i.) (…) esteve privado da assistente médica teve de recorrer ao Serviço Nacional de Saúde, que durante os 12 anos que esteve privado do benefício da SAD/PSP foi quem emitiu as receitas e as consultas necessárias ao seu estado clínico (art.º 15º da p.i.) (…) requereu a Polícia de Segurança Pública, a reposição dos benefícios para aposentados da PSP e, caso o pedido não fosse acatado, o Autor ainda pediu um esclarecimento acerca dos motivos subjacentes ao tratamento desigual que estava sendo vítima (art.º 16º da p.i.) Todavia, não houve qualquer resposta por parte da PSP aos pedidos formulados até o dia 10/02/2017, data esta em que o Diretor Nacional da PSP emitiu um despacho e (…) determinou que o Departamento de Saúde e Assistência na Doença da PSP procedesse aos trâmites necessários para a reposição dos benefícios do SAD/PSP (art.º 17º da p.i.) (…) após a interposição junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra da ação administrativa nº 1/17.0BECBR, na qual se pedia a condenação da Direção Nacional da PSP a praticar ato administrativo consubstanciado de reposição de tais benefícios (art.º 18º da p.i.) (…) As delongas da justiça e reposição de tal benefício causaram danos não patrimoniais ao Autor, nomeadamente, a incerteza dos tratamentos que poderia ou não fazer, à espera de respostas das entidades sobre a reposição dos benefícios, o Autor não pôde organizar-se, sofreu de ansiedade, angústia, preocupações e aborrecimentos (art.º 22º da p.i.). Esta alegação tanto alude à “prática de um ato administrativo pela PSP que privou o Autor, durante um período de 12 (doze) anos (desde 2005 até 10 de fevereiro de 2017) de usufruir dos benefícios de assistência médica que fazia jus (art.º 6º da p.i.), como refere que “deixaram de subsidiar as suas despesas médicas no ano de 2005, sem qualquer decisão e muito menos notificada ao Autor”. O recorrente tem logo primeira atenção para com - reproduzindo o que tinha sido levado a contestação (art.º 9º) - o ponto 3 do elenco probatório: «3. Em 06/10/2008, a Subsecção de Pessoal do Comando Distrital de Coimbra da Polícia de Segurança Pública dirigiu um ofício ao Director do Departamento do SAD, tendo por assunto “Recolha de Cartão de Identificação” e de que consta o seguinte texto: “Conforme foi solicitado telefonicamente por esse Departamento a este Comando, compareceu neste serviço o Agente apos. compulsivamente nº ...-AA, tendo o mesmo informado que faria a devolução do cartão pessoalmente, no Departamento do SAD (Lisboa)” (cf. documento nº ... junto com a contestação, estando autografado pelo Comandante, Intendente BB)». Não se estranha que o réu assim tenha avançado em contestação, perante a indefinição a que o autor inicialmente reporta privação de benefício, em 2005, quer pela “prática de um ato administrativo”, como dando nota da ausência de “qualquer decisão e muito menos notificada ao Autor”. Perante esta indefinição, o sucedido quanto à “Recolha de Cartão de Identificação” terá sido introduzida em reforço da excepcionada prescrição do direito do Autor, de modo a concluir que “desde o ano de 2005 conforme ele refere, ou pelo menos desde 06.10.2008 o Autor teve conhecimento da sua situação, designadamente que teria que devolver o cartão da SAD, e que consequentemente lhe tinham sido retirados os benefícios de assistência médica que detinha” (art.º 10º da contestação). Efectivamente, por linha mais segura, uma vez que a indefinição a pretérito não serve/serviria o ónus a quem quer invocar a excepção. Vendo, então; se 2008 pode servir em seguro marco. O Autor tem razão em afirmar que o documento nº ... junto com a contestação foi impugnado; efectivamente, em réplica, veio expressar que “impugna expressamente o documento n.