Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00207/15.6BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/25/2018
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Mário Rebelo
Descritores:AÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL E AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO.
Sumário:1. A utilização do processo de impugnação judicial ou acção administrativa especial, depende do conteúdo do acto impugnado: se este comporta a apreciação da legalidade de um acto de liquidação será aplicável o processo de impugnação judicial.
Se não comporta uma apreciação desse tipo é aplicável a acção administrativa especial.
2. A circunstância de o n.º 2 do art. 102º do CPPT ter sido revogado pela alínea d) do art.º 16º da Lei n.º 82-E/2014, de 31/12 pôs termo à incongruência que transparecia entre o n.º 2 do art.º 102º e n.º 2 do art. 97º do CPPT deixando claro que o legislador reconheceu a pertinência das críticas e acolheu a solução preconizada pela corrente maioritária do STA.
3. O erro na forma do processo afere-se pelo ajustamento do meio processual ao pedido que se pretende fazer valer.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:F...
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

F..., melhor identificado nos autos, inconformado com a sentença proferida pelo MMº juiz do TAF de que julgou improcedente a deduzida contra por dívidas de dos exercícios de dela interpôs recurso, finalizando as alegações com as seguintes conclusões:

A. O meio processual adequado para apreciar a anulação de ato administrativo que impediu a efetiva apreciação de legalidade de outro ato e adequada a condenar a autoridade administrativa a apreciar a Reclamação Graciosa é esta ação administrativa especial para impugnação de ato administrativo.

B. A Reclamação Graciosa junta ao procedimento administrativo foi objeto de indeferimento liminar confirmada pela decisão de recurso hierárquico.
C. É que o Recorrente pede a anulação do ato que indeferiu liminarmente a Reclamação e da decisão proferida em recurso hierárquico que confirmou o indeferimento liminar, pedindo em consequência a remessa do processo à entidade administrativa para a apreciação efetiva da Reclamação e dos argumentos por si deduzidos
D. Os argumentos deduzidos pelo Recorrente nunca tiveram apreciação de mérito.
E. Nestes casos o meio processual admissível é a ação administrativa especial em matéria fiscal, com vista a impugnação de outros atos, a tramitar como 2.ª espécie da ação administrativa especial em matéria fiscal.
F. De outro modo, arriscaria o Recorrente a não ver apreciado o ato administrativo que nega o direito de ver apreciada a Reclamação.
G. O Tribunal a quo ao decidir na sentença final convolar a ação administrativa em impugnação judicial julgando-a improcedente é ilegal e deve ser revogada, porquanto o meio processual para obter a condenação que se impõe, isto é a anulação do ato que indefere liminarmente a reclamação e a decisão de recurso hierárquico que confirma o indeferimento liminar, impondo-lhe a sua apreciação de mérito é a presente ação administrativa.
H. Pelo que se impõe a revogação da sentença recorrida, revogando-se a decisão ilegal de convolação da presente ação administrativa na forma de impugnação judicial, determinando-se a procedência da ação administrativa especial, e
I . Em consequência deve ser anulado o ato que indefere liminarmente a reclamação e a decisão de recurso hierárquico que confirma o indeferimento liminar, ordenando a remessa do procedimento administrativo à autoridade administrativa, impondo-lhe a apreciação de mérito da Reclamação.
J. A sentença recorrida viola designadamente os artigos 46.º e 50.º do CPTA e artigo 97.º do CPPT.
K. A sentença recorrida deve pois ser revogada, devendo ser apreciada a ação administrativa especial apresentada julgando-a procedente, e em consequência deve ser ordenada a remessa do processo à entidade administrativa condenando-a a pronunciar-se de mérito sobre a Reclamação Graciosa apresentada assim fazendo

JUSTIÇA!


