Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:0005/15.7BUPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/14/2021
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Tiago Miranda
Descritores:MÉTODOS INDIRECTOS, FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DO PROCEDIMENTO DE REVISÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL.
Sumário:I – Assentando a liquidação impugnada num acto emanado no procedimento de revisão, mais propriamente na decisão do respectivo Director de Finanças, é nesse acto final que se deve colher a fundamentação adoptada pela Administração Tributária.

II – Contudo, nada obsta a que os requisitos da fundamentação, no que respeita à decisão final do procedimento de revisão, sejam encontrados no RIT e ou em pareceres pregressos. Aliás, isso é expressamente salvaguardado no artigo 77º nº 1 da LGT, cuja aplicação em caso de fixação da matéria tributável por métodos indirectos os nºs 4 e 5 do mesmo artigo, por compatíveis, não prejudicam.

III - Ponto é que essa remissão aconteça, isto é, esteja expressa na exposição do iter cognoscitivo e valorativo do autor da decisão, o Director de Finanças.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:L., LDA
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

I - Relatório

A Autoridade Tributária e Aduaneira interpôs recurso de apelação relativamente à sentença proferida em 18 de Setembro de 2014, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, que julgou procedente a impugnação judicial movida L., Lda, com sede na Rua (…), NIPC (..) contra liquidações adicionais de IRC dos anos de 1996 e 1997, derrama e juros compensatórios, nos valores totais de 32 524$00 (ano de 1996) e 145 87$00 (ano de 1998).


