Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00318/14.5BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/27/2021
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Celeste Oliveira
Descritores:IRC, CONTABILIDADE, NOTIFICAÇÃO, TOC, REGULARIZAÇÃO
Sumário:1-O Técnico Oficial de Contas do sujeito passivo pode ser notificado do início do procedimento de inspecção levada a efeito pela AT, tendo para o efeito legitimidade, podendo assinar a ordem de serviço sempre que o seu representado não se encontre no local.

2-O contribuinte pode ser notificado para regularizar a sua contabilidade na pessoa de um seu colaborador, no caso o TOC, no entanto, impõe-se que dos autos conste de forma inequívoca a prova de tal notificação nos moldes previsto no art. 40º, nº 1 do RCPIT, pois só assim se pode considerar o contribuinte notificado.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:C., Lda
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte

1- RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA, inconformada com a sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela em 03/09/2020, que julgou procedente a impugnação judicial intentada pela sociedade “C., Lda.”, contra a liquidação de IRC dos anos de 2007, 2008 e 2009, deduziu o presente recurso onde formulou as seguintes conclusões:

CONCLUSÕES
A-) Não corresponde inteiramente à verdade o sentido da motivação fáctica dada como não provada - que a recorrida foi notificada para regularizar a sua contabilidade ou apresentar os documentos que a Administração Tributária considerou em falta- cfr.al.a) da Motivação de facto não provada-, já que ocorreu, efectivamente, uma notificação para os fins preditos e a respectiva resposta, conforme reconhecido no artigo 27 da petição inicial, e conforme o que consta do Relatório de Inspeccção Tributário (RIT), a fls 126 a 150 do PA, designadamente no Capítulo IV.8 e anexo IX
B-) O TOC correspondeu à notificação da AT, tendo vindo a fornecer a esta, os extratos das contas 35 dos anos referidos e tendo prestado esclarecimentos, relativamente à valorização da existência final dos Produtos e Trabalhos em curso, bem como quanto ao cálculo de variação de produção, pelo que ainda que se possa considerar de cumprimento defeituoso, ou irregularmente cumprido, o dever de a AT notificar o recorrido para regularização da contabilidade/apresentação de documentos, o certo é que a finalidade que presidia à notificação em causa acabou por ser atingida, posto a notificação ter merecido resposta por parte do TOC, degradando-se tal irregularidade em não essencial e, assim, nesta parte, como dito, considerando-se preenchido o pressuposto legal vinculativo da sua actuação no que respeita à aplicação de métodos indiciários
C-) O que consubstancia, nesta parte, Erro de interpretação dos factos constantes dos autos e Erro de Valoração da factualidade dada como Provada e não provada
D-) Ao contrário do considerado na douta sentença recorrida, (e que vai no sentido de que a AT se bastou com a mera constatação da insuficiência/erros dos elementos da contabilidade para fundar o recurso aos métodos indiciários Não especificando nem comprovando dos motivos de impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável), a AT baseia-se na factualidade especificada nos Capítulos II,III, IV e V, em toda a sua extensão, do RIT, toda ela constitutiva da especificação, e da motivação, formal e material, de facto e de direito, e do percurso cognoscitivo e valorativo, conducente, não só à formulação de um juízo da inidoneidade e falta de credibilidade da escrita contabilística da recorrida, mas também, de um juízo legitimador da impossibilidade de determinação directa e exacta da matéria tributável
E-) A fundamentação de facto e de direito da douta sentença recorrida omite, não a equacionando no seu juízo decisório, dos factos e elementos, em concreto e de modo preciso, constantes do relatório referentes à impossibilidade de determinação directa e exacta da matéria tributável
F-) A fundamentação de facto e de direito da douta sentença recorrida faz liminar tábua rasa das alegações contidas na Contestação na qual, e com fundamento exclusivo no relatório de inspecção, a FP procurou demonstrar, precisamente, da verificação dos pressupostos legais vinculativos da actuação da AT (aplicação de métodos indiciários), enunciando a fundamentação formal e material, de facto e de direito, para o efeito, e, designadamente, atenta a falha imputada à AT pela douta sentença recorrida, a especificação, a motivação, e o percurso cognoscitivo e valorativo conducente ao juízo legitimador da impossibilidade de determinação directa e exacta da matéria tributável, que não apenas dos erros/irregularidades contabilísticos, e, mais além, do critério e fundamentação, formal e material, utilizado na determinação da matéria tributável. Cfr artigos 8º a 21º da Contestação
G-) Donde, a douta sentença recorrida fez errónea interpretação dos factos constantes do relatório e, concomitante e indissociavelmente, errónea Valoração da factualidade dada como Provada.
H-) E, por consequência, incorreu em manifesto Erro de Julgamento da matéria de facto e de direito, face à total desconsideração, na fundamentação de facto e de direito da douta sentença em crise, da factualidade suporte, e da motivação jurídica, da impossibilidade de determinação directa e exacta da matéria tributável, e, mais além, do critério utilizado na sua determinação, expressos quer no RIT, quer na Contestação
Termos em que, e nos melhores de Direito aplicáveis, deve:
* Ser julgado procedente o vício de erro de julgamento de facto e de direito referente ao teor e sentido da decisão judicial recorrida na parte em que julga no sentido da não notificação ao Recorrido para regularizar a sua contabilidade ou apresentar os documentos que a Administração Tributária considerou em falta

