Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00101/10.7BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/18/2013
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro
Descritores:TESTEMUNHA; IMPEDIMENTO; CADUCIDADE DO DIREITO DE LIQUIDAR
PRINCÍPIO DA COLABORAÇÃO
NOTIFICAÇÃO COM HORA CERTA
FALTA DE NOTIFICAÇÃO
Sumário:1- A impugnação de testemunha deve ser deduzida quando termina o seu interrogatório preliminar – artigo 637.º, n.º 1 do CPC. Não o tendo sido, admitindo-se que se inquiriu uma testemunha que estava impedida de depor, a questão não pode ser suscitada posteriormente, e portanto também o não pode ser no recurso da sentença final, pois a nulidade fica sanada – artigos 201.º e 205.º do CPC.
2- Os recursos são específicos meios de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova. Por isso, e em princípio, não se pode neles tratar de questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada, salvo questões novas de conhecimento oficioso, o que não é o caso da violação do princípio da colaboração.
3- O direito de liquidar caduca caso a liquidação não seja notificada validamente ao contribuinte dentro do prazo que for aplicável. Não basta, pois, que a liquidação tenha sido efectuada pelos serviços competentes dentro do prazo legal, é necessário que a notificação ocorra também dentro desse prazo.
4- Aceitando-se a citação/notificação com hora certa de uma sociedade, não lhe pode ser imputável o desconhecimento da notificação se o aviso é deixado numa sexta-feira, 30 de Dezembro, a uma hora em que a empresa já está encerrada, a um vigilante que não é seu funcionário e que se recusa a assinar a certidão, e no dia e hora designado naquele aviso, o dia seguinte, sábado, 31 de Dezembro, a empresa está também encerrada e a notificação é deixada a um outro vigilante, não funcionário da empresa e que se recusa a assinar a certidão.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:I..., Lda.
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I – Relatório
A Fazenda Pública não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou procedente a impugnação deduzida por I..., Lda., contribuinte fiscal n.º 5…, com sede na Rua…, n.º …, Louredo, 4760 Calendário, contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) do ano de 1999, interpôs o presente recurso, concluindo da seguinte forma as suas alegações:
1.ª — Salvo melhor opinião, para a FP, o Tribunal a quo errou no julgamento da matéria de facto, dando como assente matéria sem suficiente e necessária prova produzida e, deixando de dar como assente matéria que consta dos documentos dos autos, tudo implicando que o Tribunal a quo não tivesse valorado, como podia e devia, toda a matéria de facto que os autos demonstram — mas apenas parte dela

2.ª — Para a FP, todo o circunstancialismo fáctico demonstra violação do princípio de colaboração da Impugnante para com a AF, sendo que a ausência de colaboração da Impugnante sem motivo e sem justificação atendíveis, obsta à verificação da caducidade do direito à liquidação pois o acto que a AF estava obrigada praticar (notificação da liquidação) foi impedido e ficou prejudicado por facto imputável à Impugnante.

3.ª — Caso se entenda o contrário, todo o circunstancialismo fáctico demonstra, no entender da FP, conclusão errada sobre a caducidade do direito da AF de liquidar pois a notificação da liquidação foi recebida em mão, na sede da Impugnante, em dia e hora previamente comunicados, sem quaisquer reservas ou condições por quem podia receber a notificação.

4.ª — Com efeito, a liquidação em causa (IRC, 1999, € 1 772 848,76) traduz a não aceitação da dedução de prejuízo fiscal do exercício de 1997, no lucro tributável de 1999 pelo que, atento o n°3, do artigo 45°, da LGT e o n°1, do artigo 46°, do CIRC (ambos com a redacção em vigor à data dos factos — 1999), o direito da AF de liquidar o tributo caducava no dia 1 de Janeiro de 2006.

5.ª — Para a FP, os pontos 7, 8, e 9 da matéria de facto provada, da douta decisão em recurso, foram incorrectamente julgados porquanto os documentos do PA demonstram todo um circunstancialismo fáctico que podia e devia ter sido valorado pelo Tribunal a quo e que evidencia comportamento da Impugnante que, para a FP, ou traduz violação do dever de cooperação da Impugnante junto da AF (o que impediu a AF de cumprir o disposto no artigo 41°, n°1 e n°2, do CPPT, tudo obstando a verificação da caducidade do direito à liquidação da AF) ou traduz valida notificação da liquidação no prazo de caducidade.

6.ª — Também foi incorrectamente julgado, na douta decisão em recurso, o ponto 10 da matéria de facto provada.

7.ª — Quanto ao ponto 10 da referida matéria de facto provada, da douta decisão em recurso, salvo melhor opinião, o encerramento de uma empresa não se prova, tão só, pelo depoimento de uma única testemunha, mormente quando essa testemunha outorgou a procuração que legitimou a actuação de advogado, ao longo de todo o presente processo judicial tributário.

8.ª — O encerramento demonstra-se pelo horário de funcionamento de uma empresa, legalmente autorizado e comunicado às autoridades públicas competentes, a titulo meramente exemplificativo:
§ A título meramente exemplificativo, veja-se o caso do comércio (tradicional): a licença atribuída contempla a autorização para funcionar durante certo horário e esse horário, por imposição legal, terá que ser afixado em local visível (habitualmente fixado na porta de acesso à loja, sendo visível para qualquer cliente).
§ ainda, o caso da indústria: uma empresa pode ter licença para funcionar em horário contínuo e por turnos, laborando 24 horas por dia.

9.ª — Poderá a prova documental referente ao encerramento ser completada ou aperfeiçoada pela prova testemunhal, todavia, no caso concreto dos autos, compulsada a procuração que a Impugnante passou a favor de advogado para o presente processo judicial tributário e, compulsada a acta de inquirição de testemunhas do presente processo judicial, verifica-se que a procuração foi assinada por Luís Manuel Soares Malheiro Pimenta e a única testemunha inquirida foi aquele Luís Manuel Soares Malheiro Pimenta

10.ª — Relativamente ao ponto 7, do documento que fundamentou a matéria nele dada como provada consta o seguinte — passa-se a transcrever fls.185 do PA:
“Auto de Recusa de Notificação
Aos vinte e nove de Dezembro do ano de dois mil e cinco, pelas 15 horas e 30 minutos, eu P…, Inspector Tributário em funções na Direcção de Finanças de Braga, apresentei-me na sede do sujeito passivo A…, Lda, nip 5…, com sede na Rua… V. Nova de Famalicão, para, nos termos do artigo 40° do RCPIT, proceder à notificação da liquidação de IRC do exercício de 1999 com o número 2005/8310123644. Contactada a empresa na pessoa do seu funcionário J…, este recusou-se a receber qualquer documento, bem como a assinar a notificação acima referida. De igual modo procedeu o porteiro da empresa, funcionário de Securitas (...) R…, portador do B.I. …. Ambos referiram que o faziam por ordens superiores”

11.ª — Por último, relativamente ao ponto 8, do documento que fundamentou a matéria de facto nele dada como provada, consta (fls.181, do PA):
“Certidão de Notificação
Certifico que tendo vindo hoje, pelas 16h35m, à Rua …, n°…, Famalicão, a fim de notificar a empresa A…, Lda, NIF 5…, não pude levar a efeito essa diligência em virtude de não ter encontrado qualquer Administrador ou Gerente na sede da empresa.
Põe esse motivo, deixei-lhe hora certa na pessoa de R…, na qualidade de Vigilante de Securitas, a quem encarreguei de lhe comunicar que amanhã, pelas 10 horas, voltarei a procurá-lo na sede da empresa, para levar a efeito a notificação que hoje me proponho realizar.
Ficou ciente e vai assinar
V N. de Famalicão. 30 de Dezembro de 2005
(...) O Vigilante de Securitas (...) R… entendeu que não deveria assinar pelo que vão assinar juntamente comigo 3 testemunhas.”