As alegações de recurso da Recorrente terminam com as seguintes conclusões:
CONCLUSÕES:
a) Incide o presente recurso sobre a douta sentença que julgou procedente a impugnação apresentada nos autos, na parte respeitante à determinação da matéria tributável com recurso a métodos indirectos, com a consequente anulação dos actos de liquidação de IRC impugnados;
b) No caso em apreço entende a Fazenda Pública que a douta sentença recorrida assenta numa injustificada/infundada desvalorização do ponto 3) da matéria de facto - fundamentos apresentados pela Administração Fiscal para a realização das correcções que originaram as liquidações impugnadas, como seguidamente demonstraremos;
c) Como é sabido, a Administração Fiscal, no exercício da sua competência de fiscalização da conformidade da actuação dos contribuintes com a lei, actua no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabendo-lhe o ónus de prova da existência de todos os pressupostos do acto de liquidação adicional, designadamente, a prova da verificação dos pressupostos que determinaram a aplicação dos métodos indirectos de tributação;
d) Entende a Fazenda Pública que, em face dos elementos recolhidos pela Administração Fiscal, é manifesta a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, justificativa do recurso a tal método de tributação, nos termos dos art.°s 51,° n.º 1 alínea d) do CIRC, 82° n.° 4 do CIVA e 81° do CPT;
e) Aquando do procedimento inspectivo não foram apresentados quer os inventários de existências à data de 31-12-1997 quer os extractos bancários da empresa - não obstante ter a inspecção constatado a titularidade de uma conta bancária por parte da sociedade e a movimentação por parte daquela de meios financeiros societários;
f) Considerou o Mmº Juiz que tais factos não inviabilizam a comprovação e a quantificação directa e exacta da matéria tributável, porquanto “a não apresentação de documentos fiscalmente relevantes, nomeadamente o inventário de existências à data de 31-12-1997, não implicou que a Administração Tributária não conseguisse apurar a quantidade existente dos artigos da Impugnante, pois a mesma fez o controlo físico dos artigos. Quanto aos extractos bancários da conta da empresa, caso a Administração Tributária verificasse que os mesmos eram mesmo indispensáveis, podia e devia ter recorrido à derrogação do sigilo bancário".
g) Ora, tal entendimento enferma de erro de julgamento, porquanto nem a Administração Fiscal fez qualquer contagem física dos artigos, nem tão pouco podia legalmente lançar mão da derrogação do sigilo bancário;
h) A Administração Fiscal, no caso em apreço, mediante análise aos documentos de suporte às vendas e às compras contabilizados efectuou um controlo numérico das entradas e das saídas de artigos, tendo confirmado omissões no registo de compras de alguns artigos e nas vendas de outros (exemplo: nas existências iniciais de 1996 existiam 11 calças e foram adquiridas nesse ano 21 calças, o que perfaz 32 calças para venda, todavia, em 1996 foram vendidas 55 calças e em 1997 foram vendidas 21 calças, o que dá um saldo negativo de 44 calças: 76-32=44, pelo que se concluiu pela omissão de compras de tais artigos, uma vez que a empresa não poderia vender artigos que não detinha;
i) De igual modo, do controlo numérico das peças entradas e saídas da empresa se constatou pela existência de omissão de vendas, cfr. demonstrado no quadro de fls. 7 do procedimento inspectivo;
j) Ora tal metodologia (de ordem documental e não física, pois seria impossível uma contagem física dos artigos aquando da realização do procedimento inspectivo - em 2001, sabido que nos reportamos a artigos comercializados em 1996 e 1997) apenas serviu para demonstrar, com efectividade, a falta de credibilidade dos elementos contabilísticos da impugnante;
k) Assim, dos elementos contabilísticos da impugnante, mediante simples controlo numérico, confirmou-se quer omissões no registo de compras quer omissão de vendas;
l) Todavia, em nenhum lado resulta que esses elementos fossem os reais, isto é, que não houvesse outras compras para além das tituladas ou nas existências iniciais de 1996 ou nos documentos de compras - demonstrou-se tão-somente a impossibilidade dos elementos contabilísticos traduzirem a realidade dos factos;
m) No que concerne à não exibição dos extractos bancários, os quais conforme resulta do relatório de inspecção, impossibilitaram a verificação das origens e das aplicações dos meios monetários da empresa, defende o Mmº Juiz que podia a inspecção lançar mão da derrogação do sigilo bancário;
n) Antes de mais importa esclarecer que as disposições que regem as condições em que a Administração Fiscal pode recorrer à avaliação indiciária são normas de teor substantivo, razão pela qual se aplicam aos factos tributários ocorridos na sua vigência. Assim, a legislação aplicável aos autos era a vigente na data do facto tributário, ou seja, o Código de Processo Tributário e os Códigos do IVA e IRC na redacção vigente em 1996 e 1997;
o) Por seu turno apenas com a Lei 30-G, de 29 de Dezembro de 2000, com a reforma da tributação do rendimento e a adopção de medidas destinadas a combater a fraude e evasão fiscal, é que ficou legalmente previsto o acesso por parte da Administração Tributária aos documentos bancários dos sujeitos passivos, mediante os pressupostos aí consignados;
p) Anteriormente a esta alteração legislativa apenas estava prevista a derrogação do sigilo bancário a favor da Administração Fiscal, embora circunscrito ao necessário para preparar o relatório de inspecção tributária, quando pedida por iniciativa do contribuinte (Decreto-Lei n.° 6/99, de 8 de Janeiro);
q) Serve isto para dizer que, à data dos factos inspeccionados, se desconhece norma, quer no CPT, como nos demais códigos tributários, que pudesse legitimar, no caso concreto, o acesso pela inspecção tributária a documentos bancários do sujeito passivo - motivo porque se desconhece a base legal da afirmação inserta na douta sentença recorrida;
r) Por conseguinte, a douta sentença recorrida ao considerar não justificado o indício avançado pela administração fiscal com fundamento num mecanismo não previsto legalmente à data dos factos, enferma de erro de julgamento - a justificação dada pelo Tribunal para o afastar de tal indício é, ela própria, infundada;
s) Estes dois elementos, por si só, impossibilitaram a comprovação e quantificação directa e exacta da matéria colectável da impugnante, pois por um lado, tal qual resulta do relatório, a não apresentação dos extractos bancários impossibilitou a verificação das origens e das aplicações dos meios monetários da empresa, e por outro lado demonstrou-se que os elementos de compra bem como os elementos de venda não correspondiam à verdade, verificando-se quer omissão de compras quer omissão de vendas, cujo valor se desconhece - a Administração Tributária não dispunha de outros elementos que servissem de suporte á contabilidade e aos registos contabilísticos, ficando impossibilitada de apurar directamente a matéria colectável do impugnante;
t) De realçar todavia, que outros argumentos foram apresentados pela Administração Fiscal para fundamentar o recurso aos métodos indiciários de tributação e que, de igual modo contribuíram para a impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável;
u) Mormente demonstrou-se a contabilização de empréstimos de sócios e a liquidação dos mesmos sem qualquer documento de suporte, irregularidades na numeração de documentos de suporte às vendas, oscilação da margem bruta de comercialização evidenciada na contabilidade, omissões no registo das aquisições intracomunitárias de bens, saldos da conta caixa elevados e por isso desajustados da realidade;
v) Todos estes elementos são denunciadores de que a contabilidade do sujeito passivo não evidencia a real situação tributária, seja porque inexistem documentos comprovativos da operação que titulam, seja porque impossíveis de ocorrer, seja porque demonstrativos de que a escrita do impugnante não reflecte a sua verdadeira situação tributária - no tocante ao argumento da margem bruta de comercialização resultante da amostragem efectuada ser divergente da declarada pelo impugnante em 1997, tal facto constitui um indício de que a escrita do impugnante não reflecte a sua verdadeira situação tributária - os dados usados na amostragem foram os dados recolhidos da contabilidade do sujeito passivo e levou a resultados divergentes dos realizados pela impugnante; 
w) Assim, ao desacreditar todos estes argumentos, a douta sentença recorrida incorreu em erro de julgamento;
x) Em suma, da análise dos dados coligidos pela Administração Fiscal entende-se que se cumpriu o ónus da prova dos pressupostos para a tributação por métodos indiretos;
y) Por outro lado, não dispondo de elementos que comprovem quais foram na realidade os rendimentos auferidos pelo impugnante, recorreu-se a presunções para aferir a existência de rendimentos não declarados;
z) Tendo a Administração Fiscal cumprido com o seu ónus probatório, não demonstrou o impugnante o respectivo erro nos pressupostos de facto, limitando-se a referir que aqueles pressupostos não se verificam sem, contudo, provar factos que permitam questionar os dados carreados pela Administração Fiscal;
aa) Em suma, mostram-se verificados os pressupostos para o recurso aos métodos indirectos de tributação, a Administração fundamentou o critério de quantificação utilizado, e a impugnante não demonstrou o erro ou excesso na quantificação.
bb) Ao não ter decidido neste sentido, a douta sentença recorrida enferma de erro de julgamento, fundamento do presente recurso.
Nestes termos e nos mais de direito deve o presente recurso ser julgado procedente com a consequente revogação da douta sentença recorrida, como será de, JUSTIÇA.

Notificada, a Recorrida não respondeu à alegação,

Dispensados os vistos, nos termos do artigo 657º nº 4 do CPC, cumpre apreciar e decidir.

II - Âmbito do recurso e questão a decidir
Conforme jurisprudência pacífica, extraída dos artigos 608º, 635º nº 4 e 639º do CPC, aqui aplicáveis ex vi 281º do CPPT, o âmbito do recurso é delimitado pelo objecto das conclusões das alegações.
Dir-se-ia, então, que a única questão a resolver por este tribunal de apelação consiste em saber se o Tribunal recorrido errou no julgamento em matéria de facto ao concluir que a AT não fez prova dos pressupostos do recurso aos métodos indiciários para fixação da matéria colectável dos anos de 1996 e 1997.
Há, porém, uma questão que não poderemos deixar de enfrentar, porque logicamente a montante da que a recorrente pretende ver discutida. Referimo-nos à falta de fundamentação na decisão do Director de Finanças, que pôs termo ao procedimento de revisão da matéria tributável, com a consequente anulabilidade das liquidações impugnadas.
Vejamos.