* Serem julgados procedentes os vícios de Erro de Julgamento de facto e de direito referente ao teor e sentido da decisão judicial recorrida na parte em que julga do Ilegal/indevido o recurso à avaliação indirecta da matéria colectável

Ser julgado legal, válido e regular, a aplicação de métodos indirectos na determinação da matéria tributável em sede de IRC referente aos exercícios de 2007, 2008 e 2009
E, bem assim, as correspectivas liquidações adicionais de IRC e juros compensatórios devidamente notificadas ao sujeito passivo/Impugnante/recorrido

Consequentemente:
Conceder-se provimento ao presente recurso, e a Douta sentença recorrida ser revogada,

Assim se fazendo inteira JUSTIÇA
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A entidade Recorrida não apresentou contra-alegações.
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O Exmo. Procurador-geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da procedência do recurso e baixa dos autos ao Tribunal recorrido para serem efectuadas diligências instrutórias.
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Com dispensa dos vistos dos Exm.ºs Senhores Desembargadores Adjuntos, cumpre apreciar e decidir.
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2- DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, a analisar se a sentença proferida pelo Tribunal a quo padece de erro de julgamento da matéria de facto e de direito, quer por erro na interpretação dos factos constantes dos autos, quer por erro na valoração da factualidade dada como provada e não provada.
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3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:

Factos provados:
1. A Impugnante dedica-se à construção de edifícios para venda, construídos em regime de propriedade horizontal, com o CAE 041200 – Fls. 131 do PA;

2. A contabilidade da Impugnante foi objecto de inspecção tributária em sede de IRC (cuja liquidação nos autos se discute) e em sede de IVA, dos exercícios de 2007, 2008 e 2009, cujo relatório aqui se dá por reproduzido – Fls. 126 a 150 do PA;
3. O Relatório concluiu no sentido da fixação da matéria colectável em IRC nos seguintes montantes:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

