Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00688/10.4BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/14/2014
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Pedro Nuno Pinto Vergueiro
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.
IVA.
EXISTÊNCIA DO FACTO TRIBUTÁRIO.
CASO JULGADO.
ARTIGO 103º NºS 2 E 3 DA CRP.
Sumário:I) A AT cumpriu com o ónus probatório que sobre si impendia em ordem à prática desse acto de acordo com o disposto no art. 74º nº 1 da LGT, na medida em que, apesar de ter ponderado a versão do ora Recorrente, relevou o facto de o sujeito passivo ter emitido uma venda a dinheiro onde liquidou IVA, considerando estar em causa uma operação sujeita a IVA, praticada por dois sujeitos passivos, no âmbito das suas actividades, ponderando depois que, apesar de segundo o Recorrente, não ser esse o seu objectivo, uma vez que parte dos computadores era sua, a verdade é que acabaram por ficar na posse da sociedade a favor de quem foi emitida a factura, e o Recorrente encontra-se a reclamar o seu credito por via judicial, não se vislumbrando a contradição que o Recorrente pretende evidenciar, nem qualquer situação susceptível de justificar a ponderação da realidade em apreço nos termos do art. 100º do CPPT.
II) Considerando que a FP não é parte no processo apontado pelo Recorrente, não pode proceder a alegação do mesmo, sendo que o cuidado com que é tratada a eficácia externa do caso julgado também é bem visível na análise do Prof. Antunes Varela que, depois de abordar a problemática dos efeitos da sentença relativamente a terceiros juridicamente indiferentes, acrescentou, relativamente aos terceiros titulares de uma relação jurídica incompatível com a litigada, que “nenhuma razão há, de acordo com o espírito da norma que prescreve a eficácia relativa do caso julgado, para impor a sentença ao terceiro, titular da posição incompatível com a declarada na sentença transitada”. Nas demais situações cobertas pelas regras gerais, a invocação da “autoridade de caso julgado” formado num processo não pode conduzir a que se produzam na esfera de terceiros efeitos com que este não poderia contar, pelo facto de emergirem de um processo em que não teve qualquer intervenção.
III) De acordo com o CIVA são sujeitos passivos do imposto, “as pessoas singulares ou colectivas que, em factura ou documento equivalente, mencionem indevidamente IVA”, sendo que a simples menção do IVA em tais documentos, mesmo que porventura descabida, por não haver lugar ao mesmo, origina obrigação de imposto em função do carácter rígido e formalista do IVA e do facto de o sujeito passivo destinatário da factura ter o direito de dedução respectivo, pois que cada factura com menção de imposto, constitui um cheque sobre o tesouro, pois atribui ao destinatário que seja sujeito passivo o direito de deduzir o IVA nela contido.
IV) Deste modo, apesar de não estar em causa um negócio formal, situação que torna sem sentido o exposto na decisão recorrida sobre a aplicação do art. 39º nº 2 da LGT (entretanto já revogado pelo art.º 216 da Lei n.º 83-C/2013), não podemos deixar de notar que a sociedade utilizadora registou na sua contabilidade a aludida venda a dinheiro, deduziu o IVA e procedeu ao registo das amortizações do material informático que se encontrava apreendido, sendo que no processo judicial a que o Recorrente alude nos autos, este apenas reclama do ali R. o pagamento de uma indemnização relativamente ao equipamento por si suportado, o que significa que, afinal, não se trata de uma simulação absoluta, pois que a aquisição do equipamento estava relacionada com a sociedade a constituir pelo Recorrente e o citado R., de modo que, o documento em crise acaba por formalizar a integração do mesmo na aludida sociedade, não podendo o Recorrente olvidar a situação acima descrita relativamente ao procedimento da sociedade, matéria que não é colocada em crise na citada acção, estando apenas em causa a actuação do ali R. no que concerne à utilização do equipamento, reclamando o ora Recorrente tão-só o pagamento da referida indemnização, pelo que, não existe motivo para censurar a conduta da AT, mas sim o procedimento do Recorrente, que atribuiu ao destinatário o direito de deduzir com base na aludida venda a dinheiro o IVA. Daí que o legislador comine que a simples menção do IVA no documento em causa origine obrigação de pagar, independentemente da qualidade do emissor, que se torna “devedor do imposto”, pois só assim se consegue, como refere XAVIER DE BASTO, “que ao direito à dedução, que a factura atribui ao destinatário sujeito passivo, corresponde uma obrigação de pagar”, com vista a assegurar “o funcionamento regular do sistema de pagamentos fraccionados”.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:L...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
L…, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 22-11-2012, que julgou improcedente a pretensão pelo mesmo deduzida na presente instância de IMPUGNAÇÃO, relacionada com a liquidação adicional de IVA, nº 06356427, no valor de € 8.401,85.

Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 147-161), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“ (…)
I - Da violação do art. 74º, 1 da Lei Geral Tributária e art. 100º, 1 CPPT.
1 - Constando do relatório de inspeção junto aos autos as razões de facto e de direito que estiveram na base da decisão da AT, o Douto Tribunal a quo não poderia deixar de formular um juízo sobre a validade do ato em causa à luz da fundamentação contextual integrante do mesmo.
2 - Face ao circunstancialismo descrito, verifica-se que a AT não observou o ónus da prova dos pressupostos da sua atuação: a existência de indícios sérios e credíveis da existência de transação comercial.
3 - Aliás, o ónus de prova dos factos constitutivos do direito às correções em sede de IVA e à subsequente liquidação recai sobre a administração tributária - artigo 74º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, enquanto princípio geral e garantia basilar dos contribuintes.
4 - Como se pode depreender do relatório de inspeção tributário nos autos, subsiste uma dúvida ou contradição não sanada sobre a existência de simulação do negócio que a venda a dinheiro n.º 2 retrata.
5 - Dúvida insanável patente no seguinte trecho do supra referido relatório:
“Face ao exposto, o sujeito passivo emitiu uma venda a dinheiro onde liquidou IVA, relativamente a uma transação, cujo objetivo seria o de comprovar a propriedade dos computadores à P..., Lda.” (sublinhado nosso).
6 - Em virtude do disposto no art. 74º, 1, LGT, deveria o Douto Acórdão recorrido ter sopesado o facto de incumbir à AT o ónus de provar a existência de efetiva transação, enquanto pressuposto da incidência tributária e necessidade de aplicação de correcção meramente aritmética.
7 - E deveria o douto Acórdão a quo ter decidido em sentido contrário, contra quem incumbia o onus probandi, pois não logrou a AT demonstrar os pressupostos do facto tributário de liquidação adicional,
8 - Porquanto é a própria AT a admitir, no último trecho citado, que a emissão da venda a dinheiro referido apenas serviu o propósito de “comprovar a propriedade dos computadores à P..., Lda.
9 - Sendo também certo que o Impugnante cumpriu integralmente, em sede impugnatória, os requisitos previstos na jurisprudência do TCAN, no Processo nº 01203/09.8BEBRG, de 08-11-2012.
10 - Visto que, perante indicadores suficientes de que os custos titulados por faturas de suporte à escrita do sujeito passivo não titulam verdadeiras transações, o Impugnante cumpriu o ónus de rebater tais indicadores, demonstrando que não ocorreram os factos que os suportam ou que não têm o significado que lhes é atribuído.
11 - Pelo exposto a decisão do douto Tribunal a quo incorreu em erro de apreciação de prova e, consequentemente, em vício de ilegalidade por violação do disposto no art. 74.º 1 da Lei Geral Tributária.
12 - Como também não deu cabal cumprimento ao comando imperativo do art. 100º, 1 do CPPT, dispondo no sentido da anulação do acto impugnado, sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário.
Sem prescindir,
II - Da violação do art. 103º, 2 e 3 CRP
13 - Verificou-se, de facto, uma operação comprovadamente simulada, como se provou em sede de aresto de que faz parte o recurso de apelação nº 5304/08 e respetivo acórdão do Tribunal da Relação do Porto, com sentença transitada em julgado, no processo 3752/05.8TBPVZ.
14 - Inexistem os pressupostos de incidência tributária pelo facto da transação subjacente à liquidação adicional sub judice, não ter tido como objeto a transmissão de bens, mas apenas a simulação de negócio quoad effectum com o objetivo de evitar a apreensão por parte das autoridades fiscais dos bens em causa.
15 - Não pode a AT, perante o relatório de inspeção junto dos autos e após pedido de revisão oficiosa do acto tributário de liquidação, devidamente fundamentado pelo ora recorrente, ignorar a verdadeira natureza da suposta venda a dinheiro como acordo simulatório.
16 - Conhecimento efetivo que demandaria uma solução diversa do pedido de revisão oficiosa de facto tributário em causa, compelindo a AT, enquanto sujeito processual-tributário agindo pelos ditames da boa-fé, a rejeitar o processo de correção aritmética.
17 - Segundo o art. 2.º, 1, CIVA, estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado as transmissões de bens e as prestações de serviços efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal.
18 - Ora, dita a subsunção silogística que, na ausência de qualquer transmissão, não poderá haver tributação, pois falece ato-efeito sobre o qual incide objetivamente o imposto.
19 - É certo que o art. 243.º, 1, CC, protege a confiança de terceiro no tráfego, mas esta tutela civilística não pode vencer o princípio básico-constitucional da legalidade tributária, art. 103º, 2, 3, no sentido em que um contribuinte-sujeito passivo não pode ver o seu património lesado pelo pagamento de um imposto cuja incidência, verdadeira e efetivamente, não existe.
Sem prescindir,
III - Inadmissibilidade da aplicação analógica do art. 243.º, 1 CC
20 - Acresce que a relação jurídico-tributária não se cristaliza no momento da liquidação, devendo revelar todos os atos subsequentes e factos de conhecimento superveniente que possam afetar as garantias dos contribuintes.
21 - Após pedido de revisão oficiosa, impugnação e Acórdão do TRP no sentido da existência de acordo simulatório, a decisão de prossecução de cobrança coerciva apenas pode qualificar a AT como sujeito de má-fé, logo excluído da exceção constante do art. 243º, 1, CC, proibindo a arguição de nulidade proveniente da simulação contra terceiro de boa-fé.