12.ª — Por último, relativamente ao ponto 9, do documento que fundamentou a matéria de facto nele dada como provada, consta (fls.182, do PA):
“Certidão de Notificação
Certifico que hoje, pelas 10h, voltei á Rua …, n°…, Famalicão, sede da empresa A…, Lda, NIF 5…, a quem deixei hora certa na pessoa de R…, na qualidade de Vigilante de Securitas e como nenhum Administrador ou Gerente se encontrava na pessoa atrás referida, efectuei a notificação na pessoa de D…, na qualidade de Vigilante de Securitas incumbindo-o de transmitir a um representante que fica notificado para os termos da notificação a que se refere o presente mandado.
Como recebeu a nota do objecto da notificação e ficou ciente de que a deve entregar ao representante da empresa, sob pena de incorrer nas sanções correspondentes ao crime de desobediência caso não desempenhe dessa incumbência, vai assinar
V. N. Famalicão, 31 de Dezembro de 2005.
(...) O Vigilante de Securitas (...) D… entendeu que não deveria assinar pelo que não assinar juntamente comigo 3 testemunhas.”

13.ª — Pelos documentos de fls.185, 181 e 182 verifica-se, para a FP, que no dia 29 de Dezembro de 2005 (a) a AF deslocou-se às instalações da sede da Impugnante para proceder à notificação desta, da liquidação de IRC, do exercício de 1999; (b) a AF só conseguiu estabelecer contacto com empregado da Impugnante e com colaborador da Impugnante; (c) aquele empregado da Impugnante, bem como, a pessoa que assegurava à Impugnante a vigilância da sua sede (para a FP, seu colaborador) recusaram-se (ambos) a receber a notificação da liquidação de IRC do exercício de 1999 e (d) a recusa de ambos (empregado e colaborador da Impugnante) em receber a notificação foi justificada pelos motivos seguintes: “ordens superiores”.

14.ª — No dia 30 e no dia 31 de Dezembro de 2005, ainda pelos documentos de fls.185, 181 e 182 verifica-se que (a) ao contrário do sucedido no dia 29 de Dezembro, não houve recusa em receber a notificação da liquidação, por qualquer motivo atendível ou não, designadamente, por “ordens superiores” e (b) também não houve reserva em receber aquela notificação — a título meramente exemplificativo, reserva em receber a notificação por não poder transmiti-Ia ao administrador/gerente da Impugnante (não está) ou, reserva por não poder garantir a entrega ao administrador/gerente da lmpugnante (não sabe onde está) ou, reserva por não ter sido possível contactar o administrador/gerente da lmpugnante (não foi possível contactar) ou, por qualquer outro motivo (atendível ou não).

15.ª — Atentando ao entendimento da doutrina sobre o Principio da Colaboração (Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa in Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, 2ª Edição, Revista e Actualizada, 2000, Vislis Editoras, pagina 247, nota 6, transcrita na parte da motivação do presente recurso), no dia 29 de Dezembro de 2005, aquando da notificação da liquidação em causa (IRC, 1999), a Impugnante não recebeu a notificação por “ordens superiores” e, por isso, para a FP, sem qualquer motivo juridicamente atendível, tendo a Impugnante actuado em desconformidade com a exigência legal de colaboração com a AF, tendo impedido a AF de, nesse dia, cumprir a sua obrigação de notificar a Impugnante nos termos legalmente impostos e, tendo obstado à notificação da liquidação em momento em que o direito de liquidar da AF ainda não tinha precludido, pelo que a caducidade do direito à liquidação não releva.

16.ª — Para a FP, a caducidade do direito à liquidação não releva pois a notificação da liquidação não foi recebida, no prazo de caducidade, por facto imputável à Impugnante.

17.ª — Caso se entenda o contrário, isto é, que a Impugnante podia recusar, sem motivo atendível, a recepção da notificação liquidação e que, perante aquela recusa, a AF continuava vinculada a proceder à notificação da liquidação no prazo de caducidade, então, a recepção, sem quaisquer reservas e/ou condições, das notificações nos dias 30 e 31 de Dezembro relevam para efeito de caducidade do direito à liquidação e esta não se verificou.

18.ª — Para a FP, no caso concreto dos autos, a recepção de notificações sem quaisquer reservas e/ou condições, durante dois dias seguidos, depois de um episódio imediatamente anterior de recusa de notificação, implica que a notificação foi entregue a quem podia e devia receber essa notificação, tendo sido incumbido para tanto pelo administrador/gerente da Impugnante.


19.ª — Perante todo o circunstancialismo fáctico do caso dos autos, se, no local de morada/sede do destinatário de notificação, terceira pessoa não recusa a recepção da notificação, nem formula quaisquer reservas em receber essa notificação, então, é razoável admitir que essa terceira pessoa podia receber a notificação por o seu destinatário lhe ter solicitado ou nunca lhe ter proibido a recepção da notificação.

20.ª — A eventual circunstância da Impugnante não ter ficado a conhecer, no prazo de caducidade, o conteúdo do acto notificado e, em consequência, os termos da liquidação, importa para efeito de defesa e contagem do início de prazo defesa, sendo certo que a Impugnante não alegou, não se propôs a provar e não provou o momento em que, efectivamente, ficou a conhecer o acto notificado e, sendo também certo que a Impugnante não deixou de apresentar reclamação graciosa, em momento anterior ao ultimo dia do prazo, contado quer do dia 29, quer do dia 30, quer do dia 31, todos de Dezembro de 2005.

21.ª — No caso concreto dos autos, a Impugnante nunca ficou prejudicada nos seus legítimos direitos ou interesses, por facto que não lhe seja imputável.

22.ª — A douta decisão em recurso violou o artigo 41°, n°1 e n°2, do CPPT, conjugado com o artigo 40º, n°1 e n°1 do RCPIT, o artigo 59°, n°1 e n°2, da LGT, conjugado com o artigo 6° A, n°1 e n°2, do CPA e o artigo 45°, n°1 e n°2, da LGT com remissão para o artigo 46°, n°1, do CIRC (actualmente, artigo 52°, do CIRC).

Nestes termos e nos mais de direito que serão doutamente supridos por Vs. Excas., deve o presente recurso obter provimento.».

A recorrida contra-alegou, concluindo do seguinte modo:
1. Cabe em primeiro lugar dizer que a sentença recorrida não nos merece qualquer censura, não existindo qualquer erro de julgamento da matéria de facto.