CONTRA ALEGAÇÕES.
O Exmo. Representante da Fazenda Pública contra alegou e concluiu:

A. Em primeiro lugar cumpre referir que a ora Recorrida não vislumbra onde se escora o presente recurso.
B. Com efeito, não se antevê o objecto dos presentes autos,
C. O A. não decaiu, sendo certo que o Tribunal limitou-se a dar procedência à excepção invocada pela AT,
D. convolando os autos em impugnação judicial.
E. Ora, a douta sentença recorrida, ao julgar improcedente o recurso, fez uma correcta interpretação e aplicação da lei aos factos, bem como fez um correcto julgamento, motivo pelo qual deve ser mantida.
E. Conforme aludimos a A., ora Recorrente, veio ao abrigo do disposto no art.° 76.° do CPPT, apresentar acção administrativa especial contra o ato de indeferimento do recurso hierárquico.
G. a decisão acerca do recurso hierárquico é passível de recurso contencioso - leia-se acção administrativa especial - salvo se de tal decisão não tiver sido deduzida impugnação judicial com o mesmo objecto.
H. No caso vertente, o A., aqui Recorrente, não deduziu impugnação judicial tendo, no âmbito da presente acção administrativa especial, vindo atacar a legalidade, peticionando a anulação da decisão que indeferiu o recurso hierárquico.
I. Ora, no caso sub judice, o A. sindica a legalidade da liquidação, imputando o vício de falta de fundamentação da liquidação que originou o recurso hierárquico ora colocado em causa. (cf. pontos 30 e ss da p.i.)
J. Contudo, a acção administrativa especial é reservada para a impugnação de actos que não comportem a apreciação de actos de liquidação
K. À apresentação, errónea, da presente acção administrativa especial, subjaz somente a discussão de mérito da liquidação, porquanto o fim último das pretensões da A. e aquilo que esta discute se reduz à revisão da referida liquidação a favor das suas pretensões e com os seus fundamentos;
L. Quando na presente peça o A. imputa ao ato tributário, maxime, ato de liquidação, a sua falta de fundamentação, nos termos em que é efectuada, discute claramente a sua legalidade e por conseguinte é daqui que deriva o objecto de todo o processo, conforme se afere pelo pedido do A.
M. Com efeito, a legalidade da liquidação constitui inegavelmente matéria atinente ao processo de impugnação judicial, a que alude o disposto nas alíneas a) e d) do n° 1 do Art° 97.º e do Art.° 99.°, ambos do CPPT.
N. Por outro lado, a acção administrativa especial constituirá o meio processual adequado quando o ato a impugnar for relativo a questões tributárias que não comportem a apreciação da legalidade de um ato de liquidação.
O. Assim, é incontestável que a acção administrativa especial não consubstancia o meio processual adequado com vista à apreciação da legalidade do ato de liquidação de IRC
de 2008;

P. Destarte, andou bem o Tribunal a quo ao decidir;
Nestes termos, e nos demais de direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exa, deve a presente acção ser julgada improcedente, absolvendo-se a R. do pedido, com as legais consequências.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA não se pronunciou sobre o mérito do recurso com fundamento em que a “...relação jurídico-material controvertida não implica direitos fundamentais dos cidadãos, interesses públicos especialmente relevantes ou valores constitucionalmente protegidos como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais...”

II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a decisão de convolação da ação administrativa especial em impugnação judicial padece de erro.
Ou não.

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
O Despacho que ordenou a convolação da ação administrativa especial em impugnação é o seguinte teor:

“Do erro da forma de processo.
O erro na forma de processo, que ocorre sempre que a forma processual escolhida não corresponde à natureza ou valor da acção, é de conhecimento oficioso - art. 193º e 196.ºdo CPC.
Afere-se pelo pedido ou pretensão que o autor pretende obter do tribunal com o recurso à acção; por outro lado, constitui vinculação temática para o tribunal, pois é dentro dele que o tribunal se move - art. 615º n.º 1 al. e) do CPC.
O pedido é o efeito jurídico que se pretende obter com a acção, ou seja, a finalidade, o resultado, a providência que se quer alcançar - art. 581º n.º 3 do CPC.
O processo de impugnação judicial é a via processual adequada para atacar e/ou anular o acto tributário, que é aquela declaração de vontade da Administração Fiscal que define, ou pré define, o quantum a exigir ao contribuinte, designadamente exigência de pagamento ou liquidação.
No caso vem a A. propor acção contra a decisão dada em recurso hierárquico que lhe indeferiu liminarmente a reclamação graciosa contra a liquidação de IRS dos anos de 2008 e 2009 – tal como alega no art.º 1 da PI ( cfr. fls. 4 e ss do PA; 46 a 48; 51; 56 e ss; 64 e ss do PA)
No dizer de Jorge de Sousa in CPPT anotado e comentado, pag. 663 “Apesar da referência a «recurso contencioso» feita no n.º 2 deste art. 76.º do CPPT, a impugnação contenciosa dos actos administrativos proferidos em recurso hierárquico interposto de indeferimento de reclamação graciosa, quando comporta a apreciação da legalidade de actos de liquidação, deve ser feita através do processo de impugnação judicial e não através do processo de recurso contencioso (actualmente, acção administrativa especial), que é reservado para a impugnação de actos que não comportem a apreciação de actos de liquidação [arts. 101.°, alíneas a) e j), da LGT e 97.°, n.º1, alíneas d) e p), do CPPT]” .
Portanto, considerando que com a reclamação graciosa a A. pretendeu a declaração da nulidade das liquidações de IRS dos exercícios dos anos de 2008 e 2009, a forma adequada para reagir contra aquelas decisões é a impugnação judicial, e não a acção administrativa especial em matéria tributária.
A impugnação judicial, no caso de decisão expressa de indeferimento de recurso hierárquico, pode ser deduzida no prazo de 90 dias a contar da notificação [art. 102.°,n.º1, alínea e), do CPPT] – pelo que, se tivesse sido apresentada na forma correcta a impugnação seria, para estes efeitos, e sem embargo do que a seguir se dirá relativamente à extemporaneidade do direito de acção de acordo com a tese defendida pela AT, tempestiva.
Pelo exposto convola-se a presente acção administrativa especial para impugnação judicial”.

De seguida, “Para conhecer da caducidade do direito de acção” considerou provado o seguinte:
1. Em 16/11/2012 as liquidações reclamadas assim como as demonstrações de liquidação de juros compensatórios (que aqui se dão por reproduzidas – doc 1 e 3 da PI), foram notificadas ao Impugnante – Cfr. docs 1 e 3 da PI, e docs 1 a 8 da contestação, não impugnados, onde a AT demonstra que enviou ao Impugnante registos postais datados de 13/11/2012.
Como o TCAN já decidiu no proc. 417/09.5 BEMDL, em posição que se acompanha “ (…) a prova do envio e recebimento da correspondência da notificação, cujo ónus recai sobre a AT, deverá ser efectuada mediante a apresentação dos documentos emitidos pelo serviço postal comprovativos do registo da correspondência e da sua entrega. (…) A nosso ver, a prova do envio da carta será a fazer, ou pela exibição do respectivo talão de registo ou pela informação prestada pelos CTT. A não ser assim, por que exigiria a lei o registo da correspondência remetida para notificação? (…) só perante a comprovação de que a carta foi remetida sob registo para a morada do notificando será possível fazer funcionar a presunção de recebimento da mesma prevista no n.º 1 do art.º 39.º do CPPT” .
Ora, neste caso, o Impugnante notificado que foi da contestação, não impugnou a data de notificação e o valor probatório dos documentos juntos com aquele articulado – pelo que, nos termos do art.º 39.º, n.º 1 do CPPT as notificações presumem-se feitas no 3.º dia posterior ao do registo. Aliás, o Impugnante refere no art.º 15 e 16 que se presume a sua notificação em 16/11/2012 (relativamente às liquidação de IRS e JC de 2008 e 2009), apenas discordando da data de eficácia das ditas notificações, que defende que ocorreram em 19/11/2012 porque a At lhe enviou um segundo documento no dia 15/11/2012 relativo a “demonstração de acerto de contas”
– cfr., também, docs 1 a 4 da contestação
2. Em 19/11/2012 o Impugnante foi notificado de dois documentos denominados “demonstração de acerto de contasDocs 2 e 4 da contestação
3. Em 19/4/2013 o Impugnante apresentou reclamação graciosa Fls. 40 e ss do PA;

