Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00048/15.0BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/15/2021
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Margarida Reis
Descritores:IVA 2013, 2014; FRAUDE CARROSSEL; MATÉRIA DE FACTO; PROVA; ÓNUS DA PROVA; DECLARAÇÃO DE PARTE; ART. 640.º DO CPC;
ÓNUS DE ESPECIFICAÇÃO DO RECORRENTE
Sumário:Não existe qualquer inabilidade genérica que vede a consideração da declaração da parte, ou que implique automaticamente a sua desvalorização enquanto meio de prova a considerar, não estando, assim, a Recorrente dispensada de cumprir o seu ónus de especificação, nos termos do disposto no art. 640.º do CPC, aplicável ex vi art. 281.º do CPPT.

Com efeito, o que claramente resulta do disposto no n.º 1 do art. 115.º do CPPT, é que na instrução do processo de impugnação judicial “São admitidos os meios gerais de prova”, resultando, por sua vez do disposto no art. 466.º do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT, que as partes podem requerer a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto (n.º 1), e ainda que as mesmas serão objeto de livre apreciação por parte do Tribunal de primeiro conhecimento da causa (n.º 3).

Atendendo a que a fraude carrossel repousa num circuito comercial complexo, comportando várias transações, a montante e a jusante, no caso, das efetuadas pela aqui Recorrida – cujo papel no referido circuito foi impressivamente qualificado pelos SIT como correspondendo ao de intermediário (“broker”) -, não se podia concluir, sem mais, que a mesma teve conhecimento de que no referido circuito existiam “operadores fictícios” ou que o referido circuito tinha por objetivo evitar, algures na cadeia de transações, o pagamento do IVA devido.

Tal como vem sendo reiterado na jurisprudência do TJ da União Europeia, cabe à ATA “fazer prova bastante dos elementos objetivos que permitam concluir que o sujeito passivo sabia ou deveria saber que a operação invocada para fundamentar o direito a dedução fazia parte de uma fraude cometida pelo fornecedor ou por outro operador interveniente a montante ou a jusante da cadeia de fornecimento”.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:L., Lda
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

I. RElatório

A Autoridade Tributária e Aduaneira, inconformada com a sentença proferida em 2018-06-11 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que julgou procedente a impugnação judicial interposta por L., Lda. tendo por objeto treze liquidações de IVA e respetivas liquidações de juros compensatórios e de mora, referentes aos exercícios de 2013 e 2014, no montante total de EUR 47.488,92 assim anulando as referidas liquidações, vem dela interpor o presente recurso.

A Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

CONCLUSÕES:
1. O presente recurso tem por objeto a douta sentença recorrida, proferida no processo supra referenciado, que julgou totalmente procedente a impugnação judicial e, consequentemente, anulou todas as liquidações de IVA e as correspondentes liquidações de Juros impugnadas, no total de € 47.488,92, melhor identificadas no ponto I) do probatório e no documento n.º 1, junto pela impugnante, a fls. 45 a 88 dos autos.
2. Douta sentença essa que, a nosso ver, e salvaguardado o devido e merecido respeito que a mesma nos merece – que, diga-se, é muito - bem como salvaguardado o devido respeito por melhor entendimento, padece de erro de julgamento no que toca à apreciação e valoração dos factos relevantes para a boa decisão da causa e à aplicação das concomitantes normas legais, em suma por:
a) dar como não provados – erradamente, a nosso ver - os factos constantes dos pontos 1., 2., 3., 4. e 5. do item “Factos não provados:” da douta sentença aqui em causa (fls. 31/32 da mesma);
b) dar a relevância que deu a certos factos dados como provados (como é o caso, por exemplo, do facto dado como provado na alínea Y) do probatório), e,
c) ao concluir a final, nomeadamente (sublinhado nosso), “no sentido de que nenhum indício existe no Relatório de Inspecção Tributária que afaste a boa-fé da Impugnante, enquanto operador económico/sujeito passivo, quer no plano subjectivo quer no plano objectivo, porquanto do mesmo não é possível concluir que a Impugnante conhecia a existência do esquema fraudulento nem que não podia deixar de o conhecer.”, e, “E não tendo tal acontecido, conclui-se que a Administração Tributária não recolheu indícios que legitimam a sua actuação no sentido de não aceitar a dedução do IVA mencionado nas facturas em causa nos autos, ou seja, não cumpriu com o ónus que sobre si impendia no sentido de fundamentar (substantivamente/materialmente) as liquidações impugnadas.”.
3. Ao contrário do que foi entendido na douta sentença aqui posta em crise, afigura-se-nos que, apreciada a prova carreada para os autos na sua globalidade, à luz das regras da experiência, e à luz de critérios de razoabilidade e normalidade, impunha-se concluir pelo inequívoco afastamento da boa-fé da Impugnante, quer no plano subjetivo quer no plano objetivo, bem como impunha-se concluir que a Impugnante conhecia, e não podia deixar de conhecer, o esquema fraudulento (“fraude em carrossel”) em que participou ativamente.
4. Na verdade, tal conclusão resulta, a nosso ver, e desde logo, do teor do Relatório de Inspeção Tributária de 2014.06.18 (doravante RIT), a que se alude na alínea E) do probatório (e que aí se encontra apenas parcialmente reproduzido), e dos respetivos anexos, afigurando-se-nos que o RIT é inequívoco no sentido de demonstrar a ligação da Impugnante, através do seu sócio-gerente J., com os operadores que, a montante, participaram ativamente nos circuitos fraudulentos (“fraude em carrossel”), em que a Impugnante também participou.
5. Tal participação ativa da Impugnante nos circuitos fraudulentos (“fraude em carrossel”) resulta desde logo, a nosso ver, do teor dos pontos 1.2.2.1 e 1.5.1 do capítulo III do RIT (páginas 9 e 15, respetivamente, do RIT), onde se faz referência ao primeiro circuito fraudulento em que a Impugnante esteve envolvida, sendo que as declarações de parte prestadas a este propósito pelo sócio-gerente J., resumidas a fls. 34 a 35 da douta sentença aqui posta em crise, não merecem a mínima credibilidade.
6. Atendendo aos inúmeros e avassaladores elementos objetivos carreados para o RIT pela Inspeção Tributária, parece-nos ter ficado demonstrado o envolvimento e o conhecimento, por parte da impugnante, no aludido circuito da fraude (“fraude em carrossel”), não se tratando nesta parte, ao contrário do que vem defendido na douta sentença aqui posta em crise, de atribuir uma responsabilidade objetiva à impugnante, mas antes de atribuir tal responsabilidade em face dos elementos objetivos carreados para o RIT e da análise efetuada dos mesmos à luz das regras da experiência, e à luz de critérios de razoabilidade e normalidade.
7. Em suma, a impugnante, através do seu sócio-gerente, não podia deixar de conhecer a rede fraudulenta a seu montante, mas foi de sua conveniência não lhe interessar conhecer essa mesma rede, porquanto beneficiou, e muito, com a existência da mesma.
8. Relativamente ao facto dado como não provado no ponto 5. do item “Factos não provados:”, cujo alegado “indício avançado pela Administração Tributária” consta, resumidamente, do ponto 1.10.1.4 do RIT (página 69 do mesmo), entendemos que a impugnante não produziu qualquer prova (cfr. artigo 346º do Código Civil) capaz de abalar, minimamente sequer, os elementos objetivos carreados, a este propósito, para os autos pela AT, visto que a explicação avançada pelo sócio-gerente J., em sede de depoimento de parte, para a constituição da empresa “M.” - (“Explicou que essa empresa estava ligada a E. com quem mantinha uma relação extraconjugal e que quis ajudar.”) - não merece a mínima credibilidade.
9. Relativamente ao facto dado como não provado no ponto 3. do item “Factos não provados:”, o que ficou demonstrado no RIT – veja-se o ponto 1.9 do RIT, fls. 66 a 68 do mesmo - foi que não estava em causa o facto de os telemóveis serem ou não de operador, mas sim o facto de os telemóveis adquiridos na rede fraudulenta serem de preços mais baixos em resultado da quebra efetuada a montante pelas empresas “M.”, o que fazia com que o preço de saída dos telemóveis de Portugal fosse inferior ao seu preço de entrada, tudo à custa do Estado Português.
10. À semelhança do que já tinha acontecido com a empresa “T.”, também em relação à impugnante é referido no RIT que alguns operadores económicos ofereciam em venda ao público o telemóvel a um preço inferior àquele a que a impugnante os adquiria na rede fraudulenta e que diversos operadores económicos do mercado internacional ofereciam os mesmos produtos a preços sensivelmente idênticos aos praticados pelos fornecedores efetivos da impugnante, sendo que, neste caso não existia qualquer risco no transporte de bens.
11. A este propósito, importa realçar que, mesmo desconhecendo uns e outros, e, principalmente, a origem dos telemóveis, é de destacar o facto de a impugnante comprar na rede fraudulenta a preços alegadamente piores do que poderia comprar fora desta - o que, atentas as regras de experiência comum e os critérios de normalidade e de razoabilidade, e os critérios de racionalidade económica que devem nortear a atividade empresarial, não faz o mínimo sentido.
12. Neste quadro, não deixa de ser incongruente que a impugnante, que conseguiu margens elevadíssimas com a sua participação na rede fraudulenta, atendendo a que normalmente vendia os telemóveis no dia seguinte ao da compra, pretenda agora demonstrar que podia ter comprado telemóveis a melhor preço (fora da rede fraudulenta) e não o tivesse feito.
13. Não deixando, ainda, de ser incongruente que a impugnante, que, através do seu sócio-gerente J. conheceu o Sr. S. (da “A.”) numa feira na Alemanha (mas que já antes tinha efetuado um primeiro negócio com a empresa “A.”) e que arranjou contactos de todo o mundo e recebia muitas propostas de aquisição de telemóveis – atente-se nas declarações de parte prestadas por este sócio-gerente - tivesse, a final, comprado apenas telemóveis a operadores portugueses, todos envolvidos na rede fraudulenta !!!
14. Não deixando, ainda, de ser incongruente que a impugnante, que, através do seu sócio-gerente J. comprou telemóveis à “A.” (ou, a final, terá sido ao “T.”?) sem saber a quem os comprava – naquele que consistiu no seu primeiro negócio de telemóveis livres e na sua maior compra unitária de 2012 – tivesse, em relação a outras empresas fornecedoras, procurado obter, tal como declarou o aludido sócio-gerente J. durante a inquirição do Representante da Fazenda Pública (fls. 37 da douta sentença aqui posta em crise) informações “nas finanças”, e, algumas elas, tivessem apresentado “certidões de não divida às Finanças e à Segurança Social”.
15. A nosso ver, a explicação para o facto de a impugnante comprar os telemóveis a operadores nacionais não resulta (não pode resultar) do alegado “patriotismo” do seu sócio-gerente, mas antes resulta do simples facto de, tal como é sabido, pelas aquisições intracomunitárias de bens não ter imposto (IVA) a deduzir, ou seja, não criaria crédito de imposto, nem poderia efetuar a quebra de preço que foi efetuada a montante pela rede fraudulenta.
16. Assim, o comportamento abusivo da impugnante situa-se ao nível da dedução do IVA, com base em operações simuladas (fraude concertada entre os vários participantes), criando artificialmente os pressupostos exigidos para a dedução do IVA. - (veja-se, a este propósito, o ponto 1.10.4 do RIT, a páginas 71/72 do mesmo).
17. O comportamento dos representantes legais das empresas envolvidas na “fraude em carrossel”, materializado no cumprimento rigoroso de todas as formalidades inerentes ao dever de faturação e ao respetivo meio de pagamento, é mais um elemento objetivo, a somar aos demais, que vem demonstrar o envolvimento da impugnante na aludida rede fraudulenta. - A propósito do cumprimento rigoroso das formalidades legais inerentes ao dever de faturação e ao respetivo pagamento, veja-se o ponto 1.10.2 do RIT (páginas 70/71 do RIT).
18. Não se percebe e não se aceita o crédito que foi dado pelo Tribunal ao testemunho prestado pelas testemunhas T. e R., sendo certo que a testemunha T. antes de criar a empresa “W.; Lda” já havia trabalhado para diversas empresas “M.” (a propósito da falta de credibilidade do testemunho da Sra. T., veja-se o ponto 1.6.2.2 do RIT, a páginas 49 a 60 do RIT), e sendo certo que as empresas por eles representadas, com atividades muito rentáveis, cessaram, entretanto a atividade, à semelhança do que sucedeu com a empresa “T.” (sendo que a impugnante não cessou a atividade porque a mesma não se resumia a transações fraudulentas).
19. Analisada a douta sentença aqui em apreço constata-se que a mesma, com base na jurisprudência, conhece e analisa corretamente, em termos meramente teóricos, o circuito típico da “fraude em carrossel”, reconhecendo, inclusive, que o mesmo pode ser “esticado”. – (veja-se, a este propósito, a citação que aí é efectuada - fls. 47/49 da sentença - do douto acórdão do TCA Norte, processo nº 02248/07.8BEPRT, de 2017.11.09, publicado em www.dgsi.pt).
20. Contudo, a nosso ver, a douta sentença aqui posta em crise falha clamorosamente ao não aplicar e adaptar tal conhecimento (teórico) ao caso concreto, olvidando inúmeros factos relevantes que vêm pormenorizadamente referidos no RIT, e ao não concluir que a “A.” (que comprou à “A.”), a “W.” (que comprou à “A.”, que, por sua vez, tinha comprado à “A.”) e a “M.” (que comprou à “W.”, que, por sua vez, tinha comprado à “A.”, a qual, por sua vez, tinha comprado à “A.”), mais não foram do que empresas envolvidas em operações que visaram “o esticar” da rede fraudulenta, sendo que ao excluir a impugnante (“broker”) da rede fraudulenta esta fica incompleta.
21. Não se aceita, igualmente, a conclusão exarada na sentença aqui posta em crise, segundo a qual a inexistência de qualquer pedido de reembolso por parte da impugnante “reforça a conclusão extraída no sentido da inexistência de elementos objectivos quanto à participação da Impugnante no esquema fraudulento.”.
22. Ora, ao contrário do que vem referido na douta sentença aqui em crise, nem sempre os operadores “broker” efetuam pedidos de reembolso relativos aos créditos apurados com base na participação em rede fraudulentas – (Tal como vem, aliás, explicado no ponto 1.4.1.3 do RIT - página 12 do RIT – “Nalguns casos, “dilui” o IVA suportado/pago às empresas buffer, no conjunto do IVA deduzido, não tendo necessidade de pedir reembolso ao Estado em virtude da atividade mercantil regular gerar IVA liquidado (a favor do Estado) significativo. Neste caso, o IVA entregue ao Estado é mais baixo, de menor valor – dá-se um “auto-reembolso”.)
23. Ora, tal comportamento do “broker”, foi precisamente aquele que foi adotado pela impugnante (que no esquema fraudulento desempenhou esse papel) e que, tal como referido no RIT, paralelamente à participação no esquema fraudulento desenvolvia uma atividade perfeitamente licita e regular, a qual lhe permitia efetuar o aludido “auto-reembolso”.
24. Assim, aqui chegados, entendemos que, diversamente do que se concluiu na douta sentença aqui posta em crise, a AT não incorreu em qualquer erro sobre os pressupostos de facto e de direito que sustentaram a decisão de desconsideração do direito à dedução do IVA aqui em causa.
25. Analisada e ponderada criticamente toda a prova produzida nos autos (prova documental, prova testemunhal, declarações de parte), imperava concluir, a nosso ver, que a AT recolheu os referidos “elementos objectivos” a que se alude na douta sentença, que a legitimaram a não aceitar a dedução do IVA mencionado nas faturas em causa nos autos, e que esta cumpriu o ónus probatório que sobre si impendia no sentido de fundamentar, como fundamentou, em termos substanciais e materiais, as liquidações aqui impugnadas (resultantes das correções referidas no ponto 1.11 do RIT), as quais, diversamente do que foi entendido na douta sentença aqui posta em crise, não se encontram feridas de ilegalidade.
26. Importa ainda chamar a atenção (mais uma vez) para o facto de, tendo em conta o decidido na douta sentença aqui posta em crise, a impugnante ter logrado abalar os referidos “elementos objectivos” carreados para o RIT, através do recurso, que a final se veio a revelar decisivo, à prova testemunhal de pessoas que tiveram uma participação direta e ativa, em conluio com a impugnante, no mecanismo de “fraude em carrossel” aqui em causa (testemunha T., sócia gerente da empresa “buffer” W., Lda., fornecedor fraudulento que cessou a atividade aquando da deteção da fraude por parte da AT, e R., da empresa S., cliente fraudulento que cessou a atividade aquando da deteção da fraude por parte da AT), sendo que, a nosso ver, não basta também (não pode bastar) o sócio-gerente da impugnante vir declarar e jurar a pés juntos que não se encontrou envolvido na “fraude em carrossel”, para, ao arrepio de todos os elementos objetivos constantes do RIT, se ilibar a Impugnante da sua participação na “fraude em carrossel”.
27. Tendo em conta os factos apurados em sede de procedimento inspetivo, melhor elencados no RIT, o M.mo Juiz do Tribunal “a quo” deveria, a nosso ver, ter julgado totalmente improcedente, por não provada, a impugnação, uma vez que a Administração Tributária se encontrou legitimada a não aceitar a dedução do IVA mencionado nas faturas em causa nos autos, tal como se encontra fundamentado, a nível fatual e jurídico, no RIT.
28. E, consequentemente, deveria o M.mo Juiz do Tribunal “a quo” ter mantido a liquidações adicionais de IVA impugnadas, bem como as liquidações dos respetivos juros, com todas as legais consequências – o que, respeitosamente, se requer seja determinado por V. Exas.
Termina pedindo:

Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Ex. as, deverá o presente recurso ser julgado procedente, e, consequentemente, deve ser revogada a douta sentença recorrida, assim se fazendo JUSTIÇA.
***
A Recorrido não apresentou contra-alegações.
***
O Digno Magistrado do M.º Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da total improcedência do presente recurso, com os seguintes fundamentos, que se reproduzem na íntegra:
O Ministério Público junto deste Tribunal, vem, nos termos do disposto no artigo 289.º, n.º 1 do Código de Procedimento e do Processo Tributário, pronunciar-se sobre o mérito do presente recurso, emitindo o seguinte
PARECER:
INTRODUÇÃO
A Fazenda Pública vem interpor o presente recurso jurisdicional da douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, datada de II de Junho de 2018, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por L., Lda. contra as liquidações de IVA e respectivos juros compensatórios dos anos de 2013 e 2014, no valor global de €47.488,92 e, consequentemente, as anulou (cf. fls. 380 a 410 do processo, em suporte físico, doravante designado por processo fiscal).
Sucede que, nesta sede recursiva, a Recorrente veio imputar à douta sentença recorrida, erro de julgamento da matéria de facto por errada selecção e valoração da prova produzida,
E erro de julgamento da matéria de direito, uma vez que a Autoridade Tributária fez prova das operações simuladas, cabendo à Impugnante, ora Recorrida, o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento de dedução do IVA.
Ora, constitui entendimento uniforme e pacífico da doutrina e da jurisprudência que o âmbito do recurso se encontra delimitado pelas conclusões extraídas da motivação, pelo Recorrente, não podendo o tribunal ad quem conhecer de matéria que nelas não tenha sido versada, com a única ressalva dos casos do seu conhecimento oficioso, de harmonia com as disposições conjugadas dos artigos 282.º, n.º s 5 a 7 do CPPT e 635.º, n.º 4 do CPC, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Julho, aqui aplicável ex. vi do artigo 281.º do CPPT.
Cumpre-nos, pois, emitir parecer, o que faremos de imediato.
ERRO DE JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO
Na verdade, no que concerne ao juízo formulado pela Recorrente, quanto à decisão da matéria de facto, designadamente, no sentido que o tribunal a quo efectuou uma errada apreciação de todos os elementos de prova, aquando da fixação dos pontos de facto dados como não provados nos nºs 1 a 5 (assinalados na alínea a) do ponto 2 das Conclusões), limitar-nos-emos a exarar que não nos suscita reparo a leitura conjugada da prova produzida efectuada na decisão sob recurso.
Aliás, analisadas a motivação em apreço e as respectivas conclusões, nelas constatamos um esforço de descredibilização do depoimento das testemunhas arroladas pela Impugnante, ora Recorrida.
Trata-se, aqui, com o devido respeito por melhor opinião, de uma suspeição inconsistente e extemporânea, já que, por um lado, as referidas testemunhas não foram considerada inábeis pelo tribunal a quo e, por outro, não é esta a sede nem o momento próprios para pôr em causa a sua credibilidade, mas, ao invés, o incidente de impugnação da sua admissão a que alude o artigo 515.º, do CPC, a suscitar aquando do ato de inquirição, o que, manifestamente, não foi efectuado.
A ser assim, é impertinente e abusivo radicar a discordância da sentença recorrida numa sugerida falta de objectividade e de credibilidade das testemunhas pelo facto de ter intervenção em todas as sociedades emitentes das facturas cujo IVA foi desconsiderado
Na verdade, os depoimentos em causa mereceram toda a credibilidade ao tribunal a quo (cf. fls. 32 a 43 da sentença, 395/vo a 401 do processo fiscal), sendo certo que não pode este TCAN sindicar esse juízo, porquanto a mera gravação da diligência, posta ao seu dispor e a que, inegavelmente tem acesso, não permite seguramente, contraditá-lo.
Ora, neste enquadramento, limitar-nos-emos a exarar que não nos suscita reparo a leitura conjugada da prova produzida, efectuada na decisão sob recurso.
Assim, por um lado, é um dado adquirido e insofismável que a trave-mestra da valoração da prova testemunhal assenta nos princípios da livre apreciação, da oralidade e da imediação e daí que, em bom rigor, o tribunal ad quem não possa sindicá-la na globalidade.
Além disso, conforme foi firmado pelo Supremo Tribunal de Justiça, “O recurso em matéria de facto («quando o recorrente impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto») não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida),
Mas apenas uma reapreciação sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo relativamente à decisão sobre «os pontos de facto» que o recorrente considere incorrectamente julgados, na base da avaliação das provas que, na indicação do recorrente, imponham «decisão diversa» da recorrida” (cf. Acórdão do STJ, de 10 de Janeiro de 2007, no processo n.º 06P3518; sublinhado nosso).
Ora a Recorrente não logrou convencer-nos de que a decisão da matéria de facto enferme efectivamente de erro, quer nos pressupostos em que se estribou quer, ainda, nas conclusões a que chegou, de forma a dar como provados certos factos, de sentido díspar ou oposto ao pretendido pela Recorrente e não outros, mais consentâneos com os seus interesses.
Com efeito, a concessão ou, pelo contrário, a negação de credibilidade aos depoimentos de determinadas testemunhas tem de radicar na livre convicção do tribunal, mas tal liberdade de apreciação do material probatório não significa que esta seja infundada, imotivada ou irracional.
Ora, no caso vertente, a convicção extraída da prova documental e informações constantes dos autos, que não foram impugnados não se nos afigura irrazoável, infundamentada ou arbitrária, de molde a justificar ou, talvez, impor, a censura deste tribunal ad quem.
Na verdade, o meio de prova indicado pela Recorrente e que conduziria a um julgamento oposto ao da douta sentença recorrida, é o relatório de inspecção.
No entanto, apesar de ter sido levado ao probatório, não significou que os factos neles vertidos fossem considerados assentes,
Uma vez que foram impugnados na petição inicial e sobre eles foi produzida testemunhal, tendo o tribunal a quo dado relevância ao depoimento de todas as testemunhas indicadas pela Impugnante, ora Recorrida.
Nesta conformidade, não vislumbramos quaisquer erros de julgamento na fixação dos concretos pontos de facto narrados no probatório e/ou contradições entre eles e o restante acervo fáctico, de modo a exigir a intervenção do tribunal ad quem na reapreciação do material probatório posto em crise
Pelo que, sem necessidade de outros considerandos, somos de parecer de que o recurso não merece provimento, quanto a este segmento decisório.
ERRO DE JULGAMENTO DA MATÉRIA DE DIREITO
Neste âmbito, está em causa o direito à dedução do IVA de várias facturas que a AT considera que são simuladas ou fictícias, ou seja, que o respectivo utilizador (a Impugnante, ora Recorrida), sabia ou devia saber que os respectivos emitentes não eram os verdadeiros fornecedores da mercadoria nelas titulada.
Ora, o direito à dedução é um elemento essencial do funcionamento do imposto, devendo garantir a sua principal característica, que é a neutralidade.
No entanto, o exercício desse direito obedece a requisitos objectivos e subjectivos.
Quanto aos primeiros, o exercício do direito à dedução tem por base o facto de o imposto suportado dever constar de factura passada na forma legal (artigo 36.º, n.º 5, do CIVA) e não se tratar de uma despesa excluída do direito à dedução, nos termos do disposto no artigo 21.º,
E como requisitos subjectivos, exige-se que o sujeito passivo tenha direito à dedução do IVA e que os bens e serviços deverão estar directamente relacionados com o exercício da actividade em causa.
Por outro lado, “não confere direito à dedução de Iva o «imposto que resulte de operação simulada», constante de vulgarmente chamadas “facturas falsas” - de acordo com o n.º 3 do art. 19.º, do Código do IVA” (cf. Acórdão do STA, de 27/02/2008, proc. n.º 01062/07, disponível, tais como os que infra se citarão, em www.dgsi.pt).
Actualmente o acima citado preceito legal, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º197/2012, de 24 de Agosto, entrado em vigor no dia 1 de Janeiro de 2013, dispõe que: “não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura”.
E nestas situações, em que as facturas (ou documentos equivalentes) são emitidas na forma legal, mas que não correspondem a qualquer realidade, porque as operações que era suposto reflectirem não tiveram lugar, é à AT que cabe o ónus da prova da verificação dos respectivos pressupostos da tributação, ou seja, dos pressupostos legais da sua actuação, considerando o princípio da legalidade administrativa.
Por outro lado, ao contribuinte cabe provar a existência das alegadas transacções ou operações (cf. entre outos, os Acórdãos do STA, de 30/04/2003, proc. n.º 0241/03, de 24/04/2002, proc. n.º 102/02 e de 9/10/2002, proc. n.º 871/02)
Na verdade, nos termos do artigo 75.º, n.º 1, da LGT quando a contabilidade ou escrita do contribuinte se mostre organizada segundo a lei comercial ou fiscal, presumem-se verdadeiras e de boa-fé as suas declarações, salvo se se verificarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo.
O que significa que se a AT não demonstrar a falta de correspondência com a realidade do teor das declarações da contabilidade e da escrita, estas são consideradas verdadeiras (cf., neste sentido, Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária-Anotada e Comentada, 4.º ed., 2012, pág. 664).
Para tanto, é suficiente que a AT demonstre a existência de “indícios fundados”, não se impondo a “prova provada” de que por detrás dos documentos não está a realidade que normalmente reflectem e comprovam.
São suficientes, indícios fundados para fazer cessar a presunção de veracidade a favor da contribuinte prevista no artigo 75.º, da LGT, ou seja, os indícios devem ser objectivos, sólidos e consistentes, que traduzam uma probabilidade elevada de que os documentos não titulam operações reais, de forma a ver legitimada a sua actuação.
E quando haja cessação da presunção de veracidade da contabilidade, nesses casos, cabe ao contribuinte o ónus da prova da existência de factos tributários que alegou como fundamento do seu direito à dedução do imposto nos termos do artigo 19.º, do CIVA.
No caso em apreço, o TAF de Braga examinou o circunstancialismo que rodeou a emissão das facturas em causa e chegou à conclusão, face à matéria provada, que a administração tributária não cumpriu o ónus que sobre si recaía quanto à existência de facturas de favor relativas a operações inexistentes, uma vez que os factos índice invocados não estão suportados em dados objectivos ou não são adequados a suportar a sua conclusão.
Consequentemente, a questão relativa à legalidade da sua actuação terá de ser resolvida contra ela, sem necessidade de se analisar se a Impugnante, ora Recorrida, logrou ou não provar existência dos factos tributários que subjazem à dedução do imposto que efectuou.
Destarte, as correcções efectuadas pela Recorrente à matéria tributável padecem de ilegalidade, pelo que bem andou a douta sentença recorrida ao anular as liquidações impugnadas.
CONCLUSÃO
Termos em que deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se integralmente a douta sentença recorrida.
***
Os vistos foram dispensados, com a prévia anuência dos Juízes-Adjuntos.
***
Questões a decidir no recurso

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações de recurso.

Assim sendo, importa apreciar se a sentença recorrida padece dos erros de julgamento de facto e de direito que lhe são imputados pela Recorrente.


II. Fundamentação
II.1. Fundamentação de facto

Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz:

II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Factos provados:

A) A sociedade “L., LDA”, com o NIPC (…), ora Impugnante, iniciou, em 02/02/2000, a actividade de comercialização de telemóveis e de material informático, com o CAE 47420, encontrando-se enquadrada, para efeitos de IVA, no regime normal de periodicidade mensal e, para efeitos de IRC, no regime geral de tributação – cf. Relatório de Inspecção Tributária, a fls. 26 a 175 do Processo Administrativo (PA), cujo teor se dá aqui totalmente reproduzido;
B) A Impugnante foi alvo de uma acção inspectiva externa, levada a cabo pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Viana do Castelo que decorreu no período compreendido entre 13/01/2014 e 28/05/2014 e incidiu sobre os exercícios de 2010 e 2012 (inspecção geral) e de 2013 (inspecção parcial em sede de IVA), ao abrigo das ordens de serviços n.º OI201300427 e OI20140010, emitidas, respectivamente, em 13/12/2013 e 26/02/2014 - cfr. Relatório de Inspecção Tributária, a fls. 26 a 175 do PA;
C) A referida acção inspectiva ocorreu, no que diz respeito à ordem de serviço n.º OI201300427 e aos anos de 2012 e 2013, na sequência de suspeitas de envolvimento da Impugnante em circuitos de fraude de IVA e, no que diz respeito à ordem de serviço n.º OI201400108 e ao ano de 2010, por suspeitas de uso de facturas falsas - cfr. Relatório de Inspecção Tributária, a fls. 26 a 175 do PA;
D) Pelo ofício n.º 2873, datado de 30/05/2014, expedido sob o registo “RM 9322 8329 9 PT”, foi a Impugnante notificada para, querendo, exercer o direito de audição prévia sobre o Relatório de Inspecção Tributária, direito que a mesma não exerceu - cfr. fls. 18 a 20 do PA;
E) A 18.06.2014, foi elaborado o Relatório de Inspecção Tributária, do qual se extrai, em suma, o seguinte:
“RELATÓRIO DE INSPEÇÃO TRIBUTÁRIA
(…).
CAPÍTULO I – CONCLUSÕES DA AÇÃO INSPETIVA
(…).
CAPÍTULO II – OBJETIVOS, ÂMBITO E EXTENSÃO DA AÇÃO INSPETIVA
(…).
5- Relação com empresa T. , Lda
A empresa T. , Lda, NIPC (…), (doravante designada T.) foi constituída em 2012/07/18, com o capital de €5.000,00, e iniciou em 2012/07/18 a atividade de comércio por grosso de equipamento eletrónico, CAE46520.
Em termos formais, conforme escritura pública de constituição da sociedade, constava como sócio e único gerente da empresa T. F., NIF (…). Em 2013/05/15, o capital da sociedade foi adquirido por J., NIF (…), que passou a exercer a gerência.
Em termos reais, a gerência de facto sempre foi exercida por A., não passando F. de um “testa de ferro”, necessário, alegadamente devido a compromissos de exclusividade que A. tinha através da empresa L., Lda.
Importa salientar que, conforme referido pelos mesmos, os referidos sócios da empresa T. (F. e A.) são amigos e colegas de trabalho (ambos professores).
De acordo com a escritura de constituição da sociedade e com o registo da atividade para efeitos fiscais, a sede social da empresa T. situa-se na Rua (…), morada que corresponde ao domicílio fiscal dos sócios (e gerente) da empresa L. (J. e S.).
Além de, como já referimos, o sócio e gerente A. ser comum às duas empresas, e de a empresa T. ter desenvolvido a sua atividade nas instalações / sede da empresa L., convém também salientar que a empresa L. foi, no ano de 2012, o principal fornecedor da empresa T. e que foi com o património da L. (nomeadamente, viaturas, computadores, programas informáticos e scanner) que a T. desenvolveu a sua atividade, porquanto não possuiu quaisquer ativos fixos.
No âmbito de uma ação inspetiva aos anos de 2012 e de 2013, a empresa T. foi indiciada como fazendo parte de circuitos fraudulentos com o objetivo de defraudar as receitas do Estado.
(…).
CAPÍTULO III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATERIA TRIBUTÁVEL
1- Envolvimento em circuitos de fraude ao IVA
Ao contrário da empresa T. que teve um envolvimento contínuo (a partir de fevereiro de 2013) e exclusivo (a partir de abril de 2013) em circuitos de fraude ao IVA, a empresa L. teve envolvimentos esporádicos em circuitos de fraude ao IVA, tendo, no entanto, iniciado esse envolvimento em 2012.
1.2- Análise da atividade declarada
1.2.1- Vendas por mercados
VENDAS E PRESTAÇÕES DE
SERVIÇOS2010201120122013
1.096.187,6961.010,61.078.694,4
MERCADO INTERNO177963.168,75
MERCADO
INTRACOMUNITÁRIO59.611,0033.600,00
EXPORTAÇÕES35.512,00260.169,00
1.096.187,6961.010,61.173.817,41.256.937,7
TOTAL1775
1.2.2- Principais clientes e fornecedores
1.2.2.1- Ano 2012
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Muito embora não conste como um dos seus principais fornecedores, a empresa A. (adiante melhor caraterizada) emitiu em 2012 uma única fatura no montante de €13.798,76 à empresa L. (ver ponto 1.5.1). Apesar do montante em causa (que constituiu uma das maiores compras em termos individuais) e de em termos de média de faturação ser, possivelmente, o fornecedor com a média mais elevada, numa reunião com dois inspetores da AT e com o TOC, o sócio-gerente A. afirmou não conhecer este fornecedor.
1.2.2.2- Ano 2013
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