4. Em 15/12/2011 a Impugnante requereu a revisão da matéria tributável, que foi indeferida – Fls. 152 e 153;
5. Nesta sequência a Impugnante foi notificada da liquidação em sede de IRC dos anos de 2007, 2008 e 2009, e para pagar o montante de 59.266,33 € - Capa e fls. 3 do PA;
6. Em 21/6/2012 apresentou reclamação graciosa que aqui se dá por reproduzida, que foi indeferida por despacho de 16/4/2013 - fls. 3 e ss do PA, e 174;
7. O recurso hierárquico que interpôs em 17/4/2013, e que aqui se reproduz, foi indeferido por despacho datado de 30/4/2014 – Fls. 179 a 210 do PA;
Não se provou que:
a) A Impugnante tivesse sido notificada para regularizar a sua contabilidade ou apresentar os documentos que a Administração Tributária considerou em falta – cfr, à contrário, PA. Ou seja, inexiste documento no PA que ateste que essa notificação foi efectuada, apesar da AT invocar no Relatório que o sujeito passivo (SP) foi notificado na pessoa do seu TOC, “dado este (SP) não se encontrar presente” para “apresentar justificação para os montantes inscritos na conta 35 nos anos em análise, incluindo o saldo inicial de 2007”. Como o TCAN já decidiu no proc. 417/09.5 BEMDL, em posição que se acompanha “(…) a prova do envio e recebimento da correspondência da notificação, cujo ónus recai sobre a AT, deverá ser efectuada mediante a apresentação dos documentos emitidos pelo serviço postal comprovativos do registo da correspondência e da sua entrega. (…) A nosso ver, a prova do envio da carta será a fazer, ou pela exibição do respectivo talão de registo ou pela informação prestada pelos CTT. A não ser assim, por que exigiria a lei o registo da correspondência remetida para notificação? (…) só perante a comprovação de que a carta foi remetida sob registo para a morada do notificando será possível fazer funcionar a presunção de recebimento da mesma prevista no n.º 1 do art.º 39.º do CPPT”.
Portanto, a afirmação feita por uma das partes, que “foi notificado o sujeito passivo, na pessoa do seu Técnico Oficial de contas, dado este não se encontrar presente (…)” ( cfr. fls. 13 do Relatório), e que a Impugnante contesta porque alega que “não tomou conhecimento sequer desta notificação e o técnico oficial de contas não apresentou a documentação nem as justificações que lhe forma (foram) solicitadas (…)”, e que não reconhece qualquer impossibilidade de notificação (“ Qual impossibilidade? Carta remetida para a sede da empresa, um simples telefonema”) – Cfr. art.ºs 26 a 30 da PI -, não demonstram a presunção referida no acórdão citado, tanto mais que o art.º 38.º do RCPIT previa ( versão até Agosto de 2017) que “1. As notificações podem efectuar-se pessoalmente, no local em que o notificando for encontrado, ou por via postal através de carta registada. // 2 - No procedimento externo de inspecção a notificação postal só deve efectuar-se em caso de impossibilidade de realização de notificação pessoal; e o art.º 42.º, n.º 3 do mesmo diploma prevê explicitamente um prazo de 2 a 30 dias para entrega ou regularização dos elementos necessários ao procedimento de inspecção. Ou seja, mesmo que o sócio gerente da Impugnante não estivesse presente no dia em que os funcionários da AT solicitaram os documentos pertinentes, nada impedia a AT de proceder à notificação da Impugnante para que esta os apresentasse, tanto mais que nada existe nos autos e no PA que comprove a entrega de duplicado (com a respectiva assinatura da notificação – cfr. art.º 40.º, n.º2, 1ª parte, do RCPIT) e a indicação de que o TOC deveria entregar à Impugnante o oficio de notificação para regularizar a sua contabilidade ou apresentar os documentos que a Administração Tributária considerou em falta ( art.º 40.º, n.º1 do RCPIT). Por outro lado também nada existe nos autos, ou no PA, que ateste a recusa do TOC a assinar a notificação ou a participação de duas testemunhas que, com o funcionário da AT, certificassem a recusa de a assinar– art.º 40.º, n.º2 do RCPIT)
A motivação para esta matéria de facto (não provada) reside também na junção de documentos na reclamação graciosa, que, pelo menos no PA, não se encontram anexados ao Relatório, e na declaração da Impugnante, feita na parte final dessa reclamação, de colocar à disposição da AT as pastas e documentos que serviram de base à contabilidade nos anos de 2007, 2008 e 2009.

ADITAMENTO OFICIOSO À MATÉRIA DE FACTO

Por ser relevante para a decisão da causa, ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 662.º do Código de Processo Civil (CPC), importa aditar ao probatório a seguinte matéria que igualmente se encontra provada nos autos:

8. No relatório de inspecção Tributária, no ponto II, sob a epígrafe “Diligencias Efectuadas”, consta o seguinte:
«A acção foi iniciada em 2011.08.31, deslocando-nos ao gabinete onde se encontra a contabilidade do sujeito passivo uma vez que a sociedade não possui instalações próprias no distrito, tendo M. (…) assinado a ordem de serviço em 2011.08.31, dando conhecimento do facto ao sujeito passivo, na qualidade de funcionária do técnico Oficial de Contas …”.
9. No relatório de inspecção Tributária, no Capitulo VIII, sob a epígrafe “Direito de Audição”, consta o seguinte:
Notificado o sujeito passivo (…) para exercer o direito de audição previsto no artigo 60º da Lei Geral Tributária, (…) tal não veio a suceder até à presente data”.
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4 – O DIREITO

Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr. artºs. 639º, do Código de Processo Civil (CPC) e artº.282º, do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT)).

