Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00592/17.5BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/31/2018
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:RAC; IMPENHORABILIDADE DE BENS; PENSÃO DE REFORMA
Sumário:
I.. Resulta da conjugação dos art.ºs 662.º e 640.º do CPC que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se a prova produzida impuser decisão diversa e desde que o recorrente especifique nas conclusões, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados indique os concretos meios probatórios e a decisão que, no seu entender deve ser proferida.
II. Da conjugação dos art.º s 738.º e 739.º do CPC, resulta a impenhorabilidade parcial ou relativa das prestações periódicas ordenadas à garantia da subsistência do executado e seu agregado familiar bem com da quantia em dinheiro ou depósito bancário, segundo limites que assumem como referência a retribuição mensal mínima garantida, tendo em vista prevenir o sacrifício dos direitos do executado e seu agregado familiar, em face da necessidade de satisfação dos direitos do credor
III. A penhora das quantias em dinheiro ou depósito bancário não convoca, de imediato o regime de impenhorabilidade, salvo se a Recorrente demonstrar que a penhora implica para si ou para ao seu agregado uma situação de perda de garantia da subsistência (artigos 738.º e 739.º do CPC), facto que nem sequer foi alegado e provado pelo Recorrente. *
*Sumário elaborado pelo relator
Data de Entrada:10/31/2018
Recorrente:LMPM
Recorrido 1:Instituto de Segurança Social, I.P.
Votação:Unanimidade
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no qual considerou que a sentença deveria ser mantida e negado provimento ao recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
O Recorrente, LMPM, contribuinte n° 1…54, melhor identificado nos autos, interpôs recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Porto que julgou improcedente a reclamação interposta, nos termos do art.º 276.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário, no processo de execução fiscal n.º1301200401033140 e apensos, relativamente às penhoras de saldos de conta bancária.
Com a interposição do recurso, apresentou alegações e formulou as conclusões que se reproduzem:
“(…) A1. Considerando o documento junto pelo aqui recorrente sob DOC 2 com o articulado de reclamação, o Tribunal recorrido errou no julgamento da matéria de facto ao não considerar provado, conforme deve considerar-se, o seguinte:
Na data de 12/02/2014, a conta objecto de penhora apresentava um saldo total de € 6.309,62 no qual se incluía o montante de €1.501,60 resultante do pagamento, em 10/02/2014, do remanescente da pensão de reforma após o desconto da penhora à ordem do identificado processo n.2 7236/09.7YYPRT.
A2. Considerando os documentos juntos pelo aqui recorrente sob DOC 2 e DOC 3 com o articulado de reclamação e sob DOC 2 com o requerimento de 25/05/2017, o Tribunal recorrido errou no julgamento da matéria de facto ao não considerar provado, conforme deve considerar-se, o seguinte:
De 12/02/2014 a 30/11/2015, a conta foi creditada por novos fundos pelo montante total de € 42.163,97, correspondendo € 39.938,97 aos pagamentos mensais do remanescente da pensão de reforma após o desconto da penhora à ordem do identificado processo n.2 7236/09.7YYPRT e correspondendo apenas os restantes € 2.225,00 a fundos com outras origens e naturezas.
A3. Considerando o documento junto pelo aqui recorrente sob DOC 3 com o articulado de reclamação, o Tribunal recorrido errou no julgamento da matéria de facto ao não considerar provado, conforme deve considerar-se, o seguinte:
Desde 12/02/2014 até 30/11/2015, foram, no âmbito da identificada execução fiscal e da ordenada penhora de saldos bancários efectuadas transferências a favor do exequente no montante total de € 24.757,61.
B. Entre 12/02/2014 até 30/11/2015 era penhorável apenas o montante total de € 7.033,02 - resultado da soma de € 4.808,02 de saldo penhorável em 12/04/2014 e de € 2.225,00 de saldo penhorável entre 12/04/2014 e 30/11/2015 - pelo que, tendo sido penhorado e transferido para o exequente o montante global de € 24.757,61 foi excedido o valor penhorável pelo montante de € 17.724,59 - ao assim não entender e julgar improcedente a reclamação deduzida pelo aqui recorrente o Tribunal a quo errou na aplicação das normas dos arts. 738. º/ 1 e 739.ºdo CPC, que assim violou.
