Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00829/10.1BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/23/2011
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Fernanda Esteves
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
PENHORA
NULIDADE PROCESSUAL
BEM IMÓVEL
CITAÇÃO
CÔNJUGE
EXECUTADO
Sumário:I. Nos termos do artigo 220º do CPPT, a citação do cônjuge do executado tem unicamente, como escopo, que ele possa requerer a separação judicial de bens.
II. Tal citação é distinta da citação prevista no artigo 239º do CPPT, em que o cônjuge do executado assume a posição de um verdadeiro co - executado, podendo exercer todos os direitos processuais que são atribuídos ao próprio executado, como resulta do art. 864°-A do CPC.
III. Assim, na execução fiscal podem existir dois tipos de citações do cônjuge: i) a prevista no art. 220º do CPPT, feita com a finalidade de conceder ao cônjuge a faculdade de requerer a separação de bens, não lhe conferindo a qualidade de parte no processo executivo; ii) a prevista no art. 239º, nº 1 do CPPT, feita sempre que são penhorados bens imóveis ou móveis sujeitos a registo, e que visa conferir ao cônjuge a qualidade de executado.
IV. Em processo de execução fiscal, no caso de penhora de imóveis, a falta de citação do cônjuge do executado nos termos e para os efeitos previstos no artigo 239º, nº 1 do CPPT, constitui nulidade insanável nos termos previstos no artigo 165º, nº 1, alínea a) do CPPT.
V. A falta de citação é distinta da nulidade de citação. Enquanto a falta de citação só ocorre se se verificar uma situação enquadrável nas alíneas a) a d) do n.º 1 do art. 195.º do CPC e, para além disso, o respectivo destinatário alegar e demonstrar que não chegou a ter conhecimento do acto, por motivo que lhe não foi imputável (artigo 190.º, n.º 6, do CPPT), a nulidade da citação ocorre quando a citação tenha sido realizada, mas não tenham sido observadas as formalidades prescritas na lei (artigo 198.º, n.º 1, do CPC).
VI. Só a falta de citação, e não também a nulidade de citação, é enquadrável na alínea a) do n.º 1 do artigo 165.º do CPPT e, por isso, só aquela pode constituir nulidade insanável do processo de execução fiscal, invocável a todo o tempo até ao trânsito em julgado da decisão final, se a falta prejudicar a defesa do citado.
VII. A nulidade de citação, no processo de execução fiscal, em regra, só pode ser arguida dentro do prazo indicado para a oposição, ou, quando não tiver sido indicado prazo para deduzir oposição, na primeira intervenção do citado no processo.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:A...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. Relatório
A … e mulher M… identificados nos autos, interpuseram recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que julgou improcedente a reclamação apresentada por ambos contra a decisão do Chefe do Serviço de Finanças de Santo Tirso, de 21 de Outubro de 2010, proferida no âmbito do processo de execução fiscal (doravante, PEF) n.º 1880-2004/01035789 e apensos que indeferiu a arguição das nulidades da falta de citação do executado e da falta de citação do cônjuge do executado.
Os recorrentes terminaram as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
I. Entendem, os Recorrentes, salvo o devido respeito, e melhor entendimento, que o Meritíssimo Juiz a quo, fez na Sentença ora recorrida, uma errada interpretação e aplicação do direito e dos factos.
II. Desde logo, e em primeiro lugar, há na douta Sentença recorrida erro de julgamento, já que o Meritíssimo Juiz a quo, considerou que, na matéria de facto dado como provada nas alíneas i), constata-se que M… foi citada para o PEF, o que não se verifica.
III. A citação supra referida destina-se à protecção do interesse e segurança da venda no processo de execução fiscal, e não à protecção dos interesses do cônjuge que estão assegurados pela possibilidade de intervenção pessoal no processo executivo, nos termos do art.° 239° do CPPT.