Defende a Recorrente que a sentença sob recurso padece de erro de julgamento da matéria de facto e de direito, quer por erro na interpretação dos factos constantes dos autos, quer por erro na valoração da factualidade dada como provada e não provada.

Para o efeito, refere que não corresponde inteiramente à verdade o sentido da motivação fáctica dada como não provada – que a recorrida não foi notificada para regularizar a sua contabilidade ou apresentar os documentos que a AT considerou em falta – já que ocorreu de facto uma notificação para os fins preditos e a respectiva resposta, conforme reconhecido no artigo 27 da petição inicial e conforme consta do Relatório de Inspecção Tributária (RIT) (conclusão A) do recurso).

Mais diz que o TOC correspondeu à notificação da AT, tendo fornecido os extractos das contas 35 dos anos referidos e tendo prestado esclarecimentos relativamente à valorização da existência final dos produtos e trabalhos em curso, bem como quanto ao cálculo de variação de produção, pelo que ainda que se possa considerar de cumprimento defeituoso, ou irregularmente cumprido, o dever da AT notificar o recorrido para regularizar a contabilidade/apresentação de documentos, o certo é que a finalidade que presidia à notificação em causa foi atingida, uma vez que o TOC acabou por responder, degradando-se tal irregularidade em não essencial, e assim, nessa parte, considera-se preenchido o pressuposto legal vinculativo da sua actuação no que respeita à aplicação dos métodos indiciários (conclusão B) do recurso).

Depois, alega que se baseou na factualidade especificada nos capítulos II, III, IV e V do RIT, toda ela constitutiva da especificação e da motivação, formal e material, de facto e de direito, e do percurso cognoscitivo e valorativo, conducente, não só à formulação de um juízo de inidoneidade e falta de credibilidade da escrita contabilística da recorrida, mas também, de um juízo legitimador da impossibilidade e determinação directa e exacta da matéria tributável (conclusão D) do recurso), o que não foi considerado pelo tribunal a quo, pois que faz tábua rasa das alegações constantes na contestação na qual, com fundamento no RIT, se procurou demonstrar, precisamente, a verificação dos pressupostos legais vinculativos da actuação da AT mediante a aplicação dos métodos indiciários (conclusão E) e F) do recurso).

Vejamos, antes do mais, o que se decidiu na sentença sob recurso.