2. A (tentativa) notificação em causa (a que nos traz em Tribunal) é a que resultou do mandado de notificação datado de 30.12.2005 e assinado pelo Director de Finanças Adjunto - fls. 177 do PA.

3. Na sequência do mandado de notificação foi elaborado o ofício n.º 300.14837 de 30.12.2005 com a notificação da liquidação, mais uma vez assinado pelo Director de Finanças Adjunto (fls. 173 do PA)

4. Pelo que a invocação de uma qualquer tentativa de notificação em 29.12.2005 (da qual constava o quê concretamente que o PA não enuncia?) é completamente infundada e despropositada e incapaz de produzir qualquer efeito.

PARA ALÉM DO MAIS

5. Esse documento apócrifo refere que o funcionário das finanças tentou notificar a recorrida através de um Sr. J… que não se identifica como era mister com o BI ou NIF... e não se encontra junto a esse documento qualquer nota de liquidação com o quadro de liquidação nem nota de compensação de IRC de 1999, com data limite de pagamento e meios de defesa do contribuinte...

6. Cabe afirmar claramente que a tentativa de notificação que aqui nos traz nasce em 30.12.2005 (via mandado de notificação) e não antes!

7. E só chega ao conhecimento da recorrida em 03.01.2006!

SEM CEDER

8. A testemunha arrolada confirmou de forma séria e credível os argumentos vertidos na impugnação.

9. A recorrida apresentou prova testemunhal e a fazenda pública não apresentou contra prova dessa prova testemunhal, embora o pudesse fazer (art.º 346º Código Civil).

10. A testemunha que foi inquirida, não está impedida de ser testemunha, pois que não está afectada de incapacidade natural nem de inabilidade legal (art.º 616º e 617º do CPC)

11. A isto acresce que a recorrente não pode exigir da recorrida a prova verdadeiramente diabólica de indicação de testemunhas que nada sabem sobre os factos.

12. Como é doutrina comum, sempre que a parte sobre quem recaí o ónus da prova fica impossibilitada de fazer essa prova, há lugar a inversão do ónus da prova.

13. É da experiência comum dos Tribunais Tributários que as testemunhas que normalmente se apresentam são pessoas ligadas às empresas contribuintes.

14. Ficou assim provado que a empresa se encontrava encerrada na tarde de 6 feira (pelas 16h35m) do dia 30.12.2005.

15. Pelo que a recorrida jamais violou o princípio da colaboração com a administração fiscal.

SEM PRESCINDIR

16. A recorrida não poderia supor que a recorrente viesse alegar em sede de alegações de recurso que labora às 6as feiras à tarde, contrariando o que a recorrida sempre alegou e a testemunha confirmou.

17. Porquanto tal nunca foi colocado em causa pela recorrente, nem tal consta de qualquer documento, nomeadamente do PA, nem a recorrente juntou documento ou testemunha que contrariasse a recorrida.

18. Porque estamos perante uma alegação-surpresa, é admissível que a recorrida apresente com as suas contra-alegações de recurso um documento (mapa de horário de trabalho da recorrida que se encontra junto do IDICT/ACT), nos termos do art.º 524, n..º 2, 2ª parte do CPC.

19. Este documento permite provar claramente que a recorrida encerra nas 6ª feiras às 13h30m.

20. Pelo que não houve sequer qualquer actuação menos correcta da impugnante (que aliás não podia adivinhar que a AF iria proceder a tentativa de notificação através de citação por hora certa), naquele dia (6 feira) e hora (16h25m).

21. Igualmente se encontrava encerrada no dia 31.12.2005 (sábado e fim-de-ano!!!).

22. A recorrida recebeu a notificação (foi notificada) da liquidação através do ofício n. 700.00024 de 02.01.2011 (fls. 172 do PA), recebida a 03.01.2006 (fls. 170 do PA).

23. É certo que na notificação de 02.01.2006 dizia-se que a notificação foi efectuada no dia 31.12.2005, às 11h na pessoa do funcionário da empresa Securitas, por não ter encontrado nenhum administrador na empresa no dia 30.12.2005...”

24. Ora, o segurança, funcionário da Securitas, não é funcionário da recorrida.

25. Não sendo funcionário da impugnante (não era nenhuma das pessoas com a virtualidade de receber notificações dirigidas à impugnante nos termos do art.º 41º, n.º 1 e 2 do CPPT).

26. Acresce que esta pessoa estranha à empresa não assinou o que quer que fosse ou recebeu qualquer documento ou notificação, pelo que é falsa a afirmação que o funcionário da securitas tenha recebido sem quaisquer reservas e/ou condições a notificação.

27. Nas certidões de notificação constamos que os funcionários da Securitas não assinaram as certidões de notificação e não tendo assinado as mesmas, o ser teor não tem qualquer relevância quanto a eles pois dirão o que eles não confirmam e por isso não assinam... (como nunca teriam pois não se trata de funcionário da empresa apto a receber notificações).

28. Aliás, a recorrente, contrariando frontalmente a lei diz, indicia que qualquer terceiro pode receber uma notificação desde que se encontre no local onde é a sede da empresa (portanto até o carteiro se por ali andasse, um transeunte, o homem do lixo, o cobrador da EDP, um fornecedor da recorrida, um qualquer meliante poderiam cumprir tal missão!!!

SEM CONCEDER

29. Em todo o caso aquela (tentativa) notificação nunca teria qualquer valor, pois não cumpria o preceituado na lei, mormente os artº 240, n.º3 e art.º 235º do CPC e art.º 36 do CPPT.

30. Porquanto os meios de defesa e prazo de reacção só foram comunicados em 03.01.2006.

31. Ora, os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados - art.º 36º, n.º 1 do CPPT

DE QUALQUER MODO

32. Apesar de ser verdade que as normas do CPC respeitantes a notificações são supletivamente aplicáveis ao procedimento tributário (vide alínea e) do artigo 2.º do CPPT), tal preceito não permite concluir que seja viável a aceitação de uma citação por hora certa efectuada na sede da sociedade como meio de obstar a caducidade do direito da AF (nesse sentido ver acórdão do TCA Sul, N.º de Processo: 04725/01, de 17 de Maio de 2005).

33. O referido acórdão descartou a pretensão da AF em fazer valer uma citação por hora certa deixada na sede da pessoa colectiva, e salientou ademais que tal só seria permitido se tivesse sido efectuado tal acto na residência do notificando.

SEM CEDER

34. Tão pouco se pode exigir que a impugnante esteja sempre em funcionamento, estando obrigada a garantir sempre a presença de alguém na sua sede “para receber as notificações fiscais, precavendo-as, a todo tempo, dada a imprevisibilidade da sua superveniência”,

35. Alias, tal entendimento conteria fortes laivos de inconstitucionalidade, face ao direito à liberdade pessoal - art.º 27º, n.º 1 da CRP - Ac. STA de 10.02.1999 e de 02.06.1999.

36. O art.º 268º, n. 3 da CRP consagra o princípio geral da respectiva notificação, como função de garantia e controlo dos administrados.