São termos em que se entende que, revogada a decisão recorrida e substituída esta por outra que julgue procedente a reclamação deduzida pelo aqui recorrente se fará inteira Justiça!(…)”
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A Recorrida contra-alegou tendo no essencial pugnado pela manutenção da sentença recorrida alegando que a penhora efetuada racaiu sobre o saldo da conta bancária e não sobre a pensão do MOE LMPMS.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no qual considerou que a sentença deveria ser mantida e negado provimento ao recurso.
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Com dispensa dos vistos legais (artigos 36.º, n.º 2, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e 657.º, n.º4, do Código de Processo Civil), cumpre agora apreciar e decidir, visto que nada a tal obsta.
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2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões das alegações apresentadas pela Recorrente (cf. art.º 635.º, n.º 4, do CPC), as questões que importam conhecer são as de saber a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito, por errada aplicação dos art.ºs. 738. º n.º 1 e 739.ºdo CPC relativamente as penhoras efetuadas dos saldos de conta bancária.
3. JULGAMENTO DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“(…)Factos provados
A) A 4/12/2013 foi o Reclamante citado na qualidade de revertido para os autos de execução fiscal com o n° 1301200401033140 e apensos em que é devedora originária "PDIT, Lda." — cfr. citação para a reversão, despacho de reversão, talão de registo com o n.° "RD303897302PT" e aviso de recepção a flss. 199 a 205 dos autos, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos;
B) À data em que o Reclamante foi citado para a execução a dívida exequenda ascendia a € 43.039,69 — cfr. citação para a reversão a fls. 199 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
C) No âmbito do processo de execução fiscal identificado em A) foram efectuadas penhoras de saldos bancários — cfr. extractos bancários e comunicações de penhora efectuadas pelo Milenium BCP a fls. 31 a 75 e fls. 245 a 283 dos autos, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidas;
D) O Reclamante é executado nos autos de execução com n° 7236/09.7YYPRT a correr termos na ia Secção de Execução da Instância Central do Tribunal da Comarca do Porto — cfr. Documento 1 junto com a Petição Inicial a fls. 26 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e prova testemunhal;
E) É penhorado à ordem do processo identificado em D) a pensão de velhice do Reclamante, cujo valor é de € 3.523,32 na proporção de um terço conforme se constata pelo teor da informação prestada pelo Instituto de Segurança Social:
" (...) o(a) beneficiário(a) acima referido(a) recebe por este Centro uma pensão de velhice no valor de €3.523,32
Fica retido na fonte €1.248,00 de imposto.
Sobre o valor líquido da pensão, recai desde Fevereiro/2010 uma dedução mensal no valor de € 648,93, mandada executar pelo(a) Agente de Execução Jorge Marques, à ordem do Proc. 7236/09.7YYPRT, até perfazer o montante de € 262 272,63, tendo sido deduzido até Julho/2017 o total de €72 013,99 "
- cfr. informação prestada pelo Instituto de Segurança Social a fls. 289 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

Factos não Provados
1. As penhoras efectuadas à ordem do processo de execução fiscal n.° 1301200401033140 e apensos incidiram sobre a pensão de velhice auferida pelo Reclamante.
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Não se provaram outros factos com relevo para a boa decisão da causa.
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Motivação da Matéria de Facto
A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto resultou da apreciação crítica e conjugada de todos os meios de prova produzidos, nomeadamente, do teor dos documentos juntos aos autos, que submetidos a apreciação resultaram no acervo probatório documental que se encontra especificado nos vários pontos da matéria de facto provada.