º ... junto com a douta contestação, porquanto, o Autor não tem conhecimento do mesmo, nem tem obrigação de conhecer, sendo um documento interno da PSP.” (art.ºs 14º da p. i.). Independentemente do que possa dizer-se quanto à reprodução do teor documento no elenco probatório - em abstracto admissível, ou não, consoante diversas matizes dos casos -, certamente que reproduzir o teor do documento sob item 3. do elenco probatório não pode manter-se. Foi impugnado; não existiu qualquer actividade instrutória para dilucidação. Expurgado fica do referido elenco. Mas não invalida o seguinte, que acaba por oferecer coincidência de termo. Os documentos não são factos, mas antes meios de prova. E, cuidando dos factos. Pese a determinada eliminação do elenco probatório do teor do documento, não deixa de se constatar a alegação do réu de que “desde 06.10.2008 o Autor teve conhecimento da sua situação, designadamente que teria que devolver o cartão da SAD, e que consequentemente lhe tinham sido retirados os benefícios de assistência médica que detinha”. Confrontado com tal alegação, o Autor não rebateu e antes confirmou que, efectivamente, foi “ notificado em 2008 para entrega do cartão” (art.º 20º da réplica). Pelo que mais vem de contexto (cfr. 4. e 5. do probatório), tudo terá sido consequência relativa a uma situação disciplinar, de que terá frutificado erro relativo à perda da situação estatutária. De todo o modo, o que não oferece qualquer dúvida é que merece a efectiva aquiescência do Autor que “No dia 06/10/2008, o recorrente ficou a saber que os benefícios SAD lhe tinham sido retirados” (conclusão 4ª); pelo menos por referência a tal tempo. Portanto, não controvertido se encontra que pelo menos desde 06.10.2008 o Autor obteve conhecimento de lhe tinham sido retirados os benefícios SAD. Não carece de prova, pode dar-se como assente; pode, e deve, ser atendido. E é assim oficiosamente ponderado «nos casos contidos na previsão do nº 1 do citado art. 662º em que a Relação se limita a aplicar regras vinculativas extraídas do direito probatório material, designadamente quando for apresentado pelo recorrente documento superveniente que imponha decisão diversa ou quando o tribunal recorrido tenha desrespeitado a força plena de certo meio de prova, o que nas palavras de Abrantes Geraldes, ocorre, «quando, apesar de ter sido junto ao processo um documento com valor probatório pleno relativamente a determinado facto (arts. 371º, e 376º, nº 1 do CC), o considere não provado»; «quando tenha sido desatendida determinada declaração confessória, constante de documento ou resultante do processo (art. 358º do CC e arts. 484º, nº 1 e 463 do CPC) ou tenha sido desconsiderado algum acordo estabelecido entre as partes nos articulados quanto a determinado facto (art. 574º, nº 2 do CPC)” “situação em que a modificação da matéria de facto passa pela aplicação ao caso da regra de direito probatório material (art. 364, nº 1 do C. C.)». (Sublinhado nosso).» - Ac. STJ, de 17-03-2022, proc. n.º 16995/17.2T8LSB.L2.S1. O fundamento específico da prescrição reside na negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período de tempo tido como razoável pelo legislador e durante o qual ser legítimo esperar o seu exercício, se nisso estivesse interessado; negligência que faz presumir ter ele querido renunciar ao direito, ou pelo menos o torna (o titular) indigno de protecção jurídica (dormientibus non succurrit jus)». A nossa lei, no art.º 306 n.