No ano de 2013 o envolvimento em circuitos de fraude ao IVA é bem mais fácil de identificar e evidencia-se pelo valor médio de compras (T., A. e W.) e de vendas (transmissões intracomunitárias e exportações).
1.3- A origem das mercadorias
Como também já referimos, em relação ao ano de 2012, com a exceção da aquisição à empresa A., confirmámos que as mercadorias tiveram origem nas operadoras nacionais, sendo que, além da referida exceção, não detetámos quaisquer incumprimentos nos vários intervenientes do circuito.
Em relação ao ano de 2013, precisamente apenas nos circuitos que envolveram os três fornecedores com valores médios de compras mais elevados (T., W. e A.), foram todos os operadores envolvidos sinalizados como fazendo parte de esquemas em práticas de fraude carrossel, tendo por objetivo defraudar o Estado através do IVA, comummente designados por M. e buffers.
Assim, foram identificados e caraterizados todos os operadores envolvidos nos respetivos circuitos, desde as empresas que iniciaram em território nacional os circuitos de facturação até aos referidos fornecedores da empresa L. (A., W. e A.).
Deste modo, numa primeira abordagem, exporemos os circuitos comerciais em fluxogramas, onde são identificados os operadores intervenientes, do operador que iniciou em território nacional os circuitos de facturação ao fornecedor direto da empresa L., e posteriormente analisaremos os dados relativos a cada um desses dos intervenientes.
(…).
1.5- Circuitos comerciais de fraude carrossel em que a empresa L. esteve envolvida
Ao contrário da empresa T. (criada em 2012 e com envolvimento regular em circuitos de fraude entre fevereiro e julho de 2013, data em que suspendeu a atividade), a empresa L. desenvolve a sua atividade regular e apenas de forma esporádica teve o seu envolvimento em circuitos de fraude de carrossel - novembro de 2012, março e junho de 2013.
Apesar de o envolvimento da empresa L. nos circuitos da fraude carrossel em IVA ter sido curto e esporádico, constatámos, pela análise dos mesmos, que sofreram uma evolução (alongamento), característica típica, usada com a intenção de dificultar o controlo por parte da Administração Fiscal, sendo que, num caso, a empresa T. serviu para o efeito referido.

1.5.1 – Circuito A. → L. (anexo 1)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Convém salientar que a empresa A., à data, já era um forte fornecedor da empresa S., pelo que se torna pouco compreensível que esta empresa (S.) tenha permitido a intromissão de uma terceira empresa (L.) e, com isso, tenha deixado de comprar muito mais barato (€13,21/unidade = €88,00 – €74,79).
Todavia, esta situação já se torna compreensível se pensarmos na necessidade de angariação de novos e credíveis operadores (empresa L., até então com uma atividade regular) para alongar e credibilizar o circuito, deixando a empresa S. de ter contacto direto com faltosos, como é o caso da empresa A.. De realçar que a empresa S. deixou de comprar diretamente à empresa A. em 2013 (seu importante fornecedor em 2012). Em 2013, entre outros, passou a ter como principais fornecedores as empresa A. e W., dois dos principais clientes da empresa A..
Aliás, como veremos nos circuitos seguintes, situação semelhante também se verificou com a empresa L. (e com a empresa T.).
Neste circuito, o primeiro em que esteve envolvida, e possivelmente de forma ser aliciada, a empresa L. obteve uma margem bruta de comercialização de 17,66%
(13,21/74,79), perfeitamente anormal no sector e muito superior às margens que viria a obter nos restantes circuitos e que se situaram entre 2% e 5%.

1.5.2- Circuito A. → T. → L. (anexo 2)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Neste circuito existem três situações incongruentes, a saber:
- A primeira é o facto de estarem envolvidas duas empresas pertencentes ao mesmo sócio gerente (L. e T., que funcionam nas mesmas instalações e com os mesmos ativos fixos, todos pertencentes à L.). Esta situação apenas se justifica pela necessidade de alongar o circuito, muito embora se realce que a margem de lucro da empresa T. é muito menor do que aquela que praticou quando desempenhou o papel de broker e não de buffer como neste circuito, ou seja, alongou-se a rede (circuito), mas criando um pequeno valor acrescentado;
- A segunda é o facto de a empresa L. não comprar diretamente à empresa A., sua fornecedora desde novembro de 2012 (circuito anterior);
- A terceira é o facto, inexplicável, de a empresa A. efetuar uma quebra de preço (-€8,00 / unidade), originando, neste circuito, a anulação do valor acrescentado declarado a jusante (pelas empresa T. e L.) e permitindo uma transmissão intracomunitária a preço que essa empresa tinha adquirido. Curiosamente, usando as empresa L. e T. o mesmo programa informático de faturação e o mesmo scanner de identificação de imeis, o descritivo (designação) das mercadorias não é idêntico.
Convém relevar que, no âmbito do procedimento inspetivo à empresa T. (OI201300184), já foi efectuada correção fiscal à dedução efetuada por esta empresa.

1.5.3- Circuito A. → L. (anexo 3)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

De realçar o facto de, novamente, a empresa L. não comprar diretamente à empresa A., sua fornecedora desde novembro de 2012.

1.5.4 - Circuitos W. → A. → L. e W. → L. (anexo 4)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Neste circuito destaca-se o facto de haver, além da empresa A., um outro operador (W.), sendo que, conforme se pode aferir desde o primeiro circuito apresentado, o novo operador situa-se sempre junto à primeira empresa incumpridora do circuito (A.), papel que inicialmente foi desempenhado pela L. (circuito 1), posteriormente pela A. (circuitos 2 e 3) e no atual circuito pela W..
Esta situação demonstra que, à medida que vão conhecendo a rede (circuito), os novos operadores (buffers ou brokers) tentam afastar-se dos operadores M. (A.).
Salienta-se também o facto de a empresa A. emitir uma fatura com data anterior (13/06/2013) à data de aquisição da mercadoria em causa (14/06/2013).
Por último, sobressai o facto de, a montante da empresa L., ter existido distinção nos preços dos Iphones, situação que se não verificou na fatura de venda.

1.6- Caracterização dos operadores envolvidos nos circuitos da empresa L.
1.6.1- Operadores M.
1.6.1.1- P., Lda.
(…).
1.6.1.2- F., Lda.
(…).
1.6.2- Operadores Buffer
1.6.2.1- A. , Lda.
(…).
1.6.2.2- W., Lda.
(…).
1.6.2.3- A. Lda.
(…).
1.9- Os preços praticados (anexo 5, 8 folhas)
Conforme foi explicado “no modus operandi” de apuramento por parte dos M., os preços sofrem, nessa fase, uma quebra abrupta e acabam por, no fim do circuito, saírem do país (e saem sempre do país, de forma a criar crédito de IVA, para financiar a rede) a preços ainda mais baixos do que tinham entrado (à custo do IVA português), criando, desta forma, uma vantagem comercial num mercado tão competitivo como é o caso dos telemóveis. Nos pontos seguintes demonstraremos essa situação em relação a todos os produtos em causa.
1.9.1- No caso do circuito 1 (ver anexo 1) a aquisição intracomunitária (Airvoice International NL 851332973B01) da empresa F. (mais próxima da data da venda) evidencia-nos um preço unitário (€85,00) bastante superior ao preço unitário de venda (€73,79) à empresa A.. Ou seja, verificou-se uma quebra de preço por parte do M. (F.).
Em relação à diferença de quantidades, convém relembrar que os fornecedores intracomunitários da F. declararam transmissões de valores muito superiores aos que foram detetados na contabilidade da desta empresa.
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

NOTA: É provável, conforme informação da DSIFAE, que a P. tenha participado na rede como fornecedor fictício, de forma a produzir IVA dedutível para as empresas que efetuavam aquisições intracomunitárias (F.) e que, de outra maneira, teriam de ser fortes entregadores de IVA ao Estado.
1.9.2- Ainda em relação ao mesmo produto (Samsung Galaxy S5360), no caso do circuito 3 (ver anexo 3), o preço de compra ao fornecedor intracomunitário foi muito superior ao preço de venda. Ou seja, mais uma vez (e como caraterística deste tipo de fraude) verificou-se uma quebra de preço, que originou que a mercadoria fosse exportada a um preço inferior ao da sua entrada em Portugal, e tudo à custa do IVA português.
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

1.9.3- No quadro seguinte, demonstramos uma situação equivalente mas em relação aos telemóveis Samsung Galaxy S2 I9100, em que o valor da aquisição intracomunitária, antes da quebra de preço, é ainda superior ao valor da transmissão intracomunitária (ver anexo 2):
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

NOTA: a empresa austríaca T. é cliente das empresas portuguesas A., NIPC 5050 168 014, e S., NIPC (…), empresas também com ações inspetivas em curso por suspeitas de envolvimento em esquemas de fraude ao IVA.
Além disso, a própria empresa L. tinha conhecimento de que o preço do referido produto era superior, porquanto, em data próxima, tinha efetuado uma aquisição.
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

1.9.4- Em relação aos iPhone 5 16GB (circuito 4, anexo 4), que constituíram a maior transação, através de sites ligados a marcas / empresas que produzem / comercializam este tipo de equipamentos, revistas das marcas, à época, podem ser confirmados preços bem mais elevados do que os valores de aquisição conseguidos pela empresa L. (fl. 6).
Além disso, (L.), também em relação a este tipo de produto, a empresa L. efetuou aquisições, fora dos circuitos de fraude, a preços bem mais elevados do que aqueles a que adquiriu nos circuitos de fraude, conforme patenteado no quadro seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

1.9.5- Ainda em relação aos preços praticados, e concretamente no que respeita aos preços dos Iphone, foi entretanto rececionada nesta DF uma informação da DSIFAE, que consolida o descrito anteriormente, ou seja, a constância dos preços (anexo 6, 10 folhas).
1.10- Conclusões
1.10.1- Por tudo quanto foi referido anteriormente, nomeadamente o facto de:
1.10.1.1- Um conjunto de entidades/operadores, coletivas e singulares, que atuaram em Portugal com o único fim de lesar o Estado em sede de IVA, beneficiando todas as entidades envolvidas com a sua parte de imposto.
Operadores (envolvidos nos circuitos de que faz parte a empresa L., e em outros circuitos de que fazem parte outras empresa que também desempenham a posição de Broker, nomeadamente a empresa T.) com diversas relações entre eles - de sócios, gerências, representantes, moradas de sede, moradas de domicílios fiscais de sócios, técnicos oficiais de contas, programas informáticos; a maioria sem qualquer pessoal ao seu serviço, sem estrutura empresarial suscetível de exercer a atividade declarada (ou inspecionada, porquanto alguns não cumprem sequer as suas obrigações declarativas); na sua maioria cessados oficiosamente, e outros com proposta de cessação.
1.10.1.2- A empresa L. se ter envolvido em circuitos de fraude, e, posteriormente, a outra empresa do seu sócio-gerente (T.) também se ter envolvido no referido negócio e de este a partir de determinada data (abril de 2013) ser exclusivo da sua atividade.
1.10.1.3- A empresa T. ter inicialmente como sócio e gerente (F., colega professor) alguém que pouco ou nada percebia do negócio desenvolvido, nem do que se passava na empresa, e que, no dia imediato a ser ouvido em auto de declarações e ter patenteado esse mesmo desconhecimento de forma evidente, as quotas terem sido adquiridas por quem realmente já era, de facto, seu sócio-gerente (A.). Aliás, a criação da empresa T., mais não foi do que a forma de os reembolsos de IVA poderem ser recebidos mais rapidamente (a 30 dias), situação que a empresa L. não poderia usufruir, na medida em que, atendendo ao elevado montante de vendas no mercado nacional, a percentagem de exportações / transmissões intracomunitárias, não ultrapassaria os 75% e os reembolsos seriam pagos a 90 dias.
1.10.1.4- O sócio-gerente da empresa L., ter angariado um novo operador para o circuito de fraude (a empresa M., NIPC (…), pertencente a uma colega professora), de forma a alargar a rede, precisamente uma sociedade a quem a empresa T. passou a comprar, permitindo à M. beneficiar de uma elevada margem de lucro que a T. poderia ela própria, e de forma direta, obter. Ou seja, como forma de angariação, na primeira participação nestes esquemas de fraude, à nova empresa é garantida / permitida uma margem de lucro substancial, que, posteriormente, não volta a obter.
Foi assim, como vimos com a empresa L. (ver ponto 1.5.1) e foi assim com as empresas W. e M. (nos circuitos que envolveram a empresa T., e das quais conhecemos a primeira fatura de cada uma destas empresas).
Esta sociedade que tinha iniciado a sua atividade em 2013/06/14 cessou a mesma em 2014/03/31, tendo, em síntese, apenas realizado uma operação comercial (compra e venda em 2013/06/28), servindo somente para estender a rede / circuito da fraude e dificultar a sua deteção.
1.10.1.5- Estarmos na presença de telemóveis, que não são produzidos pelas empresas que os colocaram no mercado nacional, muito menos produzidos em Portugal, não podendo por isso este conjunto de operadores alegar que não existe nada de anormal num negócio, em que as mercadorias são comercializadas abaixo do preço do produtor. A empresa L., não podia desconhecer esta fraude organizada, pois tira proveito de um negócio que, de acordo com o que referimos, não está a ser efetuado conforme os usos normais do mercado, já que o seu sócio-gerente para além de estar no mercado dos telemóveis há vários anos, dispõe de um Know-How, que lhe permite concluir que estas mercadorias só chegam à empresa L. a preço inferior ao de mercado, porque num momento anterior, e de forma ardilosa, houve uma quebra de preço, ou seja, uma simulação à custa do IVA que é incorporado no preço, funcionando o imposto como margem de comercialização, sendo este beneficio aproveitado por cada operador até voltar a sair do país.
Aliás, como demonstramos, fora dos circuitos de fraude, a empresa L. adquire os produtos em causa a preços bem mais elevados.
1.10.1.6- As mercadorias envolvidas nestes circuitos, maioritariamente com destino ao Dubai, país fabricante de telemóveis, e do qual, segundo estudos / controlos de outros Estados Membros, são importados a maior parte dos telemóveis (mesmo tratando-se de telemóveis fabricados na Europa). País que importa a preços inferiores ao preço que colocaram no mercado nacional, beneficiando também de uma parte do IVA português que foi distribuído por todos os operadores até as mercadorias atingirem o preço normal de mercado;
1.10.1.7- Na verdade, não se justifica, nem se entende, que operadores como a F., A., (e outros), caracterizados como operadores M., que existem só formalmente, tenham preferência, junto de operadores intracomunitários,
em relação a grandes empresas do setor, nomeadamente a S., A., A. e outras não tão grandes como a L. e a T.. Só faz sentido esta preferência, se a existência destes operadores M. e a sua forma de atuar, que atrás ficou exposta, servirem os interesses desses operadores europeus, bem como todos os operadores nacionais, que beneficiaram com estes negócios.
1.10.1.8- Depois do início das investigações levadas a efeito pela AT, e de se terem posto em causa pedidos de reembolso efetuados pelos diversos operadores brokers, as empresas a montante destes terem deixado de operar (no caso dos missing tradres – P., F., A.) ou estejam a pensar encerrar ou mudar de atividade (no caso dos buffers – A. e W.). Ou seja, quando são postos em causa os reembolsos, a rede deixa de ser financiada e o negócio, até então rentável, deixa de interessar. As transações, efetuadas a partir da suspensão dos reembolsos (ou do corte de crédito) transformar-se-iam em perdas, o que não interessa à rede.
Por tudo isto, conclui-se:
1.10.2- Não restam dúvidas que:
F) Estamos perante um esquema organizado de circuitos comerciais, com intenção de lesar o Estado em sede de IVA;
G) Os operadores que neles participam conhecem a forma de atuar destas redes, cumprindo com a sua função no circuito, conforme a posição em que participam (M., buffers, brokers ou conduit company’s);
H) Existe um objetivo comum em todos os operadores - obter um benefício “à conta do IVA”, lesando o Estado;
I) Todos os operadores participam num negócio, direta ou indiretamente, que não funciona nas condições normais de mercado, dado existir a quebra de preço, à custa do IVA, o que inverte totalmente a substância legal subjacente ao mecanismo do IVA que como o próprio nome indica deveria incidir sobre o valor acrescentado, e não servir de margem num circuito comercial;
J) Existe um esforço concertado por parte dos operadores em cumprir com todas as formalidades inerentes a um negócio, ou seja, documento de suporte (fatura), normalmente o meio de pagamento, criando assim uma aparente legalidade formal, conseguida apenas com o esforço e perfeito desempenho de cada um dos intervenientes, que partilham o benefício, em prejuízo do Estado;
- Para que as operações efetuadas pelos brokers fossem possíveis e apresentassem preços competitivos aos operadores internacionais a quem as mercadorias se destinaram (Dubai, que poderão, eventualmente, voltar a colocar as mercadorias no mercado europeu), foram simulados e manipulados os preços das mercadorias à custa do IVA, que aparentemente constitui uma vantagem ilegítima dos M., mas que, no entanto, beneficiou todos os operadores da rede.
- Toda esta atuação concertada, ainda que com uma aparência de legalidade, resulta num inaceitável abuso de direito que excede manifestamente os limites impostos não só pela boa fé bem como pelo fim económico que esse direito visa acautelar, tudo conforme resulta do artigo 334º do Código Civil, subsidiariamente aplicável por força da alínea d) do artigo 2º da Lei Geral Tributária.