III – Apreciação do Recurso

Desde já adiantamos que o recurso tem de improceder, porém, não com base na fundamentação da sentença recorrida, mas por via da procedência da sobredita questão prévia, questão de algum modo suscitada na PI mas prejudicada pelos pressupostos de direito da sentença, a qual deu de barato que o teor do RIT integrava a fundamentação dos actos impugnados.
Vejamos:

A decisão recorrida em matéria de facto é redutível à transcrição seguinte:
«Com interesse para a decisão a proferir considero provados os seguintes factos:
1. A Impugnante exerce a actividade de comércio a grosso, retalho e confecções. - Cf. fls. 17 e ss. do processo administrativo apenso, (doravante PA).
2. Os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Viseu procederam a uma acção de inspecção à Impugnante, de âmbito geral e polivalente e abrangeu os anos de 1996 e 1997. - Cf. fls. 17 e ss. do PA.
3. Da acção de inspecção referida em 2. resultou o Projecto de Conclusões de Relatório, do qual consta com interesse para a decisão, o seguinte:
“(…)
IV- MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
1- NÃO APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS FISCALMENTE RELEVANTES
No decorrer da acção não foram apresentados, por alegado desaparecimento justificado pelo tempo já decorrido desde a sua emissão, os seguintes documentos:
Inventário de existências à data de 31/12/1997;
- extractos bancários da conta da empresa
(...)
3- IRREGULARIDADES NA CONTABILIZAÇÃO DAS OPERAÇÕES
- NÃO MOVIMENTAÇÃO DA CONTA BANCÁRIA
Na análise efectuada verificou-se que a empresa era titular da conta bancária n° (...) no Montepio Geral - conta bancária essa que foi utilizada para movimentar o dinheiro da empresa, nomeadamente para efectuar o pagamento a fornecedores, para pagar o IVA e a segurança social.
Contudo na contabilidade da empresa não foi movimentada a conta bancos tendo todas as operações financeiras (pagamentos e recebimentos) sido contabilizadas na conta caixa.
I
Deste modo, o saldo da conta caixa apresenta valores elevados, sempre na casa dos milhares de escudos- chegando mesmo a apresentar, várias vezes, valores superiores a j um milhão de escudos.
- UTILIZAÇÃO DA CONTA SÓCIOS
No ano de 1996 foram contabilizados 550.000$ de empréstimos de sócios, respectivamente 450 e 100 contos, respeitante ao documento interno n°106 - e que não conseguimos localizar, pelo que desconhecemos o tipo de operação em causa bem como o respectivo documento de suporte
Também não foi possível localizar os documentos com o n° interno 97 e 119 deste mesmo ano e que correspondem à liquidação de parte dos referidos empréstimos, respectivamente no montante de 650 e 200 mil escudos.
4- IRREGULARIDADES DETECTADAS NA ANÁLISE EFECTUADA
B1) irregularidades na numeração dos documentos de suporte às vendas
Verificou-se a seguinte falta na numeração dos talões de venda:

N° talão de vendaData
3362/5/96
3372/6/96
3383/5/96

B2) Oscilação da margem bruta de comercialização evidenciada na contabilidade
199519961997
Vendas(a)2 152 060$3 301 973$812 616$
Einicial(b)595 725$716 260$750 460$
Compras(c)1 106 062$1 905 949$0$
Efinal(d)716 260$750 460$0$
CMV(e)= b+c-d985 527$1 871 749$750 460$
(f)= (a-e)/e118.37%76.41%8.28%

5- TESTES REALIZADOS
5.1 - CONTROLO FÍSICO DOS ARTIGOS
Tendo em conta que os documentos de suporte às vendas e às compras contabilizados descriminam o artigo, foi realizado o controlo numérico das entradas e das saídas da empresa, detectando-se as seguintes situações:
Exist. inicial 1996Compras
1996
Vendas
1996
Vendas
1997
saldo
- (a). (b)(0(d)(e)=a+b-c-d -
fatoÍ62>- J 19 -81
calças112155J 21-44
meias2443' 13-32
body2038' 13-31
lenços1842- 5-29
blaser1210-22
colant0022-22
vestido1327' 3-17
saias40337115-13
camisete0071-8
blusas26466217-7
top007-7
parka876-5
macaco15-4
camiseiro1-1
jaqueta11
safari11
capa22
calção33
camisas413
polo383
tunica113
gravateiro44
gabardine716
blusão077
sw1010
echarpe13112
camisolas4023413
conjunto212118
casacos6039219
coletes7048165