(…)
Relativamente aos factos não provados, o Tribunal ficou convicto de que não ficou provado nos presentes autos que as penhoras de saldos bancários efectuadas à ordem do processo de execução fiscal no 1301200401033140 e apensos, incidiram sobre o remanescente da pensão de velhice do Reclamante, já penhorada à ordem do processo de execução cível. Isto porque, conforme se pode inferir pelos extractos bancários junto aos autos e, ao contrário do alegado pelo Reclamante, o saldo disponível na conta à ordem de que o mesmo é titular, não é constituído exclusivamente pela pensão que lhe é transferida pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, porquanto são registados movimentos que correspondem à creditação de determinados montantes de outra natureza [cfr. documentos de fls. 45, 47 e 82 dos autos], assim como, de montantes que advém da conta investimento SP e cuja compleição não é possível apurar, atento a natureza de gestão de saldos subjacente à conta de investimento [cfr. extractos bancários de fls. 31 a 75 e fls. 245 a 273 dos autos e documento de fls. 243 e 244 dos autos]. (…)”
4. JULGAMENTO DE DIREITO
4.1. O n.º 1 do artigo 662.° do Código de Processo Civil, determina que “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”
Por sua vez, o art.º 640.º do mesmo diploma impõem que “1 - Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender deve ser proferida sobre questões de facto impugnadas.
2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. (…)”
Resulta da conjugação dos art.ºs 662.º e 640.º do CPC que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se a prova produzida impuser decisão diversa e desde que o recorrente especifique nas conclusões, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados indique os concretos meios probatórios e a decisão que, no seu entender deve ser proferida.
Compete ao TCA reapreciar, não apenas a convicção expressa pelo tribunal a quo tem suporte razoável na prova indicada e os restantes elementos constantes dos autos revelam, mas, também, avaliar e valorar (de acordo com o princípio da livre convicção) toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção, como refere António Santos Abrantes Geraldes in Recurso no Novo Código do Processo Civil, pág. 232, um “juízo autónomo”, relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objeto de impugnação.
E consequentemente modificar a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento da matéria de facto.
Tendo o Recorrente dado cumprimento mínimo ao disposto no art.º 640.º do CPC importa verificar se a sentença incorreu em erro de julgamento de facto.
Contrariando o facto dado como não provado na sentença recorrida, pretende o Recorrente que se dê por provados os factos indicados nas conclusões A1 a A3, com base no doc. 2 e 3 juntos com a reclamação.
No que concerne ao ponto A1, sustenta-se no doc. 2 junto com a reclamação, o qual é constituído por 4 fls. designados por extrato combinado com os n.ºs 2014/001 e 2014/002, do banco Millennium, relativos à conta 222186, com datas de 14/01/31 e 14/02/28, deles resultando vários movimentos, a débito e a crédito, nomeadamente, P/O Instituto de Gestão Financeira; da liquidação de conta de Investimento, Aguas, Vodafone; Trf. P/O Instituto de Gestão Financeira; Reforço da Conta de Investimento, entre outros. Pese embora conste uma TRF P/O Instituto de Gestão Financeira no valor de € 1 501.60 não é possível dar como provado um saldo de € 6.309,62 no qual se incluía o montante de € 1.501,60 e muito menos resultante do pagamento, do remanescente da pensão de reforma após o desconto da penhora à ordem do identificado processo n.. 7236/09.7YYPRT.
Na conclusão A2. pretende o Recorrente que se dê por provado com base nos DOC. 2 e DOC 3 que: “De 12/02/2014 a 30/11/2015, a conta foi creditada por novos fundos pelo montante total de € 42.163,97, correspondendo € 39.938,97 aos pagamentos mensais do remanescente da pensão de reforma após o desconto da penhora à ordem do identificado processo n. 7236/09.7YYPRT e correspondendo apenas os restantes € 2.225,00 a fundos com outras origens e naturezas.”
Compulsados os repetivos documentos, com se referiu no ponto anterior o DOC. 2 trata-se de extratos combinados, do banco Millennium, relativa à conta 2…86, com data 14/01/31, e de 14/02/28, deles resultando vários movimentos, a débito e a crédito.