1.10.3- Antecedentes da Jurisprudência do Tribunal Europeu de Justiça
O IVA é um imposto, plurifásico e de matriz europeia, sendo que a atual configuração decorre da Sexta Diretiva – 77/388/CEE – que foi revogada pela Diretiva 2006/112/CE de 28 de Novembro de 2006, na qual foi reformulada e renumerado o texto da Sexta Diretiva, o qual faz parte do acervo comunitário e aplicando-se ao Estado Português.
1.10.3.1- Julho de 2006, na sua decisão relativamente aos processos apensos C-439/04 e C-440/04, Axel Kittel & Recolta Recycling SPRL. Tendo concluído:
Parágrafo 56: “um sujeito passivo que sabia ou devia saber que, com a sua aquisição, participava numa operação que fazia parte de uma fraude em IVA deve, para efeitos da Sexta Directiva, ser considerado participante nessa fraude isto, independentemente da questão de saber se retira ou não benefícios da revenda dos bens”
1.10.3.2- 21 Fevereiro de 2006, C-255/02, Hallifax plc, Leeds Permanent Development Services Ltd, County Wide Property Insvestments Ltd.
A sexta directiva deve ser interpretada no sentido de que se opõe a qualquer direito à dedução do IVA pago a montante, exercido pelo sujeito passivo, sempre que as transações através das quais, deriva esse direito constituam uma prática abusiva.
1.10.3.3- Acórdão do Proc. C-285/11 de 06.12.2012 – Bonik Eood Parágrafo 40: “Daqui resulta que o direito a dedução só pode ser recusado a um sujeito passivo se, à luz de elementos objetivos, se demonstrar que este sujeito passivo, ao qual foram fornecidos bens ou prestados serviços que estão na base do direito à dedução, sabia ou deveria saber que, ao adquirir estes bens ou estes serviços, participava numa operação que fazia parte de uma fraude ao IVA cometida pelo fornecedor ou por outros operador a montante ou a jusante na cadeia destes fornecimentos.

1.10.4- Pelo que:
- Ainda que a contabilidade da empresa L. evidencie ter sido pago o IVA aos seus fornecedores diretos e se encontre documentado o respetivo montante, a L. não tem direito à dedução do mesmo, já que esse direito surge ou é obtido como consequência do seu envolvimento nesses circuitos fraudulentos. Esta dedução de imposto tem por base operações que foram simuladas e manipuladas, tendo por objectivo lesar o Estado, participando a L. neste mecanismo fraudulento, criando artificialmente os pressupostos exigidos para a dedução do IVA e a criação de crédito de imposto. Assim, nos termos do previsto no n.º 3 do artigo 19º do Código do IVA, a L. não tem direito à dedução do Imposto suportado nas faturas emitidas pelos seus fornecedores diretos (operadores buffer), que tiveram origem em operadores M.
Tal pressuposto assenta essencialmente no seguinte:
- Estamos perante operações que, pela forma como foram desenvolvidas, revestem a natureza de simulação fraudulenta enquadrada nos artigos 240.º a 242.º do Código Civil (CC), uma vez se ter verificado não só a intenção de enganar a Administração Fiscal como também prejudicar o Estado (animus nocendi).
- No caso em questão existe claramente um abuso de direito previsto no artigo 334.º do mesmo diploma legal, que preceitua que é ilegítimo o exercício, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
- Existe violação do princípio geral do abuso de direito, consagrado na diretiva do IVA e no artigo 334.º do CC, quando pela atuação se concluiu que o objetivo da legislação não foi atingido, não obstante ter havido respeito formal da previsão normativa, e ainda quando há intenção de obter de forma ilegítima um benefício resultante das incongruências ou dificuldades da legislação comunitária.

- O n.º 3 do artigo 19.º do CIVA preceitua que para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efetuaram, não poderão deduzir o imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura.
- As próprias notas explicativas do Código do IVA, referem que “o n.º 3 previne casos que podem constituir operações fraudulentas, destinadas a obter do Estado créditos indevidos, por não terem dado lugar a pagamento do imposto”.
Sufragando a legislação, bem como jurisprudência do TJUE, face ao primado do direito comunitário e do princípio da interpretação conforme n.º 3 do artigo 19.º do CIVA e consequentemente face à atuação da L., consideramos que o objetivo da legislação não foi atingido, não obstante ter havido respeito formal da previsão normativa.
Do exposto, resulta que os circuitos em que empresa L. participou, embora formalmente corretos, eram montados intencionalmente para que as partes envolvidas obtivessem ilegitimamente um benefício, pelo que há abuso de direito, e, nos termos do n.º 3 do artigo 19.º do CIVA, não se pode permitir a dedução do IVA.

1.11- Correções
Assim, nos termos do previsto no n.º 3 do artigo 19º do Código do IVA, e de forma a repor a verdade material, a empresa L. não tem direito à dedução do Imposto suportado nas facturas emitidas pelos seus fornecedores diretos (operadores buffers –
A., A., W., dos circuitos referidos no ponto 1.5, e caraterizados no ponto 1.6). O imposto não dedutível totaliza o montante de €58.185,06,
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

repartido pelos respetivos períodos de imposto conforme se evidencia nos quadros seguintes:

NOTA: Não efetuamos correções às deduções relativas ao circuito 2 (ponto 1.5.2), na medida em que tal já foi realizado na ação inspectiva à empresa T. (fornecedora da L. neste circuito).

2- Uso de faturas falsas
2.1- Foi através do anexo recapitulativo de fornecedores da empresa L. que detetámos uma divergência relativa ao ano de 2012, conforme quadro seguinte:
(…).
2.18- Correcções
(…).
2.18.1.2- Assim, nos termos do previsto no n.º 3 do artigo 19º do Código do IVA, a empresa L. não tem direito à dedução do Imposto suportado nas facturas emitidas pela empresa E. referidas no ponto 2.2 do presente capítulo. O imposto não dedutível totaliza o montante de €7.757,48, repartido pelos respectivos períodos de imposto conforme se evidencia no quadro seguinte:
(…).
CAPÍTULO VIII – OUTROS ELEMENTOS RELEVANTES
Conforme se constata ao longo do presente projeto de relatório, principalmente através das informações da DSIFAE e da DF de Lisboa (ponto 1.6 do Cap. III), o número de empresas envolvidas nos circuitos / esquemas de fraude ao IVA é muito elevado, sendo que em relação a muitas delas decorrem ainda procedimentos inspetivos. A atuação da empresa L. não se pode dissociar da atuação das empresas envolvidas nos circuitos em que teve participação, nomeadamente da empresa T., com a qual partilha diversas situações (ver ponto 5 do Cap. II) (…)” cfr. Relatório de Inspecção Tributária a fls., a fls. 26 a 175 do PA;

F). Pelo ofício n.º 3273, de 25.06.2014, expedido sob o registo “RD 2112 2773 0 PT”, foi a Impugnante notificada do Relatório de Inspecção Tributária referido no ponto anterior – cfr. documentos a fls. 21, 22 e 25 do PA;
G) Pela Divisão de Investigação da Fraude e Acções Especiais da Direcção de Serviços de Investigação da Fraude e de Acções Especiais, foi emitida a informação n.º “DSIFAE/138/2014”, de 03/03/2014, que faz parte integrante do Relatório de Inspecção Tributária elaborado e da qual resulta, em suma, o seguinte:
“1. INTRODUÇÃO
Na sequência de vários Procedimentos de Inspecção Tributária que decorrem e outros que ainda decorrem nesta Direcção de Serviços, no intuito de averiguar o possível envolvimento dos sujeitos passivos numa rede de fraude carrossel na área dos telemóveis, foi emitido o Despacho n.º DI201400023, datado de 2014/02/04, exarado pelo Director de Serviços de Investigação da Fraude e de Acções Especiais (DSIFAE), nos termos do disposto nos n.ºs 4 e 5 do Artigo 46º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 413/98, de 31 de Dezembro, no sentido de ser efectuado um Procedimento de Inspecção Externa, referente aos anos de 2013 e 2014, junto do sujeito passivo G., S.A., doravante designado por G., NIF (…), com o objectivo de verificar os preços praticados nos telemóveis.
J) CARACTERIZAÇÃO DO SUJIETO PASSIVO
Iniciou a sua actividade em 2013-05-01, encontrando-se registado para o exercício da actividade de “Comércio a Retalho de Computadores, un. Perif. Program. Informáticos, Estb”, CAE 47410. (…).
2. DILIGÊNCIAS EFECTUADAS E FACTOS APURADOS
A G. é uma “Apple Premium Reseller”, ou seja revendedor autorizado de produtos de marca Apple, com loja on-line (http://www.gms-store.com/gms-store) e 3 lojas físicas em Centros Comerciais: Almada fórum, Amoreira Shopping e Colombo.
Tendo em conta que o objectivo da nossa acção é a verificação de quais os preços praticados nos telemóveis de marca Apple, mais especificamente os IPHONE 5S, por serem os topo de gama mais recentes no mercado, contactámos telefonicamente com o Director Comercial da G., J., no sentido de obter essas informações.
Foi-nos esclarecido que a G., que já era “Appe Premium Reseller” para produtos como os Mac, IPad e IPod, passou apenas a partir de Novembro de 2013 a comercializar os IPHONES (16Gb e 32Gb), integrando estes produtos no seu contrato de “Apple Premium Reseller”.
Informou-nos igualmente que o mercado dos IPHONE, alterou em Novembro de 2013. Até então os distribuidores oficiais compravam os IPHONE às operadoras móveis e a partir de Novembro o Distribuidor Autorizado para Portugal da Apple (até então apenas nos produtos Mac, IPad e IPod) passou a distribuir também os IPhones (16 Gb e 32 Gb). Este Distribuidor Autorizado, e fornecedor da G., é a empresa T., Lda (www.techdata.pt).
Em deslocação ao domicílio fiscal da G., J. forneceu-nos, a título de exemplo, três facturas de compra ao fornecedor T., Lda, uma referente a Novembro e outra a Dezembro de 2013 e a última referente a Janeiro de 2014, donde constam os IPHONE 5 S (16 Gb e 32 Gb) de várias cores, como forma de podermos verificar que os preços de compra são constante ao longo do tempo e não alteram consoante a cor (Anexo I 11 folhas).
No que se refere aos preços de venda dos mesmos produtos, tanto na loja on-line da G., como nas suas 3 lojas de venda ao público, os preços são igualmente constantes (Anexo II 1 folha): IPHONE 5S 16 Gb a 699 € e IPHONE 5S 32 GB a 799€, valores com IVA incluído. Estes preços alinham com os preços de venda no site da própria APPLE.
Referiu-nos ainda que a comissão/ganho da G., é de 7% sobre o Preço de Venda ao Público (IVA excluído).
Resumem-se abaixo os preços de compra e venda dos IPHONE 5S comercializados pela G. (valores com IVA excluído):
Margem % [ (2) -
Preço CMP (1)Preço VND (2)(1)]/(2)]
Iphone 5S
16GB528,53 €568,29 €7%
Iphone 5S
32GB604,14 €649,59 €7%
(…)” – cfr. anexo 6 do Relatório de Inspecção Tributária, a fls. 128 a 129 do PA;

