Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01215/11.1BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/12/2015
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL
LITISPENDÊNCIA
CONDENAÇÃO À PRÁTICA ACTO DEVIDO
ACTO ADMINISTRATIVO
ILEGITIMIDADE
FALTA INDICAÇÃO CONTRA-INTERESSADO
ARTIGO 87.º, N.º 2 DO CPTA
Sumário:I – Seguindo uma interpretação conforme à Constituição da República Portuguesa do disposto no artigo 27.º do CPTA, atentas as circunstâncias do caso concreto, da decisão proferida pelo Tribunal Tributário, no âmbito de acção administrativa especial cujo valor é superior à alçada do Tribunal, cabe recurso jurisdicional e não reclamação para a conferência – cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 124/2015, de 12/02/2015.
II - As decisões proferidas em despachos interlocutórios devem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto da decisão final, segundo o disposto no artigo 142.º, n.º 5 do CPTA.
III - Os requisitos para verificação de ocorrência de repetição da causa, qualificada como litispendência, devem ser aferidos no momento da propositura da acção e não no momento decisório.
IV - A condenação à prática de acto devido pressupõe que este seja um acto administrativo – cfr. artigo 66.º do CPTA.
V - Em acção administrativa especial, versando início de procedimento administrativo tendo em vista a dissolução de sociedade, intentada por um dos dois únicos sócios da mesma, deve ser demandado, como contra-interessado, o outro sócio, se este não acorda na dissolução da sociedade, sob pena de ilegitimidade passiva, por preterição de litisconsórcio necessário passivo.
VI - A verificação desta excepção de ilegitimidade dita, por regra, a absolvição da instância no caso de não ser suprida – cfr. artigo 494.º, alínea e) - actual artigo 577.º, alínea e) - do Código de Processo Civil, e artigo 89.º, n.º 1, alínea d), e n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
VII - Estando o Tribunal impedido, pela fase processual, de conhecer de excepções que obstem ao conhecimento de mérito – cfr. artigo 87.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos -, como seja a falta de legitimidade, a conclusão a tirar é, forçosamente, a da improcedência do pedido.
VIII - Não podendo ser conhecida esta matéria como de excepção também não pode ser feito o convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, com indicação dos contra-interessados, pois esse convite pressupõe necessariamente o conhecimento dessa matéria como excepção.
IX - O efeito preclusivo previsto no artigo 87.º, n.º 2 do CPTA não impede que na acção administrativa especial o respectivo pedido seja julgado improcedente, quando apenas em fase de recurso jurisdicional foi detectada a falta de indicação/citação dos contra-interessados, na medida em que sempre seria impossível impor decisão desfavorável a contra-interessado não interveniente no processo judicial, não produzindo essa decisão o seu efeito útil normal.
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:N...
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


I – Relatório

N..., casado, NIF 2…, residente na Rua…, Viana do Castelo, intentou a presente acção administrativa especial, versando a decisão do Ministério das Finanças que lhe indeferiu o requerimento, no âmbito do disposto no artigo 83.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), para comunicação aí prevista à Conservatória do Registo Comercial de Viana do Castelo, tendo em vista a dissolução oficiosa da sociedade comercial por quotas, denominada “B… - Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda.”.
No Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga foi proferida sentença, em 26/09/2012, que julgou procedente a acção, decisão com que o Excelentíssimo Sr. Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira não se conformou, tendo interposto o presente recurso jurisdicional.