Notas:
1) Estas quantidades foram apuradas com base:
- quantidades descritas no inventário final de 1995
- quantidades compradas no ano de 1996 (descritas no anexo n°2)
- quantidades vendidas no ano de 1996 e 1997 (descritas respectivamente no anexo n°3 e anexo n°4)
2) Tendo em conta que não nos foi apresentado o inventário das existências finais de 1996 os testes realizados consideram os dois anos em conjunto.
3) Para efeitos da presente análise, e em beneficio do Sujeito Passivo, foram agregados os seguintes produtos:
- Fatos e conjuntos
- Blasers e casacos
- Meias e collans
Os valores apurados confirmam omissões no registo das compras de alguns artigos e nas vendas de outros.
Só a título de exemplo refira-se que, considerando os preços de venda praticados, os coletes em falta ascendem a cerca de 500 contos de vendas não registadas.
5.2- DETERMINAÇÃO POR AMOSTRAGEM DA MARGEM BRUTA DE COMERCIALIZAÇÃO SOBRE O CUSTO EVIDENCIADA NOS DOCUMENTOS EMITIDOS
Tendo em conta os preços médios de compra e de venda apresentados nos documentos contabilizados determinou-se a seguinte margem:
Preço custo *Preço venda 1996Preço venda 1997
blaser6 193$12 763$12 020$
blusa3 815$5 924$5 292$
body4 828$6 786$5 331$
calças4 595$6 657$5 581$
saias4 175$5 835$4 940$
vestido6 938$9 956$8 133$
camisola3 987$7 474$6 575$

casaco6 193$9 766$7 800$
parkas9 097$19 000$14 467$
camisete2 850$7 337$6 900$
conjunto10 247$18 300$12 800$
fatos10 247$17 088$14 505$
lenços617$1 326$856$
meias325$643$561$
total74 107$128855$105761$

Nota:
Tendo em conta que não dispomos do inventário final de 1996 e no ano de 1997 não foi contabilizada qualquer compra foram considerados os preços de custo apurados nas compras realizadas em 1996.
Deste modo temos:

notas19961997
Total da venda(a)128 855$105 761$
Total do custo(b)74 107$74 107$
MBC(c) = (a-b)/ b73.9%42.7%

Apuram-se assim valores que para o ano de 1996 se aproximam dos declarados mas no ano de 1997 são manifestamente superiores.
È de referir ainda, só em complemento da análise, que nos documentos de venda emitidos no ano de 1997 não se detectaram situações de venda a preços significativamente reduzidos nem situações de venda a preço de custo - aliás como se pode verificar nos dados apresentados no anexo n°4.
Resumindo as situações descritas:
- Omissões no registo das aquisições intracomunitárias de bens
- Não apresentação de documentos fiscalmente relevantes, designadamente do inventário de existências à data de 31/12/1997 e dos extractos bancários
- A não apresentação dos extractos bancários que impossibilita a verificação das origens e das aplicações dos meios monetários da empresa
- Irregularidades confirmadas no controlo numérico das peças entradas e saídas da loja - que provam a omissão no registo das compras e das vendas;
- Divergência entre a margem apurada por amostragem ao ano de 1997 e a margem apurada com base nos valores contabilizados
- Registos contabilísticos sem suporte documental (designadamente empréstimos de sócios)
- Irregularidades na numeração dos talões de venda
- Não movimentação da conta 21- bancos na contabilidade
- Saldos da conta caixa elevados e por isso desajustados da realidade
Por tudo o já descrito verificou-se que a contabilidade:
- não se encontra organizada de acordo com a normalização contabilistica e legal em vigor
- não reflecte todas as operações realizadas pelo SP
não se encontra organizada de modo a permitir o controlo do lucro tributável
Ou seja, não obedece ao disposto no n°3 do art°17° e no art° 98° do CIRC.
Tendo em conta tudo o já descrito conclui-se que é impossível calcular os valores omitidos de forma directa e exacta.
Deste modo, dada a impossibilidade de comprovar e quantificar directa e exactamente os elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável e do IVA em falta, propõe-se que a mesma se faça com a aplicação dos métodos indirectos, dado que se encontram verificados os pressupostos estabelecidos no art° 51° e 52º do Código do IRC, no artº 84° do CIVA, na alínea b) do art° 87° e na alínea a) do art° 88° da Lei Geral Tributária.
- Cf. fls. 17 e ss. do PA.
4. A Impugnante foi notificada para exercer o direito de audição sobre o projecto de conclusões do relatório de inspecção, pelo ofício enviado através de carta registada no dia 23.07.2001 com aviso de recepção, tendo-o exercido.
- Cf. fls. 43/45 do PA.
5. Após o exercício da audição foi incluído no Relatório de Inspecção Tributária o capítulo em que é feita a apreciação da audição, que aqui se reproduz para todos os feitos legais.
- Cf. fls. 47 e ss. do PA.
6. A Impugnante foi notificada da fixação do lucro tributável/imposto/volume de negócios por métodos indirectos nos termos previstos no Relatório de Inspecção, pelo ofício 13669 enviado por carta registada com aviso de recepção.
- Cf. fls. 56 do PA.
7. A Impugnante apresentou pedido de revisão da matéria tributável no dia 25.09.2001, tendo apresentado um aditamento ao mesmo no dia 28.09.2001.
- cf. fls. 62/63 do PA.
8. A reunião do pedido de revisão da matéria tributável decorreu no dia 26.10.2001, constituída pelo perito da Administração Tributária e pelo perito da Impugnante, para cuja acta n.° 101 /01 se remete por uma questão de brevidade.
- Cf. fls. 66/67 do PA.
9. No âmbito do pedido de revisão da matéria tributável foi proferida no dia 30.10.2001 decisão pelo Director de Finanças, para a qual se remete por uma questão de brevidade, tendo sido notificada à Impugnante através de oficio 19.325 de 19.11.2001 enviado por carta registada com aviso de recepção. - cf. fls. 68/71 do PA.
10. Como consequência da acção de inspecção referida em 2. foram emitidas as liquidações adicionais de IVA e Juros Compensatórios, com o valor global de € 2.346,25 euros, impugnadas nestes autos.
- Cf. fls. 31/32 dos autos.
11. A presente Impugnação foi apresentada no, então, Tribunal Tributário de 1ª Instância de Viseu no dia 20.03.2002.
- Cf. carimbo aposto no rosto da petição inicial

B) FACTOS NÃO PROVADOS:
Inexistem outros factos, para além dos que foram dados como provados, que revelem interesse para a boa decisão da causa.»