H) No âmbito do procedimento de inspecção referido, foram efectuadas correcções, de natureza meramente aritmética, em sede de IVA e de IRC - cfr. Relatório de Inspecção Tributária a fls., a fls. 26 a 175 do PA;
I) Na sequência das referidas correcções foram emitidas liquidações de IVA e correspondentes liquidações de juros, a saber:
NR. DOC.PERÍODOVALORNATUREZA
2014 000100744302013021.709,35Imposto
2014 00010074431201302130,28Juros mora
2014 0001007443220130342,69Imposto
2014 000100744332013046.452,92Imposto
2014 00010074434201304494,74Juros mora
2014 000099159952013063.898,30Imposto
Juros
2014 00009915996201306132,43compensatór
ios
2014 000100744352013095.185,13Imposto
2014 00010074436201309208,53Juros mora
2014 000100744372013102.313,08Imposto
2014 0001007443820131081,79Juros mora
2014 000100744392013112.951,21Imposto
2014 0001007444020131189,51Juros mora
2014 000100745242014014.548,88Imposto
2014 0001007452520140197,26Juros mora
2014 000100745262014022.787,77Imposto
2014 0001007452720140246,5Juros mora
2014 0001007452820140310.656,00Imposto
2014 00010074529201403126,04Juros mora
2014 000100745302014055.077,83Imposto
2014 0001088031620140559,84Imposto
2014 00011574032201406398,84Imposto
TOTAL47.488,92
- cfr. documento n.º 1, junto pela Impugnante, a fls. 45 a 88 dos autos;
J) A Impugnante procedeu ao pagamento das liquidações aludidas no ponto anterior – cfr. documento n.º 1, junto pela Impugnante, a fls. 45 a 88 dos autos;
K) A sociedade “A., Lda” emitiu a factura n.º 2012-004379, com data de 18/11/2012, dirigida à Impugnante, relativa a 150 unidades de telemóveis “Samsung Galaxy Y S5360” (ao preço por unidade de € 74,79 sem IVA), no valor global de € 13.798,76 (com IVA) – cfr. documento n.º 3, fls. 1, junto pela Impugnante, a fls. 90 dos autos;
L) Os telemóveis aludidos na alínea anterior foram entregues à Impugnante, sendo que esta procedeu ao pagamento da quantia constante na factura respectiva através do cheque n.º 1648159991 – cfr. documento n.º 3, fls. 2 a 4, junto pela Impugnante, a fls. 91 dos autos;
M) A Impugnante vendeu os 150 telemóveis “Samsung Galaxy S5360”, adquiridos à sociedade “A., Lda”, à sociedade “S. , Lda”, ao preço por unidade de 88,00 com IVA cfr. documento n.º 16, fls. 1 a 5, junto pela Impugnante, a fls. 135 a 148 dos autos;
N) A sociedade “A. , Lda.” emitiu a factura n.º F 114, com data de 14/03/2013, dirigida à Impugnante, relativa a 160 unidades de telemóveis “Samsung Galaxy Y S5360” (ao preço por unidade de € 61,00 sem IVA), no valor de € 12.004,80 (com IVA) – cfr. documento n.º 5, fls. 1, junto pela Impugnante, a fls. 95 dos autos;
O) Os telemóveis aludidos no ponto anterior foram entregues à Impugnante, sendo que esta procedeu ao pagamento da quantia constante na factura respectiva através de transferência bancária, em 19/03/2013 – cf. documento n.º 5, fls. 2, junto pela Impugnante, a fls. 96 dos autos;
P) A Impugnante exportou, para sociedade “M.”, sita no Dubai, os 160 telemóveis “Samsung Galaxy Y 5360”, adquiridos pela factura n.º F 114, à sociedade “A. , Lda.”, pelo preço por unidade de 64,00 cfr. documento n.º 17, fls. 10 e 11, junto pela Impugnante, a fls. 149 e 150 dos autos;
Q) A sociedade “A. , Lda.” emitiu a factura n.º F 144, com data de 13/06/2013, dirigida à Impugnante, relativa a 100 unidades de telemóveis “Iphone 5 16 GB” (ao preço por unidade de € 467,00 sem IVA), no valor total de € 57.441,00 (com IVA) – cfr. documento n.º 7, fls. 1, junto pela Impugnante, a fls. 98 dos autos;
R) Os telemóveis aludidos na alínea antecedente foram entregues à Impugnante, sendo que esta procedeu ao pagamento da quantia constante da factura respectiva através de transferências bancárias, em 14 e 24 de Junho de 2013 – cfr. documento 7, fls. 2 a 6, junto pela Impugnante, a fls. 99 a 103 dos autos;
S) A sociedade “W. Lda.” emitiu as facturas “WT-002021” e “WT-002023”, datadas de 20/06/2013, dirigidas à Impugnante, sendo a primeira relativa a 260 unidades de telemóveis “Apple Iphone 5 16 GB Black” (ao preço por unidade de € 465,00 sem IVA), no valor total de € 148.707,00 (com IVA) e a segunda relativa a 40 unidades de telemóveis ““Apple Iphone 5 16 GB Black”, e a 100 unidades de telemóveis “Apple Iphone 5 16 GB White” (ao preço por unidade de EUR 460,00 sem IVA), no valor total de EUR 79.212,00 (com IVA) – cfr. documento n.º 8, fls. 1, junto pela Impugnante, a fls. 104 dos autos e documento n.º 9, fls. 1, junto pela Impugnante, a fls. 106 dos autos;
T) Os telemóveis aludidos na alínea anterior foram entregues à Impugnante sendo que esta procedeu ao pagamento da soma das quantias constantes das facturas respectivas através do cheque n.º 0354175663 – cfr. documento n.º 10, fls. 1 a 3, junto pela Impugnante, a fls. 108 a 110 dos autos, documento n.º 8, fls. 2, junto pela Impugnante, a fls. 105 dos autos e documento n.º 9, fls. 2, junto pela Impugnante, a fls. 107 dos autos;
U) Os 500 telemóveis “iphone 5 16 GB” referidos na factura n.º F 144, emitida pela “A. , Lda.” (100 telemóveis), e nas facturas n.ºs “WT-002021” (260 telemóveis) e “WT-002023” (140 telemóveis), emitidas pela “W. Lda.”, foram exportados para a sociedade “A.”, sita Dubai, ao preço por unidade de € 484,00 – cfr. documento n.º 18, fls. 1 a 9, junto pela Impugnante, a fls. 151 a 169 dos autos;
V) A Impugnante submeteu, por via electrónica, em 28/12/2012, a declaração periódica de IVA, do mês de Novembro de 2012, na qual apurou um crédito de imposto, no montante de € 19.903,03, que reportou para o período de imposto seguinte – cfr. documento n.º 2, junto pela Impugnante, a fls. 89 dos autos;
W) A Impugnante submeteu, por via electrónica, em 06/05/2013, a declaração periódica de IVA, do mês de Março de 2013, na qual apurou um crédito de imposto, no montante de € 6.452,63, que reportou para o período de imposto seguinte – cf. documento n.º 4, junto pela Impugnante, a fls. 94 dos autos;
X) A Impugnante submeteu, por via electrónica, em 26.06.2013, a declaração periódica de IVA, do mês de Junho de 2013, na qual apurou um crédito de imposto, no montante de € 47.443,60, que reportou para o período de imposto seguinte – cfr. documento n.º 6, junto pela Impugnante, a fls. 97 dos autos;
Y) A Impugnante nunca solicitou qualquer reembolso de imposto na sequência do apuramento dos créditos de imposto referidos nas alíneas V) W) e X);
Z) A Impugnante tinha experiência sobretudo na compra de telemóveis de operador;
AA) A 12.04.2013, foi enviada, pela “€”, para o correio electrónico “x.com”, uma proposta de aquisição de telemóveis, da qual consta o telemóvel “IPhone 5 16GB”, com o preço atribuído de € 455,00 - cf. documento n.º 14, fls. 1 e 2, junto pela Impugnante, a fls. 124 e 125 dos autos;
BB) A 15.05.2013, foi enviada, pela “€.”, para o correio electrónico “X.com”, uma proposta de aquisição de telemóveis, da qual consta o telemóvel “IPhone 5 16GB”, com o preço atribuído de € 458, 00 - cfr. documento n.º 14, fls. 3 e 4, junto pela Impugnante, a fls. 126 e 127 dos autos;
CC) Os preços de venda, na Internet, dos telemóveis “IPhone 5 16GB branco” apresentam oscilações cfr. documento n.º 12, fls. 1 a 4, junto pela Impugnante, a fls. 114 a 117 dos autos e documentos n.º 15, fls. 1 a 3, junto pela Impugnante, a fls. 132 a 134 dos autos;
DD) O preço constante na factura n.º 66/2013, emitida pela “I., Lda”, relativo à aquisição, pela Impugnante, de um telemóvel “Samsung Gt-I9100 Galaxy SII” é um preço de venda ao público
– cfr. documento a fls. 5 do anexo 5 do Relatório da Inspecção Tributária, a fls. 123 do PA;
EE) O preço constante nas facturas n.ºs TVCSG13000556, de 20/02/2013, e TVCSG13002493, de 29/07/2013, relativo à aquisição, pela Impugnante, de dois telemóveis “TMNE IPhone 5 16 GB Preto” é um preço de venda ao público – cfr. documentos a fls. 7 e 8 do anexo 5 do Relatório de Inspecção Tributária, a fls. 125 e 126 do PA e junto a fls. 322 a 323 dos autos.
*
Factos não provados:
Com interesse para a decisão da causa, consideram-se não provados os seguintes factos:
1. A Impugnante teve contacto e/ou negociou com as sociedades “P., Lda.” e “F., Lda.” e conhecia a ligação das mesmas aos circuitos referidos no Relatório de Inspecção Tributária;
2. A Impugnante sabia como era exercida a actividade da empresa “A., Lda.” e conhecia a sua ligação aos “circuitos” referidos no Relatório de Inspecção Tributária;
3. A Impugnante sabia da “quebra do preço” dos telemóveis, após as aquisições intracomunitárias de bens, por parte das sociedades aludidas em 1.;
4. A Impugnante tinha conhecimento de que as empresas, suas fornecedoras, “A. , Lda” e “W., Lda.” Tinham anteriormente negociado com as empresas aludidas em 1. e conhecia a sua ligação aos “circuitos” referidos no Relatório de Inspecção Tributária;
5. As sociedades “T. , Lda.” e “M.” foram criadas com o objectivo de alargar os “circuitos” referidos no Relatório de Inspecção Tributária.
*
Motivação da matéria de facto:
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base nos documentos juntos aos autos que, pela sua natureza e qualidade, mereceram a credibilidade do Tribunal, em conjugação com a livre apreciação da prova.
A convicção do Tribunal estribou-se, ainda, na apreciação crítica e conjugada, à luz das regras da experiência, da prova testemunhal, designadamente nos depoimentos das testemunhas A. – representante de uma empresa fornecedora da Impugnante -, D. – funcionário da Impugnante, desde 2010, onde exerce funções de técnico de instalações e manutenções - , T. - representante da empresa “W., Lda.” -, R. representante da empresa “S., Lda.” (testemunhas arroladas pela Impugnante) e J. – Inspector Tributário e que disse conhecer a Impugnante por ter efectuado uma acção inspectiva à mesma - (testemunha arrolada pela Administração Tributária).
Para a formação da convicção do Tribunal foram, ainda, determinantes as declarações de parte de J. (sócio-gerente da Impugnante).
Todas as testemunhas, bem como J., apresentaram um discurso fluido, circunstanciado e objectivo, merecendo, por isso, credibilidade, razão pela qual foi valorizada positivamente a versão dos acontecimentos que carrearam para estes autos.
Vejamos pormenorizadamente.
Para prova dos factos constantes nas alíneas L), M), O), P), R), T), U), Z), CC), e EE) foram determinantes as declarações de parte de J., em conjugação com a prova documental referenciada em cada um dos pontos do elenco da matéria de facto provada referidos e com a prova testemunhal produzida. As declarações de parte do sócio-gerente da Impugnante foram ainda relevantes para que o Tribunal tivesse dado como não provados os factos constantes nos pontos 1. a 5.
J. referiu que a Impugnante começou por se dedicar ao comércio de telecomunicações e que tinha, por isso, ligações com os operadores “MEO”, “PT”, “Zon”, “Optimus” e “Vodafone”. Disse que, posteriormente, em finais do ano de 2013, criou outra empresa - a “T. , Lda.” -, com o objectivo de, através da mesma, exportar telemóveis.
Explicou que, em Junho/Julho de 2012, a Impugnante queria exportar equipamento de operador mas, como era uma empresa conhecida e não queria entrar para a “lista negra” dos operadores – que demonstravam relutância relativamente às exportações -, propôs a uma colega colocar em seu nome a “T. , Lda.” que, porém, ficaria, no plano dos factos, a ser gerida por si. Era uma forma de o nome da Impugnante e o seu nome não ficarem associados à exportação. Explicou que assim foi por uma questão de respeito aos operadores.
J. contou que foram vendidos vários telefones de operador, até que, em Março/Abril de 2013, começaram a ser vendidos telefones livres. Explicou que, nessa altura, houve uma grande alteração em termos de operadores - que reduziram muito as comissões -, o que fez com que o negócio começasse a ficar insustentável. Referiu que, por isso, mudou de estratégia quanto à actividade que vinha sendo desenvolvida na Impugnante – e cuja rentabilidade estava a baixar – e começou também aí a apostar na exportação.
Declarou que a Impugnante concorreu a um projecto de internacionalização, tendo começado a exportar, através da mesma, telefones livres. Referiu que foi exportando ainda pela “T. , Lda” com a ideia de a fechar porque queria apostar na actividade da Impugnante.
Em relação à empresa “A. , Lda.”, contou que conheceu S. na Alemanha, numa feira de tecnologia. Contou que S. lhe disse que era de Lisboa e lhe deu um cartão e que, a partir daí, foram falando. Explicou que, certo dia, S. lhe telefonou a oferecer 150 telemóveis “Samsung S2”, modelo 9100, e que negociou com ele.
Disse que, entretanto, foram aparecendo outras oportunidades e que foi negociando. Esclareceu que na aludida feira arranjava contactos de todo o mundo e que todos os dias recebia propostas de venda através de correio electrónico.
Contou que comprava a S. telemóveis “Samsung” e “IPhones” (por serem marcas muito comercializáveis) e que lhe ligava quando precisava de produtos. Segundo disse, o material era entregue com recurso a várias transportadoras, por conta de S., e o pagamento era efectuado por transferência bancária.
J. prosseguiu com as suas declarações referindo-se à empresa “W., Lda.”. Contou que tal empresa era representada por T., que lhe telefonava, diversas vezes, a perguntar se queria telefones.
Clarificou que inicialmente não negociou com T., mas que posteriormente começou a negociar porque ela lhe disse que já estava com uma empresa nova em nome dela.
Explicou que fez três encomendas e que o pagamento foi efectuado por cheque.
De seguida, J. disse recordar-se da compra realizada à empresa “A., Lda.”. Explicou que, inicialmente, tinha dito ao Inspector Tributário, no âmbito da inspecção à contabilidade da Impugnante, que não se recordava do negócio porque, de facto, não se lembrava. Só depois de o Inspector lhe ter mostrado uma factura de uns telemóveis “Samsung” é que se recordou que eram os telemóveis cuja venda lhe foi proposta, telefonicamente, por T.. T. disse-lhe que tinha telemóveis “Samsung S53 60” e que, como sabia que tais telemóveis estavam a sair do mercado, resolveu adquiri-los. Disse que hoje sabe que “aquilo foi fisgada dele porque ele sabia que aqueles telefones iam baixar de preço e como não queria ficar com eles encravados tentou encravá-los a alguém e suponho que fui eu o mártir”.
Contou que disse a T. que ficava com os telemóveis mas que não sabia que os mesmos eram da “A., Lda.”, nem qual era a empresa. Explicou que, como em qualquer outro negócio, pediu a T. que lhe trouxesse os telemóveis e passou o cheque. Acrescentou que nem olhou para as facturas, circunstanciando que os telemóveis foram entregues por volta das 20h00 e que se houvesse as gravações da Caixa Geral de Depósitos - sita ao lado do seu escritório – seria possível ver as imagens de descarregamento do material. Reiterou que nunca reparou no nome “A., Lda.”, e que só posteriormente é que o Inspector lhe disse que conhecia a empresa porque tinha esse negócio. Disse expressivamente: “Eu não conhecia a empresa e continuo sem conhecer. Comprei esse material ao tal T. que me telefonou. Entregaram-me o produto e eu paguei-o com cheque”.
J. contou que era ele quem fazia a gestão da empresa “M.”. Explicou que essa empresa estava liga a E. com quem mantinha uma relação extraconjugal e que quis ajudar. Referiu que propôs a E. abrir um negócio, em nome dela, e ajudá-la. O seu intuito, segundo contou, era fazer com que “M.” crescesse, uma vez que a Impugnante era 50% sua e 50% da sua mulher (de quem se veio, posteriormente, a divorciar).
Por outro lado, J. pronunciou-se quanto às situações em que não tinham sido identificados os telemóveis com “imeis”. Explicou que quando os telemóveis chegavam à empresa eram geralmente picados com uma pistola de laser de “imeis”, apesar de tal registo não ser obrigatório, à excepção de duas ou três situações na “T. , Lda.” e na Impugnante em que os telemóveis – por chegaram muito em cima da hora da exportação – não chegaram a ir à empresa e foram directamente para o aeroporto.
No que concerne aos preços dos telemóveis, confrontado J. com as fls. 5 a 8 do anexo 5 do Relatório de Inspecção Tributária, constante do processo administrativo, o mesmo teve a oportunidade de se pronunciar sobre cada um dos documentos aí constantes.
Assim, J. disse reconhecer a factura emitida pela “I., Lda”, a fls. 5 do anexo referido, relativa à aquisição de um telemóvel “Samsung GT-I19100 Galaxy SII”, pelo preço de 295,12 sem IVA (€ 363,00 com IVA). Explicou que essa empresa não era fornecedora habitual da Impugnante.
Segundo J., a “I., Lda” tem uma loja aberta ao público onde, em situações de urgência, se dirige para adquirir material. Explicou que o fazia para não perder os clientes que, num determinado momento, decidiam comprar quando ele não tinha o produto. Disse que o preço constante da factura era um preço de venda ao público.
Conclui-se do depoimento da testemunha que o telemóvel foi adquirido para satisfazer pedido pontual de um cliente quanto a um modelo que a Impugnante não tinha disponível tendo recorrido àquela loja de venda ao público.
O Tribunal concluiu da forma referida por ter considerado, além das declarações de parte, o documento n.º 1, fls. 1, junto pela Impugnante com as suas alegações escritas [factura emitida pela Impugnante na qual se pode verificar que o telemóvel foi vendido exactamente ao mesmo preço pelo qual tinha sido adquirido].
J. disse também reconhecer as duas facturas emitidas pela “T., S.A.”, a fls. 7 e 8 do anexo referido, relativas à aquisição de dois telemóveis “IPhone 5 16GB Preto”, pelo preço de 560,89 (sem desconto e sem IVA). Explicou que, neste dois casos, estava em causa o que se designa por “telemóvel de operador” e que o preço referido era também de venda ao público.
Acresce que, conforme se constata das fls. 2 e 3 do documento n.º 1, junto pela Impugnante com as suas alegações escritas, estes telemóveis também foram vendidos ao mesmo preço pelo qual foram adquiridos.
J. referiu que o preço constante das facturas (preço estabelecido para venda ao público) não era comparável com o preço dos telemóveis adquiridos para revenda.
Questionado sobre a forma como controlava os preços dos telemóveis, J. explicou que os preços variavam muito.
Referiu que nunca comprou a empresas internacionais porque, apesar de as mesmas poderem oferecer preços mais baixos, o negócio não compensava porque tinha que investir dinheiro no transporte e no seguro, além de que as entregas de material eram mais demoradas. Disse ser patriota e preferir comprar cá e vender para fora.
Interrogado pelo Representante da Fazenda Pública, J. manteve o seu discurso firme e coerente. Disse, de forma contundente, que não sabia qual era a origem dos telemóveis e que os tinha comprado a empresas fiáveis que lhe apresentaram uma certidão de não dívida, razão pela qual aceitou celebrar os negócios.
Ainda durante a instância do Representante da Fazenda Pública, J. foi questionado concretamente sobre a empresa “A. , Lda.” e sobre a sua relação com S.. J. explicou que conheceu S. na Alemanha, que trocou cartões com ele, comprou os telefones e pagou. Disse ao Tribunal que sentiu confiança para celebrar o negócio.
Destacam-se pela, espontaneidade e assertividade, os seguintes excertos das declarações prestadas, por J., durante a inquirição do Representante da Fazenda Pública: “Eu comprei, recebi a factura, recebi o produto e paguei. Se ele apresenta certidões de não divida às Finanças e à Segurança Social, o que é que eu posso fazer mais? Não negoceio, vou-me retrair, vou-me retrair como uma lesma? Eu informei-me nas finanças se aquela empresa tinha dívidas”. (…). Se o produto me aparece na minha casa com a factura qual é o problema? Quem tem que responder pelo produto roubado não sou eu! Nunca tive contacto pessoal com ninguém. (…). A W. não sei se tinha instalações, não me interessa isso. Eu sempre negociei telefones, desde 98. Com toda a gente. Nunca paguei os telefones antes de o receber. Vejo os telefones… Não podemos colocar tudo em causa porque ou não temos sucesso ou damos em malucos. Com este tipo de situações eu entrei em depressão. O complicar isto deu-me um nó no cérebro. (…).”
Para prova do facto constante na alínea CC) foi também determinante o depoimento da testemunha A.. O depoimento desta testemunha relevou, ainda, para que o Tribunal tivesse dado como não provado o facto constante no ponto 3.
A testemunha – que referiu ser fornecedor da Impugnante, há 10/15 anos, e representar uma empresa que é subagente da “Nós” (antiga “Optimus”) – referiu que os preços dos telemóveis “IPhones” oscilavam.
Confrontada a testemunha com o documento n.º 15, junto pela Impugnante, o mandatário da mesma explicou que tal documento espelhava uma pesquisa, por si efectuada na Internet, que reflectiva a existência de três endereços electrónicos distintos (“www.gms–store.com”, “www.pixmania.pt” e o www.oprecoespecial.pt) com o mesmo produto – o telemóvel “IPhone 5s 16 GB” – com diferenças de preço de venda (€ 599,00; € 535,00; e € 509,00). De seguida, a testemunha referiu que a existência dessas diferenças era normalíssima. Acrescentou que se nos operadores não se assistia a esta diferença de preços, nos telemóveis livres, em contrapartida, as discrepâncias eram frequentes.
De seguida, o Tribunal ouviu a testemunha D., cujo depoimento foi determinante para que o Tribunal desse como não provados os factos constantes nos pontos 1., 2., 4., e 5. O depoimento da testemunha foi também relevante para prova dos factos constantes nas alíneas O), P), R), T) e U).
A testemunha – que (recorde-se) disse ser funcionário da Impugnante, desde 2010, e exercer para a mesma funções de instalação e manutenção de equipamentos – corroborou, com o seu depoimento, a versão dos acontecimentos, trazida aos autos, por J.. Assim, a testemunha revelou conhecer T. e M. S., tendo conseguido associar a primeira à empresa “W., Lda”.
A testemunha nunca referiu ter tido contacto com os representantes das sociedades “P., Lda.”, “F., Lda.”, referindo-se, antes, aos representantes das empresas “A. , Lda” e W., Lda”, com quem, segundo J., a Impugnante negociava. Tal circunstância é, aliás, também é atestada pela prova documental junta aos autos e constante do processo administrativo.
A testemunha também não fez referência ao representante da “A., Lda” nem à própria empresa, o que relevou no sentido da inexistência de prova suficiente quanto ao conhecimento pela Impugnante da actividade exercida por essa empresa, por evidenciar a ausência de ligação entre as mesmas.
Não obstante tenha existido uma relação comercial entre elas – reflectida na factura datada de 18.11.2012, relativa à aquisição de telemóveis “Samsung galaxy y S5360” J. já havia explicado ao Tribunal os contornos da mesma, tendo enaltecido a circunstância de desconhecer a forma como a actividade daquela empresa era desenvolvida, bem como a sua suposta ligação à “rede”.
Por último, a testemunha disse conhecer Elsa Maria a quem associou a empresa “M.”, tal como o fez J..
No demais, a testemunha teve oportunidade de se referir quanto à efectiva aquisição dos bens por parte da Impugnante, realidade que, de resto já resultava do teor do próprio Relatório de Inspecção Tributária e dos documentos constantes do processo administrativo e dos autos, mas posta em causa, designadamente, nos artigos 54.º e 59.º da contestação apresentada pela Administração Tributária.
A testemunha referiu, assim, a respeito da materialidade das operações, que as empresas fornecedoras da Impugnante vendiam telemóveis em quantidades e que tinha conhecimento disso porque os telemóveis passavam por si. Pormenorizou que colocava os telemóveis em caixa para os mesmos serem exportados e que eram seguidas determinadas regras na embalagem dos mesmos (por exemplo, eram utilizadas caixas de madeira construídas por si e pelo seu pai).
Disse que os telemóveis eram da marca “Iphone” e “Samsung”, tendo, ainda, contado ao Tribunal que esteve com eles na mão, pois fazia a picagem dos “imeis”. Referiu que acompanhou a entrega dos telemóveis junta da Alfândega.
Posteriormente foi ouvida a testemunha T. – representante da empresa “W., Lda” -, cujo depoimento foi relevante no que concerne aos factos tidos como provados constantes nas alíneas T) e U), por ter sido, a esse respeito, claro, pormenorizado e espontâneo.
A testemunha começou por referir que forneceu à Impugnante telemóveis.
Confrontada com os documentos n.ºs 8 e 9, juntos pela Impugnante, a fls. 104 a 107 dos autos, disse reconhecer os mesmos. Esclareceu que se tratavam de facturas emitidas pela sua empresa relativamente ao fornecimento à Impugnante de telemóveis “Iphone 5”.
Disse que o produto tinha sido entregue ao Senhor A., e que este o pagou na totalidade. Contou ao Tribunal que os pagamentos foram efectuados sempre por cheques, que eram, por si, depositados ao balcão. Mais referiu que o valor pago tinha sido o valor convencionado e que constava da factura.
A testemunha explicou porque é que tinham sido emitidas duas facturas, no mesmo dia, respeitantes aos mesmos telemóveis, com locais de descarga distintos. Assim, declarou ao Tribunal que no dia em causa teve, excepcionalmente, que fazer dois transportes. Disse que tinha acordado com o sócio-gerente da Impugnante a venda de 260 unidades, mas que, durante a viagem de transporte, aquele lhe pediu mais 140, razão pela qual teve que fazer outra factura e ir buscar as restantes unidades. Explicou que o preço dos telemóveis era distinto porque os 140 telemóveis mencionados na segunda factura tinham a “masterbox” danificada, razão pela qual, aliás, J. hesitou em comprá-los inicialmente.
Disse que para o transporte dos telemóveis utilizou o veículo automóvel “Polo” e que no mesmo até cabiam mais telemóveis do que os que foram transportados.
Referiu que a segunda encomenda (a de 140 telemóveis) surgiu quando já ia a caminho de Barroselas, razão pela qual voltou para Lisboa, pegou nos 140 telemóveis e emitiu a factura e a guia de transporte. Segundo a testemunha, J. disse-lhe para ir ao seu encontro, a Santarém. Explicou que o sistema informático assumia automaticamente a morada do cliente e que, com a pressa, não alterou na factura o local da entrega, fazendo constar Santarém.
A última testemunha, arrolada pela Impugnante, a ser ouvida pelo Tribunal foi R. representante da empresa “S., , Lda”. O depoimento desta testemunha foi relevante no que concerne à prova dos factos constantes nas alíneas L) e M). O depoimento da testemunha foi ainda relevante para dar como não provado o facto constante do ponto 3.
A testemunha começou por referir que vendia e comprava telemóveis, quer a operadores quer a entidades livres. Referiu que no âmbito dos negócios de telemóveis livres, comercializava telemóveis, designadamente, das marcas “Samsung” e “IPhone”, estando a sua empresa voltada, em 90%, para a exportação.
Contou ao Tribunal que, a nível nacional, comprava a várias empresas, designadamente à “W., Lda.” (relacionando-se com a Senhora T.), à “A. , Lda” (relacionando-se com o Senhor S.) e à “A., Lda.”
Referiu que também adquiria telemóveis a fornecedores internacionais, quando os preços eram mais favoráveis.
A testemunha foi confrontada com os documentos n.ºs 13 e 14, juntos pela Impugnante.
O documento n.º 13 diz respeito a uma mensagem de correio electrónico enviada pela “A.” à Impugnante, da qual consta uma oferta de preço relativa ao telemóvel “IPhone 5 16 GB”.
O Tribunal não teve, porém, em consideração a realidade contida no documento acabado de referir na medida em que se trata de um documento datado de 18/08/2014 e, portanto, com data posterior à ocorrência dos factos tributários aqui em causa. Acresce que existem nos autos outros elementos de prova quanto à realidade almejada provar pela Impugnante – vide factos provados constantes nas alíneas AA) e BB).
Relativamente ao documento n.º 14 [mensagens de correio electrónico enviados à Impugnante com propostas de venda de telemóveis, conforme alíneas AA) e BB) do probatório assente], a testemunha acabou por referir que se tratavam de mensagens enviadas pelas empresas que estavam nas feiras internacionais, com as quais eram trocados contactos, através de uma plataforma própria.
A testemunha disse que quando negociava com a “A. , Lda”, “A. , Lda.” eW. , Lda” (fornecedores comuns com a Impugnante), os telemóveis eram entregues e depois pagos.
Confrontado, ainda, com o documento n.º 16, junto pela Impugnante, disse reconhecer o mesmo e lembrar-se da mercadoria nele referida. Explicou que a Impugnante lhe vendia determinados telemóveis e que se lembrava de o Senhor A. lhe ter telefonado para ver se precisava do modelo em causa. Pormenorizou que, por uma questão de conveniência, marcaram encontro junto da bomba de gasolina, ao pé do “Norte Shopping”, onde o produto lhe foi entregue. Explicou que o Senhor A. lhe permitiu que efectuasse o pagamento, por duas ou três vezes, o que veio a concretizar-se através de transferência bancária.
Por último, o Tribunal ouviu a testemunha, arrolada pela Administração Tributária, J. (inspector tributário que participou na inspecção realizada à Impugnante).
Ainda que tivesse prestado um depoimento claro, pormenorizado e espontâneo, a testemunha limitou-se a corroborar a informação contida no Relatório de Inspecção Tributária, por si elaborado, pelo que – e atenta a restante prova produzida -, o seu depoimento não foi suficiente para o Tribunal entender dar como provados os factos constantes nos pontos 1. a 5. Por outro lado, o depoimento da testemunha foi relevante para o Tribunal dar como provado o facto constante na alínea Y) (facto que sempre resultaria provado atento o acordo das partes, manifestado nos seus articulados iniciais).
Acresce que a testemunha disse que a Impugnante formalmente desenvolvida uma actividade lícita (o que, segundo disse, era uma característica dos operadores “broker”) e que nunca pediu um reembolso (tendo uma actividade paralela fazia auto reembolso, isto é, pagava menos ou reportava crédito para o período seguinte).
Referiu que não punha em causa os negócios celebrados pela Impugnante e que durante o tempo que esteve na inspecção da “T. , Lda.” e da Impugnante não encontrou nenhum indício da relação do Senhor A. com as empresas que estavam a montante dos seus fornecedores. Segundo a testemunha, tais indícios só existiam relativamente aos fornecedores directos da Impugnante. Para a testemunha, a Impugnante só estabelecia contacto com os fornecedores e não com os fornecedores de fornecedores.
A testemunha ainda reconheceu que quando refere no Relatório de Inspecção Tributária que Impugnante teve um prejuízo no negócio celebrado com a “A., Lda” incorre em erro de cálculo.
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II.2. Fundamentação de Direito
Importa apreciar se a sentença recorrida padece dos erros de julgamento de facto e de direito que lhe são imputados pela Recorrente.