º 1, do Cod. Civil, adotou um sistema objectivo que dispensa qualquer conhecimento, por parte do credor, dos elementos essenciais referentes ao seu direito, iniciando-se o decurso do prazo de prescrição “quando o direito puder ser exercido”; inicia-se quando o direito estiver em condições (objetivas) de o titular o poder fazer acionar, portanto desde que seja possível exigir do devedor o cumprimento da obrigação (Ana Filipa Morais Antunes, Prescrição e Caducidade, 2ª edição, pág. 83); o que, no caso de obrigações puras, ocorre a todo tempo. O direito que o Autor pretende efectivar é direito que tem fonte em responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, “com base nos artigos 7º, nº 1 e 9º, nº 1 da Lei 67/2007 de 31 de Dezembro” [RRCEE]. Neste particular domínio, orienta o art.º 5.º do RRCEE que “O direito à indemnização por responsabilidade civil extracontratual do Estado, das demais pessoas colectivas de direito público e dos titulares dos respectivos órgãos, funcionários e agentes bem como o direito de regresso prescrevem nos termos do artigo 498.º do Código Civil, sendo-lhes aplicável o disposto no mesmo Código em matéria de suspensão e interrupção da prescrição.”. E, conforme resulta do disposto no artigo 498.° n.° 1 do Código Civil,«[o] direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso». Cfr. Ac. do STA, de 08-04-2021, proc. n.º 01200/16.7BESNT-A: «I - A «prescrição» - como excepção material que torna inexigível a obrigação de indemnização - funda-se no não exercício judicial do direito durante determinado lapso de tempo, tendo como pressupostos a disponibilidade do direito pelo seu titular, e a presunção de que o não exercício do mesmo significa a falta de diligência exigível ou vontade de não o fazer valer; II - O termo inicial da contagem do prazo de prescrição […] deverá ser o que resulta dos exactos termos do artigo 498º, nº1, do CC, e não o que resulta da 1ª parte, do nº1, do artigo 306º, do CC, para o qual o artigo 5º da Lei nº67/2007, de 31.12, não remete; III - Mas isto não quer dizer que estejamos perante normas antagónicas, mas antes, no caso do artigo 498º, nº1, perante a fixação especial do termo inicial de contagem do prazo de prescrição que, no fundo, concretiza a norma geral ínsita no dito artigo 306º; IV - O conhecimento, pelo lesado, do direito que lhe compete, de forma a ele, lesado, poder reclamá-lo - nomeadamente perante os tribunais - terá de ser um conhecimento que o habilite a fazê-lo e não um qualquer conhecimento, fruto de conjecturas mais ou menos alicerçadas; V - Uma vez que o «direito que compete ao lesado» emerge da verificação dos requisitos da responsabilidade civil, compreende-se que a jurisprudência dos tribunais superiores tenha acolhido essa verificação, profusamente, como marco a considerar para efeitos de contagem do prazo de prescrição previsto no artigo 498º do CC; VI - Deverá ser um conhecimento que, embora empírico, porque do lesado, se traduza na consciência de que tem direito a indemnização porque alguém o lesou indevidamente. «O momento a partir do qual se inicia a contagem do prazo de prescrição é aquele em que o lesado teve «conhecimento do direito que lhe compete» [art. 498.º, n.º 1, do Código Civil], conhecimento este que não é, ou não significa, necessariamente conhecer na perfeição e na sua integralidade todos os elementos que compõem o dever de indemnizar, não se traduzindo na consciência de que haja uma possibilidade legal de ressarcimento.» (Ac. do STA, Pleno, de 07-05-2020, proc. n.º 02142/13.3BELSB [bold nosso]. O que tira respaldo ao que o recorrente leva às conclusões 5ª, 6ª e 7ª do seu recurso, fulcro essencial da sua discordância: - 5º. Apenas em 10/02/2017, na sequência da citação para a mencionada ação, é que foi proferido despacho para reposição dos benefícios médico-social (SAD) de aposentado da PSP, momento que coincide com o preenchimento de todos os pressupostos da responsabilidade civil do Estado, porquanto até esse momento não tinha sido reconhecida a ilicitude do ato pelo qual foram cessados os benefícios (vide nesse sentido, Ac. TCAS, 22/06/2017, proc. n.º 08572/12; Ac. TCAS, 04/10/2018, Proc. n.