ADITAMENTO OFICIOSO À MATÉRIA DE FACTO.
Ao abrigo do disposto no art. 662º/1 do CPC, aditamos à matéria de facto provada os seguintes factos:
4. A Reclamação Graciosa apresentada em 19/4/2013 foi indeferida por despacho de 30/12/3013 por extemporaneidade (fls. 78 do PA apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido).
5. Interposto Recurso Hierárquico, foi proferido despacho que manteve a decisão de indeferimento por intempestividade (fls. 3 do PA apenso)

IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Após notificação das liquidações de IRS relativas aos exercícios de 2008 e 2009 o ora Recorrente interpôs Reclamação Graciosa alegando errónea aplicação dos métodos indiretos; errónea quantificação da matéria tributável, nulidade do despacho no procedimento de revisão da matéria tributável e nulidades do relatório.

A Reclamação Graciosa foi indeferida por intempestividade.

Deduzido Recurso Hierárquico contra a decisão, foi a mesma confirmada.

O Recorrente interpôs ação administrativa especial nos termos dos artigos 46º e 58º do CPTA contra a Direção de Finanças de Bragança alegando ter sido notificado em 5/1/2015 da decisão do Recurso Hierárquico que confirmou a decisão de indeferimento liminar da Reclamação Graciosa, pedindo a final a anulação do ato de indeferimento liminar da Reclamação por alegadamente intempestiva e bem assim anular a decisão do Recurso Hierárquico que confirmou aquele indeferimento ilícito porque viola os artigos 35º e 77º da LGT, art. 39º do CPPT, art. 268º da CRP e art. 140º n.º 4 do CIRS, e
Em consequência, requer a V. Exª se digne ordenar à entidade administrativa que aprecie de mérito a Reclamação Graciosa apresentada contra as liquidações de IRS e JC de 2008 e de 2009.

Por despacho de 17/4/2018 foi decidida a incompetência absoluta do tribunal administrativo, na sequência do que foi requerida a remessa da ação para o tribunal tributário (fls. 34).

Citada, a AT contestou por exceção e por impugnação. Por exceção, invocou a inidoneidade do meio processual uma vez que o A. contestou a legalidade das liquidações.

Por impugnação, alegou que as liquidações e correspondentes demonstrações de liquidação de juros compensatórios foram notificadas ao A. em 16/11/2012 e que a reclamação ao abrigo do disposto no art.º 70º do CPPT foi apresentada em 18/4/2013, vindo a ser indeferida por despacho de 3/12/2013 e que o Recurso Hierárquico também foi indeferido por despacho de 19/12/2014.

O MMº juiz julgou verificada a exceção de erro na forma de processo e ordenou a convolação da ação administrativa especial em impugnação judicial.

E de seguida (no mesmo ato), fixando os factos que considerou relevantes, decidiu que a notificação que releva para contagem do “dies ad quo” é a da notificação da liquidação e não a notificação da “demonstração do acerto de contas”. Por isso, quando em 19/4/2013 deduziu reclamação graciosa já estava ultrapassado o prazo para o exercício do direito de defesa.

E mesmo que assim se não entendesse, sustentou o MMº juiz que a liquidação está fundamentada pelo que “inexiste o vício invocado”. E julgou improcedente a impugnação.

Inconformada, a Recorrente insurge-se contra a convolação da ação administrativa especial em ação de impugnação e pede a revogação da sentença “devendo ser apreciada a ação administrativa especial apresentada julgando-a procedente...”

Decorre do disposto no artº 95º/1 da Lei Geral Tributária “o direito de impugnar ou recorrer de todo o acto lesivo dos seus direitos e interesses legalmente protegidos segundo as formas de processo prescritas na lei”.

Por sua vez o artº 97º/1-d) e nº 2 do CPPT declara impugnáveis “os actos administrativos em matéria tributária que comportem a apreciação da legalidade do acto de liquidação”, e recorríveis os “os actos administrativos em matéria tributária, que não comportem a apreciação da legalidade do acto de liquidação”.