22 - Aliás, não se pode considerar a interpretação analógica, como faz o douto acórdão recorrido, do disposto no art. 243º, 1, CC, à situação em apreço, porquanto este preceito, no que respeita à inoponibilidade da nulidade da simulação a terceiros de boa-fé, consubstancia norma excecional, logo insuscetível de aplicação analógica, ex vi art. 11º, CC.
23 - Sendo aplicável, sem restrições, a regra geral da oponibilidade erga omnes da nulidade do negócio jurídico, conforme disposto no art. 286.º, pelo que poderia o Recorrente ter arguido a nulidade do acordo simulatório contra a AT.
Sem prescindir,
IV - Do desrespeito pela autoridade do caso julgado.
24 - Aventa o Acórdão recorrido que “as conclusões no âmbito do processo civil em causa [por referência ao Acórdão do Tribunal da Relação do Porto junto aos autos] não são aplicáveis à relação jurídico-tributária existente entre a Administração Fiscal e o impugnante”.
25 - Admitindo ainda como pressuposto decisório que “o referido Acórdão não declara expressamente a nulidade da venda a dinheiro dos equipamentos informáticos em causa nos presentes autos”.
Contudo,
26 - O Recorrente emitiu uma venda a dinheiro em 4/01/2003, na qual mencionou IVA no montante de 8.127,44 euros, sendo todavia certo, provado e demonstrado que o mesmo nunca recebeu esse montante, dado tratar-se de um negócio simulado, conforme consta de sentença de ação cível, que correu termos no Tribunal judicial da Póvoa de Varzim, Processo n.º 3752/05.STBPVZ.
27 - Em Sentença transitada em julgado após Acórdão do tribunal da Relação do Porto, em Apelação n.° 5304/08, junto aos autos.
28 - Dentre os factos dados como provados com interesse determinante para a decisão deste Recurso, resultam os constantes das alíneas a), b), d), g), 1), m), e pp. 8-10 do supra referido Acórdão, que aqui se dão por reproduzidas por razões de economia.
29 - Resultou à evidência, conforme consta do aresto cível mencionado, que a emissão da venda a dinheiro n.º 2, de 4/1/2003, não se destinava a efetuar a transmissão dos equipamentos para a sociedade designada na mesma,
30 - Mas tão só pretendia simular um negócio com o objectivo de evitar a apreensão dos ditos equipamentos, como supra expusemos.
31 - Ficou depositada nesses autos, com transito em julgado de sentença, que tal nota de venda não teria qualquer validade, ficando o material afetado à sociedade que a Autor e Réu estavam a constituir.
32 - Aliás, é a própria Administração Tributária, que tal facto reconhece no ofício nº 001010, de 07-01-2009, junto dos presentes autos.
Ora,
33 - É entendimento que percorre a jurisprudência o de que a exceção do caso julgado pressupõe uma tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir e que esta se distingue da autoridade do caso julgado, em que último se manifesta na sua vertente ou face positiva. (Vide Acórdão TRC de 28-09-2010, no Processo 392/09.6TBCVL.C1).
34 - Enquanto que pela excepção do caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contraria na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior,
35 - Sendo que para a autoridade do caso julgado não se exige a coexistência da tríplice identidade, prevista no art. 498º do CPC, o que permite transpor a questão da simulação de negócio para o processo jurídico-tributário em apreço.
36 - A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em ação anterior, que se insere, quanto ao seu objeto, no objeto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, por elementares razões de certeza e segurança jurídica, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade prevista no art 498º do CPC.
37 - Consequentemente, não poderia o Douto Tribunal a que, sob pena de inelutável lesão dos princípios basilares da certeza e segurança jurídica, menosprezar o vínculo relacional que entre as duas ações, civil e jurídico tributária, existe.
38 - A simulação de negócio, decisiva para a aferição da existência dos pressupostos de incidência do tributo em sede de liquidação adicional de IVA, havia já sido comprovada em ação anterior, em sentença transitada em julgado no processo n.° 3752/05.8TBPVZ.
39 - Era mister entender-se que a decisão proferida na primeira ação tem, quando aos factos dados por assentes e seus pressupostos, uma inserção no objeto da segunda, de cuja decisão ora se recorre.
40 - E a necessidade de evitar que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença anterior, in casu, a simulação do negócio que subjaz ao ato tributário, seja definida de modo diverso por outra sentença.
41 - O que, para além de lesar os princípios constitucionais-fiscais e preceitos legais supra descritos, inflige ataque severo aos princípios basilares da certeza e segurança pelas quais se deve balizar o tráfico jurídico.
42 - Ao ignorar a anterior configuração judicial da relação material controvertida como sendo a de uma simulação de negócio, logo nula e não traduzindo uma efetiva transmissão patrimonial, o Douto Acórdão a quo, violou a autoridade do caso julgado material, e permite que um contribuinte sujeito - passivo seja abusivamente tributado por uma transação que instâncias judiciais sentenciaram não existir.
Atendo o exposto, com o Douto suprimento de V. Ex.ªs, que sempre se espera, deve ser considerado procedente o presente recurso, anulando-se a douta decisão recorrida e declarando ilegal a liquidação adicional de IVA de que o Recorrente é sujeito passivo.
ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA!
Normas Violadas: art. 74º, 1, LGT, 100º, CPPT, 103º, 2 e 3, CRP, 243º, CC.”