Tal como foi já referido supra, o objeto do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, impondo o legislador ao Recorrente um ónus muito particular no que diz respeito à fundamentação do recurso no que se refere à impugnação da decisão relativa à matéria de facto (cf. art. 640.º do CPC, aplicável ex vi art. 281.º do CPPT), que encontra a sua razão de ser na necessidade imperiosa de garantir o direito ao contraditório, por um lado, e por outro, na salvaguarda da “(…) rigorosa delimitação do objeto do recurso, até porque o sistema consagrado não permite recursos genéricos contra a matéria de facto” (cf. GERALDES, António Abrantes, PIMENTA, Paulo, e SOUSA, Luis Filipe Pires de – Código de Processo Civil Anotado. Vol. I. 2.ª edição, reimpressão. Coimbra: Almedina, 2020, págs. 797-798).

Assim sendo, e tal como resulta do disposto no supracitado art. 640.º do CPC, aplicável ex vi art. 281.º do CPPT, sempre que seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o Recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição (cf. n.º 1 do art. 640.º CPC), os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados [cf. alínea a)], os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cf. alínea b)]; e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cf. alínea c)].

Por outro lado, e tal como resulta do n.º 2 do mesmo artigo 640.º, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes [cf. alínea a)].
Recordando a noção de erro de julgamento de facto, o mesmo poderá reconduzir-se a um erro de apreciação das provas, ou seja, um “erro de avaliação de um concreto meio de prova, i. e., um erro sobre que factos estão representados por um dado meio de prova”, ou a um erro na fixação dos factos materiais da causa, que se reconduz ao “erro de julgamento dos factos controvertidos, i.e., de subsunção da factualidade dada como representada nos meios de prova a um juízo de realidade ou não realidade da factualidade, trazida para o processo nos termos do artigo 5.º, e tida previamente como controvertida (…)” (cf. PINTO, Rui – Manual do Recurso Civil. Volume I. Lisboa, AAFDL editora, 2020, pág. 31).

Ora, a Recorrente entende, em síntese, que a sentença recorrida padece de erro de julgamento de facto, por nela se ter considerado que a Recorrida logrou provar que desconhecia o esquema de fraude carrossel que a ATA identificou no relatório de inspeção (RIT) que fundamentou as liquidações adicionais de IVA e juros (compensatórios e de mora) referentes aos exercícios de 2013 e 2014 aqui em causa.

Concretizando, refere a Recorrente que a sentença “padece de erro de julgamento no que toca à apreciação e valoração dos factos relevantes para a boa decisão da causa e à aplicação das concomitantes normas legais”, por (i) dar como não provados os factos constantes dos pontos 1 a 5 do item factos não provados; por (ii) dar relevância excessiva ao facto dado como provado na alínea y) do probatório; e (iii) por concluir, a final “no sentido de que nenhum indício existe no Relatório de Inspecção Tributária que afaste a boa-fé da Impugnante, enquanto operador económico/sujeito passivo, quer no plano subjectivo quer no plano objectivo, porquanto do mesmo não é possível concluir que a Impugnante conhecia a existência do esquema fraudulento nem que não podia deixar de o conhecer.” (cf. ponto 2 das conclusões de recurso).

Defende a Recorrente que a sentença deveria ter concluído pelo “inequívoco afastamento da boa-fé da Impugnante”, conclusão essa que deveria ter retirado “do teor do Relatório de Inspeção Tributária de 2014.06.18 (…), a que alude na alínea E) do probatório” e dos respetivos anexos, uma vez que, na sua tese, “o RIT é inequívoco no sentido de demonstrar a ligação da Impugnante, através do seu sócio-gerente J., com os operadores que, a montante, participaram ativamente nos circuitos fraudulentos (fraude em carrossel), em que a Impugnante também participou” (cf. pontos 6 e 7, das conclusões de recurso).

Donde resulta que a Recorrente começa por assacar à sentença recorrida um erro de julgamento de facto, na sua modalidade de erro na fixação dos factos materiais da causa, pretendendo, em suma, que a fundamentação das liquidações adicionais constante do RIT e respetivos anexos deveria ter prevalecido sobre a prova produzida pela Impugnante, aqui Recorrida, e que o Tribunal a quo deveria, por isso, ter concluído que esta última tinha conhecimento do esquema fraudulento.

Para tanto, refere a Recorrente que a “participação ativa da Impugnante nos circuitos fraudulentos (“fraude em carrossel”) resulta desde logo (…) do teor dos pontos 1.2.2.1 e 1.5.1 do capítulo III do RIT (páginas 9 e 15, respetivamente, do RIT), onde se faz referência ao primeiro circuito fraudulento em que a Impugnante esteve envolvida, sendo que as declarações de parte prestadas a este propósito pelo sócio-gerente J., resumidas a fls. 34 a 35 da douta sentença aqui posta em crise, não merecem a mínima credibilidade”, e ainda que “6. Atendendo aos inúmeros e avassaladores elementos objetivos carreados para o RIT pela Inspeção Tributária, parece-nos ter ficado demonstrado o envolvimento e o conhecimento, por parte da impugnante, no aludido circuito da fraude (“fraude em carrossel”), não se tratando nesta parte, ao contrário do que vem defendido na douta sentença aqui posta em crise, de atribuir uma responsabilidade objetiva à impugnante, mas antes de atribuir tal responsabilidade em face dos elementos objetivos carreados para o RIT e da análise efetuada dos mesmos à luz das regras da experiência, e à luz de critérios de razoabilidade e normalidade” (respetivamente, conclusões 5 e 6 do recurso).