Por sua vez o DOC. 3 é constituído por 45 fls. e trata-se de extratos mensais combinados do mesmo banco no período compreendido entre 31/03/2014 até 30/11/2015, onde constam inúmeros movimentos, a débito e a crédito, nomeadamente, P/O Instituto de Gestão Financeira; da liquidação de conta de Investimento, Aguas, Trf. P/O Instituto de Gestão Financeira; movimentos a débito e crédito do cartão de crédito; Reforço da Conta de Investimento, entre outros.
Pese embora deles conste uma rubrica denominada TRF P/O Instituto de Gestão Financeira, não se podendo dar como provado que de 12/02/2014 a 30/11/2015, nessa conta foi creditada fundos pelo montante total de € 42.163,97, correspondendo € 39.938,97 aos pagamentos mensais do remanescente da pensão de reforma.
E relativamente a este facto deveria o Recorrente ter indicado, em concreto mês a mês, o montante do remanecente da pensão que lhe foi creditado, nomeadamente os subsidios de férias e de natal, respetivas datas, valores e respetivas somas, e ainda as entradas na conta de outros rendimentos, proveniente, de outra origem e mesmo de remuneração da conta de investimento.
Por fim pretende que seja dado como provado, com base no doc. 3 que desde 12/02/2014 até 30/11/2015, foram, no âmbito da identificada execução fiscal e da ordenada penhora de saldos bancários efectuadas transferências a favor do exequente no montante total de € 24.757,61.
Como refere a sentença recorrida, o saldo disponível na conta à ordem de que o mesmo é titular, não é constituído exclusivamente pela pensão que lhe é transferida pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, porquanto são registados movimentos que correspondem à creditação de determinados montantes de outra natureza, assim como, de montantes que advém de uma conta investimento e cuja compleição não é possível apurar, atento a natureza de gestão de saldos subjacente à mesma que tem por objetivo a gestão diária dos saldos excedentários na conta principal.
Neste sentido, sempre que o saldo da Conta ultrapasse os 1.250 €, são efectuadas transferências automáticas, em tranches de 250 €, para a conta de Investimento e de igual modo, sempre que o saldo da Conta for inferior a 1.250 € são efectuadas transferências automáticas, em múltiplos 250€, da conta de investimento para a conta à ordem.
Não é possível destrinçar a natureza dos montantes que são transferidos para a conta de investimento que dizem respeito ao remanescente da pensão ou se a outro tipo de créditos que existem, assim como, não é possível fazer-se o mesmo exercício de identificação quanto aos montantes que são transferidos da conta investimento para a conta à ordem.
Nesta conformidade, e face à prova produzida não é possível dar como provados os factos supra referido, pelo que a sentença recorrida não incorreu em erro de julgamento de facto improcedendo a pretensão do Recorrente.
4.2. O Recorrente, alega que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao julgar improcedente a reclamação deduzida por erro na aplicação das normas dos arts. 738. º n.º 1 e 739.º do CPC, no pressuposto que entre 12.02.2014 até 30.11.2015 era penhorável apenas o montante total de € 7.033,02 - resultado da soma de € 4.808,02 de saldo penhorável em 12.04.2014 e de € 2.225,00 de saldo penhorável entre 12.04.2014 e 30.11.20115 - pelo que, tendo sido penhorado e transferido para o exequente o montante global de € 24.757,61 foi excedido o valor penhorável pelo montante de € 17.724,59
Vejamos:
Face ao decidido no ponto anterior, não tendo o Recorrente logrado impugnar a matéria de facto com sucesso, o recurso esta votado ao insucesso.
No caso dos autos estão em causa penhora de saldos bancários feitos à ordem do processo de execução fiscal com o n° 1301200401033140 e apensos razão pela qual se impõe averiguar a conjugação dos regimes de impenhorabilidade e a penhora de saldos disponíveis nas contas das quais é titular o Reclamante.