A recorrida Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 193 a 195 dos autos, no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO –QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, em analisar se existe fundamento para a conduta da AT relacionada com a obrigação de liquidar imposto por parte do Recorrente, indagar da relevância da figura da autoridade do caso julgado e ainda apreciar da existência de facto tributário.

3. FUNDAMENTOS
3.1 DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
A) O impugnante foi objecto de uma acção inspectiva levada a cabo pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto, tendo por objecto o IVA e IRS do ano 2003, cf. fls. 175 a 185 do P.A. apenso aos presentes autos.
B) Por ofício datado de 21/04/2010, foi enviado ao impugnante cópia do relatório da inspecção, cf. Fls. 174 do P.A. apenso aos autos.
C) Na sequência dessa acção inspectiva, a Administração Tributária (AT) procedeu a correcções técnicas em sede de IVA, tendo apurado, relativamente ao exercido de 2003 um imposto montante de € 8.401,85, cf. relatório de inspecção a fls. 175 a 185 do P.A. apenso aos autos, que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
D) Segundo o relatório da inspecção tributária, o apuramento do imposto em falta, assentou, designadamente, no seguinte:
“(…)
Face ao exposto, o sujeito passivo emitiu uma venda a dinheiro onde liquidou IVA, relativamente a uma transacção, cujo objectivo seria o de comprovar a propriedade dos computadores à P..., Lda. Estamos perante uma operação sujeita a IVA, praticada por dois sujeitos passivos, no âmbito das suas actividades.
Apesar, de segundo o L…, não ser esse o seu objectivo, uma vez que parte dos computadores era sua, a verdade é que acabaram por ficar na posse da P..., e o L… encontra-se a reclamar o seu credito por via judicial.
O sujeito passivo enviou a declaração de IVA, relativa ao 4º trimestre de 2002, onde mencionou os seguintes valores:
Base Tributável
Iva Liquidado
Iva Dedutível
Iva a reportar
1.650,00€
313,50€
8.300,42€
-7.986,92€
O L...contabilizou a totalidade dos computadores mencionados na factura de aquisição e deduziu o IVA relativo aos mesmos, reportando o valor de 7.986,92€, ficando assim com um crédito sobre o Estado naquele montante, não tendo solicitado o reembolso.
Apesar de, em 2003, ter adquirido o livro de vendas a dinheiro e ter emitido uma venda a Dinheiro, entregou a declaração de cessação de actividade com efeitos a 31/12/2002, pelo que haverá necessidade de reiniciar a actividade e cessa-la apenas no final do primeiro trimestre de 2003.
Os valores constantes da referida Venda a Dinheiro n° 002 são os seguintes:
Sub Total 42.876,56€
Iva 19% 8127,44€
Total 51.000,00€
Contudo, há erro no cálculo do IVA, para aquela base o IVA devido é de 8.146,55€.
Logo não foi declarado e está em falta também um valor de 19,11€. O total da operação realizada é de 8.146,55€ e não de 8.127,44€, como consta da Venda a Dinheiro.
Além do 32 computadores vendidos à P..., o L...possuía um computador portátil que terá afectado para uso pessoal, no valor de 1.343,70, relativamente ao qual terá que regularizar o IVA, no valor de 255,30€, tendo sobre o mesmo procedido à dedução do IVA aquando da sua compra, como referido acima.
Em resumo, o documento de correcção terá os seguintes valores:
Período
Base Tributável
Iva Dedutível
Iva em falta
0303T
44.220,26€
8.401,85€
cf. fls. 175 a 185 dos autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido,
E) Em 13/04/2009, 21/04/2009, 13/10/2009, 11/04/2009, 29/01/2009, o aqui impugnante apresentou um pedido de revisão oficiosa do acto tributário aqui em causa e varias exposições escritas, cf. fls. 12 a 143 do P.A. junto aos autos.
F) For oficio datado de 11/01/2010, o impugnante foi notificado do despacho de indeferimento do pedido de revisão do acto tributário e da respectiva fundamentação, cf. fls. 19 a 23 dos autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
G) No recurso de apelação n° 5304/08 o Tribunal da Relação do Porto proferiu douto Acórdão cuja cópia consta de fls. 25 a 44 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
J) A presente impugnação judicial deu entrada no Serviço de Finanças da Povoa de Varzim em 26/02/2010, cf. fls. 4 dos autos.
*
Factos não provados:
Nenhuns, com interesse para a decisão da causa.

Motivação da decisão de facto
O Tribunal considerou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados, assim como, na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados (cfr. artigo 74º da LGT), também são corroborados pelos documentos juntos cfr. predispõe o artigo 76° n.° 1 da LGT e artigo 362° e seguintes do Código Civil (CC)”
3.2 DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, agora, entrar na análise da realidade que envolve o presente recurso jurisdicional, impondo-se indagar da pertinência da liquidação adicional de IVA, nº 06356427, no valor de € 8.401,85.

Na sentença recorrida, onde a pretensão do ora Recorrente não colheu abrigo, ponderou-se que:
“…
Atendendo a que a lei impede o impugnante de arguir a nulidade do negócio jurídico subjacente à liquidação aqui em causa em relação a qualquer terceiro de boa-fé, no qual se inclui o Estado, improcede a sua pretensão
Acresce que, não tendo a nulidade do negócio jurídico, que o impugnante alega ser simulado, sido decretada por decisão judicial pelo Tribunal competente, também não pode esta ser invocada perante a Administração Fiscal - nos termos do disposto no art. 39° n°2 da LGT.
Segundo este artigo a tributação do negócio jurídico real depende de decisão judicial que declare a nulidade.
Ora, nos presentes autos, pelo que consta do teor da PI., o impugnante não assume a existência de um negócio jurídico real (apenas diz que não existiu qualquer transmissão de bens subjacente à liquidação de IVA) e, ainda que assim fosse, não há decisão judicial que declare a nulidade do suposto negócio simulado,
O que consta dos autos é um Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, que se pronuncia sobre a decisão da 1ª Instância tomada em acção declarativa de condenação proposta pelo aqui impugnante para reaver parte dos créditos resultantes da venda a dinheiro que aqui vem invocar que simulou.
O referido Acórdão não declara expressamente a nulidade da venda a dinheiro dos equipamentos informáticos em causa nos presentes autos além do que, as conclusões no âmbito do processo cível em causa não são aplicáveis à relação jurídico tributária existente entre a Administração Fiscal e o impugnante.
Face a tudo o que foi exposto, resta concluir pela total improcedência da impugnação.

Nas suas alegações, o Recorrente começa por defender que existe violação do art. 74º, 1 da Lei Geral Tributária e art. 100º, 1 CPPT, na medida em que constam do relatório de inspeção junto aos autos as razões de facto e de direito que estiveram na base da decisão da AT, pelo que o Douto Tribunal a quo não poderia deixar de formular um juízo sobre a validade do ato em causa à luz da fundamentação contextual integrante do mesmo, pois que, face ao circunstancialismo descrito, verifica-se que a AT não observou o ónus da prova dos pressupostos da sua atuação: a existência de indícios sérios e credíveis da existência de transação comercial.
Aliás, o ónus de prova dos factos constitutivos do direito às correções em sede de IVA e à subsequente liquidação recai sobre a administração tributária - artigo 74º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, enquanto princípio geral e garantia basilar dos contribuintes e como se pode depreender do relatório de inspeção tributário nos autos, subsiste uma dúvida ou contradição não sanada sobre a existência de simulação do negócio que a venda a dinheiro n.º 2 retrata, dúvida insanável patente no seguinte trecho do supra referido relatório:
“Face ao exposto, o sujeito passivo emitiu uma venda a dinheiro onde liquidou IVA, relativamente a uma transação, cujo objetivo seria o de comprovar a propriedade dos computadores à P..., Lda.” (sublinhado nosso).
Em virtude do disposto no art. 74º, 1, LGT, deveria o Douto Acórdão recorrido ter sopesado o facto de incumbir à AT o ónus de provar a existência de efetiva transação, enquanto pressuposto da incidência tributária e necessidade de aplicação de correcção meramente aritmética e deveria o douto Acórdão a quo ter decidido em sentido contrário, contra quem incumbia o onus probandi, pois não logrou a AT demonstrar os pressupostos do facto tributário de liquidação adicional, porquanto é a própria AT a admitir, no último trecho citado, que a emissão da venda a dinheiro referido apenas serviu o propósito de “comprovar a propriedade dos computadores à P..., Lda, sendo também certo que o Impugnante cumpriu integralmente, em sede impugnatória, os requisitos previstos na jurisprudência do TCAN, no Processo nº 01203/09.8BEBRG, de 08-11-2012, visto que, perante indicadores suficientes de que os custos titulados por faturas de suporte à escrita do sujeito passivo não titulam verdadeiras transações, o Impugnante cumpriu o ónus de rebater tais indicadores, demonstrando que não ocorreram os factos que os suportam ou que não têm o significado que lhes é atribuído.
Pelo exposto a decisão do douto Tribunal a quo incorreu em erro de apreciação de prova e, consequentemente, em vício de ilegalidade por violação do disposto no art. 74.º 1 da Lei Geral Tributária, como também não deu cabal cumprimento ao comando imperativo do art. 100º, 1 do CPPT, dispondo no sentido da anulação do acto impugnado, sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário.