Portanto, uma reclamação graciosa (e o subsequente Recurso Hierárquico) que não apreciou a legalidade da liquidação (por extemporaneidade ou assim ter sido considerado pela AT) deveria, face a este último normativo, ser atacada através de ação administrativa especial e não mediante impugnação judicial.

Todavia, o n.º 2 do art. 102º do CPPT (antes da sua revogação pela alínea d) do art.º 16º da Lei n.º 82-E/2014, de 31/12) dispunha que “Em caso de indeferimento de reclamação graciosa, o prazo de impugnação será de 15 dias após a notificação.

Ora, não distinguindo a lei entre reclamações graciosas que conheceram da liquidação e as que dela não conheceram, “parece” resultar deste preceito que de uma reclamação graciosa caberia sempre impugnação judicial, independentemente de ter ou não conhecido da legalidade da liquidação.

Jorge Lopes de Sousa (1) tece algumas considerações sobre a incongruência legislativa e conclui que “...embora com dúvidas que transparecem do que se expôs, parece ser de optar pela solução de caber sempre impugnação judicial das decisões de indeferimento de reclamações graciosas, a deduzir no prazo referido no n.º 2 do art. 102º, independentemente de nelas ter sido ou não apreciada a legalidade do acto de liquidação que foi administrativamente impugnado”


Mas a incongruência da solução legislativa deu azo a decisões divergentes. Arestos há que decidiram no sentido de que do indeferimento da Reclamação Graciosa cabe sempre impugnação judicial como é o caso do ac. do STA n.º 0125/09 (2) e deste TCA n.º 00139/09.7BECBR (3) enquanto outros decidiram que a utilização do processo de impugnação judicial ou da acção administrativa especial depende do conteúdo do acto impugnado. Se comporta a apreciação da legalidade de um acto de liquidação será atacável através do processo de impugnação judicial; se não comporta uma apreciação desse tipo é aplicável o recurso contencioso (acção administrativa especial).

E é esta última a corrente maioritária e actual quer no STA quer nos TCAs.
Com efeito, tem-se decidido de forma unânime (pelo menos não conhecemos jurisprudência em sentido contrário), que do indeferimento de Reclamação Graciosa ou Recurso Hierárquico só cabe impugnação judicial se foi apreciada a legalidade da liquidação. Se a legalidade da liquidação não foi apreciada, cabe ação administrativa especial. (4)

Aliás, não obstante o comentário acima transcrito, Jorge de Sousa no comentário ao art. 97º do CPPT (pp. 54) sustenta precisamente esta solução quando refere no «que concerne aos actos proferidos em processo de revisão oficiosa ou de recurso hierárquico interposto de decisão de reclamação graciosa, a impugnação judicial só será o meio processual adequado quando o acto a impugnar contiver efectivamente a apreciação da legalidade de um acto de liquidação. Se no acto praticado em processo desses tipos não se chegou a apreciar a legalidade do acto de liquidação, por haver qualquer obstáculo a tal conhecimento (como a intempestividade ou a ilegitimidade do requerente ou recorrente), o meio de impugnação adequado será a acção administrativa especial, como decorre do preceituado no n° 2 deste art. 97°, pois se tratará de um acto que não aprecia a legalidade de um acto de liquidação.
Embora não seja usual a determinação do meio judicial adequado através do conteúdo do acto e não da sua natureza ou do procedimento administrativo ou tributário em que ele foi proferido, é claro que a alínea d) do n° 1 e o n° 2 deste art. 97° fazem depender a opção pela impugnação ou pela acção administrativa especial (recurso contencioso) do conteúdo do acto e não de qualquer outro factor.»