Alegou, tendo concluído da seguinte forma:
a) Entre a presente acção e a que, sob o n.º 1214/11.3BEBRG, corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga verifica-se plena identidade quanto aos sujeitos, à causa de pedir e ao pedido.
b) Aliás, ambas as petições iniciais têm o mesmo texto, sendo, os documentos juntos com cada uma delas, exactamente iguais.
c) Desta forma, verificam-se os pressupostos legais que fazem relevar a excepção dilatória de litispendência, devendo, por isso, ser determinada a absolvição da instância da Entidade ora Recorrente.
d) Caso assim não se entenda, algo que só hipoteticamente e sem conceder aqui se configura, a douta sentença de fls., será sempre anulável por deficiente valoração da prova produzida e errada aplicação da norma do artigo 83º do CPPT.
e) Na concreta situação dos autos, o Autor, ora recorrido, sendo titular de um direito, ou seja, de enquanto sócio de uma sociedade promover, junta da conservatória competente, a instauração de procedimento tendente à dissolução e liquidação da mesma - nos termos do Regime Jurídico dos Procedimentos Administrativos de Dissolução e Liquidação de Entidades Comerciais aprovado pelo Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março - veio pedir a condenação da administração fiscal a fazê-lo.
f) A douta sentença de fls., dá por assente - cf. ponto 1. da matéria de facto - que o autor, ora recorrido, é, conjuntamente com outro, sócio da sociedade “B… - Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda”.
g) Resultou igualmente provado que a sociedade apenas cumpre as suas obrigações declarativas em sede de IVA, não resultando (das declarações) o registo de qualquer operação activa ou passiva e que (ponto 6 do probatório) a sociedade “Desde 2002 que está em situação de inactividade”.
h) Não obstante, o Tribunal sancionou o comportamento negligente dos gerentes/sócios da sociedade e condenou a Administração Tributária a praticar um acto que aquele/aqueles se recusam/recusaram a fazer durante anos de inactividade da sociedade, ou seja promover a sua dissolução.
i) É um facto que a Administração, em face do disposto no artigo 83º do CPPT, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, detêm o poder/dever de promover junto dos competentes serviços a instauração de procedimento tendente à dissolução e liquidação de entidades comerciais.
j) No entanto e pese embora os indícios recolhidos das declarações de rendimentos apontem no sentido de a sociedade não exercer qualquer actividade, nunca os sócios/gerentes comunicaram à Administração Tributária qualquer intenção de cessação da actividade, algo que, conjugado com o facto de a sociedade ter cumprido as suas obrigações declarativas em sede de IVA pode ser indicativo de que exista um interesse real, pelo menos por parte de algum dos sócios, em “manter” a sociedade.
k) O confessado antagonismo dos sócios permite que, no concreto caso dos autos, se torne legitima a tese de que a utilização pela Administração fiscal da faculdade prevista no artigo 83º do CPPT se deve orientar por critérios de interesse público subjacentes à actividade que desenvolve e não casuisticamente ou como forma de ultrapassar diferendos societários.
l) É ainda de acrescentar que o procedimento de dissolução de sociedades comerciais se encontra regulado no Código das Sociedades Comerciais (artigos 141º a 145º).
m) Visando o pedido formulado pelo Autor à administração atingir esse desígnio (dissolução da sociedade), não se alcança por que razão, o mesmo não é atingido por mera manifestação de vontade dos sócios ou da sociedade, nomeadamente de acordo com o disposto nos artigos 141º, n.º 1, alínea b) ou 142º, n.º 1, alínea e) do CSC, situações em que, sem necessidade de forma especial o efeito pretendido se produziria automaticamente.
n) Refere-se ainda que, de acordo com o Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, é facultado aos sócios de sociedades comerciais apresentar requerimento tendente a iniciar procedimento administrativo de dissolução, sem que, ao nível da iniciativa seja necessária a intervenção da administração fiscal.
o) Por tudo e em suma, não faz sentido a administração tributária ser condenada a praticar junto de terceiros um acto que está na esfera de iniciativa do requerente e que este se recusa a praticar.
p) Não obstante, o Tribunal sancionou a inércia do autor e condenou a administração tributária a fazer aquilo que aquele podia fazer mas não quis, algo que, salvo o devido respeito por opinião diversa, é absolutamente carecido de sentido.
q) Ao decidir como decidiu, o Tribunal aplicou erradamente a norma do artigo 83º, n.º 1, do CPPT.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente Recurso Jurisdicional ser julgado procedente, com legais consequências, assim se fazendo JUSTIÇA.

O Recorrido apresentou contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:
1ª - Não tem a mínima razão o recorrente, ao referir que o Tribunal não decidiu todas as questões pertinentes que até ele chegaram.
2ª - O Tribunal, de acordo com a prova documental - e era essa a determinante, como de resto ficou claro no despacho notificado às partes para efeitos de produção de alegações de direito, decidiu em conformidade.
3ª - Pelo contrário, o recorrente ultrapassou manifestamente tal fronteira, pretendendo trazer ao caso o direito comercial do âmbito das sociedades comerciais e procedimental inerente à dissolução das mesmas.
4ª - Esquecendo que o Código de Procedimento e de Processo Tributário, dispõe expressa e suficientemente de mecanismos pertinentes para a resolução da questão concreta que foi submetida ao Tribunal e que este, naturalmente, utilizou.
5ª - De resto, é o próprio recorrente que o reconhece na al. i), das suas alegações.
6ª - Sendo puramente especulativo o alegado na alínea h) e confunde a “legitimidade” do recorrido com o poder-dever dele próprio, recorrente (de resto cimentado no princípio do inquisitório, presente na atividade procedimental e processual tributária - cfr. art° 58°, da L.G.T.).
7ª - O Tribunal a quo, no seio da prossecução do interesse público, como expressamente emana da decisão recorrida, limitou-se a aplicar a norma objetiva e taxativa do artigo 83°, do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
8ª - A decisão recorrida não se encontra, pois, de modo algum, inquinada da apontada anulabilidade (!!!,) ou sofre de qualquer outro vício.
9ª - Esteve, pois, bem a decisão recorrida, nada havendo deverá manter-se.
Termos em que deve improceder na íntegra o recurso!

O Ministério Público junto deste Tribunal não emitiu parecer.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se se verifica a excepção de litispendência e se ocorreu erro de julgamento, ou seja, se estarão reunidos todos os pressupostos para a condenação da Administração Tributária (Ministério das Finanças) à prática do acto devido.
Contudo, previamente, caberá decidir se se verifica a circunstância que obsta ao conhecimento do recurso, suscitada oficiosamente por este tribunal.

III – FUNDAMENTAÇÃO

III - 1. O Tribunal a quo deu como assente a seguinte matéria de facto:

“A) Factos Provados
1 - O Autor e C… são os únicos sócios da sociedade “B… - Sociedade de Mediação Imobiliária Lda” - cfr. doc. 1 junto com a p.i. e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
2 - A sociedade “B… - Sociedade de Mediação Imobiliária Lda” não exerce qualquer actividade desde 2002.
3 - Esta sociedade apresentou declarações de IRC (modelo 22) até ao ano de 2004, sem averbar qualquer movimento.
4 - Esta sociedade apresentou declarações periódicas de IVA até ao 4º trimestre de 2010, sem registo de qualquer operação activa ou passiva.
5 - A sociedade nunca declarou à Segurança Social qualquer declaração de remunerações de empregados trabalhador, assim como inerente a qualquer dos membros dos corpos sociais.
6 - O sócio C… renunciou à gerência em 13 de Fevereiro, de 2006, e o autor em 08 de Julho de 2006 - cfr. doc. 1 junto com a p.i. e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
7 - Não foi nomeado outro gerente - cfr. doc. 1 junto com a p.i. e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
8 - Em 07.03.2011, o Autor requereu ao Réu, através do serviço de finanças de Viana do Castelo, que comunicasse à conservatória do registo comercial de Viana do Castelo a dissolução uma vez que não exercia qualquer actividade “há (muito) mais de dois anos” - cfr. doc. 3 junto com a p.i. e fls. 1 a 6 do PA cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
9 - Na sequência de pedido formulado pelo aqui Autor, foi proferido despacho de indeferimento, datado de 17.03.2011, da autoria do Director de Finanças de Viana do Castelo, com fundamento em: “(…) cessação oficiosa não será a forma correcta para accionar uma dissolução em substituição dos sócios, uma vez estarem previstos, em situações limite meios próprios que poderão ser accionados no âmbito do Decreto-Lei 76-A/2006 de 29 de Março (Regime Jurídico dos Procedimentos Administrativos de Dissolução de Entidades Comerciais).A cessação oficiosa, em nosso entendimento, apenas deverá acontecer desde que esgotados todos os meios ao alcance dos representantes legais da sociedade, sob pena de a Administração Tributária assumir as obrigações que competem, nesta matéria, aos interessados.” - cfr. fls. 9 a 20 do PA cujo teor se dó aqui por integralmente reproduzido.
10 - O Autor foi notificado da decisão de não provimento em 15.04.2011 - cfr. doc. 4 junto com a p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
11 - A presente acção deu entrada neste Tribunal, por correio com registo de 13.07.2011 - cfr fls. 19 dos autos.
*
B) Motivação de Facto
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade apurada com base na posição assumida pelas partes nos respectivos articulados bem como no teor dos documentos juntos aos autos e referidos a propósito de cada facto.”

III – 2. O Direito

Em 05/11/2014, tendo em vista auscultar as partes acerca de questão que poderia obstar ao conhecimento do objecto do recurso, este tribunal proferiu despacho com o seguinte teor:
“Constata-se que a sentença recorrida foi prolatada por juiz singular no âmbito de uma acção administrativa especial cujo valor é superior à alçada do Tribunal.
Nos termos do artigo 40.º, n.º 3 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, nas acções administrativas especiais de valor superior à alçada, o tribunal funciona em formação de três juízes, à qual compete o julgamento da matéria de facto e de direito.
Refere o artigo 27.º, n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) ex vi artigo 97.º, n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, designadamente, que dos despachos do relator cabe reclamação para a conferência, com excepção dos de mero expediente.
O Pleno da 1.ª Secção do STA tem vindo a fixar jurisprudência no sentido de que das decisões do juiz relator sobre o mérito da causa cabe reclamação para a conferência e não recurso, nos termos do disposto no artigo 27.º, n.º 2 do CPTA.
Esses acórdãos do STA têm vindo a alertar para a necessidade de rever a prática corrente nesta matéria, constituindo, por isso, um novo dado de apreciação com que as partes não contavam e que deve ser levado em conta na orientação a seguir.
Considerando que a lei deve ser interpretada e aplicada nos termos fixados pelos acórdãos uniformizadores do STA, temos em vista convolar o presente recurso jurisdicional em reclamação para a conferência; o que implicará a baixa dos autos ao tribunal “a quo”, por forma a que o objecto do recurso aí seja apreciado a título de reclamação para a conferência, pelo Colectivo de Juízes a quem competiria proceder ao julgamento de facto e de direito na presente acção administrativa especial.
Por este motivo, por se entender que não pode conhecer-se do objecto do recurso, antes de proferir decisão, deverão ouvir-se as partes - cfr. artigo 655.º do Código de Processo Civil.
Nesta conformidade, considerada esta questão prévia, ouça-se cada uma das partes acerca da mesma pelo prazo de 10 (dez) dias.
Notifique-se.”
Ambas as partes se pronunciaram, conforme conteúdo de folhas 214 e 219/220, respectivamente, que aqui se tem por reproduzido.
Ponderadas, nomeadamente, as observações do Ministério das Finanças, não se diga, como o sustenta esta entidade, que o artigo 40.º (n.º 1 e n.º 3) do ETAF apenas se aplica à jurisdição administrativa e que para os tribunais tributários existe uma norma específica e de conteúdo diverso: o artigo 46.º do ETAF, decorrendo que os tribunais tributários funcionam apenas com juiz singular. É neste contexto que defende não fazer sentido a questão da intervenção do relator, sendo adequado ao prosseguimento dos presentes autos o recurso e não a reclamação para a conferência.
Esta poderia ser uma abordagem pertinente, não fora o STA já se ter pronunciado acerca da mesma, no âmbito de reenvio prejudicial, em Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, de 02/05/2007, proferido no âmbito do processo n.º 01128/06: “As acções administrativas especiais da competência dos tribunais tributários de 1.ª instância são julgadas por uma formação de três juízes, à qual cabe o julgamento da matéria de facto e de direito, quando o seu valor seja superior à alçada estabelecida para os tribunais administrativos de círculo”.
Assim, é incontornável o facto de o artigo 97.º, n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário remeter para a aplicação das normas sobre processo nos tribunais administrativos e, estando em causa uma acção administrativa especial, actualmente implicará a regulação pelo CPTA.
Contudo, impõe-se reformular o teor do despacho que tinha em vista o não conhecimento do objecto do presente recurso.
Embora o Pleno da 1.ª Secção do STA tenha vindo a fixar jurisprudência no sentido de que das decisões do juiz relator sobre o mérito da causa cabe reclamação para a conferência e não recurso, nos termos do disposto no artigo 27.º, n.º 2 do CPTA; tal orientação não pode manter-se em todas as situações.
Esses acórdãos do STA têm vindo a alertar para a necessidade de rever a prática corrente nesta matéria, constituindo, por isso, um novo dado de apreciação com que as partes não contavam e que deve ser levado em conta na orientação a seguir.
Considerando que a lei deve ser interpretada e aplicada nos termos fixados pelos acórdãos uniformizadores do STA, mas de acordo com a Constituição da República Portuguesa (CRP); constatamos, ex ante, não ser possível convolar o presente recurso jurisdicional em reclamação para a conferência - na medida em que esta seria extemporânea.
Ora, esta interpretação não se mostra conforme a CRP, pois inviabilizaria definitivamente o acesso, no caso concreto, a um duplo grau de jurisdição (afastada a convolação estaria arredada a possibilidade de posterior interposição de recurso), com que as partes não contavam, em violação dos princípios do processo equitativo, da segurança jurídica e da protecção da confiança.
Salienta-se que, no presente caso, a decisão não preenche as características de uma decisão sumária, nem o juiz justificou concretamente a intervenção ao abrigo do disposto no artigo 27.º, n.º 1, alínea i) do CPTA e a conduta processual da parte, por ser conforme à prática jurisprudencial ao tempo aplicável, é objectivamente desculpável.
Na verdade, recentemente, por Acórdão n.º 124/2015, proferido em 12/02/2015, o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional, por violação do princípio do processo equitativo em conjugação com os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança, consagrados nos artigos 2.º e 20.º, n.º 4 da CRP, a norma do artigo 27.º, n.º 1, alínea i) do CPTA, interpretada no sentido de que a sentença proferida por tribunal administrativo e fiscal, em juiz singular, com base na mera invocação dos poderes conferidos por essa disposição, não é susceptível de recurso jurisdicional, mas apenas de reclamação para a conferência nos termos do n.º 2 desse artigo.
Nestes termos, numa interpretação em conformidade com a CRP, este Tribunal Central Administrativo Norte é competente para conhecer o presente recurso, conforme decisão do Supremo Tribunal Administrativo ínsita nos autos a fls. 193 a 198 do processo físico, restando verificar se nada mais obsta ao seu julgamento.