Nesta matéria, cabe notar que actuando a AT no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabe-lhe o ónus de prova da existência de todos os pressupostos do acto de liquidação.
Como refere o Prof. Vieira de Andrade, “A Justiça Administrativa” (Lições), 2º edição, pág. 269.) “há-de caber, em princípio, à Administração o ónus de prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável); em contrapartida, caberá ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados estes pressupostos”.
Por seu lado, é sabido que o ónus de prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque, sendo que, embora esta regra (art. 74º nº 1 LGT) esteja prevista para o procedimento tributário, o seu conteúdo deve ser transposto para o processo judicial que se lhe seguir, por forma a que quem tinha o ónus da prova no procedimento tributário tenha o respectivo ónus no processo judicial tributário.
No caso presente, o probatório informa que:
D) Segundo o relatório da inspecção tributária, o apuramento do imposto em falta, assentou, designadamente, no seguinte:
“(…)
Face ao exposto, o sujeito passivo emitiu uma venda a dinheiro onde liquidou IVA, relativamente a uma transacção, cujo objectivo seria o de comprovar a propriedade dos computadores à P..., Lda. Estamos perante uma operação sujeita a IVA, praticada por dois sujeitos passivos, no âmbito das suas actividades.
Apesar, de segundo o L…, não ser esse o seu objectivo, uma vez que parte dos computadores era sua, a verdade é que acabaram por ficar na posse da P..., e o L...encontra-se a reclamar o seu credito por via judicial.
O sujeito passivo enviou a declaração de IVA, relativa ao 40 trimestre de 2002, onde mencionou os seguintes valores:
Base Tributável
Iva Liquidado
Iva Dedutível
Iva a reportar
1.650,00€
313,50€
8.300,42€
-7.986,92€
O L...contabilizou a totalidade dos computadores mencionados na factura de aquisição e deduziu o IVA relativo aos mesmos, reportando o valor de 7.986,92€, ficando assim com um crédito sobre o Estado naquele montante, não tendo solicitado o reembolso.
Apesar de, em 2003, ter adquirido o livro de vendas a dinheiro e ter emitido uma venda a Dinheiro, entregou a declaração de cessação de actividade com efeitos a 31/12/2002, pelo que haverá necessidade de reiniciar a actividade e cessa-la apenas no final do primeiro trimestre de 2003.
Os valores constantes da referida Venda a Dinheiro n° 002 são os seguintes:
Sub Total 42.876,56€
Iva 19% 8127,44€
Total 51.000,00€
Contudo, há erro no cálculo do IVA, para aquela base o IVA devido é de 8.146,55€.
Logo não foi declarado e está em falta também um valor de 19,11€. O total da operação realizada é de 8.146,55€ e não de 8.127,44€, como consta da Venda a Dinheiro.
Além do 32 computadores vendidos à P..., o L...possuía um computador portátil que terá afectado para uso pessoal, no valor de 1.343,70, relativamente ao qual terá que regularizar o IVA, no valor de 255,30€, tendo sobre o mesmo procedido à dedução do IVA aquando da sua compra, como referido acima.
Em resumo, o documento de correcção terá os seguintes valores:
Período
Base Tributável
Iva Dedutível
Iva em falta
0303T
44.220,26€
8.401,85€
cf. fls. 175 a 185 dos autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

Com este pano de fundo, não pode conceder-se qualquer abrigo à pretensão do Recorrente, pois que a AT não deixou de cumprir com o ónus probatório que sobre si impendia em ordem à prática desse acto de acordo com o disposto no art. 74º nº 1 da LGT, na medida em que, apesar de ter ponderado a versão do ora Recorrente, relevou o facto de o sujeito passivo ter emitido uma venda a dinheiro onde liquidou IVA, considerando estar em causa uma operação sujeita a IVA, praticada por dois sujeitos passivos, no âmbito das suas actividades, ponderando depois que, apesar de segundo o L..., não ser esse o seu objectivo, uma vez que parte dos computadores era sua, a verdade é que acabaram por ficar na posse da P..., e o L...encontra-se a reclamar o seu credito por via judicial, não se vislumbrando a contradição que o Recorrente pretende evidenciar, nem qualquer situação susceptível de justificar a ponderação da realidade em apreço nos termos do art. 100º do CPPT.