Consta da sentença recorrida que “É certo que o regime de impenhorabilidade previsto no artigo 739° do CPC aplicável ex vi artigo 2° alínea e) do CPPT, visa evitar que sejam penhoradas quantias pecuniárias que já foram alvo de penhoras anteriores e cujos limites de impenhorabilidade consagrados no n.° 1 do artigo 738° do CPC já foram atingidos, sob pena de se verificar uma penhora, ao arrepio da ratio legis destes regimes que é, como se disse, a garantia de subsistência, de prestações periódicas que já não podem ser alvo de qualquer penhora.
Porém, o referido regime do artigo 739° do CPC, por dizer respeito a quantias de cariz periódico, é aferido mensalmente, da mesma forma que o é o crédito que lhe deu origem, ou seja, os limites da impenhorabilidade que se devem observar deverão ser verificados e cumpridos mensalmente, de acordo com as quantias pecuniárias que são depositadas ou transferidas para contas das quais são titulares os executados. Quer isto dizer, que neste aspecto não há distinção entre o que é a prestação periódica de que é titular o executado, e a quantia pecuniária correspondente a essa mesma prestação mas que foi depositada ou transferida para uma conta bancária, por se tratar, na verdade e do ponto de vista material, do mesmo crédito.
Todavia, uma coisa é a penhora de prestações periódicas mensais — sujeitas aos limites supra referidos — outra coisa é a penhora de saldos bancários tout cour, ainda que o mesmo seja constituído por prestações que tenham a natureza das descritas no n.° 1 do artigo 738° do CPC. Segundo entendimento da Jurisprudência, a impenhorabilidade dos saldos bancários, nos termos supra expostos e por convocação dos regimes constantes dos artigos 738° n.° 1 e 739° do CPC, apenas terá aplicabilidade à penhora dos saldos bancários, se esta comportar a perda de garantia de subsistência do executado, uma vez que o regime da impenhorabilidade previsto para as prestações periódicas, como é o caso da pensão por aposentação, não se aplica à penhora de saldos bancários. [Nesse sentido veja-se o Acórdão do TCAS de 19/05/2016, p. 09313/16, disponível em www.dgsi.pt].
Por outro lado, nem todas as prestações periódicas estão sujeitas ao regime de impenhorabilidade previsto no n.° 1 do artigo 738° do CPC, mormente o subsídio de natal e de férias, na medida em que estes não sejam inferiores ao salário mínimo nacional, ou seja, se o rendimento anual do executado, repartidos pelos doze meses do ano, não for inferior ao valor do salário mínimo nacional, nada obsta a que se proceda à penhora de tais prestações no montante em que estas excedam o valor do salário mínimo [Nesse sentido vejam-se, entre outros, os Acórdãos do TRP de 08/03/2016, p. 4462/09.2T2OVR-A.P1, de 28/06/2017, p. 114/96.0TAVLG-
A.P1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt].
Ora, no caso dos autos, e conforme sobredito, o Reclamante alega que os saldos bancários que lhe foram penhorados correspondiam ao remanescente da pensão por velhice que lhe é transferido pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, após a retenção do valor a transferir para o processo de execução cível. Porém, a verdade é que este não prova que o saldo disponível nas contas das quais é titular dizem respeito exclusivamente a tais prestações.
Aliás, é o próprio que alega que as quantias pecuniárias disponíveis nas contas em questão são constituídas maioritariamente pelo remanescente da pensão [cfr. artigo 6 da Reclamação], o que significa que não o são exclusivamente, o que implica dizer que essas quantias não estão sujeitas aos limites de impenhorabilidade. Porém, dos elementos probatórios junto aos autos — extractos bancários — não é possível apurar a natureza das quantias pecuniárias que constituem o saldo disponível, motivo pelo qual não se lhes aplica os limites que resultam do artigo 738° n.° 1 e 739°, ambos do CPC. Caberia ao Reclamante, sobre quem impende o ónus da prova nos termos dos artigos 74° n.° 1 da LGT e 334° do CC, demonstrar e provar que os concretos montantes que lhe foram penhorados à ordem do processo de execução fiscal, diziam respeito exclusivamente ao remanescente da pensão já penhorada, para que se pudesse legitimamente arrogar do regime de impenhorabilidade que invoca. Porém, este não fez prova de tal facto [cfr. item 1) dos factos não provados].