Prossegue a Recorrente referindo que relativamente “ao facto dado como não provado no ponto 5, do item Factos não provados, cujo alegado “indício avançado pela Administração Tributária” consta, resumidamente, do ponto 1.10.1.4 do RIT (página 69 do mesmo), a Impugnante não terá produzido qualquer prova (cf. artigo 346º do Código Civil) capaz de abalar, minimamente sequer, os elementos objetivos carreados, a este propósito, para os autos pela AT, visto que a explicação avançada pelo sócio-gerente J., em sede de depoimento de parte, para a constituição da empresa “M.” - (“Explicou que essa empresa estava ligada a E. com quem mantinha uma relação extraconjugal e que quis ajudar.”) - não merece a mínima credibilidade (cf. ponto 8 das conclusões de recurso).
Quanto ao facto dado como não provado no ponto 3. do item “Factos não provados”, argumenta que o que ficou demonstrado no RIT (ponto 1.9 do RIT, fls. 66 a 68 do mesmo) é que não estava em causa o facto de os telemóveis serem ou não de operador, mas sim o facto de os telemóveis adquiridos na rede fraudulenta serem de preços mais baixos em resultado da quebra efetuada a montante pelas empresas “M.”, o que fazia com que o preço de saída dos telemóveis de Portugal fosse inferior ao seu preço de entrada, tudo à custa do Estado Português, e que à semelhança do que já tinha acontecido com a empresa “T.”, também em relação à impugnante é referido no RIT que alguns operadores económicos ofereciam em venda ao público o telemóvel a um preço inferior àquele a que a impugnante os adquiria na rede fraudulenta e que diversos operadores económicos do mercado internacional ofereciam os mesmos produtos a preços sensivelmente idênticos aos praticados pelos fornecedores efetivos da impugnante, sendo que, neste caso não existia qualquer risco no transporte de bens (cf. pontos 9 e 10, das conclusões de recurso).

Defende ainda que mesmo desconhecendo uns e outros, e, principalmente, a origem dos telemóveis, se deve destacar o facto de a impugnante comprar na rede fraudulenta a preços alegadamente piores do que poderia comprar fora desta - o que, atentas as regras de experiência comum e os critérios de normalidade e de razoabilidade, e os critérios de racionalidade económica que devem nortear a atividade empresarial, não faz o mínimo sentido, sendo incongruente que a impugnante, que conseguiu margens elevadíssimas com a sua participação na rede fraudulenta, atendendo a que normalmente vendia os telemóveis no dia seguinte ao da compra, pretenda agora demonstrar que podia ter comprado telemóveis a melhor preço (fora da rede fraudulenta) e não o tivesse feito, que a impugnante, que, através do seu sócio-gerente J. conheceu o Sr. S. (da “A.”) numa feira na Alemanha (mas que já antes tinha efetuado um primeiro negócio com a empresa “A.”) e que arranjou contactos de todo o mundo e recebia muitas propostas de aquisição de telemóveis – atente-se nas declarações de parte prestadas por este sócio-gerente - tivesse, a final, comprado apenas telemóveis a operadores portugueses, todos envolvidos na rede fraudulenta, e que através do seu sócio-gerente J. comprou telemóveis à “A.” (ou, a final, terá sido ao “T.”?) sem saber a quem os comprava – naquele que consistiu no seu primeiro negócio de telemóveis livres e na sua maior compra unitária de 2012 – tivesse, em relação a outras empresas fornecedoras, procurado obter, tal como declarou o aludido sócio-gerente J. durante a inquirição do Representante da Fazenda Pública (fls. 37 da douta sentença aqui posta em crise) informações “nas finanças”, e, algumas elas, tivessem apresentado “certidões de não divida às Finanças e à Segurança Social” (cf. pontos 11, 12, 13, 14, das conclusões de recurso).

Remata referindo que, no seu entender, a explicação para o facto de a impugnante comprar os telemóveis a operadores nacionais não resulta (não pode resultar) do alegado “patriotismo” do seu sócio-gerente, mas antes resulta do simples facto de, tal como é sabido, pelas aquisições intracomunitárias de bens não ter imposto (IVA) a deduzir, ou seja, não criaria crédito de imposto, nem poderia efetuar a quebra de preço que foi efetuada a montante pela rede fraudulenta (cf. ponto 15, das conclusões de recurso).

Defende assim a tese de que o comportamento abusivo da impugnante se situa ao nível da dedução do IVA, com base em operações simuladas (fraude concertada entre os vários participantes), criando artificialmente os pressupostos exigidos para a dedução do IVA (ponto 1.10.4 do RIT, a páginas 71/72 do mesmo), e que o comportamento dos representantes legais das empresas envolvidas na “fraude em carrossel”, materializado no cumprimento rigoroso de todas as formalidades inerentes ao dever de faturação e ao respetivo meio de pagamento, é mais um elemento objetivo, a somar aos demais, que vem demonstrar o envolvimento da impugnante na aludida rede fraudulenta (ponto 1.10.2 do RIT, páginas 70/71) (cf. pontos 16 e 17, das conclusões de recurso).

Vejamos.
O primeiro aspeto que cumpre salientar, é que tendo a prova em questão sido gravada, a Recorrente não cumpre o seu ónus de especificar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, ou, em alternativa, de transcrever os excertos que considera relevantes para fundar o erro de facto que pretende assacar à sentença, especificação essa que não é sanada com a referência que faz à circunstância de as declarações de parte prestadas pelo sócio-gerente J., se encontrarem “resumidas” a fls. 34 a 35 sentença.

Com efeito, e como foi já aqui salientado, o ónus de especificação assim imposto aos Recorrentes tem por objetivo salvaguardar a delimitação rigorosa do objeto do recurso, atendendo a que o sistema consagrado não permite recursos genéricos contra a matéria de facto.

Assim sendo, a primeira conclusão a retirar é que o recurso deve ser rejeitado no segmento em que pretende pôr em causa as declarações de parte proferidas nos autos pelo representante da Impugnante, aqui Recorrida, sem cumprir o seu ónus de especificação, nos termos do disposto no art. 640.º do CPC, aplicável ex vi art. 281.º do CPPT.

Sobre esta questão importará ainda esclarecer que, tal como é aliás referido no parecer prolatado nos autos pelo Digno Magistrado do Ministério Público, não existe qualquer inabilidade genérica que vede a consideração da declaração da parte, ou que implique automaticamente a sua desvalorização enquanto meio de prova a considerar.

Com efeito, o que transparece das alegações de recurso em apreço é que a Recorrente parece entender que a sentença deveria ter desvalorizado automaticamente as declarações de parte prestadas nos autos pelo representante da Impugnante, aqui Recorrida, na medida em que o mesmo terá um interesse no desfecho da ação, o que assim legitimaria o ataque genérico que dirige às referidas declarações.

Em suma, pretende a Recorrente que, e porque no seu entender as declarações de parte prestadas nos autos não merecem credibilidade, que se deverá aqui fazer tábua rasa da prova produzida perante o Tribunal de primeiro conhecimento da causa, e apenas relevar a tese defendida no RIT, que fundamenta os atos de liquidação adicional de IVA em causa.

De facto, é o que parece resultar da afirmação de que “a impugnante, através do seu sócio-gerente, não podia deixar de conhecer a rede fraudulenta a seu montante, mas foi de sua conveniência não lhe interessar conhecer essa mesma rede, porquanto beneficiou, e muito, com a existência da mesma” (cf. ponto 7, das alegações de recurso), ou de que “a impugnante não produziu qualquer prova (cf. artigo 346º do Código Civil) capaz de abalar, minimamente sequer, os elementos objetivos carreados, a este propósito, para os autos pela AT, visto que a explicação avançada pelo sócio-gerente J., em sede de depoimento de parte (…) não merece a mínima credibilidade” (cf. ponto 8, das conclusões de recurso), ou ainda de que “a nosso ver, não basta também (não pode bastar) o sócio-gerente da impugnante vir declarar e jurar a pés juntos que não se encontrou envolvido na “fraude em carrossel”, para, ao arrepio de todos os elementos objetivos constantes do RIT, se ilibar a Impugnante da sua participação na “fraude em carrossel” (cf. ponto 26, das conclusões de recurso).

Ora, o que claramente resulta do disposto no n.º 1 do art. 115.º do CPPT, é que na instrução do processo de impugnação judicial “São admitidos os meios gerais de prova”, resultando, por sua vez do disposto no art. 466.º do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT, que as partes podem requerer a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto (n.º 1), e ainda que as mesmas serão objeto de livre apreciação por parte do Tribunal de primeiro conhecimento da causa (n.º 3).

Com efeito, e como tem vindo a ser salientado pela doutrina, relevando o princípio da livre apreciação das provas “nada obstará a que factos que, de acordo com a lei substantiva, não estejam sujeitos a prova tarifada, sejam considerados provados com base nas declarações de parte se acaso o tribunal se convencer da sua veracidade” (cf. GERALDES, António Abrantes, PIMENTA, Paulo, e SOUSA, Luis Filipe Pires de – Código de Processo Civil Anotado. Vol. I. 2.ª edição, reimpressão. Coimbra: Almedina, 2020, pág. 551), devendo as declarações de parte ser objeto de livre apreciação do Tribunal, à semelhança do que sucede relativamente ao depoimento de parte quando a parte afirma factos que lhe são favoráveis (cf. PINTO, Rui – Notas ao Código de Processo Civil. Coimbra: Coimbra Editora, 2014: págs. 284 e 278).

Pelo que “[é] infundada e incorreta a postura que degrada – prematuramente - o valor probatório das declarações de parte só pelo facto de haver interesse da parte na sorte do litígio. O julgador tem que valorar, em primeiro lugar, a declaração de parte e, só depois, a pessoa da parte porquanto o contrário (valorar primeiro a pessoa e depois a declaração) implica prejulgar as declarações e incorrer no viés confirmatório” (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 2017-04-26, no proc. 18591/15.0T8SNT.L1-7, disponível para consulta em www.dgsi.pt).

Não existe, por isso, fundamento legal que legitime a pretensão de desconsideração liminar e automática da credibilidade do declarante que depõe em sede de declarações de parte, que devem ser objeto de livre apreciação pelo Tribunal (e salvo se as mesmas constituírem confissão), tal como expressamente decorre do já citado n.º 3 do art. 466.º do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT.

Donde, e na medida em que o recurso às declarações de parte era legitimo, encontrando-se a respetiva valoração sujeita à livre apreciação do Tribunal a quo, não estava a Recorrente autorizada a limitar-se a um ataque genérico e não circunstanciado das mesmas, eximindo-se do ónus de especificação constante no art. 640.º do CPC, incumbindo-lhe, à semelhança do que sucede relativamente a qualquer outro meio de prova gravado, “indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso” ou transcrever os “excertos que considere relevantes”, devendo por isso o seu recurso ser rejeitado na parte correspondente.

No entanto, sempre se dirá que o que resulta da sentença proferida pelo Tribunal a quo é que não só a respetiva “motivação da matéria de facto”, é minuciosamente discriminada, como da mesma resulta uma ponderada consideração das declarações prestadas pelo representante da Impugnante, aqui Recorrida, no contexto da restante prova, também documental, produzida nos autos – tendo, aliás, o Tribunal a quo valorado também o depoimento de D. – funcionário da Impugnante, desde 2010, onde exerce funções de técnico de instalações e manutenções, que entendeu corroborar as declarações de parte da Impugnante, aqui Recorrida (cf. págs. 32, 38 e 39, da sentença).

Por outro lado, e no que concretamente diz respeito à credibilidade das declarações de parte prestadas, deixou-se plasmado na respetiva “motivação da matéria de facto” que o depoimento do declarante mereceu credibilidade por apresentar “um discurso fluido, circunstanciado e objetivo” (cf. pág. 32 da sentença), tendo-se ainda sublinhado a “espontaneidade e assertividade” das declarações que prestou (cf. pág. 37 da sentença), que além do mais se revelaram temporal e espacialmente contextualizadas, como resulta do relato que das mesmas é efetuado, sendo assim adequada a valoração que lhes é dada na sentença, que neste aspeto não é de molde a suscitar a existência de qualquer dúvida séria sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento.
Com efeito, na valoração das declarações de partes, “assumem especial acutilância”, entre outros, os parâmetros da “contextualização espontânea do relato, em termos temporais, espaciais e até emocionais, a existência de corroborações periféricas, a produção inestruturada, a descrição de cadeias de interações, assim como a segurança/assertividade e fundamentação” (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 2017-04-26, no proc. 18591/15.0T8SNT.L1-7, disponível para consulta em www.dgsi.pt), parâmetros esses que pontuaram o depoimento do declarante, tal como resulta da “motivação da matéria de facto” constante da sentença em causa, e do relato que das mesmas ali é feito.

Por fim, e quanto à alegada incorreta valoração do RIT, também não tem razão a Recorrente.

Aliás, repita-se, a sua pretensão de fazer prevalecer o teor do RIT perante a prova produzida perante o Tribunal a quo implicaria que se fizesse tábua rasa da mesma, não existindo qualquer fundamento para tal, atendendo a que, como já foi aqui referido, nada há a censurar à valoração feita pelo mesmo das declarações de parte ou da restante prova, documental e testemunhal, que cuidou de apreciar criticamente no seu conjunto, tal como ficou amplamente documentado no segmento da sentença referente à “motivação da matéria de facto”.

Com efeito, lidos e relidos os vários pontos do RIT que a Recorrente reclama não terem sido corretamente ponderados pelo Tribunal, o que se retira é que nos mesmos os SIT expõem ilações que retiram do circuito comercial percorrido por algumas das mercadorias adquiridas pela Impugnante, aqui Recorrida.

No entanto, do ali exposto não resultam factos concretos ou mesmo indícios sérios que, perante a prova produzida perante o Tribunal a quo, permitam concluir que a Recorrida, na pessoa do seu representante legal, tivesse ou devesse ter conhecimento de que alguns dos produtos que adquiriu para posterior revenda terão tido origem em operadores fictícios, num contexto de “fraude carrossel”.
De facto, e como é explicitado na sentença em apreço, da prova produzida através dos documentos juntos aos autos pela Recorrida e constantes do processo administrativo, conjugada com o depoimento das várias testemunhas e com as declarações de parte produzidas pelo seu representante legal, resultou provada a substância das várias transações comerciais efetuadas pela Recorrida – os bens faturados foram efetivamente transacionados pela Recorrida -, tendo igualmente resultado provado que a forma como as referidas transações eram negociadas e concretizadas era compatível com o seu desconhecimento da existência dos alegados “operadores fictícios”, assim como do referido contexto fraudulento.

Todas as questões pertinentes suscitadas no RIT foram assim oportunamente abordadas pelo Tribunal a quo, que entendeu fundamentadamente ser de concluir pela prova feita perante si da versão dos acontecimentos da Recorrente – fosse sobre o alegado papel da M. no circuito comercial em questão (sendo de referir que que relativamente a este ponto em concreto as razões do declarante repousam, justamente, em factos pessoais – cf. n.º 1 do art. 466.º do CPC - para os quais a declaração de parte se revela particularmente adequada), sobre o seu desconhecimento relativamente ao modo de operar da “A., Lda.”, sobre a empresa “T.”, sobre a questão dos preços, e, em suma, sobre o seu (des)conhecimento relativamente à existência de um circuito fraudulento.