º 1909/16.5BELSB; Ac. TCAS, 18/06/2020, Proc. n.º 1200/16.7BESNT-A). - 6º. Antes dessa data o recorrente não podia reclamar esse direito, porque o ato de cessação dos benefícios era tido como lícito. Afirmar-se o contrário, nos termos da sentença recorrida, é afirmar-se que os danos não patrimoniais são indemnizáveis independentemente do direito aos benefícios e independentemente da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil! - 7º. A obrigação de indemnizar depende da verificação cumulativa dos pressupostos da responsabilidade civil previstos no art.º 483º do Código Civil, pelo que só no momento do reconhecimento do direito à reposição é que os mesmos foram integralmente preenchidos, uma vez que sem o reconhecimento do erro, não existe ilicitude e, consequentemente, inexiste direito a indemnização pela privação dos benefícios. No centro de atenção, a questão da ilicitude. Segundo o art.º 9º do RRCEE “Consideram-se ilícitas as acções ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objectivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos” (n.º 1); “Também existe ilicitude quando a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos resulte do funcionamento anormal do serviço, segundo o disposto no n.º 3 do artigo 7.º” (n.º 2)». Cfr. Ac. do STA, de 02-07-2020, proc. n.º 0368/08.0BECTB: «9. Importa, ainda, ter presente que a expressão ter «conhecimento do direito» não é, ou não significa, necessariamente conhecer na perfeição e na sua integralidade todos os elementos que compõem o dever de indemnizar, porquanto, como vimos, deriva desde logo do n.º 1 do art. 498.º do CC que o exercício do direito é independente do desconhecimento da «pessoa do responsável» e da «extensão integral dos danos» [cfr., entre outros, os Acs. deste Supremo Tribunal de 25.09.2008 - Proc. n.º 0456/08, de 08.01.2009 - Proc. n.º 0604/08, de 04.02.2009 -Proc. n.º 0522/08, de 27.01.2010 - Proc. n.º 01088/09, de 25.02.2010 - Proc. n.º 01112/09, de 09.06.2011 - Proc. n.º 0410/11, de 21.11.2013 - Proc. n.º 0929/12, 06.02.2014 - Proc. n.º 01811/13, de 06.02.2014 - Proc. n.º 0512/13, de 10.03.2016 - Proc. n.º 0214/16, de 07.06.2018 - Proc. n.º 0802/17, de 07.05.2020 (Pleno) - Proc. n.º 02142/13.3BELSB, todos consultáveis in: «www.dgsi.pt/jsta» - sítio a que se reportarão todas as demais citações de acórdãos deste Tribunal sem expressa referência em contrário], tanto mais que quanto a este último aspeto é possível quer a dedução de pedido genérico [cfr. arts. 569.º do CC, e 556.º do CPC], quer ainda que a fixação cômputo dos prejuízos seja remetida para momento posterior mediante liquidação através de incidente próprio [cfr. arts. 564.º, n.º 2, e 565.º do CC, 358.º e segs. e 609.º, n.º 2, do CPC] e que anteriormente se realizava em execução de sentença [cfr. arts. 661.º, n.º 2, do CPC na redação anterior à introduzida pelo DL n.º 303/2007 e vigente após 01.01.2008]. 20. Como afirmou este Supremo no seu acórdão de 21.11.2013 [Proc. n.º 0929/12] aquele conhecimento «… “não tem que ser ‘um conhecimento jurídico’, bastando que o lesado conheça os factos constitutivos desse direito, ou seja, esteja em condições de formular um juízo subjetivo, pelo qual possa qualificar aquele ato como gerador de responsabilidade e seja percetível que sofreu danos em consequência dele” …» e, também, no seu acórdão de 06.02.2014 [Proc. n.º 01811/13] que «o prazo prescricional se inicia com o conhecimento dos pressupostos (objetivos) que condicionam a responsabilidade civil; e não com a consciência (necessariamente subjetiva) da possibilidade legal de um ressarcimento. Ou seja: o sobredito “conhecimento do direito” é, no fundo e apenas, o conhecimento dos pressupostos fácticos da responsabilidade civil, sendo despiciendo que o lesado, depois de apreender os constituintes naturalísticos desses requisitos, tenha incorrido numa errada representação das consequências jurídicas que deles resultariam, só mais tarde se apercebendo de que era, afinal, titular de um direito relativamente ao lesante», tanto mais que, e continua, «a circunstância do lesado não ter submetido os factos lesivos a uma determinada perspetiva jurídica, o que equivale a uma “ignorantia legis” (que “non excusat” - art. 6.