Assim, começemos por chamar à colação a invocada excepção de litispendência:
Alega o recorrente que entre a presente acção e a que, sob o n.º 1214/11.3BEBRG, corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, se verifica plena identidade quanto aos sujeitos, à causa de pedir e ao pedido. Que ambas as petições iniciais têm o mesmo texto, sendo os documentos juntos com cada uma delas exactamente iguais.
Concluiu que, desta forma, se verificam os pressupostos legais que fazem relevar a excepção dilatória de litispendência, devendo, por isso, ser determinada a absolvição da instância da entidade ora recorrente.
Antes de mais, cabe alertar para o facto de esta excepção ter sido apreciada e decidida no despacho saneador proferido em 12/06/2012, tendo o recorrente somente interposto recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga em 26/09/2012 – cfr. requerimento de interposição de recurso e respectivas alegações ínsitos a fls. 150 a 167 do processo físico e despacho saneador constante a fls. 81 a 84 dos autos.
Nos termos do disposto no artigo 142.º, n.º 5 do CPTA, as decisões proferidas em despachos interlocutórios devem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto da decisão final, excepto nos casos de subida imediata previstos no Código de Processo Civil.
In casu, o recorrente não interpôs recurso do despacho interlocutório – despacho saneador – tendo, contudo, solicitado a reapreciação do julgamento de primeira instância quanto à excepção de litispendência, pois tal consta das suas alegações de recurso e da delimitação efectuada nas suas conclusões.
Tal seria suficiente para não conhecer o objecto do recurso quanto à decisão proferida no despacho saneador, por falta de interposição do competente recurso.
No entanto, salvaguardando a hipótese de o recorrente ter querido, efectivamente, recorrer do despacho interlocutório referido, na parte em que foi decidida a excepção de litispendência (atento o teor das suas alegações de recurso), sempre se dirá, brevemente, e por referência ao despacho saneador, que essa decisão deve ser mantida.
Vejamos.
Nesse despacho interlocutório, o tribunal recorrido fundamentou a improcedência da suscitada excepção de litispendência, sumariamente, da seguinte forma:
“(…) compulsada a petição inicial que motivou o processo que corre termos sob o n.º 1214/11.3BEBRG (…), constata-se que o autor vem formular, efectivamente, contra a mesma entidade demandada, pedidos idênticos, servindo-se de factos e razões de direito similares, mas que são relativos a sociedades comerciais com diferente identidade e personalidade jurídica.
Note-se que, na presente acção, a entidade alegadamente inactiva e para cuja dissolução o autor pretende ver desencadeado, através da emissão do acto pedido, o procedimento em causa, é uma sociedade comercial com a firma “B…– Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda.”, pessoa colectiva com o número 505505827; já a entidade que integra o objecto daqueloutra acção que corre termos com o n.º 1214/11.3BEBRG é, por sua vez, uma sociedade comercial com a firma “B…– Imobiliária, Lda.”, com o número de pessoa colectiva 505399768, que em nada se confunde com a primeiramente referida.
Verificamos, é certo, que a sentença proferida em primeira instância, no processo n.º 1214/11.3BEBRG, se pronunciou quanto à sociedade que é, afinal, objecto da presente acção (…) – questão que caberá às partes, no cumprimento do dever de cooperação que lhes assiste, suscitar nos correspectivos autos.
A litispendência deve, no entanto, aferir-se não pela decisão proferida na causa anteriormente proposta, mas antes pelo pedido e pela causa de pedir, que, delimitando o objecto processual, relevam para efeitos de apreciação dos respectivos requisitos.
A presente causa não repete, pois, a anteriormente proposta, por não ser idêntico o seu objecto. (…)”
A litispendência é um pressuposto processual de conhecimento oficioso que obsta a que o tribunal conheça não só do mérito da causa como ainda dos restantes pressupostos processuais.
Como é do teor gramatical da lei, as excepções de litispendência e de caso julgado pressupõem a repetição de uma causa, repetindo-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir (artigos 497.º e 498.º do Código de Processo Civil (CPC). Basta não se verificar um destes elementos da identidade da causa para se não dar por existente a repetição da causa.
Há lugar à litispendência se a causa se repete estando a anterior ainda em curso. No caso em apreço, tal verifica-se, uma vez que o processo n.º 1214/11.3BEBRG ainda está pendente no Supremo Tribunal Administrativo (verificado por consulta no sistema informático – SITAF).
Assim, a litispendência pressupõe a repetição de uma causa, estando a anterior ainda em curso, tendo por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior - artigos 497.° e 498.° do CPC.
Nas duas acções em apreço, tendo em conta os elementos juntos aos presentes autos referentes ao processo n.º 1214/11.3BEBRG, há identidade de sujeitos, uma vez que as partes são as mesmas, mas não existe identidade de pedido, já que em ambas não se pretende obter o mesmo efeito jurídico – pretende-se dar início a procedimento administrativo de dissolução de sociedades comerciais com diferente identidade, como se decidiu no tribunal recorrido.
Actualmente, os artigos 580.º e 581.º do novo CPC mantêm o mesmo conceito de litispendência e os mesmos requisitos para ocorrência de repetição da causa, continuando a reportar-se ao momento da propositura da acção e não ao momento decisório. Nem podia ser de outro modo, pois o tribunal, no julgamento de facto e de direito, está sujeito às questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, salvo as de conhecimento oficioso – cfr. artigo 608.º do CPC.
Por tudo quanto ficou dito, nenhuma alteração se fará ao despacho saneador proferido nos presentes autos.

