Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00334/19.0BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/30/2020
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL; EMBATE EM CANÍDEO; LEI Nº 67/2007
Sumário:1 – Em via concessionada, o lesado por acidente de viação tem direito a ser indemnizado, incluindo por danos sofridos pelo veículo, verificados que estejam os demais requisitos da responsabilidade civil.

2 - A demonstração de que a Concessionária de Autoestrada vigia regularmente a mesma, e que no dia do acidente os vigilantes de serviço terão passado pouco tempo antes no local, sem detetar qualquer anomalia ou animal, não é suficiente para ilidir a presunção de incumprimento que recai sobre si, por força do artigo 12.º, n.º 1 da Lei n.º 24/2007, de 18 de julho.

3 – Para ilidir a sua presunção de responsabilidade, impõe-se que a concessionária evidencie, designadamente, que a rede/vedação da via era idónea para prevenir a entrada de cães, como o que esteve envolvido no acidente em causa, demonstrando concretamente que medidas tomou para aumentar/garantir a segurança no local, não sendo suficiente a existência genérica de meios direcionados para todos os aspetos em termos abstratos, sem qualquer garantia de que concretamente evitaria a ocorrência do em causa.
O cumprimento de obrigações de segurança não se restringe à operação de patrulhamentos e à confirmação do estado das vedações, ou à sua mera existência.
É irrelevante a existência de patrulhamentos se não ficar demonstrado, como não ficou, que estão instalados na autoestrada em causa os meios físicos e técnicos tendentes a impedir a entrada de canídeos e outros animais na via.

4 - A ilisão de uma presunção "juris tantum" só é feita mediante a prova do contrário, não sendo bastante a mera contraprova, pelo que o "non liquet" prejudica a pessoa/parte contra quem funciona a presunção.
Sobre a Concessionária impende o ónus de provar a adoção de todas as providências que, segundo a experiência comum e as regras técnicas aplicáveis, fossem suscetíveis de evitar o perigo, prevenindo o dano, o qual não se teria ficado a dever a culpa da sua parte, ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.
Para se ter como ilidida a presunção de culpa da Concessionária não basta a simples prova, em abstrato, de que o mesmo desenvolve ou dispõe de funcionários ou dum corpo técnico que têm por função proceder à fiscalização e reparação das vias sob sua jurisdição, pois tem de ser demonstrado quais são as providências desencadeadas em relação à via pública em questão, a fim de que o Tribunal possa aferir se aquele organizou os seus serviços de modo a assegurar um eficiente sistema de prevenção e vigilância de anomalias previsíveis, exercendo uma adequada e contínua fiscalização.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:A. – Autoestradas (...), SA
Recorrido 1:L., SA
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório

A A. – Autoestradas (...), SA, e a chamada A., SA - Sucursal em Portugal, devidamente identificadas nos autos, no âmbito da ação administrativa, intentada por L., SA, na qual peticionou que lhe fosse atribuído o montante de €7.087,30, acrescida dos respetivos juros de mora vencidos, e vincendos desde a entrada em juízo e até efetivo e integral pagamento, a título de indemnização, pelos danos patrimoniais por si sofridos com a reparação do veículo sinistrado e com as despesas de peritagens e avaliações, decorrentes do sinistro rodoviário ocorrido, na A11, Km 9, sentido (...) - (...), atento o embate do veículo ligeiro de passageiros de matrícula XX-XX-XX, num canídeo de médio porte que se encontrava na hemifaixa esquerda por onde o referido veículo circulava, inconformadas com a decisão adotada no TAF de Braga em 24 de janeiro de 2020, que julgou a Ação parcialmente procedente, condenando-se a Ré a pagar à Autora a quantia de €7.087,30, acrescida de juros de mora legais vencidos e vincendos desde a citação da Ré e até efetivo e integral pagamento, a título de indemnização, vieram, separadamente a apresentar Recurso.
No Recurso apresentado pela A. – Autoestradas (...), SA, em 2 de março de 2020, constam as seguintes conclusões:
“I. Na opinião da R., a sentença não valorizou devidamente (e como se impunha) a matéria de facto e particularmente aquela que a R., ora recorrente, logrou provar, ou seja, os pontos 14, 15, 16 e 17, mas também outros que resultaram da instrução da causa, casos dos pontos 7, 8 e 9;
II. Com efeito, e salvo o devido respeito, em vez o fazer optou por “embarcar” numa linha de argumentação “redonda” e inconsistente, argumentação essa não concreta, não concretizável e sobretudo irrazoável que, além do mais, não tem o mínimo apoio legal, mormente na legislação relevante (p. ex. do Decreto-Lei nº 248-A/99, de 6 de Julho, na redação aplicável do Decreto-Lei nº 109/2015, de 18 de Junho);
III. Na verdade, quando se chama à colação para servir de fundamentação “(…) o procedimento exigível e o grau de cuidado necessário – tipo de vedação e periodicidade dos patrulhamentos – (…)” que alegadamente “(…) terão de ser aferidos em função das características da zona e do tipo de animais ali existentes (…)” isso é o mesmo que dizer nada, atendendo a que, quer uma (a vedação – vide designadamente a alínea a) do nº 4 da Base XXIX), quer a outra (a periodicidade dos patrulhamentos – cfr. alínea f) do nº 3 e nº 4 da Base LV), têm previsão legal no citado diploma legal;
IV. De forma que não é certamente ao “sabor das conveniências argumentativas” ou da ideia que se possa ter sobre o que será eventualmente correto e/ou justo que nos temos de movimentar em matéria de fundamentação de direito, mas é antes atendo-nos ao direito (positivo) que, no caso, é constituído nomeadamente pelo disposto no Decreto-Lei nº 248-A/99, de 6 de Julho, na indicada redação aplicável, já que o sinistro é posterior a 18 de Junho de 2015 (data da alteração e republicação do diploma legal que “mexeu” no diploma legal “original” respeitante à concessão da R.);
V. Curiosamente, a “evolução” que tem vindo a registar aquele diploma legal, em especial, e para o que aqui interessa, a sua Base LXXIII (redação do DL nº 109/2015, de 18 de Junho) que prevê claramente uma exclusão de responsabilidade da concessionária caso sejam observados os critérios definidos no seu nº 2, mostra-nos até que p. ex. “(…) o procedimento exigível e o grau de cuidado necessário (…)” quanto à “(…) periodicidade dos patrulhamentos (…)” passou a obedecer a critérios “mais largos” ou “menos apertados” (uma periodicidade de 4 em 4 horas em vez de 3 em 3 horas e sem obrigatoriedade de patrulhamento durante o turno noturno entre as 23 h e as 7 h), sem que se tenha deixado cair (leia-se: retirado do texto legal) o advérbio de modo – permanentemente (cfr. Base XLIV) – de que esta sentença também lança mão na sua fundamentação;
VI. Ora, considerando que se trata de avaliar, neste como em qualquer outro acidente ocorrido numa autoestrada concessionada a esta R., nomeadamente em que consistem (e qual será, por assim dizer, o respetivo conteúdo) as obrigações de segurança cuja demonstração de cumprimento lhe cabe nos termos do previsto na Lei nº 24/2007, de 18 de Julho, entende a R. que esta alteração à mencionada Base LXXIII (particularmente aos seus nºs. 1 e 2), mesmo que não fosse aqui o caso de o sinistro não ser posterior – e é - à entrada em vigor da nova redação conferida pelo DL nº 109/2015, de 18 de Junho àquela Base LXXIII, é claramente interpretativa e, portanto, deveria ser aplicável aos sinistros anteriores a esse data (18 de Junho de 2015). Ou, no mínimo, sempre deverá ser vista como um importante – decisivo mesmo – subsídio para uma tal avaliação/interpretação necessariamente mais correta e mais conforme à lei;
VII. Sucede, porém, e como, aliás, é manifesto, que a sentença não o fez, “preferindo” um raciocínio e uma linha de argumentação/fundamentação que não tem o mínimo suporte legal e que não permite sequer (por nítida falta de informação/concretização) que se possa perceber em que circunstâncias concretas (e não, aqui sim, meramente “genéricas”) poderia a R. legitimamente (sim, porque é natural que tenha essa expectativa) aspirar a ser absolvida do pedido formulado. Dito isto,
VIII. A Lei nº 24/2007, de 18 de Julho é inaplicável in casu, porquanto só assim poderia acontecer se a autoridade policial tivesse (obrigatoriamente, como diz a lei) verificado no local as causas do acidente, i. e., o nº 1 do artigo 12º daquela Lei só consente a sua aplicação se a “condição” prevista no nº 2 – “Para efeitos do disposto no número anterior (…)” for observada. E não foi, como bem se sabe, embora por opção totalmente injustificada do motorista do veículo seguro na A. que – diz o artigo 6º do C.
C. – não pode invocar em seu benefício o desconhecimento da lei;
IX. Importa dizer que o objetivo que ressalta deste nº 2 não é, na nossa perspetiva, o de limitar ou de impedir a prova do utente e/ou de substituir a decisão dos tribunais por aquela das autoridades policiais no local, mas é, isso sim (e seguramente visando nomeadamente prevenir situações de fraude), o de garantir às concessionárias algum equilíbrio com os utentes em matéria de fardo probatório (cfr. ac. da Relação de Coimbra de 09.03.2010 e ac. da Relação do Porto de 15.12.2010);
X. Está assim – e também por esse motivo - irremediavelmente afastada a hipótese de aplicação do artigo 12º nº 1 da Lei nº 24/2007, de 18 de Julho ao sinistro dos autos, devendo, por isso, e tal como resulta expressa e inequivocamente da Base LXXIII do Decreto-Lei nº 248-A/99, de 6 de Julho, ser este sinistro enquadrado no único âmbito possível da responsabilidade extracontratual;
XI. Por isso, vale neste caso tanto o princípio basilar da responsabilidade civil extracontratual (Cód. Civil, artigo 483º nº 1), como o disposto nos nºs. 1 e 2 do artigo 487º do Cód. Civil, sendo que a aplicação deste último artigo (e concretamente do seu nº 1) não está de modo algum excluída, uma vez que não havia (ou há) presunção legal de culpa a impender sobre a concessionária;
XII. Pelo que incumbia à A., nos termos previstos nos artigos 342º, 483º e 487º do Cód. Civil (e também de harmonia com a citada Base LXXIII), fazer a prova dos factos constitutivos do seu direito e bem assim a prova da eventual culpa da R., de modo que só devia lograr obter a condenação desta R. se tivesse alegado e provado que as vedações da autoestrada se apresentavam com deficiências e que o animal tinha ingressado na via mercê dessas deficiências ou então, e pelo menos, que a R./recorrente sabia da existência de um animal nas vias e nada fez para o remover e/ou sinalizar;
XIII. Assim, sendo patente que a A. não logrou provar nada disso (e que nem sequer alegou qualquer facto a isso respeitante), impunha-se a absolvição da recorrente que, por seu turno, fez a prova do contrário (que não no sentido usado na sentença que, nesse particular, não faz sentido) relativamente ao (bom) estado da vedação. Não obstante,
XII. Mesmo que assim não se entenda, é verdade que com o advento da Lei nº 24/2007, de 18 de Julho se procedeu a uma inversão do ónus da prova (que não da ausência de culpa, mas apenas do cumprimento das obrigações de segurança) que agora impende sobre as concessionárias de AE, assim se criando um regime especial e inovador para este tipo de acidentes, embora – insista-se – sempre filiado na responsabilidade extracontratual;
XIII. Contudo, e como bem se percebe do espírito e do texto da lei (dos nºs. 1 e 2 do artigo daquela lei), mas também do elemento histórico de interpretação (vide projeto de lei nº 164/X do BE), já não corresponde à verdade que com essa lei se tenha estabelecido uma presunção de incumprimento (ou de culpa, ou de ilicitude, ou do que quer que seja) em desfavor das concessionárias, pois que se assim fosse a redação do citado artigo 12º nº 1 seria seguramente outra, bem diferente e seguramente bem mais próxima daquela constante do artigo 493º nº 1 do Cód. Civil;