A sentença sob recurso, na motivação que apresentou, começou por considerar como não provado que a impugnante tivesse sido notificada para regularizar a sua contabilidade ou apresentar os documentos que a AT considerou em falta, uma vez que, segundo refere, “inexiste no PA documento que ateste que essa notificação foi efectuada, apesar de a AT invocar no relatório que o sujeito passivo foi notificado na pessoa do seu TOC “dado este (SP) não se encontrar presentepara “apresentar justificação para os montantes inscritos na conta 35 nos anos em análise, incluindo o saldo inicial de 2007”” e, ainda, que “a impugnante na petição inicial contesta que “não tomou conhecimento sequer desta notificação e o técnico oficial de contas não apresentou a documentação nem as justificações que lhe foram solicitadas (…) e que não reconhece qualquer impossibilidade de notificação”.
Partindo deste pressuposto, o Juiz do Tribunal a quo decidiu que “A AT limita-se a remeter para os art.ºs 87.º, al. b) 88.º, al. a) e art.º 90.º n.º 1 da LGT para fundamentar a determinação da matéria tributável para efeitos de IRC, para os anos de 2007, 2008 e 2009, através da aplicação de métodos indirectos. Ora, o art.º 90.º apenas contempla os elementos a ter em conta pela AT caso verifique a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável. Ou seja, o preceito só releva após se ter concluído que essa impossibilidade existe. E a impossibilidade não reside na enunciação dos art.ºs 87.º, al. b) 88.º, al. a) da LGT.
O artigo 87.º, al. b) da LGT estabelece que a avaliação indirecta só podia efectuar-se, entre outras situações expressamente previstas, em caso de “impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável”.
E o artigo 88.º da LGT densificando a noção de impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria colectável, para efeito do artigo 87º, al. b) da LGT, estabelece que tal ocorre quando se verifique alguma anomalia ou incorrecção que inviabilize o apuramento da matéria tributável, entre as quais a “inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais;” (al. a) do mencionado artigo).
Da leitura conjugada dos artigos 85º, 87º e 88º da LGT resulta de modo claro que os métodos indirectos só podem aplicar-se quando seja impossível à Administração Tributária proceder à determinação da matéria colectável de modo directo e exacto, nomeadamente através de correcções meramente aritméticas.
Ora, analisados os fundamentos concretamente invocados pela Administração Tributária e, em função das normas legais referidas, e dos factos apurados, afigura-se não poder considerar-se como justificado o recurso a métodos indirectos.
Em primeiro lugar, porque o artigo 87.º, al. b) da LGT só permite que “a inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução” suportem o recurso a métodos indirectos “quando não supridas no prazo legal”, ou seja, o normativo em análise exige que a contribuinte seja notificado para regularizar a contabilidade ou apresentar os documentos que a Administração Tributária considera em falta. Na ausência desta notificação, a Administração Tributária não está legitimada a efectuar correcções à matéria colectável com recurso a métodos indirectos com base neste fundamento legal.
Esta mesma imposição resulta dos artigos 9.º e 48.º do RCPIT. A este respeito veja-se o acórdão do STA de 03.12.2014, Proc. 01262/13.
Portanto, só na ausência de regularização ou de apresentação dos elementos em falta é que se pode considerar que estamos verdadeiramente perante uma situação de impossibilidade.
Ora, o certo é que não foi permitido à Impugnante regularizar a sua contabilidade ou apresentar documentos que a justificassem, designadamente quais as fracções vendidas, valores, facturas, recibos e todos os elementos que servissem para apurar a diferença entre as existências finais e iniciais de bens produzidos, que é no que se traduz a variação de produção.
Em segundo lugar, só depois da Impugnante ser notificada para regularizar a contabilidade ou apresentar os documentos que a Administração Tributária considera em falta, é que a AT teria de provar que, mesmo assim, e apesar dos elementos trazidos pelo contribuinte (ou caso ele não respondesse), as irregularidades da contabilidade não permitiriam apurar o rendimento real e efectivo. Na previsão legal não existe um efeito automático que deriva do facto de se constatar a inexistência, insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, ou erros e inexactidões na contabilidade das operações não supridas no prazo legal, para se lançar mão da aplicação de métodos indirectos (sublinhado nosso).”

Com este pano de fundo, avancemos para apurar se ocorre erro de julgamento da matéria de facto, mormente que no tange à factualidade dada como não provada.

Vejamos.
O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. A decisão é errada ou por padecer de “error in procedendo”, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento aplicável, ou de “error in iudicando”, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado. A decisão é injusta quando resulta de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe são confiados (cfr. Acórdão do T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/6/2013, proc.5618/12; Acórdão do T.C.A. Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.7396/14; Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9ª. edição, 2009, pág.72).

Ainda no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizados, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr. artigo 685.º-B, n.º 1, do Código de Processo Civil, “ex vi” do artigo 281.º, do CPPT; Acórdão do T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc.4855/11; Acórdão do T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, págs. 61/62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181).

Tal ónus rigoroso deve-se considerar mais vincado no actual artigo 640, n.º 1, do Código de Processo Civil, na redacção resultante da Lei n.º 41/2013, de 26/6 (cfr. Acórdão do T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6531/13; Acórdão do T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.5555/12; Acórdão do T.C.A. Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.7396/14).

A alteração pelo TCA da decisão da matéria de facto pressupõe que, para além da indicação dos pontos de facto considerados incorrectamente julgados, sejam indicados os concretos meios de prova constantes do processo ou de gravação realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

Com efeito, só se esses meios de prova determinarem e forçarem decisão diversa da proferida se pode concluir ter a 1ª instância incorrido em erro de apreciação das provas legitimador da respectiva correcção pelo Tribunal Superior.