IV. Deve a matéria de facto ser alterada, dando-se por provada que a citação do cônjuge do executado o foi, nos termos do art.° 220.° do CPPT, e não, nos termos do art.° 239.° do CPPT, que visa citar a cônjuge do executado para os termos da execução - PEF, colocando-a na situação de co - executado, pelo que não podia expressar “citada para o PEF”, corrigindo-se o facto dado como provado, na alínea i) da douta sentença.
V. Ou seja, a citação do cônjuge nos termos do art.° 239° do CPPT, não se destina a permitir-lhe que peça a separação das meações - cfr. os Acs. do STA de 12/05/2004, no Proc. n.° 0477/04 e do TCAN de 18/12/2008, no Proc. n.° 00558/06.0BEBRG, bem como o Dr. JORGE LOPES DE SOUSA, in “Código de Procedimento e Processo Tributário”, 4ª Edição, nota 4 ao art.° 239º.
VI. Nesta execução, o cônjuge do executado, nunca foi citada para os termos da execução, face à penhora de imóveis, colocando-a na situação de co - executada.
VII. Voltando ao caso concreto, a citação referida, acaba por conter um elemento essencial, que esvazia de sentido útil a própria citação, já que nela refere que o imóvel se encontra em fase de venda, pela simples enunciação do numero da venda 1880.2010.100.
VIII. Se a citação anuncia já a venda, o cônjuge do executado não pode exercer o direito que lhe cabe, de acordo com o disposto do nº1 do art.° 239º do CPPT, em concreto, porque não foi citada para os termos da execução.
IX. Não obstante, a citação para pedir a separação judicial de bens, nos termos do disposto no art.° 220.° do CPPT, foi realizada em 04/10/2010 e a data da venda judicial estava marcada para 02/11/2010, o prazo de 30 (trinta) dias não seria cumprido.
X. Não se pode, face ao exposto, considerar que foi efectuada a citação da Recorrente, nos termos e para os efeitos do disposto no art.° 239.° do CPPT.
XI. Verifica-se, pois, a apontada falta de citação que, no caso, prejudica os direitos da Reclamante, em concreto, o direito de figurar como co-executada no processo executivo, e o de requerer a separação judicial de bens, atempadamente.
XII. O mesmo é dizer que se verifica, efectivamente, uma nulidade processual insanável - artº 165º, n° 1 al. a) do CPPT.
XIII. Nulidade que no caso concreto, implica a anulação de todos os actos posteriores ao auto de penhora, impondo a realização da citação da ora Recorrente, nos termos e para os efeitos no disposto nos artº 220.° e 239.° do CPPT, antes da marcação da venda judicial. (Cfr. Acórdão do TCAS (Tribunal Central Administrativo Sul) dc 20-10-2009, no Processo 03451/09, tendo como relator Rogério Martins; Cfr. Acs. do STA de 29/11/2006, no Proc. 0174/06, e do TCAN de 18/12/2008, no Proc. 00558/06.0BEBRG, bem como Exmo. Juiz Conselheiro JORGE LOPES DE SOUSA, in “Código de Procedimento e Processo Tributário” em anotação ao art.° 165.° do CPPT.
XIV. Em sede do probatório, o Mmo. Juiz do Tribunal “a quo” fixou como factos provados, no que concerne à questão que agora cumpre analisar, “nulidade da citação do executado”, no caso dos autos, que o reclamante ora recorrente, teve a primeira intervenção no PEF em 13/08/2010 e arguiu a nulidade da citação.
XV. Não obstante, após a notificação aos Recorrentes do despacho que designou a data e a modalidade da venda, foi enviado novo requerimento para o Serviço de Finanças em 22/09/2010, onde era requerido a suspensão da venda alegando para o efeito, vários fundamentos jurídicos, entre eles a falta de citação.
XVI. Com a ressalva do devido respeito, não podem os Recorrentes conformarem-se com o assim doutamente decidido, porquanto consideram que a douta sentença enferma de erro de julgamento, porque colhe a sua motivação, que a referida nulidade se encontra sanada.
XVII. E, assim, a relevância do papel da citação determina que a sua falta constitua uma nulidade só sanável com a intervenção processual do executado sem arguir logo a falta de citação (art.° 196.° do CPC), o que não se verifica, logo a referida falta não pode ser considerada sanada.