XIV. Com efeito, e quanto à dita presunção de culpa (ou de incumprimento) nem tal decorre da referida lei, nem tal resulta da Base LXXIII do DL nº 248-A/99, de 6 de Julho (antes ou depois das diversas alterações ocorridas, sublinhe-se), podendo tão-só concluir-se que com a entrada em vigor da lei citada passou a impender um ónus de prova (com aquelas características) sobre as concessionárias de autoestradas (e nada mais que isso, tal como se pode concluir do ac. RG de 23.09.2010, relatado por Amílcar Andrade). Isto para além de não se poder, de forma alguma, concluir que sempre há situações de inversão de ónus de prova se quer(quis) consagrar uma presunção legal de culpa (cfr. Cód. Civil, artigo 344º nº 1);
XV. De outra parte, sendo verdade que a R. se obrigou a vigiar e a patrulhar a autoestrada, assim envidando os seus melhores esforços no sentido de assegurar a circulação na autoestrada em boas condições de segurança e comodidade, daí não decorre que essa sua obrigação implica uma omnipresença em todos os locais da sua concessão como, na realidade (ainda que não o diga de forma expressa, mas lançando mão do advérbio “permanentemente” que manifestamente o indicia, pelo menos), considerou a sentença, mormente nos locais de eclosão de acidentes ou onde possam estar a deambular animais;
XVI. O artigo 12º nº 1 da citada lei faz recair sobre as concessionárias, entre as quais, a recorrente, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança, sendo que no caso dos autos é nítido e indiscutível que a R. satisfez o ónus que lhe competia, i. e., demonstrou que cumpriu com aquelas suas obrigações de segurança, particularmente no que se refere à integridade da vedação e à conformidade desta com as normas em vigor (cfr. ponto 17 dos factos provados) e à vigilância da via no local de eclosão do sinistro (vide pontos 14, 15 e 16 dos factos provados);
XVII. Efetivamente, a definição destas obrigações de segurança passa essencial e obrigatoriamente (como é até intuitivo), num acidente com animais, pela prova de que as vedações ali instaladas eram aquelas que ali deviam estar e que se encontravam intactas e sem ruturas nas imediações (contiguidade, arredores, etc.) do local do acidente;
XVIII. E a verdade é que essa prova foi claramente feita pela R./recorrente, devendo ainda lembrar-se a este respeito, de acordo, aliás, com o plano de controlo de qualidade que resulta nomeadamente provado do depoimento de António Pinto, mas também do diploma legal que rege a concessão da R., que a obrigação da R. assumida a tal respeito da verificação das vedações no âmbito do contrato de concessão designadamente é de uma verificação anual de toda a vedação, o que, de resto, já tinha sucedido na data do acidente destes autos;
XIX. Por outro lado, a R. também demonstrou, sem qualquer espécie de dúvida ou reserva, que desconhecia a presença do animal na via apesar do cumprimento integral (e permanente, no sentido de estar sempre no terreno, embora não esteja, como é evidente, em todo o lado ao mesmo tempo) da sua missão de vigilância e patrulhamento, sendo inequívoco que a última vez que vigiou/patrulhou aquele local antes da deflagração do sinistro tinha acontecido apenas 20 minutos antes da hora dada como provada no ponto 5, i. e., perfeitamente “enquadrada” e contida dentro do intervalo máximo de 4 horas que o contrato de concessão (e o manual de operação e manutenção em vigor à data) lhe exige;
XX. Acresce ainda dizer, tal como resulta em especial dos nºs. 1 e 2 Base LXXIII do diploma legal em vigor (recorde-se: DL nº 248-A/99, de 6 de Julho, na redação do DL nº 109/2015, de 18 de Junho), o cumprimento (e a prova dele, naturalmente) por parte da concessionária/R. do contrato de concessão, do manual de operação e manutenção e do plano do controlo de qualidade impõem como “resultado” que tal constitui causa de exclusão da responsabilidade, mas necessariamente também - e até porque os acidentes não são todos iguais, nem têm todos os mesmos contornos fácticos - um raciocínio diferente daquele que tem sido seguido noutros casos (em especial referimo-nos àqueles que se reportam a eventos anteriores a 18 de Junho de 2015);
XXI. Ora, pela prova produzida (por documentos e testemunhal) não sobra a menor dúvida que esse cumprimento por parte da R. ocorreu (porque, evidentemente, essa prova foi feita pela R. nestes autos), sendo certo que a prova desse cumprimento tem evidentes reflexos/repercussões na demais legislação que poderá ser considerada, quer na definição/preenchimento do que são as obrigações de segurança a cargo da R. neste caso (mesmo que – insiste-se – a Lei nº 24/2007, de 18 de Julho seja inaplicável in casu), quer, por assim dizer, num âmbito mais “geral” (Cód. Civil e RRCEEP), até porque, como é sabido, lex specialis derogat lege generali;
XXII. A não ser assim – i. e., a situarmo-nos num plano em que acaba por se colocar (mesmo que de forma pouco esclarecida) a sentença em matéria de exigência probatória (p. ex. de ter de se provar por onde o animal entrou na AE) -, cairíamos necessariamente no âmbito da responsabilidade objetiva, na prova impossível (e não apenas extremamente difícil ou na chamada probatio diabolica) para a concessionária que não se vê onde esteja prevista, nomeadamente na lei citada (cfr. também e a este propósito o ac. da RC de 10.01.2006, www.dgsi.pt e ainda Carneiro da Frada, “Sobre a responsabilidade das concessionárias por acidentes ocorridos em autoestradas”, in R. O. A., ano 65, Setembro de 205, págs. 407 – 433, mas também do mesmo autor, agora com a colaboração de Diogo A. Costa Gonçalves, o mais recente “Diligência e prova de cumprimento das obrigações da concessionária em acidentes de viação ocorridos em autoestradas”, págs. 155 – 202, integrado na publicação do Instituto Jurídico da F. D. U. C. intitulada “Responsabilidade Civil. Cinquenta Anos em Portugal, Quinze Anos no Brasil”);
XXIII. É, por isso, visível que o raciocínio seguido pela sentença é nitidamente especulativo, pois que parte claramente do princípio (e sem base factual para que o possa fazer) que o animal só poderia ter ingressado na AE devido a uma qualquer anomalia/falha (na vedação?), sem considerar qualquer outra possibilidade/explicação perfeitamente plausível para a presença do animal na via (e a verdade é que essas possibilidades/explicações existem, não se podendo concluir automaticamente que o animal acedeu à via porque p. ex. as vedações apresentavam deficiências ou então que ocorreu uma qualquer anomalia, seja ela qual for);
XXIV. De modo que, e não podendo a recorrente (nem tal lhe sendo exigível) ser omnipresente, não se vislumbra como podia (ou pode) ser responsabilizada pela eclosão deste acidente, tanto mais que nos parece pacífico e totalmente indiscutível que as obrigações a seu cargo são claramente obrigações de meios. E não, portanto, obrigações de resultado (ou obrigações reforçadas de meios, o que quer que isso signifique), como acaba por concluir – sem o dizer, no entanto - a sentença do TAF de Braga (e isto sim, ou seja, a natureza das obrigações da concessionária, merecia uma outra análise bem mais ponderada por parte do tribunal, o que, como se vê, não sucedeu);
XXV. De resto, não sendo possível à recorrente evitar em absoluto que os animais ingressem na AE (cfr. p. ex., e uma vez mais, Carneiro da Frada, nomeadamente no trabalho intitulado “Sobre a Responsabilidade das Concessionárias por acidentes ocorridos em autoestradas” a que antes se aludiu) e, face ao que ficou provado e também ao que decorre do diploma legal que versa sobre a sua concessão, nada mais lhe devendo ser exigível em termos de conduta e de prova, parece claro que se impunha (e isso ainda sucede) a sua absolvição, já que esta demonstrou que cumpriu de forma positiva, em concreto (e não apenas “genericamente” – o que quer que isso signifique) com todas as suas obrigações, concretamente com aquelas de segurança;
XXVI. A sentença violou, salvo o devido respeito, os nºs. 1 e 2 do artigo 12º da Lei nº 24/2007, de 18 de Julho, os nºs. 1 e 2 da Base LXXIII do DL nº 248-A/99, de 6 de Julho, redação do DL 109/2015, de 18 de Junho, o artigo 4º do DL nº 67/2007, de 31 de Dezembro (RRCEEP) os artigos 342º, 483º e 487º nº 2 do Cód. Civil, devendo, por isso, ser revogada em conformidade com o expendido nestas linhas.
Termos em que se deve dar total provimento ao presente recurso e respectivas conclusões, revogando-se a douta decisão de que se recorre, substituindo-se por uma outra que julgue totalmente improcedente a presente ação com base nos argumentos expendidos nesta peça processual, bem como absolva a apelante do pedido, tudo com as necessárias consequências legais e como é de inteira justiça.”