Densificação de matéria de facto dada como provada:
Convém, ainda, transcrever:
Da decisão final do procedimento de revisão da matéria tributável, referida no artigo 9 dos factos provados, o seu teor integral, que reza assim:
«Nos termos do n° 6 do art° 92° da Lei Geral Tributária, cumpre ao órgão competente para a fixação da matéria tributável resolver, na falta de acordo entre os peritos.
Assim, considerando que o perito da Administração Tributária defende a manutenção dos valores objecto do pedido de revisão e o perito do contribuinte, sem nada de novo trazer à discussão, defende a manutenção dos valores inicialmente declarados pelo contribuinte, decido, por falta de elementos que, nesta fase, os ponham em causa, manter os valores fixados, aqui, em discussão.»

Pretende, a Recorrente, que o Tribunal de apelação julgue se o Tribunal recorrido errou no julgamento em matéria de facto ao concluir que a AT não provou os pressupostos de facto do recurso aos métodos indirectos para a fixação da matéria tributável em IRC nos anos de 1996 e 1997.
O Juízo da sentença recorrida, quanto a esta matéria, é redutível aos seus seguintes excertos:
(…)
Em face do exposto, a legislação aplicável aos autos será a vigente na data do facto tributário. Consequentemente, os pressupostos de recurso à avaliação da matéria tributável por métodos indirectos serão os constantes do CPT e do CIRC, na redacção anterior ao Decreto-Lei n.° 472/99, de 8 de Novembro (e ou do CIVA e CIRS se e quando aplicáveis).
(…)
V.l. Erro nos pressupostos de facto na aplicação dos métodos indirectos
(…)
No tocante ao recurso dos métodos indirectos, na determinação do lucro tributável, cabe à Administração Tributária o ónus de prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos da sua actuação, isto é, "o ónus de provar que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso aos métodos indiciários se tomou a única forma de calcular o imposto a liquidar, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido, e incumbindo ao Tribunal analisar se ela enunciou factos objectivos e concretos, verificados, donde possa concluir-se pela existência dos pressupostos legais dos quais depende o apuramento do imposto pelo referido método", (Acórdãos do TC A Norte de 21.10.2004, P. 103/04, de 26.1.2006, P. 381/04 e de 16.2.2006, P. 101/04).
Neste momento interessa-nos a fase da qualificação, porquanto a fase da quantificação, por se reportar à escolha de um método de quantificação da matéria colectável, bem como à demonstração dos resultados correspondentes, integra-se no âmbito do conhecimento do vício de erro na quantificação.
(…)
Voltando ao caso sub judice, vejamos se a Administração Tributária cumpriu os ónus acima indicados.
Percorrendo o ponto IV do relatório de inspecção tributária, (cujo teor aqui se reproduz por uma questão de brevidade), onde constam os motivos e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos, constata-se a existência de uma enumeração de situações irregulares da contabilidade da Impugnante, (item 3 do probatório).
Estas irregularidades constituem, consequentemente, um erro ou inexactidão no registo contabilístico ou indícios fundados de que a contabilidade não reflecte a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido, para os efeitos do artigo 51.°, n.° 1, alínea d), do CIRC acima transcrito. Contudo, entende este Tribunal, não são suficientes para legitimar o recurso à avaliação da matéria colectável por métodos indirectos.
Com efeito, importava que os detectados erros/indícios inviabilizassem a comprovação e a quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável, (artigo 51.°, n.° 2 do CIRC).
Ou seja, não basta a existência de inexactidões ou omissões na contabilidade do contribuinte, antes se exigindo que tais irregularidades sejam de molde a inviabilizar o apuramento da matéria colectável para que a Administração Tributária possa recorrer à tributação por métodos presuntivos e indiciários.
E o artigo 81.° do CPT previa, ainda, que a decisão de tributação por métodos indiciários ou por presunções, nos casos e com os fundamentos expressamente previstos em leis tributárias, especificará os motivos da impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável e indicará os critérios utilizados na sua determinação.
Posto isto,
A Administração Tributária apontou as seguintes anomalias:
i) Não apresentação de documentos fiscalmente relevantes;
ii) Aquisições intracomunitárias;
iii) Não movimentação da conta bancária;
iv) Utilização da conta sócios;
v) Irregularidades na numeração dos documentos de suporte às vendas;
vi) Oscilação da margem bruta de comercialização evidenciada na contabilidade;
vii) Testes realizados através de controlo físico dos artigos e determinação por amostragem da margem bruta de comercialização sobre o custo evidenciado nos documentos emitidos.
As primeiras cinco anomalias, como se verifica, não inviabilizam a comprovação e a quantificação directa e exacta da matéria colectável.
De facto, no que concerne às aquisições intracomunitárias, a Administração Tributária, no ponto III do relatório de inspecção, realizou correcções aritméticas. Portanto, conseguiu apurar directamente a matéria tributável relativamente aos erros verificados.
A não movimentação da conta bancária, a utilização da conta sócios e as irregularidades na numeração dos documentos de suporte às vendas, também não impossibilitam a comprovação exacta e directa da matéria colectável.
A não apresentação de documentos fiscalmente relevantes, nomeadamente o inventário de existências à data de 31.12.1997, não implicou que a Administração Tributária não conseguisse apurar a quantidade existente dos artigos da Impugnante, pois a mesma fez o controlo físico dos artigos. Quanto aos extractos bancários da conta da empresa, caso a Administração Tributária verificasse que os mesmos eram mesmo indispensáveis, podia e devia ter recorrido à derrogação do sigilo bancário.
Estes elementos podem representar um indicador de que foram omitidas vendas que não deve ser desvalorizado. Importa, contudo, notar que per si, estes não impossibilitam a quantificação directa e exacta da matéria colectável.
O princípio da proporcionalidade exige, além do mais, que as reacções administrativas sejam proporcionadas à gravidade dos comportamentos do sujeito passivo. Isto é, mesmo quando a Administração Tributária se depara com inexactidões e irregularidades na contabilidade do contribuinte, não lhe é facultada a desconsideração de todos os elementos da escrita disponíveis, devendo adequar a sua reacção à importância que aquele incumprimento teve para a determinação da situação fiscal do contribuinte. In casu, conseguiu efectuar um controlo físico dos artigos.