A Recorrente alude também ao desrespeito pela autoridade do caso julgado, referindo que emitiu uma venda a dinheiro em 4/01/2003, na qual mencionou IVA no montante de 8.127,44 euros, sendo todavia certo, provado e demonstrado que o mesmo nunca recebeu esse montante, dado tratar-se de um negócio simulado, conforme consta de sentença de ação cível, que correu termos no Tribunal judicial da Póvoa de Varzim, Processo n.º 3752/05.STBPVZ, transitada em julgado após Acórdão do tribunal da Relação do Porto, em Apelação n.º 5304/08, junto aos autos, sendo que dentre os factos dados como provados com interesse determinante para a decisão deste Recurso, resultam os constantes das alíneas a), b), d), g), 1), m), e pp. 8-10 do supra referido Acórdão, que aqui se dão por reproduzidas por razões de economia, resultando à evidência, conforme consta do aresto cível mencionado, que a emissão da venda a dinheiro n.º 2, de 4/1/2003, não se destinava a efetuar a transmissão dos equipamentos para a sociedade designada na mesma, mas tão só pretendia simular um negócio com o objectivo de evitar a apreensão dos ditos equipamentos, como supra expusemos.
Ficou depositada nesses autos, com transito em julgado de sentença, que tal nota de venda não teria qualquer validade, ficando o material afetado à sociedade que a Autor e Réu estavam a constituir, sendo que é a própria Administração Tributária, que tal facto reconhece no ofício nº 001010, de 07-01-2009, junto dos presentes autos.
Ora, é entendimento que percorre a jurisprudência o de que a exceção do caso julgado pressupõe uma tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir e que esta se distingue da autoridade do caso julgado, em que último se manifesta na sua vertente ou face positiva. (Vide Acórdão TRC de 28-09-2010, no Processo 392/09.6TBCVL.C1) e enquanto que pela excepção do caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contraria na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior, sendo que para a autoridade do caso julgado não se exige a coexistência da tríplice identidade, prevista no art. 498º do CPC, o que permite transpor a questão da simulação de negócio para o processo jurídico-tributário em apreço.
A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em ação anterior, que se insere, quanto ao seu objeto, no objeto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, por elementares razões de certeza e segurança jurídica, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade prevista no art 498º do CPC.
Consequentemente, não poderia o Douto Tribunal a quo, sob pena de inelutável lesão dos princípios basilares da certeza e segurança jurídica, menosprezar o vínculo relacional que entre as duas ações, civil e jurídico tributária, existe, verificando-se que a simulação de negócio, decisiva para a aferição da existência dos pressupostos de incidência do tributo em sede de liquidação adicional de IVA, havia já sido comprovada em ação anterior, em sentença transitada em julgado no processo n.° 3752/05.8TBPVZ e era mister entender-se que a decisão proferida na primeira ação tem, quando aos factos dados por assentes e seus pressupostos, uma inserção no objeto da segunda, de cuja decisão ora se recorre e a necessidade de evitar que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença anterior, in casu, a simulação do negócio que subjaz ao ato tributário, seja definida de modo diverso por outra sentença, o que, para além de lesar os princípios constitucionais-fiscais e preceitos legais supra descritos, inflige ataque severo aos princípios basilares da certeza e segurança pelas quais se deve balizar o tráfico jurídico, de modo que, ao ignorar a anterior configuração judicial da relação material controvertida como sendo a de uma simulação de negócio, logo nula e não traduzindo uma efetiva transmissão patrimonial, o Douto Acórdão a quo, violou a autoridade do caso julgado material, e permite que um contribuinte sujeito - passivo seja abusivamente tributado por uma transação que instâncias judiciais sentenciaram não existir.

Neste domínio, é sabido que o caso julgado constitui, assim, uma das excepções previstas na lei adjectiva, que é de conhecimento oficioso e cuja ocorrência impede que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância ( arts. 495º e 493º nº 2 do C. Proc. Civil ), excepção essa que pressupõe, nos termos do art. 497º nºs 1 e 2 do mesmo diploma legal, a repetição de uma causa já decidida por sentença transitada em julgado e que tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.

O caso julgado consiste, assim, na alegação de que a mesma questão foi já deduzida num outro processo e nele julgada por decisão de mérito, que não admite recurso ordinário( Prof. Antunes Varela, “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., pág. 307 ) ou então, como aponta o Prof. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1993, págs. 305 e 306, o caso julgado consiste em a definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais quando lhes seja submetida a mesma relação, todos tendo de acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão e de modo absoluto, com vista não só à realização do direito objectivo ou à actuação dos direitos subjectivos privados correspondentes, mas também à paz social.

O instituto do caso julgado exerce, assim, duas funções: uma função positiva e uma função negativa. Exerce a primeira quando faz valer a sua força e autoridade, que se traduz na exequibilidade das decisões e exerce a segunda quando impede que a mesma causa seja novamente apreciada pelo mesmo ou por outro tribunal.

Compreende-se, desse modo, a razão de tal autoridade do caso julgado pela necessidade da certeza e da segurança nas relações jurídicas.
Tanto mais que a decisão transitada pode até ter apreciado mal os factos e interpretado e aplicado erradamente a lei, mas no mundo do Direito tudo se passa como se a sentença fosse a expressão fiel da verdade e da justiça ( Prof. Alberto dos Reis, CPC Anotado, vol. III, pág. 94 ).

Perante tais efeitos do caso julgado torna-se imperioso estabelecer, com nitidez, o conceito de repetição de uma causa.

Tal resposta é-nos dada pelo art. 498º nº 1 do C. Proc. Civil que estabelece que a causa se repete “quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir”.

Por seu lado, os nºs 2, 3 e 4, desse mesmo preceito, concretizando melhor, dispõem que “há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica; há identidade do pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico e há identidade da causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico”.

Quanto ao primeiro elemento, diga-se que as partes são as mesmas sob o aspecto jurídico desde que sejam portadoras do mesmo interesse substancial, ou seja, as partes não têm que coincidir do ponto de vista físico, sendo mesmo indiferente a posição que as partes assumam em ambos os processos, podendo ser autores numa acção e réus na outra ( Prof. Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, Coimbra Editora, pág. 319 ).