º do Código Civil), é impotente para alterar o termo inicial do prazo de prescrição, por forma a reportá-lo ao momento em que ele ficara juridicamente esclarecido», para além que o «estabelecimento de prazos prescricionais de direitos indemnizatórios visa, desde logo, instar os lesados a esclarecerem os contornos e as consequências da consabida lesão - a fim de que a discussão dos litígios não se distancie muito dos factos».» [bold nosso]. «Ao determinar que o prazo de prescrição se conta do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito, o art. 498 quer sublinhar que esse prazo é contado a partir da data em que o lesado, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito a indemnização pelos danos que sofreu e não da consciência da possibilidade legal do ressarcimento – vd. Antunes Varela, in "Das Obrigações em Geral", vol. I, 6ª edição, Coimbra, 1989, pag. 596. O início da contagem do prazo especial de três anos não está dependente do conhecimento jurídico, pelo lesado, do respetivo direito, exigindo-se apenas que o lesado conheça os factos constitutivos desse direito, isto é, saiba que o ato foi praticado ou omitido por alguém - saiba ou não do seu carácter ilícito - e dessa prática ou omissão resultaram para si danos.» - Ac. do STJ, de 07-07-2022, proc. n.º 2/19.3YQSTR-G.L1.S1.». [bold nosso]. Sendo relevante o conhecimento do lesado concreto, significa isso que esse conhecimento não implica um conhecimento jurídico, bastando um conhecimento empírico dos factos constitutivos do direito (cfr., p. ex.: Ac. do STA, de 04-06-2020, proc. n.º 0331/12.7BEMDL; Acs. deste TCAN de 05-02-2016, proc. n.º 00949/14.3BEPRT, de 22-10-2021, proc. n.º 00417/16.9BEMDL, de 15-07-2022, proc. n.º 00717/21.6BEPNF, e de 10-02-2023, proc. n.º 01777/21.5BEPRT). O referido despacho não fez “descobrir” uma qualquer ilicitude que não pudesse já antes ter-se como presente e descortinável [muito menos a referida “Acção Administrativa especial de condenação à prática de acto devido” (finda a instância por inutilidade superveniente da lide - 1/17.0BECBR – cfr. dosc. 3 e 4 da p. i.)], objectivamente. Tanto assim que, ainda que não carecendo, ela se mostra subjetivada no espírito do Autor, como fazem perceber as suas iniciativas para “a reposição dos benefícios”, mesmo que sem “qualquer resposta por parte da PSP aos pedidos formulados”, e mesmo a propositura da mencionada acção (“Acção Administrativa especial de condenação à prática de acto devido”, n.º 1/17.0BECBR). Assim, se pelo menos desde 06.10.2008 o Autor obteve conhecimento de lhe tinham sido retirados os benefícios SAD, nessa génese temporal se pode reportar a ilicitude da conduta, começando a correr o prazo prescricional. Sem causas de interrupção ou suspensão, decorrido o prazo de 3 anos, ficou exaurido; sem que se possa opor ao esgotamento do prazo ulterior “ato de reconhecimento do direito”, apenas, veja-se assim o despacho de 10/02/2017, valendo como fonte para obrigação natural. Sem outras específicas questões submetidas a recurso, tudo encaminha, ainda que não por integrais termos de fundamentação, para confirmar o decidido. * Acordam, pelo exposto, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso. Custas: pelo recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário. Porto, 21 de Abril de 2023. Luís Migueis Garcia Conceição Silvestre Isabel Costa |