XVIII. Assim, existe a mencionada falta, nulidade da citação, quando o acto tenha sido completamente omitido ou quando a citação tenha sido feita com preterição de formalidades essenciais - art.° 195.”, n.° 1 al. a) e d) do CPC.
XIX. Ao fazê-lo, o Meritíssimo Juiz violou frontalmente o disposto no art.° 196.° do Código de Processo Civil, que diz que a nulidade deve ser considerada sanada se o réu intervier no processo sem arguir logo a falta de citação.
XX. Impõe-se assim concluir que não existem nos autos, actos processuais praticados pelo Executado agora Recorrente susceptíveis de sanarem a mencionada nulidade, o que faz improceder as conclusões da Sentença, ora recorrida.
Nestes termos e nos demais de Direito, e com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser procedente por provado, e, consequentemente, ser revogada a sentença a quo, pela verificação da nulidade de citação do executado e falta de citação do cônjuge do executado nos termos do art.° 239.° do CPPT. Porém, como sempre, V. Exas. farão a sempre acostumada, Justiça.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O Exmo Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
Foram dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo (cfr. artigo 707º, nº 4 do Código de Processo Civil (CPC) e artigo 278º, nº 5 do Código do Processo e do Procedimento Tributário (CPPT)].
Objecto do recurso - Questões a apreciar e decidir:
As questões suscitadas pelos recorrentes e delimitadas pela alegação de recurso e respectivas conclusões (nos termos dos artigos 660º, nº 2, 664º e 684º, nºs 3 e 4, todos do CPC, ex vi artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do CPPT) são as seguintes: (i) do erro de julgamento da matéria de facto dada como provada na alínea I) do probatório; (ii) do erro da sentença recorrida no julgamento de direito ao considerar que não ocorreu falta de citação do executado e do cônjuge do executado.
2. Fundamentação
2.1. Matéria de Facto
A sentença recorrida considerou provados, com relevância para a decisão, os seguintes factos:
A) Em 24/07/2004, foi instaurado contra a R…, Ld.ª, pessoa colectiva n.º 504 986 317, com sede …, designada executada originária o PEF n.º 1880-2004/01035789 e apensos, do Serviço de Finanças de Santo Tirso, por dívidas de IRC, IRS, IVA e coimas (fls. 1 do PEF).
B) No referido processo foram revertidas contra o reclamante, casado com M…, no regime da comunhão de adquiridos, dívidas exequendas de IRC, IRS, IVA e coimas, no valor global de 38.287,53 €, (fls. 14 a 25 e 52 do PEF).
C) No PEF foi penhorado em 23/2/2010 o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Santo Tirso sob o n.º …, Santo Tirso, inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia sob o artigo … com o valor tributável de 4.320.000$00, inscrito pela …, a favor do reclamante e da mulher (fls. 52 do PEF).
D) O reclamante foi citado por carta registada com aviso de recepção dirigido em seu nome para o seu domicílio fiscal, tendo o aviso de recepção sido assinado em 20/10/2009 por J… (fls. 25 verso do PEF).
E) O Serviço de Finanças não cumpriu o disposto no art. 241.º do CPC (PEF).
F) O reclamante em 13/8/2010 requereu a nulidade da sua citação e a sua repetição (fls. 26 a 45 do PEF).
G) Com base na informação prestada nos autos a fls. 46 e 47, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, os pedidos desses requerimentos foram indeferidos por despacho de 9/9/2010 (fls. 46 a 48 do PEF).
H) O reclamante e o seu ilustre mandatário foram notificados desta decisão por carta registada com aviso de recepção assinados em 16/9/2010 (fls. 49 a 50 do PEF).
I) M… foi citada para o PEF por ofício de 1/10/2010, junto a fls. 59 dos autos, do cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (fls. 59 do PEF).
J) Esta citação foi remetida a M… por carta registada com aviso de recepção, tendo o aviso de recepção sido assinado pela própria em 4/10/2010 (fls. 59 verso do PEF).