De todo o modo, se é certo que por si só as detectadas irregularidades não constituem um dado objectivo e seguro de que as declarações, a contabilidade ou escrita não reflectem a matéria tributável real do sujeito passivo, a sua desconsideração não pode, contudo, ser total, pois que são já um indício, mas não são ainda um indício fundado. Nesse caso, o que importa é, portanto, averiguar se a Administração Tributária levou a sua actividade instrutória mais longe, recolhendo dados objectivos e seguros de que a realidade económica da Impugnante é diversa da declarada e que se mostra impossível o acesso à sua verdadeira situação tributária.
Ora, a oscilação da margem bruta de comercialização evidenciada na contabilidade e a determinação por amostragem da margem bruta de comercialização sobre o custo evidenciado nos documentos emitidos, não constituem indícios para legitimar a Administração Tributária a recorrer aos métodos indiciários.
Ou seja, efectuar estas amostragens como pressuposto para o recurso à avaliação indirecta mais não representa do que a mistura entre os pressupostos da tributação por métodos indiciários e a quantificação da matéria tributável.
Na verdade, importa notar que a margem bruta de comercialização apurada, obtida por amostragem, foi determinante quer para a consideração de que a contabilidade não reflectia a situação real da empresa, quer para a operação de determinação do quantum da matéria colectável, pois que pela aplicação dessa margem estimaram o valor das vendas de mercadorias propostas e foi a diferença entre os proveitos declarados e os proveitos apurados por métodos indiciários que configurou o montante das correcções ao lucro tributável.
Dá-se aqui uma inversão do raciocínio, pois enquanto o artigo 51.°, n.°s 1 e 2, do CIRC prevê as circunstâncias que legitimam a administração fiscal a lançar mão dos métodos indiciários, o artigo 52° do mesmo diploma estabelece os critérios de quantificação da matéria tributável por métodos indiciários. E a margem bruta de comercialização apurada por amostragem pela Administração Tributária não é indício fundado de que a contabilidade não reflecte a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido, mas antes servem como método para a operação de quantificação da matéria tributável, (artigo 52.°, alínea a), do CIRC) a que devia estar subjacente um indício.
Importa notar que se levantam várias dúvidas quanto à valia da margem bruta de comercialização obtida por amostragem como indicador de que existem proveitos omitidos que permitam assim à Administração Tributária afastar-se das declarações do sujeito passivo, e vir a apurar a matéria colectável por recurso a métodos indiciários.
Se as margens brutas de comercialização obtidas em resultado de testes de amostragem se afiguram como critério adequado de quantificação, porque em relação à quantificação com recurso a métodos indiciários, pela sua própria natureza, não se pode exigir a mesma precisão que na quantificação feita com base na declaração do contribuinte, sendo que esta posição menos favorável do contribuinte compreende-se «porque a quantificação por presunção só a si lhe é imputável, pelo que o contribuinte, se queria ser tributado pelo lucro real, deveria ter uma contabilidade sã, que permitisse o controlo dos dados nela constante» (Acórdão do TCA Sul de 1.2.2011, P. 4417/10), este raciocínio não é transponível para o momento anterior em que cabe à Administração Tributária encontrar os erros ou inexactidões da contabilidade ou recolher indícios fundados de que aquela não reflecte a situação real da empresa.
De facto, a amostragem, desde logo, deve ser feita relativamente a um conjunto de elementos adequadamente representativos do universo. Cabendo à Administração Tributária demonstrar a representatividade desse universo.
Ademais, enquanto técnica de pesquisa, a amostragem admite uma margem de erro e a verdade é que a verificação da existência dos pressupostos para o recurso a métodos indiciários não se compadece com "margens de erro", já que estas afastam que os dados resultantes da amostragem se considerem indícios consolidados, revelando apenas como meras aparências desacompanhadas da expressão factual de verdadeiros elementos probatórios. Nesta fase - a da qualificação - não se poderá fazer incidir sobre o contribuinte este risco - do erro da amostra - pois o sujeito passivo continua a ter do seu lado a presunção de veracidade das suas declarações.
Acrescente-se que, ainda que se considere que a margem bruta de comercialização apurada constitua um sintoma de que a escrita da Impugnante não reflecte a sua verdadeira situação tributária, uma espécie de «sinal de alarme», uma razão para uma análise mais apurada, uma justificação para uma acção de fiscalização, não são fundamento bastante para abalar a credibilidade da escrita.
A margem bruta de comercialização apurada representa um padrão de normalidade, ou seja, sempre uma estimativa, que comporta desvios, incluindo dentro da própria amostra. E esses desvios, tal como os erros da amostra, poderão por si justificar as divergências que se encontram entre as vendas declaradas e as vendas estimadas. Assim, só poderão pôr em causa a credibilidade dos dados contabilísticos se, com recurso a outros elementos, não se encontrarem motivos para a existência de desvios à estimativa.
Um rendimento abaixo do resultante da aplicação da margem bruta de comercialização apurada na amostragem de forma a estimar o valor das vendas continua a ser um rendimento presumidamente real para efeitos do artigo 78°, do CPT. Admitir o contrário seria concluir que as declarações e a escrita só beneficiam da presunção de verdade quando forem compatíveis com as margens de comercialização apuradas por amostragem, independentemente das especificidades da totalidade do universo do qual foi recolhida a amostra e das características próprias da actividade desenvolvida.
Concluímos, por isso, que as diferenças entre a margem bruta de comercialização apurada pela Administração Tributária na amostragem realizada e as declaradas, com a consequente diferença entre as vendas declaradas e as estimadas, não constituem um elemento objectivo e concreto que permitisse à Administração Tributária concluir que a contabilidade da Impugnante não reflectia a sua real situação e que era inviável o apuramento directo.
Em suma, é manifesto que a Administração Tributária não recolheu qualquer elemento que, ao abrigo do disposto nos artigos 51.°, n.° 1, alíneas a) e d) e n.° 2 do CIRC, 78° e 81.° do CPT, a legitimasse a recorrer aos métodos indirectos.
De resto, atente-se que a Administração Tributária decidiu pela avaliação indiciária sem nunca concretizar a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, não esclareceu porque motivo as alegadas irregularidades por si detectadas, não lhe permitiam a si, e ao Tribunal, comprovar e quantificar directamente a matéria tributável, como exigido pelo artigo 51°, n.° 2 do CIRC e 81° do CPT.
Concluímos, assim, que a Administração Tributária não logrou demonstrar os pressupostos do recurso à tributação indiciária, procedendo a presente impugnação».
Esta, a sentença.