Resta apreciar se ocorreu erro de julgamento na sentença recorrida, ou seja, se estarão reunidos todos os pressupostos para a condenação da Administração Tributária (Ministério das Finanças) à prática do acto devido.
Uma das mais importantes inovações operada pela reforma da justiça administrativa é o poder conferido, no CPTA, aos tribunais de procederem à determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos, isto é de condenarem a Administração à prática desses actos.
A aludida consagração legal, nos artigos 66.º e seguintes do CPTA, surge como corolário da previsão, no n.º 4 do artigo 268.º da CRP, que prevê, como característica do princípio da tutela jurisdicional efectiva, a possibilidade de os tribunais condenarem a Administração à prática de actos, quando legalmente devidos.
Conforme se extrai do preceituado no artigo 66.º do CPTA, a condenação à prática de actos devidos pode ocorrer quer nas situações em que exista uma omissão por banda da Administração, quer exista uma recusa da prática de um acto, exigindo, o n.º 1 do referido preceito, como requisito para a condenação à prática de acto devido, que a recusa ou omissão sejam ilegais.
Ora, atendendo ao objecto da lide, definido pela causa de pedir e pelo pedido formulado, estamos em presença de uma acção administrativa especial de condenação à prática de acto devido.
Na verdade, o ora recorrido deduziu uma acção administrativa especial, tendo em vista impugnar o acto administrativo em sede tributária que lhe indeferiu pedido, efectuado nos termos do artigo 83.º do CPPT, de comunicação pela Administração Tributária à Conservatória do Registo Comercial de Viana do Castelo, a fim de dar início ao procedimento de dissolução oficiosa da sociedade “B…– Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda.”. Mais solicitou a condenação do Ministério das Finanças na promoção do procedimento previsto no artigo 83.º do CPPT (configurando tal acto no seio da actividade vinculada do réu).
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga julgou o acto em crise ilegal e, em consequência, condenou o Ministério das Finanças a praticar o acto devido, accionando o mecanismo de dissolução da sociedade “B…– Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda.” – cfr. sentença recorrida.
O recorrente reconhece que a Administração, em face do disposto no artigo 83.º do CPPT, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, detem o poder/dever de promover junto dos competentes serviços a instauração de procedimento tendente à dissolução e liquidação de entidades comerciais.
No entanto e pese embora os indícios recolhidos das declarações de rendimentos apontem no sentido de a sociedade não exercer qualquer actividade, nunca os sócios/gerentes comunicaram à Administração Tributária qualquer intenção de cessação da actividade, algo que, conjugado com o facto de a sociedade ter cumprido as suas obrigações declarativas em sede de IVA, pode ser indicativo de que exista um interesse real, pelo menos por parte de algum dos sócios, em “manter” a sociedade.
Acrescentou que, de acordo com o Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, é facultado aos sócios de sociedades comerciais apresentar requerimento tendente a iniciar procedimento administrativo de dissolução, sem que, ao nível da iniciativa seja necessária a intervenção da administração fiscal. Não fazendo sentido a administração tributária ser condenada a praticar junto de terceiros um acto que está na esfera de iniciativa do requerente e que este se recusa a praticar.
No que diz respeito aos pressupostos da acção de condenação à prática do acto devido, dispõe o artigo 67.º do CPTA o seguinte:
“1 – A condenação à prática de acto administrativo legalmente devido pode ser pedida quando:
a) Tendo sido apresentado requerimento que constitua o órgão competente no dever de decidir, não tenha sido proferida decisão dentro do prazo legalmente estabelecido;
b) Tenha sido recusada a prática do acto devido;
c) Tenha sido recusada a apreciação do requerimento dirigido à prática do acto.
(…)”
Da conjugação do preceito em questão com o disposto no artigo 47.º, n.º 2, alínea a) do CPTA, resulta que o meio processual de condenação à prática de acto devido pode ser utilizado em duas circunstâncias, a saber:
1) Casos em que se verifica por parte da administração uma atitude de inércia, e/ou de estrita recusa;
2) Casos em que a administração praticou um acto de conteúdo positivo, pretendendo, neste caso, o particular obter a condenação daquela à substituição do referido acto por outro de conteúdo diverso.
A situação prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 67.º do CPTA pressupõe a existência de um requerimento dirigido à administração relativamente ao qual esta não se pronunciou dentro do prazo legal.
Na alínea b) do n.º 1 do artigo 67.º do CPTA estão previstas as situações de recusa expressa por parte da administração à pretensão que lhe foi dirigida pelo interessado.
É que, no contencioso administrativo, o meio processual adequado para reagir contra actos administrativos de indeferimento passou a ser a acção administrativa especial de condenação à prática de acto devido , deixando de ser, como até aqui, o processo de impugnação com vista à mera anulação ou declaração de nulidade do acto em causa.
Finalmente, na alínea c) do n.º 1 do artigo 67.º do CPTA estão previstas as situações em que, tendo sido dirigida uma pretensão à administração, esta se recusa a apreciá-la.
Conforme se constata, este artigo 67.º estabelece como pressuposto geral de acesso ao processo de condenação do acto devido a existência de um requerimento dirigido previamente à administração, instando-a a pronunciar-se sobre determinada pretensão do interessado, realizável através da prática do acto administrativo requerido.
Do âmbito desta acção condenatória ficam de fora todas as pretensões relacionadas com operações materiais e meros actos jurídicos da Administração que não sejam qualificáveis como actos administrativos.