Ora, na decisão sobre a matéria de facto o Juiz a quo aprecia livremente as provas, analisa-as de forma crítica e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, especificando os fundamentos que foram decisivos para a formação de tal convicção, excepto quando a lei exija formalidades especiais para a prova dos factos controvertidos, caso em que tal prova não pode ser dispensada.

É, pois, pela fundamentação invocada para a decisão que normalmente se afere a correcção do juízo crítico sobre as provas produzidas.

Assim, assentando a decisão da matéria de facto na convicção criada no espírito do juiz e baseada na livre apreciação das provas testemunhal e documental que lhe foram apresentadas, a sindicância de tal decisão não pode deixar de respeitar a liberdade da 1ª instância na respectiva apreciação.

Feito este périplo sobre o erro de julgamento e as provas existentes no processo, baixemos, agora, ao caso concreto para apurar se ocorre o alegado erro de julgamento da matéria de facto, por errada valoração da prova, mormente no que tange à matéria dada como não provada.

Vejamos.
Consta do relatório inspectivo, nomeadamente do ponto IV, que “foi notificado o sujeito passivo, na pessoa do seu Técnico Oficial de Contas, dado este não se encontrar presente, para apresentar a justificação para os montantes inscritos na conta 35 nos anos em análise, incluindo o saldo inicial de 2007 e esclarecer os critérios utilizados na sua determinação”, por outra banda, também se tem por assente que o TOC veio a responder fornecendo os extractos da conta 35 dos anos em questão e prestando os esclarecimentos relativos à valorização da existência de produtos e trabalhos em curso e, ainda, que a impugnante/recorrida notificada do projecto de relatório para efeitos de audição prévia, ao abrigo do art. 60º da LGT, nada disse ou juntou.

Conforme o disposto no art. 76º da LGT, “as informações prestadas pela inspecção tributária fazem fé, quando fundamentadas e se basearem em critérios objectivos, nos termos da lei”. Ora, sendo o relatório inspectivo um documento autêntico goza de força probatória plena no que concerne aos factos que refere como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que nele são atestados com base nas percepções da entidade documentadora Neste sentido cfr. acd do TCAS de 17/10/2019, processo 603/12.0BELRS.

A factualidade enunciada no ponto IV do RIT, no que tange à notificação do TOC, não se mostra questionada pela impugnante na petição inicial nem vem arguida a sua falsidade, uma vez que a recorrida não questiona que o TOC tenha sido notificado nos moldes mencionados no Relatório e que juntou documentos e prestou esclarecimentos, a impugnante apenas questiona o facto de tal notificação não lhe ter sido dirigida, questionando a alegada “impossibilidade de notificação do sujeito passivo”, adiantando que não tomou conhecimento da notificação e que o TOC não terá respondido de forma completa, porque não apresentou a documentação nem as justificações que lhe foram solicitadas, sendo certo que não identifica a documentação nem as justificações a que alude e que, alegadamente, levariam a resultado distinto.

Por outra banda, a Recorrente nas suas alegações e conclusões de recurso confessa que os SIT não notificaram directamente a impugnante, mas antes o TOC da mesma, sustentando-se na momentânea ausência do sujeito passivo e alegando que a notificação do recorrido para regularizar a contabilidade e apresentar documentos feita na pessoa do seu TOC pode ser entendida como uma notificação de cumprimento defeituoso, ou irregularmente cumprida e que a finalidade que visava foi atingida, dada a resposta apresentada pelo TOC, degradando-se tal irregularidade em não essencial e, assim, nessa parte, considerar-se preenchido o pressuposto legal vinculativo da actuação da AT no que respeita à aplicação do métodos indirectos.

O Tribunal a quo assim não entendeu e fê-lo no pressuposto de que não foi permitido à impugnante/recorrida regularizar a contabilidade ou apresentar documentos que a justificassem.
Mas será que assim é? Desde já adiantámos que não.

É sabido que os Técnicos Oficiais de Contas podem ser notificados do início do procedimento de inspecção levada a efeito pela AT, mais tendo legitimidade para tal, tudo como resulta do disposto no artigo 51º, nº 3 do RCPIT, preceito que consagra a possibilidade dos TOC e colaboradores dos sujeitos passivos (sociedades) inspeccionados assinarem as ordens de serviço, sempre que os seus representados não se encontrem no local.
In casu, e de acordo com o supra exposto, resulta do relatório que foi uma funcionária do TOC que assinou a ordem de serviço relativa ao início da acção inspectiva à impugnante/recorrida.