K) O Serviço de Finanças notificou o reclamante do despacho que designou a data e a modalidade da venda do prédio penhorado nos autos, nos termos da notificação constante de fls. 58, acompanhada de certidão do despacho que determinou a realização da venda, que consta de fls. 55 dos autos, dando-se aqui por reproduzidos o teor de ambas (fls. 55 e 58 do PEF).
L) A notificação do reclamante foi realizada por carta registada com aviso de recepção remetida em seu nome e para o seu domicílio fiscal, tendo o aviso de recepção sido assinado pela mulher em 21/9/2010 (fls. 58 verso do PEF).
M) Pelo requerimento apresentado em 22/9/2010, o reclamante requereu a suspensão da venda invocando a nulidade da penhora e da venda, por falta de notificação do reclamante e da mulher, por carta registada com aviso de recepção, da data designada para a venda, e por falta de citação sua e da mulher (fls. 68 e seguintes do PEF).
N) Sobre esse requerimento foi lançada a informação de fls. 99, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (fls. 99 do PEF).
O) Com base nessa informação foi proferido o projecto de despacho de indeferimento da suspensão da venda de fls. 100, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, tendo o reclamante sido notificado para exercer o direito de audição no prazo de 8 dias, sob pena de nada dizendo, o projecto converter-se em decisão definitiva (fls. 100 do PEF).
P) O reclamante e o seu ilustre mandatário foram notificados deste projecto de decisão por carta registada com aviso de recepção assinados em 26/10/2010 (fls. 107, 109 e versos do PEF).
Q) A reclamante no requerimento junto aos autos de fls. 92 a 95 do PEF, cujo teor aqui se dá por reproduzido, invocou a sua falta de citação como cônjuge do executado (fls. 92 a 95 do PEF).
R) Sobre este requerimento da reclamante foi lançada a informação de fls. 103 do PEF, cujo teor aqui se dá por reproduzido (fls. 92 a 95 do PEF).
S)Com base nesta informação foi proferido o projecto de despacho de indeferimento da suspensão da venda de fls. 104, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, tendo o reclamante sido notificado para exercer o direito de audição no prazo de 8 dias, sob pena de nada dizendo, o projecto converter-se em decisão definitiva (fls. 104 do PEF).
T) O reclamante apresentou a presente reclamação dessa decisão em 2/11/2010 (fls. 3 do PEF).
*
2.1.2. Os Recorrentes começam por se insurgir contra o julgamento da matéria de facto efectuado na sentença recorrida, por se ter dado como provado na alínea I) do probatório que a Recorrente mulher foi citada para o PEF, quando, no entendimento de ambos, se deveria ter dado como provado que foi citada nos termos do artigo 220º do CPPT e não nos termos do artigo 239º do mesmo Código.
Diga-se, desde já, que esta pretensão dos Recorrentes nunca poderia ser atendida, já que o que eles pretendem consignar no probatório não corresponde a qualquer facto, mas, antes, a uma ilação, a uma verdadeira conclusão de direito e que anteciparia já a resposta à questão suscitada nos autos de saber se a Recorrente mulher foi (ou não) efectivamente citada para a execução.
Porém, analisada a redacção dada na sentença recorrida à alínea I) do probatório, afigura-se-nos que, estando em causa nestes autos, além do mais, os termos da citação da Recorrente mulher, na qualidade de cônjuge do executado, se devia ter levado ao probatório os exactos termos de tal citação e não uma interpretação meramente conclusiva do conteúdo da nota de citação, dando por reproduzido o seu teor, como, com o devido respeito, fez o Tribunal a quo.