No Recurso apresentado pela chamada A., SA - Sucursal em Portugal, igualmente em 2 de março de 2020, constam as seguintes conclusões:
“I. Com o devido respeito, não apreciou corretamente as questões objeto de decisão, concretamente no que diz respeito à fundamentação de Direito
II. De facto, da prova produzida em sede de audiência de julgamento, seja pelo que se pôde extrair dos documentos juntos aos autos, seja pelos depoimentos das testemunhas, não entende a Interveniente como pôde o tribunal a quo chegar a uma decisão de provimento parcial do pedido.
III. Tendo em conta os pontos 14, 15, 16 e 17 da matéria de facto provada, a Mma. Juíza a quo deveria ter concluído de maneira diferente quanto a estes pontos da fundamentação de direito: 1) Incumprimento do dever especial de fiscalização quanto à segurança na circulação da A11 2) Incapacidade da Ré em ilidir a presunção de culpa nos termos da Lei nº 24/2007 de 18 de Julho;
IV. Considerou a Meritíssima Juíza a quo existir por parte da Ré um incumprimento do “dever especial de fiscalização que sobre si impendia quanto à segurança na circulação da A11 – caracterizando-se a conduta da Ré como ilícita e culposa (negligente) ”.
V. Não concorda a recorrente com tal decisão.
VI. A Ré cumpriu todos os deveres a que estava obrigada em virtude de contrato celebrado com o Estado português (Cedente).
VII. Parece evidente para a Recorrente que a douta Sentença se “desliga” de critérios razoáveis na análise quanto ao cumprimento dos deveres da Ré.
VIII. A Ré passou no local da ocorrência do sinistro vinte minutos antes, pelo que é incontestável o cumprimento dos deveres de fiscalização quanto à segurança na circulação da A11.
IX. Se o Tribunal deu como provado que a Ré realizou devidamente os patrulhamentos a que estava contratualmente obrigada, então está patente o cumprimento genérico das obrigações de vigilância e segurança (Pontos 14, 15 e 16 da matéria provada).~
X. Não se compreende, salvo o devido respeito, como se pode dar como provado que a patrulha da Ré passou no local do sinistro 20 minutos antes da ocorrência, e concluir que por esse motivo estão incumpridas as obrigações de vigilância. Pergunta-se: se esta patrulha, com este reduzido espaço de tempo antes do sinistro, não é suficiente para cumprir a obrigação de vigilância, o que é?
XI. Para além dos patrulhamentos regulares, a Ré cumpriu (e continua a cumprir) também todos os deveres de manutenção da via, nomeadamente no que diz respeito às vedações (Ponto 17 da matéria provada).
XII. Pelo que o animal que terá alegadamente originado o sinistro não se introduziu na via por culpa da Ré, que cumpriu todos os deveres de cuidado e de zelo.
XIII. É pacificamente aceite pela aqui Recorrente a aplicação da Lei n.º 24/2007 de 18 de Junho, em concreto do seu artigo 12º n.º 1.
XIV. Note-se, que a referida Lei apenas prevê a inversão do ónus da prova e não a presunção de culpa da Concessionária, sendo que esta sempre poderá fazer (como fez) prova do cumprimento dos deveres de vigilância, conservação e manutenção a que se obrigou.
XV. Ora a Ré, cumpriu o ónus que lhe competia nos termos e para os devidos efeitos da referida Lei, nomeadamente quanto aos deveres de vigilância e manutenção da via onde ocorreu o sinistro.
XVI. Na verdade, a obrigação da Concessionária corresponde a uma obrigação de meios (zelando pela segurança dos utentes da via) e não de resultados.
XVII. Não se compreende como pôde o Tribunal considerar que a Ré não logrou provar que cumprira com as suas obrigações de vigilância e manutenção da concessão.
XVIII. Assim, seguindo o elenco de factos provados referente aos patrulhamentos e vistorias feitas na concessão deveria a sentença ter sido em sentido diverso.
XIX. Um crivo demasiado apertado, como parece ser a intenção do Tribunal a quo, implicará sempre a condenação de uma qualquer concessionária em situações semelhantes.
XX. E uma atuação nestes termos é manifestamente impossível, pelo que qualquer entendimento jurisprudencial neste sentido é desrazoável e coloca as concessionárias perante a chamada “prova diabólica”.
XXI. Assim, e em face de tudo quanto foi exposto, a Ré não pode ser responsabilizada pelo evento danoso ocorrido, por ter cumprido os padrões de segurança exigíveis, a que se encontra adstrita em virtude do contrato de concessão, ilidindo a presunção de culpa que sobre si recaía.
Nestes termos e nos demais de direito, deverá ser a substituída a Sentença recorrida por Acórdão que absolva a Recorrente e a Ré do peticionado pelo Recorrido, Assim se fazendo a tão acostumada JUSTIÇA!”

Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações relativamente aos Recursos interpostos.

O Recurso foi admitido por Despacho de 14 de julho de 2020.

O Ministério Público junto deste Tribunal, devidamente notificado em 11 de setembro de 2020, nada veio dizer, requerer ou Promover.
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar

As principais questões a apreciar resultam da necessidade de verificar, designadamente, os suscitados erros na fixação da matéria de facto, bem como os supostos erros na interpretação e aplicação do direito, sendo que o objeto dos Recursos se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto

O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade, como provada e não provada, a qual aqui se reproduz:
1. A empresa “L., S.A.”, ora Autora,
dedica-se à atividade seguradora; tendo celebrado, em 27 de Setembro de 2008, com M. um contrato de seguro do ramo automóvel (com a duração de um ano e prorrogável pelos anos seguintes, cuja última alteração sofrida data de 27 de Setembro de 2018), titulado pela apólice n.º (...), nos termos do qual, segurou a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo ligeiro de passageiros da marca Volvo, modelo V 40 1.6 D2 Eco Kinetic, de matrícula XX-XX-XX, bem como, entre outros, os danos próprios sofridos pelo mesmo em virtude de choque, colisão, e capotamento - contrato, esse, cujo teor aqui se tem presente [cf. documentos (doc.) n.º 1 e n.º 2 juntos com a petição inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido; cf. depoimento prestado pelas testemunhas N. e E.].
2. A empresa “A. – AUTOESTRADAS (...), SA, S.A.”, ora Ré, é uma entidade concessionária, tendo celebrado um contrato de concessão com o Estado Português, quanto à manutenção da A11 [cf. Bases da Concessão aprovada pelo Decreto-Lei n.º 248-A/99, de 06 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 44-E/2010, de 05 de Maio; cf. factualidade notória].
3. A Ré é concessionária do Estado Português para a conceção, projeto, construção, financiamento, exploração e conservação, com cobrança de portagem aos urentes, da “A11”, nos termos do Contrato de Concessão, e do qual constam, entre outras, as seguintes cláusulas, a saber:
(Dá-se por reproduzido o documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
…” [cf. Contrato de Concessão publicado na I Série do Diário da República, n.º 108, de 04 de Junho de 2010].
4. As Bases da concessão Norte - aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 248-A/99, de 06 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 44-E/2010, de 05 de Maio - foram alteradas pelo Decreto-Lei n.º 109/2015, de 18 de Junho; passando a constar das mesmas, o seguinte, a saber:
(Dá-se por reproduzido o documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
[…]
[cf. Alteração às Bases da Concessão Norte aprovada pelo Decreto-Lei n.º 109/2015, de 18 de Junho, publicado na I Série do
Diário da República, n.º 117, de 18 de Junho de 2015].
5. No dia 03 de Agosto de 2017, cerca das 17h15m (em pleno dia), o veículo de matrícula XX-XX-XX circulava na A11, ao Km 9, no sentido (...) / (...), estando bom tempo [cf. depoimento prestado pela testemunha N.; cf. documentos (docs.) n.º 2 e n.º 3 juntos com a petição inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
6. Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 5), o veículo de matrícula
XX-XX-XX era conduzido por N. que, quando se encontrava a realizar, de forma cuidada e atenta, uma manobra de ultrapassagem – em relação a um veículo automóvel pesado (camião) que circulava à sua frente, na mesma hemi-faixa da direita, tendo para tal efeito, acionado as luzes de mudança de direção à esquerda e entrado na hemi-faixa da esquerda -, circulando pela hemi-faixa da esquerda, a cerca de 100 Km/hora, foi surpreendido pela presença de um cão de médio porte que acabara de saltar o separador central esquerdo e que ao entrar na hemi-faixa da esquerda, embateu, frontalmente, no veículo por si conduzido [cf. depoimento prestado pela testemunha N.; cf. documentos (docs.) n.º 2 e n.º 3 juntos com a petição inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
7. Após o embate no canídeo referido em 6), o condutor do veículo de matrícula XX-XX-XX - que ia acompanhado pela sua mãe, M. - conduziu a referida viatura, em marcha lenta, cerca de 2,5 kms, até à estação de serviço de (...), tendo ficado incomodado e transtornado [cf. depoimento prestado pela testemunha N.; cf. documento (doc.) n.º 2 junto com a petição inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
8. O condutor do veículo de matrícula XX-XX-XX imobilizou tal viatura, na estação de serviço de (...), tendo aí participado o ocorrido em 6) à Autora, à Ré e à Guarda Nacional Republicana (GNR) - que compareceu no local do sinistro (tendo tomado as suas declarações e elaborado a respetiva participação de acidente de viação) [cf. depoimento prestado pelas testemunhas N. e M.; cf. documentos (docs.) n.º 2 e n.º 3 juntos com a petição inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
9. Da Participação de Acidente de Viação referida em 8) consta o seguinte, a saber: “…
(Dá-se por reproduzido o documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
…” [cf. documento (doc.) n.º 2 junto com a petição inicial e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido; cf. depoimento prestado pela testemunha M.].
10. O local do embate descrito em 5) e em 6), configurava uma reta ascendente, sendo o piso asfaltado que se encontrava seco e em bom estado de conservação, existindo boa visibilidade e o limite máximo de velocidade, aí, era de 120 km/hora [cf. depoimento prestado pelas testemunhas N. e M.; cf. documento (doc.) n.º 2 junto com a petição inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
11. Aquando das circunstâncias de tempo e lugar referidas em 5) e em 6), não existia qualquer sinalização que alertasse o condutor do veículo automóvel de matrícula XX-XX-XX e demais condutores para a existência de quaisquer animais na faixa de rodagem [cf. depoimento prestado pelas testemunhas N., N., M., e A.].
12. Em consequência direta e necessária do embate com o cão descrito em 6), o veículo automóvel de matrícula XX-XX-XX sofreu estragos (designadamente, na parte frontal lateral, no para-choques da frente, na grelha frontal do para-choques, radiador, luz de nevoeiro, parte inferior do veículo, et cetera) [cf. depoimento prestado pelas testemunhas N. e M.; cf. documentos (docs.) n.º 5 a n.º 7 juntos com a petição inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
13. Em consequência direta e necessária do circunstancialismo fáctico descrito em 6) e em 12), a Autora, para regularizar tal sinistro, despendeu as seguintes quantias monetárias: (i) € 6.706,58, a título de reparação do veículo de matrícula XX-XX-XX (por si segurado); e (ii) € 380,72, a título de despesas de peritagens e de avaliações [cf. depoimento prestado pelas testemunhas E., C. e António Manuel Costa Alexandre; cf. documentos (docs.) n.º 4 a n.º 14 (em particular, os documentos (docs.) n.º 8 a n.º 14) juntos com a petição inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
14. Na data referida em 5) [No dia 03 de Agosto de 2017], os últimos patrulhamentos realizados pela Ré, antes da ocorrência do sinistro descrito em 6), passaram, na A11, ao Km 9, pelas 16h55m, e não detetaram nenhum animal nas imediações daquele local [cf. documento (doc.) n.º 2 junto com a contestação apresentada pela Ré e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido; cf. depoimento prestado pelas testemunhas N. e M.].
15. Os patrulhamentos referidos em 14) são efetuados pelos funcionários da Ré, nos termos estipulados no Contrato de Concessão, com passagens de vigilância no mesmo local, no intervalo máximo de quatro horas, em regime de turnos, entre as 07h00 e as 23h00 (turnos diurnos), em todos os dias de cada ano [cf. Alteração às Bases da Concessão Norte aprovada pelo Decreto-Lei n.º 109/2015, de 18 de Junho, publicado na I Série do Diário da República, n.º 117, de 18 de Junho de 2015; cf. documento (doc.) n.º 1 junto com a contestação apresentada pela Ré e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido; cf. depoimento prestado pela testemunha N., M. e A.].
16. No momento em que a Ré tem conhecimento da presença de quaisquer animais na A11, atua de forma imediata de molde a expulsar esses animais da via [cf. depoimento prestado pelas testemunhas N., M. e A.].
17. As vedações da A11 existentes na data e local referidos em 5) (e existentes nas imediações até 500 metros, contados a partir de tal local, para o lado direito e para o lado esquerdo, em relação a cada faixa de rodagem) eram aquelas determinadas e aprovadas pelo Estado Português e encontravam-se, sem aberturas nem deficiências, não tendo sido detetada nenhuma anomalia [cf. Contrato de Concessão publicado na I Série do Diário da República, n.º 108, de 04 de Junho de 2010; cf. depoimento prestado pelas testemunhas Anselmo José Silva Ribeiro e A.].
18. Tem-se aqui presente o teor do contrato de seguro celebrado entre a Ré e a Interveniente Processual [cf. documento (doc.) n.º 3 junto com a contestação apresentada pela Ré e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
19. O seguro referido em 18) tem natureza facultativa e, à data referida em 5), previa, na anuidade de 2017 e por cada sinistro participado pela Ré envolvendo apenas danos materiais, uma franquia de 10% do valor do sinistro participado, com um mínimo de € 3.000,00 (três mil euros) e um máximo de €25.000 (vinte cinco mil euros) [cf. documento (doc.) n.º 3 junto com a contestação apresentada pela Ré e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
20. Mediante carta registada em 20 de Dezembro de 2018, a Autora remeteu à Ré missiva, cujo teor se reproduz, a saber: “…
(Dá-se por reproduzido o documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
…” [cf. documento (doc.) n.º 18 junto com a petição inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
Com relevância para a decisão da causa, o Tribunal julga não provada a seguinte factualidade [essencial e instrumental e por ordem lógica e cronológica]:
§ Na data referida em 5) [No dia 03 de Agosto de 2017], a Brigada de Trânsito a G.N.R., em serviço na rede da Ré, não detetou, nos seus patrulhamentos normais à autoestrada a presença de qualquer animal nas imediações do local do sinistro [cf. nenhuma prova minimamente consistente e congruente foi produzida quanto a tal factualidade. De notar que as testemunhas N. e A. são funcionários da Ré e não agentes da G.N.R., sendo certo que uma tal factualidade se reporta um alegado conhecimento por parte daquela entidade policial sobre a existência de animais nas imediações do local do sinistro; pelo que somente agentes das G.N.R. em patrulha nesse dia é que poderiam se pronunciar, com razão de ciência e conhecimento direto, sobre tal factualidade. Não relevando, aqui, o depoimento prestado pelas testemunhas N. e A.].”

IV – Do Direito

Importa agora analisar e decidir o suscitado.

Desde logo, sublinha-se que, tendo-se o acidente objeto da presente Ação verificado em 3 de Agosto de 2017, o diploma relativamente à Responsabilidade Civil aplicável será a Lei nº 67/2007, de 31 de dezembro, sendo ainda relevante atender, nomeadamente, à Lei nº 24/2007, de 18 de julho, que define os direitos dos utentes nas vias rodoviárias classificadas como autoestradas concessionadas.