Por sua vez, haverá identidade de pedidos se existir coincidência na enunciação da forma de tutela jurisdicional pretendida pelo autor e do conteúdo e objecto do direito a tutelar, na concretização do efeito que, com a acção, se pretende obter e que a identidade da causa de pedir pressupõe que o acto ou o facto jurídico de onde o autor pretende ter derivado o direito é idêntico.

Há identidade de pedidos quando numa e noutra acção se pretende obter o mesmo efeito jurídico, ou seja, terá de ser o mesmo direito subjectivo cujo reconhecimento se pretende, independentemente da sua expressão quantitativa e da forma de processo utilizada.

Diga-se ainda que a causa de pedir consiste na alegação da relação material de onde o autor faz derivar o correspondente direito e, dentro dessa relação material, na alegação dos factos constitutivos do direito (facto jurídico de que procede a pretensão deduzida) - em consonância, assim, com o princípio da substanciação consagrado pelo nosso ordenamento jurídico -, enquanto que o pedido se reconduz ao efeito jurídico que o autor pretende retirar da acção interposta, traduzindo-se na providência que o autor solicita ao tribunal - trata-se de um elemento fundamental, considerando as imposições do princípio do dispositivo: são os interessados que accionam os mecanismos jurisdicionais como ainda quem realiza a escolha das providências que os direitos subjectivos invocados garantem -, e, por fim, que o conceito de sujeito a atender para o efeito coincide com a noção (adjectiva) de parte.

A excepção de caso julgado consiste, assim, e para concluir, na constatação de que a mesma questão já foi deduzida num outro processo e nele apreciada e julgada por decisão que não admite reclamação ou recurso ordinário ( art. 677º C. Proc. Civil ).

Por outro lado, cabe ainda notar que a excepção de caso julgado não se confunde com a autoridade do caso julgado, pois que a excepção traduz o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito enquanto que a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão.

Tal como refere o Prof. Miguel Teixeira de Sousa, “O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material, BMJ nº 325, págs. 49 e ss. “a excepção de caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior”, já “quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade de caso julgado é o comando de acção, a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva à repetição do processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição da decisão antecedente”.

E tal questão (da autoridade do caso julgado) conduz-nos à polémica e muito discutida questão da extensão ou alcance do caso julgado.

Nos termos do disposto no art. 671º nº 1 do C. Proc. Civil, “transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força dentro do processo e fora dele…”.

Por sua vez, sobre a epígrafe de “alcance do caso julgado” preceitua o art. 673º do mesmo diploma legal que “a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: se a parte que decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição de verifique, o prazo se preencha ou o facto de pratique”.

Resulta do exposto, que os limites do caso julgado são traçados pelos elementos identificadores da relação ou situação jurídica substancial definida pela sentença: os sujeitos, o objecto e a fonte ou título constitutivo.

Por outro lado, é preciso atender-se aos termos dessa definição (estatuída na sentença). Ela tem autoridade - valendo como lei – para qualquer processo futuro, mas só em exacta correspondência com o seu conteúdo. Daí que ela não possa impedir que em novo processo se discuta e dirima aquilo que ela mesmo não definiu.

Na referida vexata quaestio vem hoje ganhando predominância a corrente que perfilha o entendimento mitigado no sentido de que muito embora a autoridade ou eficácia do caso julgado não devendo, como princípio ou regra, abranger ou cobrir os motivos ou fundamentos da sentença, cingindo-se, apenas, à decisão na sua parte final, ou seja, à sua conclusão ou parte dispositiva final, mas sendo, todavia, já de estender-se também às questões preliminares que constituírem um antecedente lógico indispensável ou necessário à emissão daquela parte dispositiva do julgado.

No entanto, não será de excluir o recurso à parte motivatória da sentença (ou seja, aos seus fundamentos) sempre que tal se mostre necessário para reconstruir e fixar o real conteúdo da decisão, isto é, para interpretar e determinar o verdadeiro sentido e o exacto conteúdo da sentença em causa.

No caso em apreço, tem de notar-se que o Prof. Manuel de Andrade excluía da eficácia externa do caso julgado os terceiros interessados, isto é os terceiros relativamente aos quais a sentença determina um “prejuízo jurídico, invalidando a própria existência ou reduzindo o conteúdo do seu direito”, exclusão ainda mais absoluta tratando-se de “terceiros que são sujeitos de uma relação ou posição jurídica independente e incompatível” (Noções Elementares de Processo Civil, págs. 311 e 312).

Noutros casos, como já ficou dito, a afirmação da “autoridade de caso julgado” é usada para atribuir relevo não apenas ao segmento decisório mas também aos fundamentos da decisão ou aos pressupostos de que o Tribunal necessariamente partiu para a afirmação do resultado declarado, sendo que tal pode ocorrer, segundo o Prof. Miguel Teixeira de Sousa, quando os “fundamentos de facto, considerados em si mesmos (e, portanto desligados da respectiva decisão), adquirem valor de caso julgado”, o que sucede quando “haja que respeitar e observar certas conexões entre o objecto decidido e outro objecto”, mencionando uma diversidade de arestos que têm relevado para o efeito as questões que constituam antecedente lógico indispensável da parte dispositiva da sentença. Ainda assim, acrescenta o mesmo Autor, “a extensão de caso julgado a relações de prejudicialidade ou sinalagmáticas apenas se pode verificar quando no processo em que a decisão foi proferida forem concedidas, pelo menos, as mesmas garantias às partes que lhe são concedidas no processo em que é invocado o valor vinculativo daqueles fundamentos” (Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª ed., págs. 580 e 581).