In casu, convém à apreciação do recurso, supra prenunciada, transcrever o seguinte excerto da PI:
“Sem prescindir, que:
140. - O Perito da Administração fiscal, que comandava o procedimento, Art.° 92.°, n.° 2, da LGT, limitou-se corporativamente a dar razão ao seu superior hierárquico e não a verificar o pedido, o que constitui preterição de formalidades legais, face ao que dispõe o Art.° 102.° e 104.° do CPA, aplicável ex vi pelo Art.° 2.°, alínea c), da LGT e ao dever deste de investigar a situação em causa, com vista ao apuramento da verdade material de factos susceptíveis de, atento o caso concreto em apreço, influir nos pressupostos, critérios e quantificação em IRC/IVA.
141. Até porque no debate contraditório, continua a vigorar o princípio do inquisitório e da verdade material, “máxima no tocante à fixação do quanto do imposto cabendo o encargo da prova à Administração Fiscal” (Acórdão do STA, de 25.06.97., proferido no recurso n.° 21.663).
142. Assim violou-se, sem mais, o alegado e provado, pela ora impugnante, no pedido de revisão do Art.° 91.° da LGT, conduziu à falta ou ausência de fundamentação, de posição do Perito da Fazenda Nacional e no órgão competente para a decisão do Art.° 92.°, n.° 6, da LGT, com implicações na anulação da liquidação, dado o vício respectivo.”

Finalmente, o Direito:
A Mª Juiz a qua discorre brilhantemente sobe a inaptidão da prova das oscilações das margens médias brutas de comercialização, obtidas por amostragem, para demostrarem a impossibilidade de determinação directa da matéria colectável da Recorrente nos anos de 1996 e 1997, embora o mesmo não suceda com alguns outros dos factos constantes no Relatório da Inspecção Tributária e ali invocados como justificativos do recurso aos métodos indirectos, factos, aliás, sobre cuja alegada inaptidão para aquele efeito é bem mais lábil o discurso fundamentador da sentença recorrida.
Seja como for, a discussão do erro na decisão de recorrer aos métodos indirectos surge-nos, in casu, tal como a de erro na quantificação, prejudicada porque, compulsado o teor da decisão final do procedimento de revisão da matéria tributável, verificamos que a enferma de falta de fundamentação, o que prejudica não só todo aquele labor como a apreciação do recurso sob o prisma da questão colocada.
Tal é o que nos propomos demonstrar de seguida.