Por conseguinte, com base na melhor interpretação da formulação legal, a doutrina e a jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal Administrativo têm entendido que a utilização do processo de impugnação judicial ou do recurso contencioso (actualmente acção administrativa especial, por força do disposto no art. 191.º do CPTA) depende do conteúdo do acto impugnado: se este comporta a apreciação da legalidade de um acto de liquidação será aplicável o processo de impugnação judicial. Se não comporta uma apreciação desse tipo é aplicável o recurso contencioso/acção administrativa especial (vide neste sentido, entre outros, os Acórdãos do STA de 02.07.2014, recurso 1950/13, de 28.05.2014, recurso 1263/13, de 29.02.2012, recurso 441/11, de 08.07.2009, recurso 306/09, de 02.02.2005 recurso 1171/04, de 16.02.2005, recurso 960/04 e de 20.05.2003, recurso 305/03, todos in www.dgsi.pt, e ainda a Lei Geral Tributária Anotada, Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, 4ª edição, Encontro da Escrita, pag. 713, Jorge Lopes de Sousa, no seu Código de Procedimento e Processo Tributário, Áreas Edit., 6ª edição, Volume II, pag. 54.) (5)

A circunstância de o n.º 2 do art. 102º do CPPT ter sido revogado pela alínea d) do art.º 16º da Lei n.º 82-E/2014, de 31/12 pôs termo à incongruência que transparecia entre o n.º 2 do art.º 102º e n.º 2 do art. 97º do CPPT deixando claro que o legislador reconheceu a pertinência das críticas e acolheu a solução preconizada pela corrente maioritária do STA.

Revertendo ao caso dos autos, quer o indeferimento da Reclamação Graciosa quer do Recurso Hierárquico não foi com base na falta dos pressupostos legais do pedido face à inexistência de qualquer ilegalidade ou erro imputável aos serviços que afecte a validade dos actos de liquidação, mas sim e apenas com base na sua intempestividade.

Portanto, nem um (Reclamação Graciosa) nem outro (Recurso Hierárquico) apreciaram a legalidade da liquidação, pelo que a forma de processo escolhida – ação administrativa especial – foi a adequada.

O MMº juiz e a Autoridade Tributária assim não entenderam, decidindo o MMº juiz que uma vez “... que com a reclamação graciosa a A. pretendeu a declaração da nulidade das liquidações de IRS dos exercícios dos anos de 2008 e 2009, a forma adequada para reagir contra aquelas decisões é a impugnação judicial, e não a acção administrativa especial em matéria tributária.” Considerou, por isso, que a instauração da ação administrativa especial constituía um erro na forma de processo (art.s 193 e 196 do CPC) e convolou-a em impugnação judicial.

Mas o erro na forma do processo afere-se pelo ajustamento do meio processual ao pedido que se pretende fazer valer.(6) Ora, sendo o pedido formulado pelo Autor na petição inicial o de que “...se digne determinar a anulação do ato de indeferimento liminar da Reclamação por alegadamente intempestiva e bem assim anular a decisão do Recurso Hierárquico que confirmou aquele indeferimento ilícito porque viola os artigos 35º e 77º da LGT, art. 39º do CPPT, art. 268º da CRP e art. 140º n.º 4 do CIRS, e
Em consequência, requer a V. Exª se digne ordenar à entidade administrativa que aprecie de mérito a Reclamação Graciosa apresentada contra as liquidações de IRS e JC de 2008 e de 2009” não resulta daqui que a A. pretende que o tribunal determine a ilegalidade das liquidações, ao contrário do que defende a AT nas suas contra alegações.

Contudo, só neste caso é que haveria erro na forma de processo e o tribunal se constituía no dever de ordenar a convolação da ação administrativa especial em impugnação judicial (cfr. arts. 98º/4 CPPT e 97º/3 LGT).

É certo que na petição inicial a A. se refere ao incumprimento do dever de fundamentação, mas apenas para demonstrar que a notificação (completa, com fundamentação) das liquidações só ocorreu em 19/11/2012, pelo que por essa razão considera tempestiva a Reclamação Graciosa e ilegal o seu indeferimento.
E não porque aponte às liquidações o vício de falta de fundamentação como também sustenta a AT.

De resto, os vícios que na Reclamação Graciosa imputa às liquidações (errónea aplicação dos métodos indiretos; errónea quantificação da matéria tributável, nulidade do despacho no procedimento de revisão da matéria tributável, nulidades do relatório) vão muito para além da falta de fundamentação.