O Reclamante afirma ainda, que tais montantes são utilizados para fazer face às suas despesas, porém também não demonstra nem prova o carácter indispensável de tais quantias para o pagamento daquelas, quando é sobre si que impende o ónus de demonstrar o carácter imprescindível dos montantes que se encontram disponíveis nas contas bancárias à sua subsistência. Ora, não tendo feito, e no seguimento da Jurisprudência firmada no Acórdão do TCAS de 19/05/2016, p. 09313/16 segundo a qual "Tendo em vista a aplicação do regime da impenhorabilidade do artigo 738.° do CPC, cabia à reclamante demonstrar o carácter indispensável à subsistência do agregado familiar das quantias em apreço", não se lhe aplica o regime resultante dos artigos 738.° n.° 1 e 739.° do CPC.
Por outro lado, tendo em conta a forma como se processam os movimentos bancários entre a conta com o NIB 0033 …186 e a conta de investimento com o n° 41…43 — que tem por objectivo a "gestão diária dos saldos excedentários na Conta SP. Neste sentido, sempre que o saldo da Conta SP ultrapasse os 1.250 €, são efectuadas transferências automáticas, em tranches de 250 €, para a conta de Investimento SP (...) De igual modo, sempre que o saldo da Conta SP for inferior a 1.250 € são efectuadas transferências automáticas, em múltiplos 250€, da conta de investimento SP para a conta à ordem" [cfr. documento de fls. 243 dos autos] — não é possível destrinçar a natureza dos montantes que são transferidos para a conta de investimento [se dizem respeito ao remanescente da pensão ou se a outro tipo de créditos] assim como, não é possível fazer-se o mesmo exercício de identificação quanto aos montantes que são transferidos da conta investimento para a conta à ordem, o que conduz à diluição da natureza de tais montantes e, consequentemente, à limitação dos limites de impenhorabilidade aplicáveis, uma vez que tratando-se de penhora de saldos bancários, ficarão restringidos ao limite mínimo previsto no n° 5 do Artigo 738° do CPC, ou seja, à salvaguarda do salário mínimo nacional.
Além de que, conforme sobredito, os subsídios de natal e de férias que os pensionistas também auferem, não estão sujeitos aos limites da impenhorabilidade na parte em que excedam o valor do salário mínimo nacional. Razão pela qual, tais prestações sempre seriam penhoráveis. Quanto a estas, também não é possível apurar, seja a partir dos factos alegados pelo Reclamante, seja a partir dos elementos probatórios junto aos autos, mormente dos extractos bancários juntos por aquele, se o saldo disponível é constituído por alguma prestação dessa natureza.
Ante o exposto, constata-se que o Reclamante não demonstrou que as penhoras efectuadas incidiram sobre o remanescente da sua pensão por velhice, já penhorada, assim como, não demonstrou a imprescindibilidade das quantias pecuniárias que constituíam o saldo disponível para fazer face às suas despesas — garantia do mínimo de sustentabilidade.
Aliás, tratando-se de penhora de saldos bancários, e não de prestações de carácter periódico, a menos que as penhoras tivessem incidido sobre saldos de valor inferior ao salário mínimo nacional — cfr. n° 5 do artigo 738° do CPC — não estava tal saldo disponível (independentemente da natureza das prestações que o constituía) sujeito aos limites da impenhorabilidade do artigo 738° n° 1 e 739° do CPC. Razão pela qual, são legais as penhoras efectuadas pelo Exequente.