Posto isto e revertendo para o caso sujeito, temos, para nós, que o acto que indeferiu o requerimento do ora recorrido é um acto administrativo (é uma decisão de indeferimento). Todavia, o acto devido pelo qual a sentença recorrida condenou, de comunicação para accionamento do mecanismo de dissolução da sociedade, não se vislumbra que possa ser qualificado como tal (falta, desde logo, um elemento da noção legal: ser uma “decisão”).
Embora o n.º 2 do artigo 66.º do CPTA, que passamos a transcrever, disponha:
“(...) 2 – Ainda que a prática do acto devido tenha sido expressamente recusada, o objecto do processo é a pretensão do interessado e não o acto de indeferimento, cuja eliminação da ordem jurídica resulta directamente da pronúncia condenatória”, o certo é que o acto devido tem que consubstanciar um acto administrativo, para que a presente acção possa ser julgada procedente.
Com as alterações legislativas constantes do Codigo de Procedimento Administrativo (CPA) e da CRP, os conceitos quer de acto administrativo quer da sua recorribilidade ou impugnabilidade contenciosa mudaram passando aquele a ter a definição do artigo 120.º do CPA e assentando esta na noção de lesividade, de acordo com a estatuição do artigo 268.º, n.º 4 da CRP.
Com efeito, sob a epígrafe de “Conceito de acto administrativo” dispõe o artigo 120.º do CPA que: “Para os efeitos da presente lei, consideram-se actos administrativos as decisões dos órgãos da Administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.”
Por outro lado, estabelece o artigo 268.º da CRP, sob a epígrafe “Direitos e garantias dos administrados” que: “(...) 4. É garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas cautelares adequadas.”
Acontece que o acto que o recorrido pretende ver praticado por via da procedência da presente acção é um mero acto inserido num procedimento administrativo, que não consubstancia qualquer decisão (a decisão será a dissolução da sociedade).
Relembra-se que o requerimento efectuado pelo aqui recorrido tinha subjacente o disposto no artigo 83.º do CPPT, sob a epígrafe “sujeitos passivos inactivos”:
“1 - Independentemente do procedimento contra-ordenacional a que haja lugar, em caso de sociedades, cooperativas e estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada cuja declaração de rendimentos evidencie não desenvolverem actividade efectiva por um período de dois anos consecutivos, a administração tributária comunica tal facto à conservatória de registo competente, para efeitos de instauração dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação da entidade, no prazo de 30 dias posteriores à apresentação daquela declaração.
2 - A administração tributária comunica ainda ao serviço de registo competente, para os efeitos referidos no número anterior:
a) A omissão do dever de entrega da declaração fiscal de rendimentos por um período de dois anos consecutivos;
b) A declaração oficiosa de cessação de actividade, promovida pela administração tributária. (…)”
Assim, sendo a entidade demandada nos presentes autos o Ministério das Finanças, está em causa a prática do acto de comunicação pela administração tributária à conservatória de registo competente, para efeitos de instauração dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação.
Na verdade, nesta comunicação/informação somente vislumbramos um acto meramente declarativo, onde não existe qualquer decisão nem inovação jurídica, limita-se a declarar que a declaração de rendimentos de determinada sociedade evidencia não desenvolver actividade efectiva por um período de dois anos consecutivos. Nesta perpectiva, não estamos perante um acto administrativo, pois o conteúdo deste acto não cria, não modifica ou extingue o que quer que seja; somente dá início a um procedimento administrativo, ou seja, só produz efeitos meramente procedimentais, sem repercussões directas e imediatas na esfera jurídica dos administrados – cfr. Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim in Código do Procedimento Administrativo, Comentado, 2.ª Edição, Almedina, páginas 546 a 567.
Tal seria suficiente para obviar à condenação da entidade demandada que foi efectuada na sentença recorrida. Contudo, ainda ressalta dos autos outro óbice e, esse sim, afecta a totalidade do processo em análise.
Apurou-se que o recorrido e C… são os únicos sócios da sociedade “B… - Sociedade de Mediação Imobiliária Lda.” – cfr. ponto 1 dos factos provados. Todavia, somente o recorrido teve/tem intervenção nos presentes autos.
Dos elementos constantes dos autos, claramente, C… poderá ter interesse na manutenção na ordem jurídica do acto impugnado. Note-se que, no artigo 4.º da petição inicial, o recorrido, N..., refere: “em Outubro, de 2010, altura em que o sócio César parecia querer a dissolução, o aqui A. ainda levou a cabo a minuta de ata para o efeito, mas aquele acabou por se recusar a levar a cabo a dissolução (…)”. Por outro lado, no relatório da inspecção tributária, constante do processo administrtivo apenso aos autos, a fls. 15 existe menção às desavenças existentes entre os sócios. Também no acto impugnado se concluía que a cessação oficiosa apenas deverá acontecer desde que esgotados todos os meios ao alcance dos representantes legais da sociedade, sob pena de ser a Administração Tributária a assumir as obrigações que competem, nesta matéria, aos interessados. Ora, parece que um dos interessados, afinal “não estará interessado” na dissolução, tanto mais que a sentença recorrida a isso se refere: «(…)Acresce que “a falta de acordo dos dois sócios na dissolução da sociedade” não pode constituir óbice a que a administração fiscal o faça oficiosamente, já que o mecanismo previsto no art. 83.º não exige a intervenção de nenhum dos sócios. (…)»
Independentemente do acerto desta afirmação, é pacífico que deveria, por não estar de acordo com a dissolução da sociedade, ter sido demandado como contra-interessado, sob pena de ilegitimidade passiva, por preterição de litisconsórcio necessário, C…– cfr. artigos 1.º, 57.º, 68.º, n.º 2, 78º, n.º 2, alínea f), e 89º, n.º1, alínea f), todos do CPTA ex vi artigo 97.º, n.º 2 do CPPT e artigo 33.º do Código de Processo Civil.
Não residem dúvidas que C… teria interesse em contradizer, interesse em deduzir oposição à pretensão anulatória do autor, ora recorrido, pelo evidente interesse em que se mantenha o acto de indeferimento proferido pela administração fiscal.