37. Bem andou a sentença “a quo” pois a reclamante não foi notificada até 31.12.2005, pelo que mesmo entendendo-se que o prazo de caducidade era de seis anos, o direito de liquidar caducou por não ter sido validamente notificada ao contribuinte no prazo de caducidade - art. 45.º da LGT

Termos em que pela procedência das considerações invocadas deve indeferir-se o recurso interposto pela Fazenda Publica e em consequência manter-se a sentença recorrida.
Subsidiariamente e caso inesperadamente assim não se entenda, deverá esse Tribunal mandar baixar o processo, conhecendo-se dos outros fundamentos da impugnação.».

Neste Tribunal o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser dado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir já que a tal nada obsta.

As questões a decidir, delimitadas pelas alegações e conclusões de recurso, são as seguintes:
- erro sobre o julgamento da matéria de facto constante dos pontos 7, 8 e 9.
- erro de julgamento da matéria de facto constante do ponto 10 do probatório.
- erro de julgamento de direito por não ter sido considerado como obstáculo à caducidade do direito à liquidação a violação do princípio da colaboração pela recorrida que, por facto que lhe é imputável, impediu a administração fiscal de efectuar a notificação da liquidação.
- erro de julgamento de direito por o tribunal recorrido não ter considerado regularmente efectuada a notificação com hora certa.

II- Fundamentação
II-1. De facto
II.1.1 O Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga deu como provada a seguinte factualidade:
1. Em 28.11.2005, a Impugnante foi notificada, através do ofício n.º 50815671, para exercer o direito de audição prévia sobre o projecto de conclusões do relatório de inspecção, que incidiu sobre o exercício de 1999 (fls. 1 e ss. do PA);
2. Com interesse e relevância para a decisão, consta do referido projecto o seguinte:
“(…)
III- Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável
No procedimento interno de inspecção, relativamente à Declaração de Rendimentos MOD. 22 do exercício de 1999, detectaram-se irregularidades, que a seguir se descrevem:
1. O sujeito passivo no apuramento da Matéria Colectável do exercício de 1999, deduziu o valor de 4.335.040,04 € como prejuízos fiscais reportados e originados em 1997, pelo que segundo o artigo 46° n° 7 (actual n° 8 art° 47) do CIRC, não serão aceites nesse mesmo apuramento.
Junta-se parecer emitido a propósito em 21 de Outubro de 2005 pelo Centro de Estudos Fiscais.
(...)” (fls. 3 a 10 do PA)
3. Por requerimento apresentado em 09.12.2005, a Impugnante exerceu o direito de audição (cfr. doc. fls. 11 a 76 do PA, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido).
4. Pelo ofício n° 50816361, datado de 13.12.2005, foi a Impugnante notificada do relatório final (cfr. fls. 79 a 83 do PA apenso aos autos).
5. Com interesse e relevância para a decisão, extrai-se do relatório final de inspecção o seguinte:
“(…)
III- Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria colectável.
No procedimento interno de inspecção, relativamente à Declaração de Rendimentos MOD. 22 do exercício de 1999, detectaram-se irregularidades, que a seguir se descrevem:
1. O sujeito passivo no apuramento da Matéria Colectável do exercício de 1999, deduziu o valor de 4.335.040,04 E como prejuízos fiscais reportados e originados em 1997, pelo que segundo o artigo 46° n° 7 (actual n° 8 art° 47) do CIRC, não serão aceites nesse mesmo apuramento.
Junta-se parecer emitido a propósito em 21 de Outubro de 2005 pelo Centro de Estudos Fiscais.
(...)
IX- Direito de audição -fundamentação.
(...)
O contribuinte exerceu o direito de audição que lhe assistia, pelo que após análise à petição recepcionada em 2005/12/09, cumpre-nos referir o seguinte:
O Recurso Hierárquico apresentado pelo contribuinte, em que resumidamente deferiram a pretensão, devido à não existência de suporte legal da disposição que serviu de fundamento para tal correcção, originou que os valores declarados pelo contribuinte fossem repostos para os vários exercícios, como já foi oportunamente corrigido a favor do contribuinte. Acontece que no mesmo despacho sobre o recurso apresentado e face ao Parecer do CEF n° 79/2005, a correcção a efectuar aos prejuízos fiscais deduzidos será na totalidade e com o fundamento referido no ponto III, deste relatório, corrigindo assim o valor de 4.335.040,04 €.
O presente procedimento inspectivo iniciou após a conclusão do anterior, pelo que a liquidação a emitir, será em função da conclusão do recurso apresentado e da presente correcção.
Quanto à existência de uma inspecção externa ao exercício de 1997, tal procedimento que aqui é referido, deve-se somente uma consulta e recolha de elementos para esclarecimento da análise interna efectuada, credenciada por” Despacho” e não “Ordem de Serviço”.
Relativamente à alteração do objecto social da empresa em 1997, a empresa muito embora tenha declarado essa alteração, não o fez de facto e não exerceu substancialmente a actividade proposta nesse ano em que alienou a participação e apurou a menos-valia, pelo que e com base no artigo 46° n° 7 (actual art.° 47.° n.°8) do CIRC, é de recusar a dedução de prejuízos fiscais que tenham originado por essas menos-valias.”
6. Em 28.12.2005, foi emitida a liquidação de IRC do exercício de 1999, com o no 2005/8310123644 (cfr. fls. 174 a 176 do PA).
7. Em 29.12.2005, o inspector tributário P… apresentou-se na sede da Impugnante para proceder à notificação da liquidação de IRC de 1999, tendo o funcionário da mesma, J…, recusado receber qualquer documento, bem como assinar a referida notificação (cfr. fls. 185 do PA).
8. No dia 30.12.2005, pelas l6h35min, foi deixada nota de notificação com indicação de hora certa na pessoa de R…, funcionário da empresa Securitas, que presta serviços de vigilância à Impugnante (cfr. fls. 181 do PA).
9. No dia 31.12.2005, sábado, foi efectuada a notificação na pessoa do vigilante D… (cfr. fls. 182 do PA).
10. A empresa Impugnante encontrava-se encerrada nos momentos referidos nas duas alíneas anteriores.
11. Por carta registada com A/R, assinado em 06.01.2006, foi comunicado à Impugnante que no dia 31.12.2005 foi efectuada a notificação da liquidação (fls. 170 a 172 do PA)
12. Em 02.02.2006, a Impugnante reclamou graciosamente contra o acto de liquidação de IRC n.° 2005 0000132229835, relativo ao exercício de 1999, e no valor de 1 772.848€ (fls. 84 e ss. do PA);
13. A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 14.06.2007 (fls. 271 a 274 do PA);
14. Desta decisão foi, em 19.07.2007, interposto recurso hierárquico, o qual foi indeferido por despacho do Subdirector Geral, de 09.09.2009 (cfr. fls. 323 e ss. do PA).
15. A Impugnante foi notificada do indeferimento por carta registada, com A/R, assinado em 20.10.2009 (cfr. fls. 270 a 272 do P.A.).
16. A presente impugnação foi apresentada em 12.01.2010.
17. Em 20.03.1997 a Impugnante alterou o seu objecto social para “fabrico e comércio de contadores de água, gás e electricidade e de outros aparelhos eléctricos e electrónicos, bem como o desenvolvimento de todas as actividades relacionadas com sistemas de medição” (cfr. fls. 34 a 36 do PA).
18. Tal alteração foi comunicada ao serviço de finanças em 04.04.1997 (cfr. fls. 38 a 40 do PA).
19. Em 06.10.1997, na sequência de um processo de reestruturação, parte do património da Fábrica Nacional de … – R…, SA, foi destacada e fundida na Impugnante, a qual passou a prosseguir com toda a actividade de produção, comercialização de bens e prestação de serviços na área da medição, que eram desenvolvidos por aquela (cfr. fls. 42 a 69 do PA).
20. Da demonstração de resultados de 1997, resulta que a Impugnante apurou, a 31 de Dezembro desse ano, um volume de negócios que ascendeu a Esc. 4.604.387, contra os Esc. 53.611 apurados em 1996.
21. Em 30.12.1997, a Impugnante alienou a participação social que detinha na G…, Lda (fls. 73 a 76 do PA)
*
B) Factos não provados:
Inexistem outros factos a considerar, com relevância para a boa apreciação e decisão da presente causa.
*
Motivação da Matéria de Facto dada como assente:
Alicerçou-se a convicção do Tribunal no teor dos documentos constantes dos autos e do P.A. e, quanto ao facto narrado no ponto 10, no depoimento isento e credível da testemunha L…, que desempenha funções de gestor financeiro da Impugnante desde 2001.».