Por forma a percecionar o sentido da decisão proferida pelo tribunal a quo, e que vem recorrida, infra se transcreverá resumidamente o essencial do discurso fundamentador da mesma.
“(...)
Ante o exposto, conclui-se, inequivocamente, que o sinistro em causa nos autos é exclusivamente imputável ao incumprimento, por parte da Ré, dos deveres a que se encontrava adstrita. Com efeito, caso a Ré tivesse vigiado o local adequadamente, o cão não teria invadido a faixa de rodagem. Da mesma forma, caso a Ré tivesse realizado patrulhamentos de forma eficiente e eficaz, o sinistro dos autos não teria ocorrido.
Com efeito, no caso em apreço, quando circulava na A11 - concessionada à Ré -, no sentido (...) / (...), o Autor e condutor do veículo automóvel de matrícula XX-XX-XX, no momento em que se encontrava a realizar uma manobra de ultrapassagem - em relação a um camião que circulava à sua frente, na mesma hemi-faixa da direita, tendo para tal efeito, acionado as luzes de mudança de direção à esquerda e entrado na hemi-faixa da esquerda -, circulando pela hemi-faixa da esquerda, a cerca de 100 Km/hora, foi surpreendido pela presença de um cão de médio porte que acabara de saltar o separador central esquerdo e que ao entrar na hemi-faixa da esquerda, embateu, frontalmente, no veículo por si conduzido [cf. factualidade julgada provada em 5) e em 6)]. Sendo que após tal embate, o condutor do veículo de matrícula XX-XX-XX - que ia acompanhado pela sua mãe, M. - conduziu a referida viatura, em marcha lenta, cerca de 2,5 kms, até à estação de serviço de (...), tendo ficado incomodado e transtornado. Aí chegado, imobilizou tal viatura, na referida estação de serviço de (...), tendo aí participado o ocorrido à Autora, à Ré e à Guarda Nacional Republicana (GNR) - que compareceu no local do sinistro (tendo tomado as suas declarações e elaborado a respetiva participação de acidente de viação). É, pois, compreensível que, face ao facto de se encontrar acompanhado da sua mãe, ao transtorno causado pelo sinistro e ao facto do local do sinistro apenas distar cerca de 2,5 kms da estação de serviço, o condutor do veículo de matrícula XX-XX-XX tenha prosseguido em marcha lenta até à estação de serviço de (...). Assim, atenta a factualidade supra julgada provada em 5) a 8), é de considerar definitivamente afastada qualquer responsabilidade culposa do condutor do veículo de matrícula XX-XX-XX, uma vez que nenhuma circunstância permite concluir que o modo de condução tivesse alguma conexão com o acidente.
(...)
Assim, quando, apesar da fiscalização que a Ré exerce, existem animais na faixa de rodagem, verifica-se um incumprimento concreto por parte da concessionária, porquanto, nos termos do contrato que celebrou com o Estado, ela se comprometeu, além do mais, a assegurar permanentemente, em boas condições de segurança e comodidade, a circulação nas autoestradas. E tal presunção de incumprimento subsistirá sempre que, como no caso em apreço, seja ignorada a razão do surgimento de tais animais na faixa de rodagem.
Assim, enquanto não for conhecida a efetiva razão do surgimento do cão que embateu no veículo segurado pela Autora, considera-se a favor do lesado/utente, e não da Ré concessionária, que a respetiva dúvida terá de resolver-se, de acordo com o preceituado no n.º 1, do art. 12.º da Lei n.º 24/2007, conjugado com o n.º 1, do art. 350.º do Código Civil (CC).
Em suma, certo é que a Ré não demonstrou, como devia, o cumprimento das obrigações de segurança da via (no Km 9, da A11, sentido (...) / (...)), imposto pelo n.º 1, do art. 12.º da Lei 24/2007, de 18 de Julho, daí se concluindo sempre pela sua culpa, ao menos a título de negligência, geradora de responsabilidade civil.
(...)
Acresce que, no caso em apreço, não se verificou nenhuma causa de exclusão da presunção que impendia sobre a Ré. A este propósito, e em situação fáctica similar à dos autos, já decidiu, recentemente, o VENERANDO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE (TCAN), no seu douto Acórdão proferido em 15 de Novembro de 2019 (no âmbito do processo n.º 1860/16.9BEBRG) – o qual, pela sua inequívoca pertinência, passamos a transcrever, a saber:
“…Com a vigência do artigo 12.º da mencionada Lei, ficou estabelecido que o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança, em caso de acidente rodoviário, cabe à concessionária. O que acarreta a inversão das regras do ónus da prova, incumbindo, assim, à ora Recorrente o ónus de afastar aquela presunção, mormente através da prova da existência de culpa do lesado ou de terceiro (artigo 570.º/2, do CC), desiderato esse aqui não alcançado. Dito de outro modo, a Recorrente não logrou afastar tal presunção, pois não provou ter atuado com o cuidado que lhe era exigível, nem demonstrou que a ocorrência do sinistro se ficou a dever à intervenção de terceiros e/ou a caso fortuito ou de força maior.
[…]
Logo, ao contrário do alegado […], temos como verificada a ilicitude e consequentemente culpa na omissão dos deveres de segurança que sobre si recaíam, de acordo com o apontado artigo 12.º/1…”.
Em suma, verificados os pressupostos cumulativos da responsabilidade civil, a Ré incorre na obrigação de indemnizar.
A este respeito, preceitua o art. 496.º do Código Civil (CC) [na redação vigente anterior à que foi introduzida pela Lei n.º 23/10, de 30 de Agosto] que “… o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos número anterior…”.
Por seu turno, o art. 562.º do mesmo Código determina que quem “…estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação…”, resultando do disposto no n.º 1, do art. 564.º que o “… dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão …”. Ademais, nos termos do n.º 1, do art. 567.º do CC, “…a indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor…” e que se “…não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados…” [cf. art. 567.º, n.º 3, do CC]. Verifica-se, assim, que a indemnização deve, sempre que possível, reconstituir a situação que existiria se não tivesse ocorrido o facto danoso [cf. arts. 562.º, 563.º e 566.º do CC]. Todavia como advertia o Ilustre Professor VAZ SERRA [in BMJ, n.º 84, p. 132], “…a reposição natural não supõe necessariamente que as coisas são repostas com exatidão na situação anterior: é suficiente que se dê a reposição de um estado que tenha para o credor valor igual e natureza igual aos do que existia antes do acontecimento que causou o dano. Com isto, fica satisfeito o seu interesse …”.
Pelo que deverá a Ré proceder ao pagamento à Autora do montante de €7.087,30, acrescido dos respetivos juros de mora à taxa legal contados desde a citação da Ré e até efetivo e integral pagamento.
Faz-se notar que quanto aos juros peticionados, ainda que a Autora tenha direito aos mesmos, tais juros apenas são devidos pela Ré a partir da data da sua citação para os termos da presente ação administrativa (e não a partir da alegada data da interpelação ocorrida em Setembro de 2018 nem a partir da data de entrada da presente ação administrativa). Isto porque, os juros vencidos e vincendos apenas são devidos, no âmbito da responsabilidade civil por facto ilícito (como é o caso dos autos), a partir da data da citação do devedor (momento, a partir do qual, o devedor se constitui em mora) - cf. art. 805.º, n.ºs 1 e 3, do Código Civil (CC). Pelo que, quanto ao pedido formulado pela Autora nos autos relativamente aos juros vencidos, contados desde a interpelação da Ré, no montante de €323,88 - certo é, que um tal pedido terá, necessariamente, de improceder.
Quanto ao demais, e nos termos supra expostos, procede o pedido de juros vencidos e vincendos sobre a quantia de € 7.087,30, contados a partir da data da citação da Ré.
Procede, assim, parcialmente, a pretensão da Autora.”