Assim, ao abrigo do disposto no artigo 712º, nº 1, alínea a) do CPC, altera-se a redacção dada pelo Tribunal de 1ª instância à referida alínea I) da matéria de facto, a qual passará a ter a seguinte redacção:
I). Com data de 01.10.2010, pelo Serviço de Finanças de Santo Tirso e com referência ao PEF nº 1880200401035789 e aps, foi remetido à Recorrente mulher o ofício do seguinte teor: “Assunto: Citação Cônjuge do Executado (…) Por ter sido penhorado o bem abaixo descrito, e, em cumprimento das disposições conjugadas do disposto no 220º e nº 1 do artigo 239º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), fica V. Exª citada, na qualidade de cônjuge do executado, para requerer, dentro de 30 (trinta) dias, a separação judicial de bens, ou juntar aos autos certidão comprovativa da pendência d acção em que a separação já tenha sido requerida, de harmonia com o disposto no nº 1 do artigo 825º do CPC, sob pena de a execução prosseguir com a venda dos bens penhorados - cfr. fls. 59 dos autos.
Face a esta reformulação da redacção da alínea I), fica, na nossa opinião, também ultrapassada a questão do erro de julgamento da matéria de facto na parte em que os Recorrentes pugnavam pela não consignação como provado que a Recorrente mulher tinha sido “citada para o PEF”. E, saber se, perante tal facto (com a redacção agora reformulada), se podia (ou não) considerar que a cônjuge do executado foi citada ao abrigo do artigo 239º, nº 1 do CPPT, já contende com o julgamento de matéria de direito (e não de facto) e que iremos de seguida apreciar.
2.2. O direito
2.2.1. A primeira questão que importa apreciar é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao concluir ter sido efectuada a citação para a execução da Recorrente mulher, como cônjuge do executado, nos termos do artigo 239º, nº1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
A este propósito, escreveu-se na sentença recorrida: “(…) A reclamante mulher invoca também a sua falta de citação para a execução, na qualidade de cônjuge do executado nos termos do disposto no art. 239.º do CPPT.
A reclamante também não tem razão nesta parte.
Basta atentar na matéria de facto provada nas alíneas I) e J) para constatar-se que a mulher do reclamante foi citada para o PEF nos termos do disposto nos arts. 220.º e 239.º do CPPT.
Logo, não existe qualquer falta de citação, tanto mais que no seu caso o aviso de recepção foi assinado pela própria, pelo que não pode falar-se de omissão de citação e para além disso não foi invocado qualquer outro facto susceptível de integrar qualquer fundamento legal de falta de citação.
Nesta parte, a reclamante também não tem razão, não podendo dizer-se que há falta de citação do cônjuge do executado, pelo que a reclamação também improcede.”
Os Recorrentes discordam do assim decidido, sustentando que se verifica a nulidade insanável da falta citação do cônjuge do executado para a execução, porquanto a citação efectuada nos autos da Recorrente mulher não foi efectuada para os termos da execução, face à penhora de imóveis, colocando-a na situação de co-executada, nos termos do artigo 239º do CPPT, mas apenas nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 220º do CPPT, ou seja, para requerer a separação de bens [conclusões VI a XI].
Vejamos.
O artigo 220º do CPPT determina que “Na execução para cobrança de coima fiscal ou com fundamento em responsabilidade tributária exclusiva de um dos cônjuges, podem ser imediatamente penhorados bens comuns, devendo, neste caso, citar-se o outro cônjuge para requerer a separação judicial de bens, prosseguindo a execução sobre os bens penhorados se a separação não for requerida no prazo de 30 dias ou se se suspender a instância por inércia ou negligência do requerente em promover os seus termos”.
Por sua vez, segundo o artigo 239º, nº 1 do CPPT ”Feita a penhora e junta a certidão de ónus, serão citados os credores com garantia real, relativamente aos bens penhorados, e o cônjuge do executado no caso previsto no artigo 220.º ou quando a penhora incida sobre bens imóveis ou bens móveis sujeitos a registo, sem o que a execução não prosseguirá”.
Destes normativos resulta que o cônjuge do executado, que não é executado, deve ser citado quando: (i) a penhora recair sobre bens comuns do casal em execução por dívida que respeite a coima fiscal ou tenha por base responsabilidade tributária exclusiva do outro cônjuge (artigo 220º do CPPT); (ii) quando tenham sido penhorados bens imóveis ou bens móveis sujeitos a registo (cfr. artigo 239º, nº 1 do CPPT).