Com efeito, a este propósito, lê-se o seguinte na sentença recorrida:
(…)
Os indícios avançados pela Administração Tributária, no Relatório de Inspecção Tributária, no sentido de que a Impugnante se encontra envolvida na “fraude em carrossel” são, sinteticamente, os seguintes:
- A Impugnante envolveu-se em circuitos dos quais fazem parte entidades anteriormente inspeccionadas e em relação às quais também se concluiu pelo seu envolvimento nos mesmos;
- O sócio-gerente da Impugnante criou novas entidades, com o intuito de alargar a rede (as sociedades “T. , Lda.” e a “M.”) o que é comum suceder neste tipo de esquema;
- A Impugnante não podia desconhecer esta fraude organizada porque houve uma quebra de preço por parte dos operadores “M.”, o que fez com que os bens lhe fossem vendidos a um preço inferior ao do mercado;
- O sócio-gerente da Impugnante para além de estar no mercado dos telemóveis há vários anos, dispõe de um Know-How que lhe permite concluir que as mercadorias só chegaram à sua empresa a um preço inferior ao do mercado porque num momento anterior, e de forma ardilosa, houve uma quebra de preço;
- Fora dos circuitos da fraude, a Impugnante adquire os produtos em causa a preços mais elevados.
O primeiro indício referido não assume, por si só, relevância na medida em que não é o facto de a Impugnante ter efectuado negócios jurídicos com entidades envolvidas em circuitos de fraude que nos permite concluir no sentido do seu envolvimento no mesmo, sob pena de se admitir um responsabilidade objectiva, o que sempre colidiria com o direito à dedução, como se viu, de extrema relevância em sede de IVA.
Note-se que não se mostra provado que o Impugnante tivesse tido contacto e/ou negociado com as sociedades “P., Lda.” e “F., Lda.” - a quem a Administração Tributária atribuiu a posição de operadores “M.” -, e que conhecia a sua ligação à rede [cf. ponto 1. dos factos não provados].
Por outro lado, não resultou provado que a Impugnante sabia como era exercida a actividade da empresa “A., Lda.” e que conhecia a sua ligação à “rede” [cf. ponto 2. dos factos não provados], ainda que tenha celebrado com a mesma um negócio jurídico [cf. alíneas K) e L) dos factos provados].
Também não resultou provado que a Impugnante tinha conhecimento de que as empresas, suas fornecedoras, “A. , Lda” e “W., Lda.” tinham anteriormente negociado com os operadores “M.” identificados pela Administração Tributária [cfr. ponto 4. dos factos não provados].
No que concerne à criação das sociedades “T. , Lda.” e “M.”, a Impugnante produziu prova capaz de abalar o indício avançado pela Administração Tributária, tendo resultado não provado que tais empresas foram criadas com o objectivo de alargar a rede [cfr. ponto 5 dos factos provados] – vide artigo 346.º do Código Civil.
Relativamente à quebra de preços, a Administração Tributária alicerçou o seu entendimento nas premissas e conclusões que, de seguida, se sintetizam:
- O preço de compra aos fornecedores intracomunitários foi superior ao preço de venda porque houve uma quebra de preços por parte dos operadores “M.”
- A Impugnante tinha conhecimento de que o preço do referido produto era superior, porquanto:
- A Impugnante efectuou aquisição de telemóveis “IPhones 5 16GB”, fora dos circuitos da fraude, a preços mais elevados (facturas n.ºs 66/2013, TVCSG13000556 e TVCSG13002493);
- Foi emitida a informação pela DSIFAE da qual resulta a constância dos preços dos telemóveis “IPhone 5 16GB”.
Apesar da quebra de preços denotada pela Administração Tributária, in casu, resultou provada factualidade bastante capaz de afastar o indício de que a Impugnante sabia da mesma, razão pela qual o Tribunal decidiu dar como não provado o facto de a Impugnante saber da “quebra do preço” dos telemóveis, após as aquisições intracomunitárias de bens, por parte dos operadores “M.” [cfr. ponto 3 dos factos não provados].
Primeiro porque da prova produzida resultou que a “quebra do preço” não era assim tão evidente para o Impugnante como a Administração Tributária pretende fazer crer. Segundo porque mesmo que se conclua no sentido de que a Impugnante, nos negócios aqui em causa, adquiriu (conscientemente) telemóveis a preços inferiores não existem elementos objectivos que permitam presumir que a Impugnante sabia ou devia saber que tais preços eram inferiores por causa de operações fraudulentas com as quais alegadamente foi conivente.
Concretamente, resultou provado que Impugnante chegou a receber mensagens de correio electrónico com propostas de aquisição de telemóveis “IPhone 5 16GB” a preços inferiores aos contratualizados com as empresas “A. , Lda.”, “W., Lda.” e “A. Serviços Informáticos e de Telecomunicação, Lda” [cf. alíneas AA. e BB. dos factos provados]. Note-se que estas mensagens foram recebidas em 12.04.2013 e em 15.05.2013 logo, em datas anteriores à celebração dos negócios relativos aos telemóveis “IPhone 5 16GB” com as empresas “W., Lda.” e “A., Lda”.
Por outro lado, resultou provado que os preços de venda, na Internet, dos telemóveis “IPhone 5 16GB branco” apresentam oscilações [cfr. alínea CC) dos factos provados], ficando, assim, posta causa a constância de preços que o Relatório de Inspecção Tributária pretendeu extrair da informação prestada pela DSIFAE (informação “DSIFA/138/2014”).
Outrossim, tal informação, reproduzia na alínea G) do probatório, é completamente omissa quanto aos preços dos telemóveis “Samsung galaxy Y S5360” (bens adquiridos pela Impugnante às empresas “A. , Lda.” e “A. Serviços Informáticos e de Telecomunicação, Lda”).
Ficou também provado que nas facturas n.ºs 66/2013, TVCSG13000556e TVCSG13002493 estavam em causa preços de venda ao público [cfr. alíneas DD) e EE)], os quais, segundo as regras da experiência comum, são mais elevados do que os preços de bens vendidos para revenda, como os que estão em causa nos autos. Pelo que a Administração Tributária ao comparar estes preços com os preços dos telemóveis adquiridos pela Impugnante nos circuitos que identificou comparou realidades distintas.
A tudo isto acresce que resultou demonstrado que a Impugnante – ainda que constituída no ano de 2010 para o exercício de actividade de comercialização de telemóveis e de material informático [cfr. alínea A) dos factos provados] - tinha experiência essencialmente na compra de telemóveis de operador [cfr. alínea Z) dos factos provados]. As compras, efectuadas pela Impugnante, de telemóveis livres (sem associação a um operador concreto) e “a grosso”, isto é para revenda, referidas no Relatório de Inspecção Tributária, são as quatro que estão em causa nos presentes autos [cfr. alínea E) dos factos provados].
Ora, o Know-how da impugnante (que releva para o conhecimento objectivo) deve ser avaliado à luz da realidade acaba de referir. Ainda que a Impugnante estivesse ciente de que comprar a operadores ou a empresas ditas “livres” seria diferente, desde logo, no que concerne aos preços praticados, não se pode daí extrair a conclusão de que a mesma sabia ou tinha a obrigação de saber que os preços oferecidos pelas empresas “livres” eram mais baixos por estarem as mesmas envolvidas em mecanismo de fraude ao IVA, sobretudo quando existiam outras empresas, foras dos circuitos, a oferecer preços ainda mais baixos e quando se sabe (pelas regras da experiência comum) que os preços de bens para revenda (porque adquiridos em grandes quantidades) são mais inferiores.
Acresce que a forma usual como os negócios foram celebrados entre a Impugnante e os seus fornecedores directos não impunha que a Impugnante tivesse cautelas acrescidas para evitar o desconhecimento de uma realidade que, atenta a confiança que depositou na contraparte, lhe passou naturalmente despercebida.
(…)

Ora, atendendo a que a fraude carrossel repousa num circuito comercial complexo, comportando várias transações, a montante e a jusante, no caso, das efetuadas pela aqui Recorrida – cujo papel no referido circuito foi impressivamente qualificado pelos SIT como correspondendo ao de intermediário (“broker”) -, não se podia concluir, sem mais, que a mesma teve conhecimento de que no referido circuito existiam “operadores fictícios” ou que o referido circuito tinha por objetivo evitar, algures na cadeia de transações, o pagamento do IVA devido.

É essa a natureza dos circuitos de fraude carrossel, tal como, aliás, é descrito no ponto 1.4 do RIT, e tal como resulta profusamente documentado em vários documentos produzidos a nível europeu (veja-se, por exemplo, o ponto 3.2.2. do Relatório da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu - COM(2004) 260 final, de 2004-04-16, disponível para consulta em https://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=COM:2004:0260:FIN:PT:PDF; ou, mais recentemente – novembro de 2018 - do ponto 2.3 do relatório “The concept of Tax Gaps. Report III: MTIC Fraud Gap estimation methodologies”, produzido pelo subgrupo dedicado à fraude no IVA do Tax Gap Project Group, no âmbito do programa Fiscalis 2020, disponível para consulta em https://ec.europa.eu/taxation_customs/sites/taxation/files/tax_gaps_report_mtic_fraud_gap_estimation_methodologies.pdf), e na literatura técnica sobre este tema (a título meramente exemplificativo, cf. TRAVANCA, Duarte, Almeida, João Vales - Fraude ao IVA no comércio internacional: a “Praga” que ameaça as receitas de IVA de toda a União Europeia, in Investigação Criminal, Ciências Criminais e Forenses, Lisboa, n.º 3 (Nov. 2018), pág. 98-128; PINTO, Miguel Silva - A luta contra a fraude ao IVA na União Europeia, desenvolvimentos, in Revista de finanças públicas e direito fiscal, Lisboa, a.2, n.º 2 (Verão2009), págs.123-154; ou LEITE, Inês Pinto - Closing the VAT Gap: uma análise das medidas de reacção dos Estados-Membros à fraude do operador fictício, In: Cadernos IVA: 2014. Coordenação Sérgio Vasques. Coimbra: Almedina, 2014, págs. 181-216).

É aliás neste sentido que conclui o TJUE na jurisprudência citada na sentença em apreço.
Com efeito, se já na decisão proferida em 6 de julho de 2006, no caso Kittel, processos apensos C-439/04 e C-440/04, o TJ afirmava que o art. 17.º da Sexta Diretiva deveria ser interpretado no sentido de que o direito à dedução do IVA apenas podia ser recusado depois de se apurar, através de elementos objetivos, que o sujeito passivo sabia ou podia saber que a operação em causa fazia parte de uma fraude cometida pelo vendedor (§ 60/61), veio a esclarecer nas decisões proferidas, respetivamente em 21 de junho de 2012, e em 6 de dezembro de 2012, nos casos Mahagében (§ 62/65), processos apensos C‑80/11 e C‑142/11, e Bonik EOOD (§ 43), proc. C-285/11, que “… em princípio, incumbe às autoridades fiscais efetuar as inspeções necessárias junto dos sujeitos passivos a fim de detetar irregularidades e fraudes ao IVA”, não podendo a Administração Fiscal transferir para os sujeitos passivos as suas próprias incumbências de fiscalização nesta matéria, cabendo-lhe “fazer prova bastante dos elementos objetivos que permitam concluir que o sujeito passivo sabia ou deveria saber que a operação invocada para fundamentar o direito a dedução fazia parte de uma fraude cometida pelo fornecedor ou por outro operador interveniente a montante ou a jusante da cadeia de fornecimento” (cf. Bonik EOOD, C-285/11, § 43).

Esta jurisprudência tem vindo a ser reafirmada (cf. decisão proferida em 12 de abril de 2018, no caso Biosafe – Indústria de Reciclagens, SA, proc. C-8/17, § 39, e em 16 de outubro de 2019, no caso Glencore Agriculture Hungary, proc. C 189/18, § 36), mais recentemente, através de despacho (cf. despacho proferido em 3 de setembro de 2020, no caso Crewprint, proc. C‑611/19, § 36/37), o que significa que, quanto a esta matéria, o TJ entende que está em causa uma questão que pode “ser claramente deduzida da jurisprudência” existente (cf. art. 99.º, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça).

Por fim, refere a Recorrente que “não percebe” e “não aceita” “o crédito que foi dado pelo Tribunal ao testemunho prestado pelas testemunhas T. e R., sendo certo que a testemunha T. antes de criar a empresa “W.; Lda” já havia trabalhado para diversas empresas “M.” (…), e sendo certo que as empresas por eles representadas, com atividades muito rentáveis, cessaram, entretanto a atividade, à semelhança do que sucedeu com a empresa “T.” (sendo que a impugnante não cessou a atividade porque a mesma não se resumia a transações fraudulentas), e ainda que a sentença, com base na jurisprudência, conhece e analisa corretamente, em termos meramente teóricos, o circuito típico da “fraude em carrossel”, reconhecendo, inclusive, que o mesmo pode ser “esticado”, mas no seu entender não aplica ou adapta “tal conhecimento (teórico) ao caso concreto, olvidando inúmeros factos relevantes que vêm pormenorizadamente referidos no RIT, e ao não concluir que a “A.” (que comprou à “A.”), a “W.” (que comprou à “A.”, que, por sua vez, tinha comprado à “A.”) e a “M.” (que comprou à “W.”, que, por sua vez, tinha comprado à “A.”, a qual, por sua vez, tinha comprado à “A.”), mais não foram do que empresas envolvidas em operações que visaram “o esticar” da rede fraudulenta, sendo que ao excluir a impugnante (“broker”) da rede fraudulenta esta fica incompleta(cf. pontos 18 a 20 das conclusões de recurso).

Vem deste modo a Recorrente, uma vez mais, lançar mão da estratégia de atacar de modo genérico e não circunstanciado as declarações prestadas pelas testemunhas T. e R. pelo que, quanto à mesma se remete para tudo o que foi já aqui referido a propósito da inadmissibilidade desta abordagem a propósito às declarações de parte do representante legal da Recorrida.

Também aqui deve ser rejeitado o seu recurso, por incumprimento do ónus de circunstanciar os depoimentos que pretende pôr em causa, em violação do disposto no art. 640.º, n.º 2, alínea a) do CPC, e também aqui a fundamentação da sentença constante da “Motivação da matéria de facto” explicita adequadamente os motivos pelos quais o Tribunal a quo valorou estes depoimentos, nada havendo a censurar quanto aos mesmos.

Não pode por isso, como pretende a Recorrente, fazer-se aqui tábua rasa da prova produzida perante o Tribunal de primeira instância, valorando a fundamentação do RIT, como se a versão dos factos da Recorrida não tivesse sido ali provada.

Por outro lado, sempre se dirá a este propósito que ainda que sendo admissível recurso a presunções judiciais, estas terão sempre de assentar em factos provados, atendendo à sua natureza de ilações que a lei ou o julgador tira de factos conhecidos para firmar facto desconhecidos (cf. arts. 351.º e 349.º do CC). pelo que, por não ser sequer objeto dos presentes autos a alegada intervenção das referidas testemunhas no putativo circuito comercial fraudulento, nada aqui se provou quanto ao mesmo que permita a extrapolação pretendida pela Recorrente, no sentido de que nele tiveram intervenção consciente e lucrativa, passível de pôr em causa a credibilidade dos respetivos depoimentos.

Por fim, e no que se refere à alegada relevância “excessiva” que, na tese da Recorrente, a sentença sob recurso conferiu “a certos factos dados como provados”, e concretamente, como é alegado na sua segunda conclusão de recurso, “ao facto dado como provado na alínea Y) do probatório”, também não tem a Recorrente razão.

De facto, constando no RIT, que contém a fundamentação do ato impugnado, a indicação expressa, a propósito da caracterização da empresa “broker” que a mesma consiste no “… elemento “alimentador” da rede, a qual só pode “funcionar” com a sua aquiescência, pois é através dos reembolsos de IVA solicitados indevidamente e através do pagamento destes que é alimentada a rede em causa” (cf. ponto 1.4.1.3 do RIT), sendo essa a posição que no RIT é atribuída à aqui Recorrida, não se vê como poderia a sentença recorrida deixar de dar relevância ao facto, provado no ponto Y), de que “A Impugnante nunca solicitou qualquer reembolso de imposto na sequência do apuramento dos créditos de imposto referidos nas alíneas V) W) e X)”, circunstância que, aliás, a Recorrida expressamente alegara em sua defesa (cf. art. 13.º da PI).

Assim sendo, e em face do exposto, é de julgar totalmente improcedente o recurso.
*
Atendendo ao seu decaimento no presente recurso, a Recorrente é responsável pelas custas referentes ao mesmo [cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT].
***
Conclusão:
Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva:

Não existe qualquer inabilidade genérica que vede a consideração da declaração da parte, ou que implique automaticamente a sua desvalorização enquanto meio de prova a considerar, não estando, assim, a Recorrente dispensada de cumprir o seu ónus de especificação, nos termos do disposto no art. 640.º do CPC, aplicável ex vi art. 281.º do CPPT.

Com efeito, o que claramente resulta do disposto no n.º 1 do art. 115.º do CPPT, é que na instrução do processo de impugnação judicial “São admitidos os meios gerais de prova”, resultando, por sua vez do disposto no art. 466.º do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT, que as partes podem requerer a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto (n.º 1), e ainda que as mesmas serão objeto de livre apreciação por parte do Tribunal de primeiro conhecimento da causa (n.º 3).

Atendendo a que a fraude carrossel repousa num circuito comercial complexo, comportando várias transações, a montante e a jusante, no caso, das efetuadas pela aqui Recorrida – cujo papel no referido circuito foi impressivamente qualificado pelos SIT como correspondendo ao de intermediário (“broker”) -, não se podia concluir, sem mais, que a mesma teve conhecimento de que no referido circuito existiam “operadores fictícios” ou que o referido circuito tinha por objetivo evitar, algures na cadeia de transações, o pagamento do IVA devido.

Tal como vem sendo reiterado na jurisprudência do TJ da União Europeia, cabe à ATA “fazer prova bastante dos elementos objetivos que permitam concluir que o sujeito passivo sabia ou deveria saber que a operação invocada para fundamentar o direito a dedução fazia parte de uma fraude cometida pelo fornecedor ou por outro operador interveniente a montante ou a jusante da cadeia de fornecimento”.

III. DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao presente recurso, confirmando a sentença recorrida.
*
Custas pela Recorrente.
*
Porto, 15 de abril de 2021
Margarida Reis (relatora) – Maria do Rosário Pais (em substituição) – Paulo Moura.