No que tange às notificações, o art. 37º, nº 1 do RCPIT estipula que “A administração tributária notifica os sujeitos passivos e demais obrigados tributários nos termos e para os efeitos previstos na lei e ainda em virtude da sua colaboração no procedimento de inspecção”.

O art. 40º do RCPIT no seu nº 1 prevê “1 - A notificação de pessoa colectiva, ou entidade fiscalmente equiparada, na pessoa de empregado ou colaborador, far-se-á mediante a entrega do duplicado e a indicação que este deverá ser entregue a representante da pessoa colectiva.”.

O TOC de uma pessoa colectiva, como o é a impugnante/recorrida, é sem dúvida um colaborador da mesma, uma vez que exerce uma actividade no interesse da sociedade e cuja laboração contabilística se revela essencial, vinculando a sociedade.

Assim, não causa estranheza que os Serviços de Inspecção Tributária tenham notificado o sujeito passivo na pessoa do seu TOC, uma vez que a acção inspectiva foi iniciada com deslocação ao gabinete onde se encontrava a contabilidade do sujeito passivo e porque este não possuía instalações próprias no distrito, daí, certamente, a menção no RIT “dado este não se encontrar presente” , no entanto, impunha-se que tal notificação, para ser válida, cumprisse as especificações do art. 40º, nº 1 supra transcrito, ou seja, da notificação deve constar obrigatoriamente “a indicação que este deverá ser entregue a representante da pessoa colectiva”.

Todavia, desconhecemos em que moldes o TOC foi notificado e quais as menções que constam de tal notificação, dito de outra forma, se a notificação cumpriu com as especificações do art. 40º, nº 1 do RCPIT, e se pode considerar a impugnante/recorrida como notificada, ainda que pela forma menos convencional por intermédio de um colaborador (o TOC), para regularizar a sua contabilidade, pois que só dessa forma se tem por válida a notificação.

É que a notificação não consta do Processo Administrativo apenso aos autos, e o RIT também não veio acompanhado dos seus anexos, sendo certo que relativamente à questionada notificação do sujeito passivo na pessoa do seu TOC e à resposta que foi apresentada pelo TOC, o RIT alude aos documentos que constam do anexo XI, mas compulsado o PA verifica-se dele não constar, o que nos impede de apreciar o teor e a validade da notificação.

Tanto chega para que não se possa concordar com a sentença recorrida quando dá por provado que a impugnante não foi notificada para regularizar a sua contabilidade, dando como não provada a notificação da impugnante para regularizar a sua contabilidade ou apresentar os documentos que a AT considerou em falta, sustentando tal facto na inexistência do documento no PA.

Não se mostrando o processo administrativo devidamente instruído, com toda a documentação necessária para decisão, mormente a dita notificação para a regularização da contabilidade e os anexos do RIT onde se incluía a notificação e a resposta apresentada pelo TOC, incumbia ao MMº do Tribunal a quo ao abrigo do disposto no art. 13º do CPPT e 99º da LGT, ordenar a junção de tais elementos aos autos com vista a aferir por um lado a existência e pelo outro a validade ou não da notificação, certo é que não poderia o Tribunal a quo, sem mais, decidir que a notificação não ocorreu.

Temos, perante tal circunstancialismo, verifica-se o alegado erro de julgamento de facto que inquina a sentença recorrida.

Por conseguinte, impõe-se revogar a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos para efectuar diligências instrutórias, designadamente, solicitar o envio dos documentos supra referidos em complemento do processo administrativo, seguindo-se os demais tramites necessários para decisão da causa.
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5 – DECISÃO

Termos em que, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, revogar a sentença recorrida, ordenar a baixa dos autos para se efectuar diligências instrutórias e posterior decisão se a nada mais obstar.
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Custas pela Recorrida.
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Porto, 2021-05-27


Maria Celeste Oliveira

Carlos de Castro Fernandes
Manuel Escudeiro dos Santos