No entanto, a citação prevista no artigo 220º e no artigo 239º, ambos do CPPT, não têm a mesma finalidade. Enquanto a citação do cônjuge prevista no artigo 220º do CPPT tem o objectivo específico de proporcionar-lhe a possibilidade de requerer a separação judicial de bens (trata-se de uma citação especial com este objectivo específico, tendo o cônjuge apenas a possibilidade de exercer esse direito), a citação nos termos do artigo 239º do mesmo Código (que é sempre feita, independentemente de a dívida ser ou não comum e de se pretender penhorar bens comuns) visa conferir ao cônjuge a qualidade de co-executado, com possibilidade de este exercer, a partir da citação, todos os direitos processuais que são atribuídos ao executado (cfr. artigo 864º - A do CPC) - neste sentido, Ac. STA de 23/6/2004, Processo 1786/03 e Jorge Lopes de Sousa, in CPPT anotado e comentado, II Vol, pág. 491.
No caso em apreço, estando em causa uma execução fiscal revertida contra o Recorrente marido - não sendo a Recorrente mulher, desde o início, executada ou considerada como tal - e, por outro lado, tendo sido penhorado um bem imóvel, impunha-se que o órgão de execução fiscal procedesse à citação da Recorrente mulher (cônjuge do executado) nos termos e para os efeitos previstos no artigo 239º, nº 1 do CPPT. Por isso, feita a penhora e junta a certidão de ónus, o cônjuge do executado (Recorrente mulher) haveria de ter sido citada, sem o que a execução não poderia ter prosseguido, nos termos do referido preceito legal. Ora, como resulta da matéria de facto assente [alínea I) do probatório], o órgão de execução fiscal e, após já ter designado data para a venda do imóvel penhorado nos autos, “em cumprimento das disposições conjugadas do disposto no 220º e nº 1 do artigo 239º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”, remeteu à Recorrente mulher um ofício a citá-la, na qualidade de cônjuge do executado, “para requerer, querendo, dentro de 30 (trinta) dias, a separação judicial de bens, ou juntar aos autos certidão comprovativa da pendência de acção (…), sob pena de a execução prosseguir com a venda dos bens penhorados”, tendo tal ofício sido recebido pela Recorrente mulher.
E será que do teor desta nota de citação é possível concluir, como se fez na sentença recorrida, de que a Recorrente mulher foi citada para o PEF nos termos do disposto nos artigos 220º e 239º do CPPT?
Afigura-se-nos que não.
A citação é o acto destinado a dar conhecimento ao executado de que foi proposta contra ele determinada execução ou a chamar a esta, pela primeira vez, pessoa interessada (artigo 35º, nº 2 do CPPT).
Apesar de na nota de citação ser feita referência aos dois citados normativos (220º e 239º, nº 1, ambos do CPPT), certo é que o (único) fim da citação está aí bem expresso - requerer a separação judicial de bens -, pelo que, é bem patente que esta citação apenas teve esse objectivo, ou seja, o fim específico previsto no artigo 220º do CPPT.
Para que a citação também se mostrasse efectuada nos termos e para os efeitos do artigo 239º, nº 1 do CPPT, era necessário que o cônjuge fosse citado sem aquela finalidade específica de requerer a separação judicial de bens, o que, como vimos, não se verificou. Nem tão pouco se basta o artigo 239º, nº 1 do CPPT com a mera informação da penhora, exigindo, antes, uma verdadeira e própria citação para a execução, atentos os efeitos decorrentes do artigo 864º - A do CPC. Ou seja, a Recorrente mulher não foi citada para os efeitos previstos no artigo 239º, nº 1 do CPPT, isto é, para assistir aos termos da execução, nem, de resto, parece ter sido essa a intenção do órgão de execução fiscal já que, como também resulta dos autos, nem sequer lhe notificou o despacho de designação de data para a venda do imóvel penhorado, ao contrário do que sucedeu relativamente ao executado e ao credor reclamante, em que tal notificação se mostra efectuada. Conclui-se, pois, que no caso dos autos ocorre a nulidade da falta de citação da Recorrente mulher para a execução fiscal nos termos previstos no artigo 239º, nº 1 do CPPT.