Da falta de fundamentação da decisão final do procedimento de revisão da matéria tributável.
In casu o valor da matéria tributável foi achado mediante o recurso a métodos indirectos, ao cabo do procedimento de revisão previsto nos artigos 91º e sgs da LGT. Por isso é a decisão deste procedimento que está directamente sob escrutínio, não o RIT, per se. Este só releva se e na medida e nos termos em que, naquela, tiver sido objecto de remissão.
Importa apreciar se as liquidações adicionais de IRC de 1996 e 1997 da Recorrente, na medida em que para elas concorreu a determinação da matéria tributável com recurso aos métodos indirectos mediante a decisão final do procedimento de revisão, que manteve os valores propostos no Relatório, enfermam da insuficiência de fundamentação dessa decisão, sendo certo que tanto bastará para as liquidações serem anuladas.
Com efeito, como se escreve no Ac. do STA de 14.11.2011, 0747/11 "[...] 4.2. Especificamente, também a decisão em matéria de procedimento tributário exige sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo essa fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os integrantes do relatório da fiscalização tributária, e devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo (cfr. o art. 77° da LGT). Ou seja, o dever legal de fundamentação deve, em suma, cumprindo as referidas funções endógena e exógena, responder às necessidades de esclarecimento do destinatário (do contribuinte, no presente caso), informando-o do itinerário cognoscitivo e valorativo do respectivo acto e permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática. E a violação destes requisitos da decisão implica a respectiva ilegalidade, fundamento de subsequente anulação, em sede de impugnação judicial da correspondente liquidação [...]"
Nada obsta, a nosso ver, a que os sobreditos requisitos da fundamentação, no que respeita à decisão final do procedimento de revisão, sejam encontrados no RIT e ou em pareceres emitidos no procedimento, designadamente na posição do perito da AT no debate contraditório pregresso. Aliás, isso é expressamente salvaguardado no artigo 77º nº 1 da LGT, cuja aplicação em caso de fixação da matéria tributável por métodos indirectos os nºs 4 e 5 do mesmo artigo, por compatíveis, não prejudicam.
Ponto é que essa remissão aconteça, isto é, esteja expressa na exposição do iter cognoscitivo e valorativo do autor da decisão, o Director de Finanças.
Ora, percorrido o curto texto da decisão final do procedimento de revisão da matéria tributável, acima transcrito, não se topa com remissão alguma, seja para o RIT, seja para anteriores pareceres, designadamente para as declarações do perito da AT, ou qualquer menção no sentido de se assumir a fundamentação destes. Nem mesmo uma remissão tácita se pode considerar existir, já que, literalmente, a proposição que se capta no texto não vai além do seguinte: “na falta de acordo entre os peritos e não tendo o requerente trazido elementos novos, eu decido manter os valores reclamados” – como se bastasse à validade e ao acerto da decisão, o desacordo dos peritos e o requerente não ter trazido elementos novos…
Não havendo, desta feita, exposição bastante dos factos e das valorações, designadamente de direito, que resultaram na manutenção dos valores fixados na decisão de revisão, as liquidações impugnadas são anuláveis por falta de fundamentação.
Este Tribunal Central já assim julgou plúrimas vezes relativamente a decisões do procedimento de revisão da matéria tributável literalmente idênticas à aqui sub juditio, do que são exemplos os acs. de 7/12/2016, no processo 1206/07.7BEVIS, e de 12/4/2018, no processo nº 01228/09.3BEVIS. Deste último transcrevemos o seguinte e esclarecedor segmento:
«Tendo presente o acabado de expor, ressalta que a fundamentação adoptada pela Administração Tributária, e os motivos pelos quais considera legalmente justificado o recurso aos métodos indirectos de tributação e respectiva quantificação, se condensaram no despacho do Exmo. Director de Finanças de Viseu, por a liquidação impugnada assentar num acto emanado no procedimento de revisão, mais propriamente, na decisão do Exmo. Director de Finanças, de 07/04/2009, acta n.º 09/09 – cfr. pontos 5 e 6 do probatório. Logo, será este o acto que cumpre analisar.
Todavia, como referido supra, a sentença, para concluir pela falta de fundamentação do recurso aos métodos indirectos apreciou, apenas, o relatório inspectivo sem ponderar e relevar, como devia, o despacho do Director de Finanças, acto que esteve na origem da liquidação. E analisado o dito despacho de indeferimento do pedido de procedimento de revisão, constata-se que tal acto não faz qualquer alusão aos factos descritos em sede de procedimento de revisão nem tão pouco apela ao que consta do relatório, não explicando o itinerário cognoscitivo que levou à conclusão ali constante. Releia-se o ali decidido e que se encontra transcrito no ponto 6 dos factos dados como provados “Nos termos do nº 6 do art.92º da Lei Geral Tributária, cumpre ao órgão competente para a fixação da matéria tributável resolver, na falta de acordo entre os peritos.
Assim, considerando que o perito da Administração Tributária defende a manutenção dos valores objecto do pedido de revisão e o perito do contribuinte, sem nada de novo trazer à discussão, defende a manutenção dos valores inicialmente declarados pelo contribuinte, decido, por falta de elementos, que, nesta fase, os ponham em causa, manter os valores fixados, aqui, em discussão.”
E, como já apreciado por este TCA Norte, no aresto de 07/12/2016, proferido no processo n.º 1206/07.7BEVIS “(…) a decisão em apreço é um exemplo daquilo que uma fundamentação mais exigente não pode ser, pois que, limita-se a constatar a posição dos peritos, não procedendo a qualquer discussão da realidade em apreço no sentido de justificar a manutenção dos valores em causa, não existindo qualquer remissão para o RIT, nem sequer qualquer referência a este elemento, o que significa que a AT não deu a conhecer à Recorrente os elementos que enquadram a sua decisão nesta sede, impedindo assim a Recorrente de aceitar tal decisão, conformando-se com a mesma, ou de contra a mesma reagir, discutindo o seu alcance.”
Assim, encontrando-se o Despacho supra transcrito despojado de qualquer matéria factual, não remetendo sequer para o conteúdo do relatório da Inspecção Tributária, não nos permite descortinar qualquer conteúdo fundamentador, quer quanto aos pressupostos de aplicação do método indirecto, quer em matéria de quantificação da matéria tributável, pelo que padece o mesmo de manifesta falta de fundamentação – cfr., entre outras decisões deste TCAN no mesmo sentido, o Acórdão, de 08/02/2018, proferido no âmbito do processo n.º 550/10.0BEVIS.
Face ao supra decidido, impõe-se, desde já, manter a sentença recorrida com a presente fundamentação, negando-se provimento ao recurso.»
Os actos impugnados padecem assim, de invalidante vício de insuficiência de fundamentação, que prejudica a discussão da questão colocada no recurso e acima exposta e tem por consequência a improcedência do recurso e bem assim a procedência da impugnação, se bem que com esta outra fundamentação.

IV – Custas
As custas, nas duas instâncias, ficariam a cargo da Recorrida, conforme decorre do artigo 527º do CPC, se isenta não estivesse, mas estava-o, ao tempo do início desta instância, pelo que ninguém vai condenado em custas.

V- Dispositivo

Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal em julgar o recurso improcedente e em manter o dispositivo da sentença recorrida, de procedência da Impugnação, mas com esta outra fundamentação.
*
Sem custas, em ambas as instâncias, atenta a isenção legal da Recorrente.
*
Porto, 14/10/2021

Tiago Afonso Lopes de Miranda
Cristina da Nova
Cristina Travassos Bento