II.1.2. Aditamento à matéria de facto
Nos termos do artigo 712.º, n.º 4 do Código de Processo Civil de 1961 (CPC), adita-se ao probatório a seguinte factualidade:
22- Da diligência referida em 7) foi lavrado o auto de diligências com o seguinte teor (fls. 185 do processo administrativo):
«Auto de Recusa de Notificação»
Aos vinte e nove de Dezembro do ano dois mil e cinco, pelas 15 horas 30 minutos, em P…, Inspector Tributário em Funções na Direcção de Finanças de Braga, apresentei-me na sede do sujeito passivo A…, Lda, nip. 5…, com sede na Rua…, V. N. Famalicão, para, nos termos do artº 40º do RCPIT, proceder à notificação da liquidação de IRC do exercício de 1999 com o número 2005/8310123644. Contactada a empresa na pessoa do seu funcionário J…, este recusou-se a receber qualquer documento, bem como a assinar a notificação acima referida. De igual modo procedeu o porteiro da empresa, funcionário da Securitas, sr. R…, portador do B.I. 7…. Ambos referiram que o fizeram por ordem superior.
Os factos relatados foram testemunhados por L…, portador do B.I. 3… e A…, Portador do B.I. 8…, que comigo vão assinar».

23. Da diligência referida em 8) foi lavrada certidão com o seguinte teor (fls. 181 do processo administrativo):
«Certidão de Notificação
Certifico que tendo vindo hoje, pelas 16h35m, à Rua … Famalicão, a fim de notificar a empresa A…, Lda NIF 5…, não pude levar a efeito essa diligência em virtude de não encontrado qualquer Administrador ou Gerente na sede da empresa.
Por este motivo, deixei-lhe hora certa na pessoa de R…, na qualidade de Vigilante de Securitas, a quem encarreguei de lhe comunicar que amanhã, pelas 10 horas, voltarei a procurá-lo na sede da empresa, para levar a efeito a notificação que hoje me propunha realizar.
Ficou ciente, e vai assinar.

V.N. Famalicão, 30 de Dezembro de 2005
O Notificado a)
O (A) Inspector(a) Tributário (a) segue assinatura
a) O Vigilante de Securitas sr. R… entendeu que não devia assinar pelo que vão assinar juntamente comigo e testemunhas:».

24. Da diligência referida no ponto 9 foi lavrada a certidão com o seguinte teor (fls. 182 do processo administrativo):
«Certidão de notificação
Certifico que hoje pelas 10 horas, voltei à Rua…Famalicão, sede da empresa A…, Lda NIF 5…, a quem ontem deixei hora certa na pessoa de R…, na qualidade de Vigilante de Securitas, e como nenhum Administrador ou Gerente se encontrava nem a pessoa atrás referida, efectuei a notificação da pessoa de D…, na qualidade de Securitas incumbindo-a de transmitir a um representante que fica notificado para os termos da notificação a que se refere o presente mandado.
Como recebeu a nota objecto de notificação e ficou bem ciente de que a deve entregar ao represente da empresa, sob pena de incorrer em sanções correspondentes ao crime de desobediência caso não desempenhe dessa incumbência, vai assinar.
V. N. Famalicão, 31 de Dezembro de 2005

O Notificado a)
O (A) Inspector(a) Tributário (a) segue assinatura
a) O Vigilante da Securitas sr. D… entendeu que não devia assinar pelo que vão assinar juntamente comigo 3 testemunhas:»



II.2. De direito
II.2.1. Erro no julgamento da matéria de facto
A recorrente defende que os pontos 7, 8, e 9 da matéria de facto foram incorrectamente julgados porquanto, diz, «os documentos do PA demonstram todo o circunstancialismo fáctico que podia e devia ter sido valorado pelo Tribunal a quo e que evidencia comportamento da Impugnante que, para a FP, ou traduz violação do dever de cooperação da Impugnante junto da AF (o que impediu a AF de cumprir o disposto no artigo 41.º, nº1 e nº 2, do CPPT, tudo obstando a verificação da caducidade do direito à liquidação da AF) ou traduz valida notificação da liquidação no prazo de caducidade.».
Embora a recorrente não diga em que consiste o apontado erro de julgamento, a verdade é que na sequência da alegação transcreve o teor dos três autos de diligências a que se reportam os pontos do probatório impugnados. O que nos conduz a pensar que o julgamento daquela matéria de facto, na óptica da recorrente, foi incorrecto apenas e na medida em que não foi levado ao probatório o teor de tais documentos.
Tal questão está, porém, ultrapassada uma vez que, nos termos do artigo 712.º, n.º 4 do CPC, foi, acima, por nós, acrescentada à matéria de facto fixada pelo Tribunal recorrido o teor dos documentos referidos pela recorrente.

Um outro aspecto da matéria de facto assente pelo Tribunal recorrido, foco de discordância da recorrente, é o ponto 10 do probatório.

Consta do ponto 10 do probatório: «A empresa Impugnante encontrava-se encerrada nos momentos referidos nas duas alíneas anteriores.».
Os “momentos referidos na duas alíneas anteriores” são os seguintes (pontos 8 e 9 do probatório):
«No dia 30.12.2005, pelas l6h35min, foi deixada nota de notificação com indicação de hora certa na pessoa de R…, funcionário da empresa Securitas, que presta serviços de vigilância à Impugnante (cfr. fls. 181 do PA)»; (ponto 8 do probatório)
«No dia 31.12.2005, sábado, foi efectuada a notificação na pessoa do vigilante D… (cfr. fls. 182 do PA).». (ponto 9 do probatório).

A recorrente defende que o Tribunal recorrido não podia dar como provado o encerramento da empresa porque «o encerramento de uma empresa não se prova, tão só, pelo depoimento de uma única testemunha, mormente quando essa testemunha outorgou a procuração que legitimou a actuação de advogado, ao longo de todo o presente processo judicial tributário», mas pelo horário de funcionamento de uma empresa legalmente autorizado e comunicado às autoridades públicas competentes.