No presente processo judicial impunha-se a indicação deste contra-interessado, nos termos e para os efeitos do artigo 57.º do CPTA, pois, segundo os elementos disponíveis nos autos, não terá, na qualidade de sócio da sociedade em crise, interesse igual ao do autor da acção, sendo o seu interesse directo e pessoal na manutenção do acto de indeferimento; e daí o seu evidente interesse em contradizer a pretensão anulatória.
Salienta-se que, em consonância com o que ficou dito, o efeito útil da decisão anulatória apenas poderia ser alcançado com a intervenção do contra-interessado.
Daí também a existência de uma situação de litisconsórcio necessário passivo, face à própria natureza da relação material controvertida, situada à volta da validade do acto impugnado.
Como nos diz Antunes Varela e outros, em Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, páginas 166 -167:
“Além dos casos em que seja directamente imposto por lei ou por negócio jurídico, o litisconsórcio torna-se necessário, sempre que, pela natureza da relação material controvertida, a intervenção de todos os interessados seja essencial para a decisão obter o seu efeito útil normal. (…)
Há realmente situações em que, pela própria natureza da relação substantiva sobre a qual recai a acção, a falta de algum ou de alguns interessados impede praticamente a decisão que nela se proferisse de produzir qualquer efeito útil. (…)
O efeito normal da decisão, quando transitada em julgado, consiste na ordenação definitiva da situação debatida entre as partes.”
No caso concreto, a decisão final, a pronunciar-se sobre a validade do acto impugnado, só poderia produzir o seu efeito útil normal com a intervenção do sócio da sociedade que põe em causa a validade, o autor – ora recorrido, e com a intervenção do outro sócio que tem interesse na manutenção do acto, e que deveria figurar como contra-Interessado.
Caso contrário, a proferir-se decisão sobre a validade do acto, teríamos uma decisão que apenas produziria efeitos em relação ao autor, N..., e à entidade demandada, o Ministério das Finanças. Mostrando-se difícil articular essa decisão com eventual decisão posterior de dissolução da sociedade, onde um dos seus dois únicos sócios não teve qualquer intervenção no processo, não lhe sendo, portanto, oponível (não será possível impor a decisão a C…).
Na verdade, a decisão não produziria o seu efeito útil normal, pois, não vinculando o interessado, C…, não poderá regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado – cfr. artigo 33.º do Código de Processo Civil. Na teoria e na prática, para C..., por efeito do presente processo judicial, não se iniciaria o procedimento administrativo e a sociedade “B…– Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda.” não se dissolveria. Logo, é irrelevante iniciar o procedimento de dissolução da sociedade somente com a intervenção do ora recorrido, dado que o próprio conceito de sociedade, no caso, pressupõe os dois únicos sócios.
Esta preterição do litisconsórcio necessário passivo dita, por regra, a absolvição da instância no caso de não ser suprida – cfr. artigo 494.º, alínea e), do Código de Processo Civil (actual artigo 577.º, alínea e)), e artigo 89.º, n.º1, alínea d), e n.º2, do CPTA.
Estando o Tribunal impedido, neste momento, de conhecer de excepções que obstem ao conhecimento de mérito – cfr. artigo 87.º, n.º 2, do CPTA, como seja a falta de legitimidade, a conclusão a tirar é, forçosamente, a da improcedência do pedido.
Não podendo ser conhecida esta matéria como de excepção também não pode ser feito o convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, com indicação dos contra-interessados, pois esse convite pressupõe necessariamente o conhecimento dessa matéria como excepção.
Mas por outro lado, também se mostra intuitivo não se poder anular um acto favorável a terceiro, no caso C..., sem que este tenha tido a oportunidade de se pronunciar sobre a validade do acto, sob pena de violação do basilar princípio do contraditório – cfr. artigo 3.º, n.º3 do Código de Processo Civil.
No presente processo não foi proferida qualquer decisão sobre a questão concreta da legitimidade passiva; e só essa constituiria caso julgado formal, face ao disposto no n.º 3 do artigo 510.º do Código de Processo Civil (actualmente, artigo 595.º, n.º 3), aplicável por força do disposto no artigo 1.º do CPTA.
Em todo o caso, ainda que se tivesse constituído caso julgado formal sobre a existência de legitimidade passiva, o resultado seria sempre o mesmo que o verificado pelo efeito preclusivo imposto pelo n.º 2 do artigo 87 º do CPTA.
Como nos diz Manuel de Andrade, em “Noções elementares de processo civil”, volume I, Coimbra, 1963, pág. 282, nota 3, a propósito da falta de legitimidade, "(...) de qualquer forma significa que o autor não tem, relativamente ao demandado, o direito que se arroga. Quer dizer, a situação determinante de ilegitimidade, uma vez decidida definitivamente esta questão no sentido da legitimidade, será depois causa de improcedência da acção".
Assim se decidiu, designadamente, nos acórdãos deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 11/01/2013, processo n.º 1178/04.0 BEPRT e de 12/07/2013, proferido no âmbito do processo n.º 1864/07.2BEPRT.
No caso concreto, face a este entendimento – que perfilhamos - teremos de concluir, independentemente do acerto ou não da sentença recorrida, que o recorrido não tem o direito a ver eliminado o acto impugnado da ordem jurídica, favorável ao sócio que não pretende a dissolução da sociedade em crise, sem que este tenha tido a oportunidade de se pronunciar sobre a respectiva validade.
Termos em que se impõe conceder provimento ao recurso, por um lado, por impossibilidade de condenação à prática do acto devido – por este não ser um acto administrativo - e por outro, por inviabilidade de eliminação da ordem jurídica de um acto administrativo favorável a interessado na manutenção do mesmo, sem que este tenha tido oportunidade de intervenção no processo; impondo-se, por isso, julgar improcedente a presente acção.