Deste modo, considerando que a FP não é parte no processo apontado pelo Recorrente, não pode proceder a alegação do Recorrente, sendo que o cuidado com que é tratada a eficácia externa do caso julgado também é bem visível na análise do Prof. Antunes Varela que, depois de abordar a problemática dos efeitos da sentença relativamente a terceiros juridicamente indiferentes, acrescentou, relativamente aos terceiros titulares de uma relação jurídica incompatível com a litigada, que “nenhuma razão há, de acordo com o espírito da norma que prescreve a eficácia relativa do caso julgado, para impor a sentença ao terceiro, titular da posição incompatível com a declarada na sentença transitada” (Manual de Processo Civil, 2ª ed. pág. 727). Nas demais situações cobertas pelas regras gerais, a invocação da “autoridade de caso julgado” formado num processo não pode conduzir a que se produzam na esfera de terceiros efeitos com que este não poderia contar, pelo facto de emergirem de um processo em que não teve qualquer intervenção.

O Recorrente defende também que existe violação do art. 103º, 2 e 3 CRP, na medida em que verificou-se, de facto, uma operação comprovadamente simulada, como se provou em sede de aresto de que faz parte o recurso de apelação nº 5304/08 e respetivo acórdão do Tribunal da Relação do Porto, com sentença transitada em julgado, no processo 3752/05.8TBPVZ, de modo que, inexistem os pressupostos de incidência tributária pelo facto da transação subjacente à liquidação adicional sub judice, não ter tido como objeto a transmissão de bens, mas apenas a simulação de negócio quoad effectum com o objetivo de evitar a apreensão por parte das autoridades fiscais dos bens em causa e não pode a AT, perante o relatório de inspeção junto dos autos e após pedido de revisão oficiosa do acto tributário de liquidação, devidamente fundamentado pelo ora recorrente, ignorar a verdadeira natureza da suposta venda a dinheiro como acordo simulatório, conhecimento efetivo que demandaria uma solução diversa do pedido de revisão oficiosa de facto tributário em causa, compelindo a AT, enquanto sujeito processual-tributário agindo pelos ditames da boa-fé, a rejeitar o processo de correção aritmética.
Segundo o art. 2.º, 1, CIVA, estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado as transmissões de bens e as prestações de serviços efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal.
Ora, dita a subsunção silogística que, na ausência de qualquer transmissão, não poderá haver tributação, pois falece ato-efeito sobre o qual incide objetivamente o imposto.
É certo que o art. 243.º, 1, CC, protege a confiança de terceiro no tráfego, mas esta tutela civilística não pode vencer o princípio básico-constitucional da legalidade tributária, art. 103º, 2, 3, no sentido em que um contribuinte-sujeito passivo não pode ver o seu património lesado pelo pagamento de um imposto cuja incidência, verdadeira e efetivamente, não existe.
Vejamos.
Dispõe o art. 2º, nº 1, alínea c), do CIVA que são sujeitos passivos do imposto, “as pessoas singulares ou colectivas que, em factura ou documento equivalente, mencionem indevidamente IVA”.
Desta forma, a simples menção do IVA em tais documentos, mesmo que porventura descabida, por não haver lugar ao mesmo, origina obrigação de imposto.
Como ficou consignado no Acórdão deste Supremo Tribunal de 24/4/2002, proc nº 26636, este resultado deriva tanto do carácter rígido e formalista do IVA como do facto de o sujeito passivo destinatário da factura ter o direito de dedução respectivo.
Nas palavras de XAVIER DE BASTO ( Cfr. “A harmonização Fiscal na CEE”, Ciência e Técnica Fiscal, nº 362, p. 44. ), cada factura com menção de imposto, constitui “um cheque sobre o tesouro, pois atribui ao destinatário que seja sujeito passivo o direito de deduzir o IVA nela contido. Por isso, (...) a simples menção do IVA em factura (mesmo que porventura descabida, por não haver lugar a imposto naquele caso, por qualquer razão) origine obrigação de pagar, independentemente da qualidade do emissor, isto é, seja ele ou não um sujeito passivo. Tornar-se-á, pelo simples facto da menção, um “devedor de imposto”. Só assim se consegue que ao direito à dedução, que a factura atribui ao destinatário sujeito passivo, corresponda sempre uma obrigação de pagar. Assim se assegura o funcionamento regular do sistema de pagamentos fraccionados”.
Deste modo, apesar de não estar em causa um negócio formal, situação que torna sem sentido o exposto na decisão recorrida sobre a aplicação do art. 39º nº 2 da LGT (entretanto já revogado pelo art.º 216 da Lei n.º 83-C/2013), não podemos deixar de notar que a P..., Lda. registou na sua contabilidade a aludida venda a dinheiro, deduziu o IVA e procedeu ao registo das amortizações do material informático que se encontrava apreendido, sendo que no processo judicial a que o Recorrente alude nos autos, este apenas reclama do R. Paulo Santos o pagamento de uma indemnização relativamente ao equipamento por si suportado, o que significa que, afinal, não se trata de uma simulação absoluta, pois que a aquisição do equipamento estava relacionada com a sociedade a constituir pelo Recorrente e Paulo Santos, de modo que, o documento em crise acaba por formalizar a integração do mesmo na aludida sociedade, não podendo o Recorrente olvidar a situação acima descrita relativamente ao procedimento da sociedade, matéria que não é colocada em crise na citada acção, estando apenas em causa a actuação do Paulo Santos no que concerne à utilização do equipamento, reclamando o ora Recorrente tão-só o pagamento da referida indemnização, de modo que, não existe motivo para censurar a conduta da AT, mas sim o procedimento do Recorrente, que atribuiu ao destinatário o direito de deduzir com base na aludida venda a dinheiro o IVA. Daí que o legislador comine que a simples menção do IVA no documento em causa origine obrigação de pagar, independentemente da qualidade do emissor, que se torna “devedor do imposto”, pois só assim se consegue, como refere XAVIER DE BASTO, “que ao direito à dedução, que a factura atribui ao destinatário sujeito passivo, corresponde uma obrigação de pagar”, com vista a assegurar “o funcionamento regular do sistema de pagamentos fraccionados”.
Daí que na improcedência das conclusões da alegação do recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.
Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.

4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Notifique-se. D.N..
Porto, 14 de Julho de 2014
Ass. Pedro Vergueiro

Ass. Mário Rebelo

Ass. Fernanda Esteves