Ora, a falta da citação do cônjuge do executado para a execução nos termos e para os efeitos do citado artigo 239º, nº 1 do CPPT constitui uma nulidade insanável, quando possa prejudicar a defesa do interessado [cfr. artigo 165º, nº 1, al. a) do CPPT], tendo por efeito a anulação dos termos subsequentes do processo que deles dependam absolutamente, aproveitando-se as peças úteis ao apuramento dos factos [n.º 2 do mesmo artigo].
O que é relevante para a ocorrência da nulidade prevista no artigo 165º, nº 1, alínea a) do CPPT é a mera possibilidade de prejuízo para a defesa do interessado e não a demonstração da existência de efectivo prejuízo (neste sentido, Jorge Lopes de Sousa, in ob. citada, pág. 110), sendo que, no caso dos autos, não pode deixar de se considerar que essa possibilidade de prejuízo existe para a Recorrente mulher, desde logo, porque já foi designada data para a venda do imóvel sem que ela tenha tido possibilidade de intervir na execução.
Por outro lado, a arguição da nulidade também se mostra tempestiva, já que a Recorrente mulher não teve qualquer intervenção anterior nos autos de execução fiscal, sendo a sua primeira intervenção precisamente com a arguição de tal nulidade em requerimento dirigido ao Chefe do Serviço de Finanças e cujo indeferimento está na base da reclamação aqui em causa.
Assim sendo, a sentença recorrida que não considerou verificada a nulidade decorrente da falta de citação da Recorrente mulher nos termos e para os efeitos previstos no artigo 239º, nº 1 do CPPT, incorreu em erro de julgamento, a justificar a sua revogação nessa parte.
2.2.3.Os Recorrentes sustentam ainda que a sentença recorrida fez errado julgamento ao não julgar verificada a nulidade por falta de citação do executado.
Na sentença recorrida foi considerado não existir falta de citação do executado mas apenas nulidade da mesma - por falta de remessa da carta prevista no artigo 241º do CPC (uma vez que o aviso de recepção que acompanhou o ofício para a citação foi assinado por uma terceira pessoa) - e que tal nulidade já estaria sanada devido à intervenção processual do executado nos autos de execução fiscal.
Os Recorrentes, alheando-se da argumentação aduzida na sentença recorrida, continuam a sustentar que a situação em causa integra a falta de citação prevista no artigo 195º, alíneas a) e d) do CPC, a qual não se pode considerar sanada nos termos do artigo 196º do CPC, porquanto foi arguida na primeira intervenção que o executado (Recorrente) teve no processo.
Vejamos, pois, se tal nulidade se verifica.
Como já referimos no ponto anterior, de acordo com o artigo 165º, nº 1, alínea a) do CPPT, a falta de citação quando possa prejudicar a defesa do interessado, constitui uma nulidade insanável do processo de execução fiscal.
A falta de citação ocorre, além dos casos em que ela é omitida, também nas situações previstas no artigo 195º do CPC, ex vi artigo 2º, alínea e) do CPPT, a saber: “a) quando o acto tenha sido completamente omitido; b) quando tenha havido erro de identidade do citado; c) quando se tenha empregado indevidamente a citação edital; d) quando se mostre que foi efectuada depois do falecimento do citando ou da extinção deste, tratando-se de pessoa colectiva ou sociedade; e) quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável.”
De acordo com o disposto no artigo 190º, nº 6 do CPPT, para que ocorra falta de citação é necessário que o respectivo destinatário alegue e demonstre que não chegou a ter conhecimento do acto por motivo que não lhe foi imputável.
Como é entendimento pacífico e reiterado da doutrina e da jurisprudência, distintas das situações de falta de citação, são as situações de nulidade da citação [que não consubstanciam uma nulidade insanável, enquadrável no referido artigo 165º, nº1, alínea a) do CPPT], que ocorrem quando a citação tenha sido efectuada, mas sem que tenham sido observadas as formalidades previstas na lei (cfr. artigo 198º, nº 1 do CPC).