Vejamos:
Atento o seu objeto e objetivo, proceder-se-á à análise conjunta de ambos os recursos interpostos, os quais, em bom rigor, se mostram redundantes, apenas com algumas ligeiras especificidades argumentativas.

É desde logo suscitado pela A. o facto de não ter a sentença valorizado “(...) devidamente (e como se impunha) a matéria de facto e particularmente aquela que a R., ora recorrente, logrou provar, ou seja, os pontos 14, 15, 16 e 17, mas também outros que resultaram da instrução da causa, casos dos pontos 7, 8 e 9.”
São os seguintes os factos em causa:
14. Na data referida em 5) [No dia 03 de Agosto de 2017], os últimos patrulhamentos realizados pela Ré, antes da ocorrência do sinistro descrito em 6), passaram, na A11, ao Km 9, pelas 16h55m, e não detetaram nenhum animal nas imediações daquele local
15. Os patrulhamentos referidos em 14) são efetuados pelos funcionários da Ré, nos termos estipulados no Contrato de Concessão, com passagens de vigilância no mesmo local, no intervalo máximo de quatro horas, em regime de turnos, entre as 07h00 e as 23h00 (turnos diurnos), em todos os dias de cada ano
16. No momento em que a Ré tem conhecimento da presença de quaisquer animais na A11, atua de forma imediata de molde a expulsar esses animais da via
17. As vedações da A11 existentes na data e local referidos em 5) (e existentes nas imediações até 500 metros, contados a partir de tal local, para o lado direito e para o lado esquerdo, em relação a cada faixa de rodagem) eram aquelas determinadas e aprovadas pelo Estado Português e encontravam-se, sem aberturas nem deficiências, não tendo sido detetada nenhuma anomalia
e Ainda:
7. Após o embate no canídeo referido em 6), o condutor do veículo de matrícula XX-XX-XX - que ia acompanhado pela sua mãe, M. - conduziu a referida viatura, em marcha lenta, cerca de 2,5 kms, até à estação de serviço de (...), tendo ficado incomodado e transtornado
8. O condutor do veículo de matrícula XX-XX-XX imobilizou tal viatura, na estação de serviço de (...), tendo aí participado o ocorrido em 6) à Autora, à Ré e à Guarda Nacional Republicana (GNR) - que compareceu no local do sinistro (tendo tomado as suas declarações e elaborado a respetiva participação de acidente de viação) [
9. Da Participação de Acidente de Viação referida em 8) consta o seguinte, a saber: “…depoimento prestado pela testemunha M.].

Os referidos factos foram fixados como provados pelo próprio tribunal, o que não significa, dentro do conjunto da prova produzida e da sua contextualização, que a convicção firmada, não tenha dado prevalência acrescida a outros factos e circunstâncias.

A título de exemplo, se é certo que se deu como provado que foi feito anteriormente ao sinistro (20 minutos antes), um patrulhamento na via, sem que tivesse sido detetado qualquer animal, essa circunstância não invalida que a concessionária não seja responsabilizada pela presença do canídeo na via, designadamente, pela improvada suficiência dos meios mecânicos tendentes a obstaculizar essa entrada.

Aqui chegados, e analisado o suscitado, cumpre referir que se não reconhece que a sentença não tenha valorizado devidamente a matéria de facto.
Refere ainda a A. que é “totalmente indiscutível que as obrigações a seu cargo são claramente obrigações de meios, e não, portanto, obrigações de resultado.

A referida questão é desde logo falaciosa, pois que, mesmo que se admitisse a bondade do argumento, o que é facto é que a concessionária sempre teria de utilizar os necessários meios, de modo a que não fossem atingidos quaisquer resultados lesivos para os utilizadores da via, em face do que sempre será responsável pelos danos que lhes possa causar, por ação ou omissão.

Por outro lado, se é certo que se afirma no Recurso da A. que “a “evolução” que tem vindo a registar aquele diploma legal, em especial, e para o que aqui interessa, a sua Base LXXIII (redação do DL nº 109/2015, de 18 de Junho) que prevê claramente uma exclusão de responsabilidade da concessionária caso sejam observados os critérios definidos no seu nº 2”, o que é facto é que não se reconhece, igualmente, que tal colida com o sentido da decisão recorrida, pois que do conjunto dos normativos invocados e aplicados na decisão, resulta inequivocamente a responsabilidade da concessionária pelo controvertido acidente.

Aliás, é a próprio Recorrente A., SA quem reconheceu expressamente que “É pacificamente aceite pela aqui Recorrente a aplicação da Lei n.º 24/2007 de 18 de Junho, em concreto do seu artigo 12º n.º 1” sendo que foi exatamente neste diploma que assentou predominantemente a decisão recorrida, não obstante as divagações de direito introduzidas pela A..

Com efeito, em conformidade com o regime legal vigente, enunciado na decisão recorrida, a responsabilidade civil extracontratual do Estado e outras pessoas coletivas públicas, por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos ou agentes, assenta nos mesmos pressupostos previstos na lei civil para idêntica responsabilidade, com as especialidades advenientes das normas próprias relativas à responsabilidade dos entes públicos, o que pressupõe a prática de um facto - ou a sua omissão, quando exista o dever legal de agir - a ilicitude deste, a culpa do agente, o dano e o nexo de causalidade entre aquele facto e o dano.
Se é verdade que a A., enquanto concessionária, pugna pela ausência de culpa sua no acidente em análise, o que é facto é que é aplicável à responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos por facto ilícito de gestão pública, a presunção de culpa consagrada no artigo 493.º, n.º 1, do Código Civil (CC).

Como resultou já explicitado no acórdão deste TCAN nº 00217/13.8BEMDL, de 19-11-2015, tem sido salientado na jurisprudência, nomeadamente no Acórdão do STA, de 09-09-2009, P. 0615/09, que o “lesado por acidente de viação tem direito a ser indemnizado, incluindo por danos sofridos pelo veículo, (...) verificados que estejam os demais requisitos da responsabilidade civil.”

Tendo a aqui Recorrida alegado e provado danos no referido veículo, em resultado do acidente, verifica-se o pressuposto do dano.

A A. invoca, em síntese, que não terá sido demonstrada a sua culpa, pois que terá cumprido os deveres de manutenção, conservação e vigilância a seu cargo, tudo tendo feito, do que estava ao seu alcance, para evitar a ocorrência do presente acidente.

Em qualquer caso, tendo presente o quadro fáctico dado como provado, impõe-se a seguinte questão: A demonstração de que a ré vigia regularmente a autoestrada, que no dia do acidente os vigilantes de serviço terão passado pouco tempo antes no local, sem detetar qualquer anomalia ou animal é suficiente para ilidir a presunção de incumprimento que recai sobre a ré, por força do artigo 12.º, n.º 1 da Lei n.º 24/2007, de 18 de julho? Afigura-se-nos que não.

De facto, a A. não fez a prova que lhe competia de forma a ilidir a presunção de culpa que sobre si impendia.

Em concreto, nada resultou da prova apresentada, no sentido de que a vedação concretamente instalada a ladear a autoestrada, impede eficaz e efetivamente a entrada de um cão como aquele que esteve envolvido no acidente a que os autos respeitam.

Impunha-se às aqui Recorrentes alegar e evidenciar que a rede/vedação em causa era idónea para prevenir a entrada de cães, como o que esteve envolvido no acidente em causa, demonstrando concretamente que medidas tomou para aumentar/garantir a segurança no local, não sendo suficiente a existência genérica de meios direcionados para todos os aspetos em termos abstratos, sem qualquer garantia de que concretamente possibilitava evitar o acidente em causa.