Conclusões/Sumário

I – Seguindo uma interpretação conforme à Constituição da República Portuguesa do disposto no artigo 27.º do CPTA, atentas as circunstâncias do caso concreto, da decisão proferida pelo Tribunal Tributário, no âmbito de acção administrativa especial cujo valor é superior à alçada do Tribunal, cabe recurso jurisdicional e não reclamação para a conferência – cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 124/2015, de 12/02/2015.
II - As decisões proferidas em despachos interlocutórios devem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto da decisão final, segundo o disposto no artigo 142.º, n.º 5 do CPTA.
III - Os requisitos para verificação de ocorrência de repetição da causa, qualificada como litispendência, devem ser aferidos no momento da propositura da acção e não no momento decisório.
IV - A condenação à prática de acto devido pressupõe que este seja um acto administrativo – cfr. artigo 66.º do CPTA.
V - Em acção administrativa especial, versando início de procedimento administrativo tendo em vista a dissolução de sociedade, intentada por um dos dois únicos sócios da mesma, deve ser demandado, como contra-interessado, o outro sócio, se este não acorda na dissolução da sociedade, sob pena de ilegitimidade passiva, por preterição de litisconsórcio necessário passivo.
VI - A verificação desta excepção de ilegitimidade dita, por regra, a absolvição da instância no caso de não ser suprida – cfr. artigo 494.º, alínea e) - actual artigo 577.º, alínea e) - do Código de Processo Civil, e artigo 89.º, n.º 1, alínea d), e n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
VII - Estando o Tribunal impedido, pela fase processual, de conhecer de excepções que obstem ao conhecimento de mérito – cfr. artigo 87.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos -, como seja a falta de legitimidade, a conclusão a tirar é, forçosamente, a da improcedência do pedido.
VIII - Não podendo ser conhecida esta matéria como de excepção também não pode ser feito o convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, com indicação dos contra-interessados, pois esse convite pressupõe necessariamente o conhecimento dessa matéria como excepção.
IX - O efeito preclusivo previsto no artigo 87.º, n.º 2 do CPTA não impede que na acção administrativa especial o respectivo pedido seja julgado improcedente, quando apenas em fase de recurso jurisdicional foi detectada a falta de indicação/citação dos contra-interessados, na medida em que sempre seria impossível impor decisão desfavorável a contra-interessado não interveniente no processo judicial, não produzindo essa decisão o seu efeito útil normal.

IV - Decisão

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e julgar a acção administrativa especial improcedente.

Custas a cargo do recorrido em ambas as instâncias, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.

Porto, 12 de Março de 2015
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Fernanda Esteves