No caso dos autos, o Recorrente, na qualidade de responsável subsidiário e enquanto executado por reversão, tinha de ser citado pessoalmente para a execução (cfr. artigo 191º, nº 3 do CPPT). Como consta do probatório, para chamar o Recorrente à execução fiscal, o Serviço de Finanças de Santo Tirso remeteu carta registada com aviso de recepção para o domicílio fiscal daquele (o que não foi posto em causa), mostrando-se o aviso de recepção que acompanhava a correspondência assinado por uma terceira pessoa, que não o executado [cfr. alínea D) do probatório].
O Recorrente sustenta que a citação não pode considerar-se efectuada porque não lhe foi remetida a carta a que alude o artigo 241° do CPC. E, de facto, também está assente nos autos, que o Serviço de Finanças de Santo Tirso omitiu a remessa da carta registada imposta pelo citado artigo 241º do CPC [cfr. alínea E) do probatório]. Porém, o não cumprimento do disposto no artigo 241º do CPC apenas poderia integrar uma mera irregularidade, que se deve considerar sanada por falta de arguição dentro do respectivo prazo, atento o disposto no artigo 198º, nº 2 do CPC. É que, na situação dos presentes autos, contrariamente ao sustentado pelos Recorrentes, não estamos perante qualquer falta de citação e, por outro lado, também não estamos perante qualquer das situações mencionadas no artigo 195º do CPC em que se considera ocorrer falta de citação. De resto, os Recorrentes não alegaram nem demonstraram que não chegaram a ter conhecimento do acto, por motivo que não lhes foi imputável.
Não estando perante uma situação de falta de citação, não é aplicável o regime previsto no artigo 165º, nº 1, alínea a) do CPPT, sendo o regime da arguição da nulidade diferente do da falta de citação. Isto porque, enquanto a falta de citação pode ser arguida a todo o tempo, até ao trânsito em julgado da decisão final (cfr. artigo 165º, nº 4 do CPPT), a nulidade da citação só pode ser conhecida na sequência de arguição do interessado, ou seja, tem que ser feita, em regra, no prazo que tiver sido indicado para a dedução da oposição o prazo legal para deduzir oposição é de 30 dias, nos termos do artigo 203º, nº 1 do CPPT. (cfr. artigo 198º, nº 2 do CPC) - neste sentido, entre outros, Ac. do TCAN de 7/7/2011, Processo 712/10.0 BEPRT.
Ora, atenta a data em que foi assinado o aviso de recepção que acompanhou a correspondência para a citação do Recorrente para a execução, ou seja, em 20.10.2009, na data em que em que o Recorrente teve a primeira intervenção no processo, em 13.08.2010, já há muito havia precludido o prazo para arguição da nulidade de citação, sendo totalmente irrelevante que tenha arguido a falta da citação aquando dessa primeira intervenção.
Assim sendo, a sentença recorrida que julgou improcedente o arguido vício de falta de citação do executado não merece qualquer censura, sendo de negar provimento ao recurso nesta parte.
3. Decisão
Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em:
Conceder parcial provimento ao recurso;
a) Revogar a sentença recorrida na parte em que julgou improcedente a não verificação da nulidade decorrente da falta de citação da Recorrente mulher [cônjuge do executado] nos termos e para os efeitos previstos no artigo 239º, nº 1 do CPPT;
b) Julgar, em substituição, a reclamação procedente, nessa parte, anulando-se o processado da execução posterior à falta de citação da Recorrente mulher, com aproveitamento de todos os actos úteis.
c) Manter a sentença recorrida, quanto ao demais.
Custas pelos Recorrentes e pela Recorrida na proporção do respectivo decaimento (que para o efeito se cifra em ½ para cada parte), sendo a Recorrida apenas responsável pelas custas devidas em 1ª Instância.
Porto, 23 de Novembro de 2011
Ass. Fernanda de Fátima Esteves
Ass. Álvaro António Mangas Abreu Dantas
Ass. Anabela Ferreira Alves Russo