Na verdade, impunha-se à Concessionária, tomar medidas em matéria de segurança dos veículos que circulam na autoestrada, já que é ela que detém a posse sobre o bem em causa.

Por outro lado, o cumprimento de obrigações de segurança não se restringe à operação de patrulhamentos e à confirmação do estado das vedações, ou à sua mera existência.

Como é do conhecimento geral, sendo um facto notório, a atividade de condução de veículos automóveis é uma atividade perigosa, que está vinculada por múltiplas regras específicas relativas não só à própria atividade, mas ainda à faculdade de conduzir.

Assim, o concessionário de uma autoestrada tem necessariamente que estar consciente de que se comprometeu com o Estado Português a exercer funções numa atividade que envolve um risco elevado para os condutores, que são os beneficiários da concessão. Assim, as obrigações de segurança que impendem sobre o concessionário ou subconcessionária devem adaptar-se aos níveis de risco e perigosidade.

Em concreto, desconhece-se a proveniência do canídeo, sendo certo que o mesmo se encontrava inadvertidamente na faixa de rodagem da autoestrada onde foi embatido.

Mesmo admitindo que a A. exercia todas as Ações de fiscalização que afirma levar a cabo, o que é facto é que é patente que as mesmas não se mostraram suficientes e adequadas para ilidir a presunção de incumprimento que sobe si recai, por força do artigo 12.º, n.º 1 da Lei n.º 24/2007, de 18 de julho, regime que se não reconhece como inaplicável ao caso concreto.

O que é facto é que a A. não conseguiu demonstrar a proveniência do canídeo ou que o mesmo surgiu de forma inusitada e incontrolável, e que, por esse motivo, não lhe é imputável o sinistro.

O facto de a concessionária afirmar “que desconhecia a presença do animal na via” em nada mitiga a sua responsabilidade, pois que o canídeo não só estava efetivamente na via, como provocou o acidente participada, não tendo aquela logrado demonstrar que a referida permanência lhe não seria imputável, ainda que por negligência ou omissão.

Afirma ainda a A. “que o raciocínio seguido pela sentença é nitidamente especulativo, pois que parte claramente do princípio (e sem base factual para que o possa fazer) que o animal só poderia ter ingressado na AE devido a uma qualquer anomalia/falha (na vedação?), sem considerar qualquer outra possibilidade/explicação (...)”

Com base na factualidade dada como provada e em função das presunções legalmente estabelecidas, o tribunal a quo limitou-se a aplicar o direito aos factos, pois que competia à Concessionária demonstrar que a permanência do canídeo na via, não lhe poderia ser imputável, por ação ou omissão.

Aliás, não ficou sequer demonstrado que a rede existente teria a capacidade de impedir a entrada de canídeos.

É igualmente irrelevante a existência de patrulhamentos se não ficar demonstrado, como não ficou, que estão instalados na autoestrada em causa os meios físicos e técnicos tendentes a impedir a entrada de canídeos e outros animais na via.

A Concessionária não demonstrou, portanto, que a autoestrada estava efetiva e eficazmente vedada em condições de segurança, tendo procedido à instalação de todos os mecanismos que permitem evitar situações como a dos autos.

Competia à Ré a demonstração dos específicos meios que instalou na autoestrada para prevenir a entrada de canídeos na via.

Por outro lado, em face da jurisprudência constante dos Tribunais Superiores, a A. sempre teria que demonstrar que o cão surgiu na autoestrada de uma forma inusitada e incontrolável, por um motivo de força maior, nomeadamente através de um ato de terceiro que não podia impedir.

Se é certo que não se sabe de onde veio o canídeo, o que é verdade é que o mesmo surgiu na faixa de rodagem da autoestrada, onde foi embatido, o que não é suposto, mormente e por maioria de razão, numa via em que os condutores têm de pagar a sua circulação.

A presença de um qualquer animal, nomeadamente de um cão, numa autoestrada é sempre um fator de grande risco, já que aos veículos é permitido, em regra, atingir a velocidade de 120 Km/h, quando é certo que a A. também não demonstrou que a autoestrada estava efetivamente vedada em condições de segurança, ou seja, que tivesse procedido à instalação de mecanismos que permitissem evitar situações como a dos autos.

Não sendo conhecida a efetiva razão determinante do inusitado atravessamento do animal na faixa de rodagem, é a favor do lesado, e não da concessionária, que a respetiva dúvida terá de resolver-se, de acordo com o preceituado no n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 24/2007, conjugado com o n.º 1 do artigo 350.º do Código Civil (cfr. neste sentido o Acórdão do TRP, de 04.07.2013, P. 3238/11.1TBGMR.P1).

Na situação em apreciação a concessionária não logrou ilidir a sua presunção de culpa, mormente fazendo prova de ter atuado com o cuidado que lhe era exigível, não demonstrando sequer que a ocorrência do sinistro se tivesse ficado a dever à intervenção de terceiros e/ou a caso fortuito ou de força maior, mostrando-se assim preenchido o pressuposto do facto ilícito.

Como se sumariou no Acórdão deste TCAN, de 03.05.2007, no Processo n.º 00814/04.2BEBRG, “(…) a ilisão de uma presunção "juris tantum" só é feita mediante a prova do contrário, não sendo bastante a mera contraprova, pelo que o "non liquet" prejudica a pessoa/parte contra quem funciona a presunção.
Sobre o R. impende o ónus de provar a adoção de todas as providências que, segundo a experiência comum e as regras técnicas aplicáveis, fossem suscetíveis de evitar o perigo, prevenindo o dano, o qual não se teria ficado a dever a culpa da sua parte, ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.
Para se ter como ilidida a presunção de culpa do R. não basta a simples prova, em abstrato, de que o mesmo desenvolve ou dispõe de funcionários ou dum corpo técnico que têm por função proceder à fiscalização e reparação das vias sob sua jurisdição, pois tem de ser demonstrado quais são as providências desencadeadas em relação à via pública em questão, a fim de que o Tribunal possa aferir se aquele «organizou os seus serviços de modo a assegurar um eficiente sistema de prevenção e vigilância de anomalias previsíveis», exercendo uma «adequada e contínua fiscalização».

Aliás, se dúvidas houvesse, já o Tribunal Constitucional se pronunciou relativamente à interpretação do artigo 12.º/1 da Lei n.º 24/2007, no sentido da sua não inconstitucionalidade, afirmando que “na aceção segundo a qual em caso de acidente rodoviário em autoestradas, em razão do atravessamento de animais, o ónus de prova do cumprimento das obrigações de segurança pertence à concessionária e esta só afastará essa presunção se demonstrar que a intromissão do animal na via não lhe é, de todo, imputável, sendo atribuível a outrem, tendo de estabelecer positivamente qual o evento concreto, alheio ao mundo da sua imputabilidade moral que não lhe deixou realizar o cumprimento” (Cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 596/2009 e n.º 629/2009).

É assim incontornável que a causa do acidente residiu no facto de inadvertidamente o canídeo se encontrar em plena autoestrada, não se reconhecendo que a Sentença Recorrida tenha violado o regime legal vigente relativo à Responsabilidade Civil, mormente no que concerne aos acidentes ocorridos em vias concessionadas.
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Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao Recurso, confirmando-se a Sentença Recorrida.
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Custas pelas Recorrentes
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Porto, 30 de outubro de 2020
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Frederico de Frias Macedo Branco
Nuno Coutinho
Ricardo de Oliveira e Sousa