Determina o artigo 636.º do CPC que «A parte contra a qual for produzida a testemunha pode impugnar a sua admissão com os mesmos fundamentos por que o juiz deve obstar ao depoimento».

Os fundamentos pelos quais o juiz deve obstar ao depoimento estão previstos no artigo 616.º do CPC, que diz quem tem capacidade para depor, no artigo 617.º do CPC que determina quem está impedido de depor como testemunha, e no artigo 635.º do mesmo Código que estabelece que o juiz não admitirá a depor a testemunha que não é a pessoa que fora oferecida.

A impugnação de testemunha deve ser deduzida quando termina o seu interrogatório preliminar – artigo 637.º, n.º 1 do CPC – ou seja depois de o juiz ter identificado a testemunha e de lhe ter perguntado se é parente, amigo ou inimigo de qualquer das partes, se está com elas nalguma relação de dependência e se tem interesse, directo ou indirecto, na causa – artigo 635.º, n.º 1 do CPC.

Não o tendo sido, admitindo-se que se inquiriu uma testemunha que estava impedida de depor, a questão não pode ser suscitada posteriormente, e portanto também o não pode ser no recurso da sentença final, pois a nulidade fica sanada – artigos 201.º e 205.º do CPC.
É o que acontece nos autos, pois estando presente a Representante da Fazenda Pública na audiência na audiência, nada requereu como resulta da acta de fls. 192-193 dos autos.

No que toca ao valor da prova testemunhal importa começar por dizer que vigora entre nós o princípio da livre apreciação das provas - artigo 655.º, n.º 1, do CPC. Só no caso de exigência de uma prova especial (n.º 2), se o pode afastar.
Por outro lado, de acordo com o disposto no artigo 392.º do Código Civil «A prova testemunhal é admitida em todos os casos em que não seja directa ou indirectamente afastada» e, nos termos do artigo 396.º do mesmo Código, «A força probatória dos depoimentos das testemunhas é apreciada livremente pelo tribunal».
Ora, foi à luz dos princípios contidos nestes preceitos que o tribunal a quo apreciou o depoimento da testemunha que depôs sobre o tema, valorou o que ouviu, considerou o depoimento isento e credível e, constatando não existir qualquer limitação à produção de prova testemunhal, deu como provado a factualidade vertida no ponto 10 do probatório, à luz, evidentemente, da sua prudente convicção (n.º 1 do artigo 655.º do CPC), sendo que não impõe a lei que a prova do encerramento da empresa se faça por qualquer modo especial, designadamente, como pretende a recorrente, através do horário de funcionamento autorizado e comunicado às autoridades públicas competentes. O assim decidido não merece, assim, qualquer censura, improcedendo nesta parte o recurso.

II.2.1. Erro de julgamento de direito – violação do princípio da colaboração
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela ora recorrida contra a liquidação de IRC do ano de 1999 por a notificação da liquidação não ter ocorrido dentro do prazo de caducidade da liquidação e considerou prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas na petição inicial.
Para assim decidir considerou o Tribunal recorrido que o prazo de caducidade em causa era, nos termos do artigo 45.º, n.º 3 da Lei Geral Tributária (LGT) e 46.º, n.º 1 do Código do IRC, de seis anos, que se iniciou em 01-01-2000 e se completava em 31-12-2005 e que a notificação efectuada em 31-12-2005 – notificação com hora certa – cumpriu as formalidades previstas na lei, no artigo 240.º do CPC, mas que perante as circunstâncias em que foi realizada (no dia 30 de Dezembro à tarde, quando foi deixada a nota de notificação com hora certa a empresa estava encerrada e a notificação foi efectuada no dia 31 de Dezembro na pessoa de um vigilante que não era funcionário da empresa e esta permanecia encerrada) «não era adequada para dar a conhecer ao destinatário o acto de liquidação, não produzindo, assim, o efeito útil que lhe está legalmente associado de tornar eficaz o acto em causa» e deste modo tinha sido efectuada de forma irregular.

Ao invocar a violação do princípio da colaboração por parte da recorrida, a recorrente está a reportar-se não a estas diligências efectuadas nos dias 30 e 31 de Dezembro, mas a uma outra que teve lugar no dia 29 de Dezembro, levada ao probatório nos pontos 7 e 22.

Nesse dia, 29 de Dezembro, pelas 15,30 horas o Sr. Inspector Tributário apresentou-se na sede da recorrida para, proceder à notificação da liquidação de IRC do exercício de 1999 nos autos impugnada.
De acordo com o auto lavrado cujo teor foi levado ao ponto 22 do probatório, a empresa foi contactada na pessoa do seu funcionário J…, que se recusou a receber qualquer documento, bem como a assinar a notificação. E de igual modo procedeu o porteiro da empresa, funcionário da Securitas, tendo ambos referido que o fizeram por ordem superior.

Conclui a recorrente deste quadro que a recorrida impediu a realização da notificação da liquidação e que deste modo não pode operar a caducidade da liquidação.

Em primeiro lugar importa dizer que a Fazenda Pública contestou a impugnação judicial remetendo para as decisões proferidas quer em sede de acção inspectiva, quer em sede de reclamação graciosa, quer em sede de recurso hierárquico (fls. 162 dos autos). Não há, na peça processual chamada de contestação qualquer referência à diligência ocorrida no dia 29 de Dezembro, nem à violação do princípio da colaboração, o mesmo acontecendo nas decisões administrativas para que remete, sendo que a ora recorrente afirma expressamente e de forma desenvolvida na petição inicial (na qual também não há qualquer referência à diligência do dia 29 de Dezembro) que foi notificada da liquidação por carta registada com aviso de recepção no dia 02-01-2006 e que a notificação efectuada com hora certa no dia 31 de Dezembro era irregular, efectuada com claro abuso da letra da lei, em manifesta discordância com o espírito da lei processual civil, não se podendo querer que uma empresa que se encontra encerrada seja notificada num sábado, depois de um funcionário tributário ter deixado uma convocatória no dia 30-12-2005, sexta-feira pelas 16h35m, quando a empresa estava encerrada.

Apesar da omissão nos articulados à diligência do dia 29 de Dezembro, o Tribunal recorrido levou-a ao probatório e nesta parte a sentença não mereceu o ataque das partes. E é com base nesse facto, que não havia sido alegado, que a recorrente pretende agora retirar a violação do princípio da colaboração.

Esta questão é uma questão nova sobre a qual o Tribunal recorrido não se pronunciou – nem podia sob pena de a sentença padecer de nulidade por excesso de pronúncia (artigo 125.º do CPPT), uma vez que não foi invocada pela Fazenda Pública na contestação, sendo certo que tão-pouco à diligência do dia 29 de Dezembro se referiu naquele articulado.
Ora, como é jurisprudência uniforme, os recursos são específicos meios de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova. Por isso, e em princípio, não se pode neles tratar de questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada, salvo questões novas de conhecimento oficioso, o que não é o caso da violação do princípio da colaboração.