Termos em que, não assiste razão ao Reclamante, porquanto as penhoras efectuadas não violaram os limites da impenhorabilidade que lhes são aplicáveis nos termos da lei
Estabelece o artigo 738.º do CPC que “1. São impenhoráveis dois terços da parte líquida dos vencimentos, salários, prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social, seguro, indemnização por acidente, renda vitalícia, ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado.
2. (…)
3. A impenhorabilidade prescrita no n.º 1 tem como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão e como limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento, o montante equivalente a um salário mínimo nacional.
4. (...).
5. Na penhora de dinheiro ou saldo bancário, é impenhorável o valor global correspondente ao salário mínimo nacional ou, tratando-se de obrigação de alimentos, o previsto no número anterior.
6. (…)
7. Não são cumuláveis as impenhorabilidades previstas nos n.º1 e 5.”
Por sua vez, o art.º 739.º do CPC prevê que São impenhoráveis a quantia em dinheiro ou depósito bancário resultantes da satisfação do crédito impenhorável, nos mesmos termos em que o era o crédito originalmente existente.”.
Da conjugação dos art.º s 738.º e 739.º do CPC, resulta a impenhorabilidade parcial ou relativa das prestações periódicas ordenadas à garantia da subsistência do executado e seu agregado familiar bem com da quantia em dinheiro ou depósito bancário, segundo limites que assumem como referência a retribuição mensal mínima garantida, tendo em vista prevenir o sacrifício dos direitos do executado e seu agregado familiar, em face da necessidade de satisfação dos direitos do credor.
A impenhorabilidade em causa é quantificada numa base mensal, como sucede com o vencimento das prestações periódicas em referência.
Relativamente às quantias em dinheiro ou depósito bancário resultantes do remanescente do crédito impenhorável, são impenhoráveis nos mesmos termos em que o era o crédito originalmente existente.
A penhora das quantias em dinheiro ou depósito bancário não convoca, de imediato o regime de impenhorabilidade, salvo se a Recorrente demonstrar que a penhora implica para si ou para ao seu agregado uma situação de perda de garantia da subsistência (artigos 738.º e 739.º do CPC), facto que nem sequer foi alegado e provado pelo Recorrente.
Face matéria de facto, que não foi impugnada com sucesso e enquadramento legal previsto nos n.º 1 do 738.º e 739.º do CPC, a sentença recorrida não nos merece qualquer reparo uma vez que, não tendo o Recorrente provado como era seu ónus, quais os montantes das quantias penhoras das contas bancárias, remanescente da sua pensão por velhice, já penhorada, bem como, não demonstrou a imprescindibilidade das quantias pecuniárias que constituíam o saldo disponível para fazer face às suas despesas.
Destarte improcede o recurso.
4.4. E assim formulamos as seguintes conclusões:
I. Resulta da conjugação dos art.ºs 662.º e 640.º do CPC que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se a prova produzida impuser decisão diversa e desde que o recorrente especifique nas conclusões, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados indique os concretos meios probatórios e a decisão que, no seu entender deve ser proferida.
III. Da conjugação dos art.º s 738.º e 739.º do CPC, resulta a impenhorabilidade parcial ou relativa das prestações periódicas ordenadas à garantia da subsistência do executado e seu agregado familiar bem com da quantia em dinheiro ou depósito bancário, segundo limites que assumem como referência a retribuição mensal mínima garantida, tendo em vista prevenir o sacrifício dos direitos do executado e seu agregado familiar, em face da necessidade de satisfação dos direitos do credor
III. A penhora das quantias em dinheiro ou depósito bancário não convoca, de imediato o regime de impenhorabilidade, salvo se a Recorrente demonstrar que a penhora implica para si ou para ao seu agregado uma situação de perda de garantia da subsistência (artigos 738.º e 739.º do CPC), facto que nem sequer foi alegado e provado pelo Recorrente.
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5. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo Recorrente.
Custas pelo Recorrente
Porto, 31 de outubro de 2018
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira
Ass. Fernanda Esteves
Ass. Cristina da Nova