Por conseguinte, não havendo erro na forma de processo, a convolação além de ilegal poderia conduzir à nulidade da sentença por levar o juiz a conhecer de questões que não podia tomar conhecimento ou condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido (art. 615º/1-d-e) do CPC e 125º/1 do CPPT).

Aqui chegados, estamos em condições de concluir que a convolação da ação administrativa especial em impugnação judicial foi uma convolação ilegal.
Foi praticado um acto que a lei não admite e que pode influir na decisão da causa (art. 195º/1 do CPC) devendo por isso ser anulado bem como os termos subsequentes que dele dependam absolutamente (art. 195º/2 do CPC).

Referimo-nos apenas ao despacho relativo à convolação e não propriamente à sentença. Porque não obstante a Recorrente pedir, a final, a revogação da sentença, decorre do conteúdo das conclusões – e das alegações – que o acto contra o qual reage é a decisão de convolação. E essa decisão corresponde a um despacho e não a uma sentença.

A circunstância de o despacho de convolação ter sido proferido na mesma “ocasião” da sentença não o converte em sentença, sendo este conceito reservado apenas para “...o acto pelo qual o juiz decide a causa principal ou algum incidente que apresente a estrutura de uma causa” (art. 152º/2 do CPC).

A sentença será anulada por “arrastamento” isto é, por ser um acto que depende do despacho de convolação anterior e não pela sua validade intrínseca que não foi diretamente questionada e por isso não analisámos.


V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em conceder provimento ao recurso, anular o despacho que determinou a convolação da ação administrativa especial em ação de impugnação e bem assim dos termos subsequentes que dele dependam absolutamente.
Custas pela AT.
Porto, 25 de janeiro de 2018.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina da Nova
Ass. Bárbara Tavares Teles



(1) In Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado, vol. II, pp. 56
(2) Ac. do STA n.º 0125/09 de 02-04-2009 - Relator: ANTÓNIO CALHAU
Sumário: I - Das decisões de indeferimento de reclamações graciosas cabe sempre impugnação judicial, a deduzir no prazo referido no n.º 2 do artigo 102.º do CPPT, independentemente de nelas ter sido ou não apreciada a legalidade do acto de liquidação que foi administrativamente impugnado.
(3) Ac. do TCAN n.º 00139/09.7BECBR de 14-03-2012 Relator: Irene Isabel Gomes das Neves
Sumário: I - Das decisões de indeferimento de reclamações graciosas cabe sempre impugnação judicial, a deduzir no prazo referido no n.º 2 do artigo 102.º do CPPT, independentemente de nelas ter sido ou não apreciada a legalidade do acto de liquidação que foi administrativamente impugnado.
(4) Ac. do TCAS n.º 06246/12 de 05-11-2015 Relator: ANABELA RUSSO
Sumário: I - A utilização do processo de impugnação judicial ou da acção administrativa especial depende do conteúdo do acto impugnado: se este comporta a apreciação da legalidade de um acto de liquidação será aplicável o processo de impugnação judicial; se não comporta uma apreciação desse tipo é aplicável o recurso contencioso/acção administrativa especial (artigo 97.º n.ºs 1 e 2 do CPPT).
II – Tendo o Tribunal concluído que a apreciação da decisão de indeferimento liminar da reclamação graciosa não pode ser objecto de apreciação no meio processual de que os Recorrentes lançaram mão – impugnação judicial – impunha-se-lhe que tivesse aferido da possibilidade da sua convolação para a forma adequada, in casu, acção administrativa especial.
(5) Ac. do STA n.º 01958/13 de 14-05-2015 Relator: PEDRO DELGADO
Sumário: A utilização do processo de impugnação judicial ou da acção administrativa especial depende do conteúdo do acto impugnado: se este comporta a apreciação da legalidade de um acto de liquidação será aplicável o processo de impugnação judicial, se não comporta uma apreciação desse tipo é aplicável a acção administrativa especial.
(6) Cfr. por todos, o ac. do STA n.º 034/14 de 11-05-2016 Relator: ASCENSÃO LOPES
Sumário: I - O erro na forma de processo afere-se pela adequação do meio processual utilizado ao fim por ele visado, de acordo com o pedido formulado pelo autor.