De qualquer modo sempre se dirá (uma vez que foi o Tribunal recorrido que levou aquele facto ao probatório retirado do processo administrativo) que não se verifica a violação de tal princípio.
O princípio da colaboração está previsto no artigo 59.º da LGT que estabelece no seu n.º 1 um dever de colaboração recíproco entre os órgãos da administração tributária e os contribuintes.
O seu n.º 4 estatuiu que «A colaboração dos contribuintes com a administração tributária compreende o cumprimento das obrigações acessórias previstas na lei e a prestação dos esclarecimentos que esta lhe solicitar sobre a sua situação tributária, bem como sobre as relações económicas que mantenham com terceiros».
O dever de colaboração do contribuinte tem assim como limites o cumprimento de obrigações acessórias previstas na lei e a prestação de esclarecimentos (este apenas quanto à sua situação tributária ou sobre as relações económicas que mantenham com terceiros). Só dentro destes limites pode haver violação do dever de cooperação.

No caso em recurso não diz a recorrente qual o dever acessório previsto na lei que a recorrente não cumpriu, ou qual o esclarecimento solicitado que não foi prestado.
Percebe-se que a falta de colaboração para a recorrente está na recusa por parte das pessoas mencionadas no auto (um funcionário e um vigilante) em receberem a notificação “por ordem superior”.
Mas a verdade é que não está definido nos autos quem é que deu a ordem para recusarem a notificação. Só perante tal precisão poderíamos avaliar da responsabilidade da recorrida naquela recusa. E note-se que não resulta dos autos que a impugnante tivesse conhecimento dessa diligência e que algum modo tivesse tido a oportunidade de por em causa a validade do acto.
Por outro lado, não consta daquele auto de recusa de notificação que o inspector tributário tenha procurado nesse dia 29 de Dezembro, na sede da recorrida, um dos administradores ou gerentes da recorrida.
Ora, nos termos do artigo 41.º do CPPT as notificações das pessoas colectivas e sociedades são efectuadas na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes, na sua sede, na residência destes ou em qualquer lugar onde se encontrem. E só no caso de a notificação não se poder efectuar na pessoa do representante por este não ser encontrado, a notificação se pode realizar na pessoa de qualquer empregado, capaz de transmitir os termos do acto, que se encontre no local onde normalmente funcione a administração da pessoa colectiva ou sociedade.
Não constando do auto que o funcionário da administração tributária procurou, perguntou e não encontrou um dos gerentes da recorrida, a pretendida notificação na pessoa de um empregado da recorrida não é válida.
Dir-se-á ainda que a notificação por contacto pessoal tem de ser determinada pela entidade que dirige o procedimento – n.º 5 do artigo 38.º do CPPT – e que do processo administrativo apenso apenas consta um mandado de notificação assinado pelo Director de Finanças Adjunto com data de 30 de Dezembro de 2005 (fls. 177 do processo administrativo), não havendo nenhum mandado com data anterior à diligência ocorrida no dia 29 de Dezembro.

Donde, se por um lado, não está demonstrado que tenha havido por parte da recorrida qualquer violação do princípio da colaboração, por não estar demonstrado quem é que deu as ordens para a recusa, por outro, a irregularidade da notificação, que a torna inválida, apenas à administração pode ser imputada.
Improcede este argumento de recurso.

II.2.2. Validade da notificação com hora certa
Afastada que está a hipótese defendida pela recorrente de a notificação da liquidação ter ocorrido no dia 29 de Dezembro, resta saber se ela aconteceu antes do prazo de caducidade definido na sentença recorrida – e que não foi posto em causa nestes recurso – ou seja até 31 de Dezembro de 2005.

Como ficou atrás referido o Tribunal a quo entendeu que tinham sido cumpridas as formalidades legais da notificação com hora certa previstas no artigo 240.º do CPC, mas que apesar disso a notificação não era válida porque as diligências efectuadas ocorreram em momentos em que a empresa estava encerrada, não sendo adequada a dar a conhecer ao destinatário a liquidação antes do termo do prazo de caducidade,

A recorrente Fazenda Pública defende que «A eventual circunstância da Impugnante não ter ficado a conhecer, no prazo de caducidade, o conteúdo do acto notificado e, em consequência, os termos da liquidação, importa para efeito de defesa e contagem do início de prazo defesa, sendo certo que a Impugnante não alegou, não se propôs a provar e não provou o momento em que, efectivamente, ficou a conhecer o acto notificado e, sendo também certo que a Impugnante não deixou de apresentar reclamação graciosa, em momento anterior ao ultimo dia do prazo, contado quer do dia 29, quer do dia 30, quer do dia 31, todos de Dezembro de 2005.».

Importa dizer que o Tribunal recorrido teve em conta o prazo de caducidade previsto no n.º 3 do artigo 45.º da LGT, ou seja o prazo do exercício do reporte de prejuízos, o que conjugou com o disposto no artigo 46.º, n.º 1 do Código do IRC (actual artigo 52.º) - que preceituava que «Os prejuízos fiscais apurados em determinado exercício, nos termos das disposições anteriores, são deduzidos nos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos seis exercícios posteriores» - para concluir que o prazo de caducidade iniciou-se em 01-01-2000 e completava-se em 31-12-2005. A recorrente Fazenda Púbica não põe em causa este julgamento.
E também não discute neste recurso o facto de no processo de impugnação judicial ter sido conhecida a caducidade do direito de liquidação por falta de notificação do contribuinte dentro do prazo legal como vício invalidante da liquidação.

É dentro destes contornos fixados pelo recurso que iremos avaliar o mérito do decidido.

Nos termos do n.º 1 artigo 45.º da LGT o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte dentro do prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro. Prazo que logo no n.º 2 é reduzido para três anos no caso de erro evidenciado na declaração do sujeito passivo ou de utilização de métodos indirectos por motivo da aplicação à situação tributária do sujeito passivo dos indicadores objectivos da actividade previstos naquela lei. E também prazo distinto é fixado, como vimos, e que foi aplicado ao caso dos autos, no n.º 3 do mesmo artigo.
Mas, o que há aqui a evidenciar é que o direito de liquidar caduca caso a liquidação não seja notificada validamente ao contribuinte dentro do prazo que for aplicável. Não basta, pois, que a liquidação tenha sido efectuada pelos serviços competentes dentro do prazo legal, é necessário que a notificação ocorra também dentro desse prazo. A lei dá, assim, relevância para efeitos de caducidade do direito à liquidação, à fase integrativa de eficácia e não apenas à fase constitutiva ou decisória do procedimento tributário de liquidação – cfr. Joaquim Freitas da Rocha, Lições de Procedimento e Processo Tributário, 3ª edição, página 409. E daí que não seja legítima a interpretação feita pela recorrente Fazenda Pública segundo a qual a notificação releva apenas para efeitos de defesa e contagem do prazo de defesa, mas já não para a caducidade do direito de liquidar, a qual não tem qualquer apoio na letra da lei – artigo 9.º, n.º 2 do Código Civil; João Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, página 182.

Entendeu o Tribunal recorrido que a administração tributária seguiu o iter processual estabelecido no artigo 240.º do CPC, mas que a notificação não era válida por «não ser legítimo concluir, dentro de um critério de razoabilidade, que o vigilante da empresa Securitas estava em condições de receber a nota e de a entregar prontamente aos representantes legais da Impugnante, de modo a que estes tomassem conhecimento do acto de liquidação do IRC de 1999 até ao termos do prazo de caducidade», referindo-se na sentença que o funcionário da Securitas não era funcionário da empresa e que esta estava encerrada aquando das deslocações do Sr. Inspector Tributário.

Revendo os acontecimentos, temos que o Sr. Inspector Tributário, no dia 30 de Dezembro (sexta-feira), pelas 16h35m, vai à sede da recorrente para a notificar da liquidação e não o logra fazer por aí não ter encontrado qualquer administrador ou gerente.
Por este motivo, deixa hora certa na pessoa de R…, na qualidade de Vigilante de Securitas, a quem encarrega de comunicar que no dia seguinte, pelas 10 horas, voltaria “a procurá-lo na sede da empresa”, para levar a efeito a notificação que se propunha realizar.
O Vigilante da Securitas não assinou o auto.
No dia seguinte, 31 de Dezembro (sábado), final do ano de 2005, pelas 10 horas, o Sr. Inspector Tributário volta à sede da recorrida e como nenhum administrador ou gerente se encontrava nem o Vigilante da Securitas do dia anterior, efectuou a notificação da pessoa de D…, na qualidade de Securitas incumbindo-o de transmitir a um representante que “fica notificado para os termos da notificação a que se refere o presente mandado”.
O Vigilante da Securitas D… não assinou o auto.
Por carta registada com aviso de recepção, assinado em 06-01-2006, foi comunicado à impugnante que no dia 31-12-2005 foi efectuada a notificação da liquidação.

Adiantamos, desde já, que a recorrente Fazenda Pública não tem apoio legal para a sua na sua pretensão.
A notificação (ou citação) das pessoas colectivas e sociedades é efectuada na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes, na sua sede, na residência destes ou em qualquer lugar onde se encontram – artigo 41.º, n.º 1 do CPPT.
Não podendo efectuar-se na pessoa do representante por este não ser encontrado pelo funcionário, a citação ou notificação realiza-se na pessoa de qualquer empregado, capaz de transmitir os termos do acto, que se encontre no local onde normalmente funcione a administração da pessoa colectiva ou sociedade – artigo 42.º, n.º 1 do CPPT.
Esta norma pretende determinar as pessoas em quem pode ser feita a notificação, quer ela seja pela via postal quer seja pessoal.

O artigo 38.º do CPPT distingue as notificações por via postal das notificações pessoais.
A notificação por via postal não está em causa nos autos pelo que sobre ela não nos debruçaremos.
Quanto à notificação pessoal diz o n.º 5 do artigo 38.º que «As notificações serão pessoais nos casos previstos na lei ou quando a entidade que a elas proceder o entender necessário».
Às notificações pessoais aplicam-se as regras sobre as citações pessoais, estatui o n.º 6 do artigo 38.º, assim remetendo para o artigo 192.º do CPPT.
O n.º 1 do artigo 192.º do CPPT dispõe que «As citações pessoais são efectuadas nos termos do Código de Processo Civil».
As regras que regem a notificação por contacto pessoal encontram-se, assim, no artigo 192.º do CPPT e no Código de Processo Civil.
O Código de Processo Civil prevê como modalidade de citação pessoal a citação com hora certa no seu artigo 240.º, que dispõe:
«1- (…) se o solicitador de execução ou o funcionário judicial apurar que o citando reside ou trabalha efectivamente no local indicado, não podendo, todavia, proceder à citação por não o encontrar, deixará nota com indicação de hora certa para a diligência na pessoa encontrada que estiver em melhores condições de a transmitir ao citando ou, quando tal for impossível, afixará o respectivo aviso no local mais indicado.
2- No dia e hora designados, o solicitador ou o funcionário fará a citação na pessoa do citando, se o encontrar; não o encontrando, a citação é feita na pessoa capaz que esteja em melhores condições de a transmitir ao citando, incumbindo-a o solicitador ou o funcionário de transmitir o acto ao destinatário e sendo a certidão assinada por quem recebeu a citação; pode, neste caso, a citação ser feita nos termos do n.º 6 do artigo 239.º.
3- (…).
4- (…).
5- Considera-se pessoal a citação efectuada nos termos dos n.ºs 2 ou 3 deste artigo».

Se o notificando não for encontrado e for apurado pelo funcionário que ele reside ou trabalha no local indicado, dispensa-se o contacto pessoal e a notificação pode ser efectuada com hora certa, observando-se as formalidades previstas no artigo 240.º do CPC.
O Tribunal recorrido não questionou que as sociedades pudessem ser notificadas com hora certa, possibilidade que também não tinha posta em causa pela impugnante ora recorrente na petição inicial. Daí que tal questão não seja objecto deste recurso.

Entendeu o Tribunal recorrido, como ficou dito, que a notificação com hora certa cumpriu as formalidades legais mas que não era válida porque não era legítimo concluir que o vigilante da Securitas, que não é funcionário da empresa, estivesse em condições de receber a nota e de a entregar prontamente aos representantes legais da impugnante, quando esta estava encerrada.
Não foi posto em causa que a notificação com hora certa cumpriu as formalidades legais. Para o que só teria interesse, não a recorrente, mas a recorrida, o que poderia defender em sede de ampliação do âmbito do recurso - artigo 684.º-A do CPC. E não basta, para impor a este Tribunal o conhecimento da questão invocar em sede de contra-alegações que o vigilante da Securitas não era pessoa capaz à luz da lei para receber a notificação.
É pois com base neste pressuposto, que a notificação cumpriu o formalismo legal, que apreciaremos a questão que acima enunciamos.

Embora não tenha convocado as normas legais, a solução encontrada pelo Tribunal recorrido tem apoio na alínea e) do n.º 1 do artigo 195.º do CPC, correspondente, aliás, ao que se dispõe também no n.º 6 do artigo 190.º do CPPT: há falta de citação (notificação pessoal, no caso dos autos) quando se demonstre que o destinatário da mesma não chegou a ter conhecimento do acto, por motivo que lhe não foi imputável.
Estas disposições pressupõem que tenha sido praticado um acto de citação (notificação pessoal), com observância dos requisitos previstos na lei, ou seja, têm-se em vista situações em que o acto foi efectivamente praticado, em conformidade com o preceituado na lei para o tipo de citação/notificação e de situação em que ela é efectuada, mas não foi praticado na própria pessoa do notificando/citando ou, tendo-o sido, este não tomou conhecimento do acto, situação que foi a tida em conta pelo Tribunal recorrido.
Entendeu aquele Tribunal que apesar do cumprimento das formalidades legais, a recorrente não teve conhecimento da liquidação antes de decorrido o prazo legal de caducidade, porque a nota de citação foi entregue a um vigilante que não era funcionário da sociedade num dia (sábado) em que estava a empresa encerrada.
Embora não seja referido expressamente na sentença, da sua motivação retira-se que o Tribunal recorrido entendeu que não era imputável ao contribuinte aquele desconhecimento.

E, ao contrário do alegado pela recorrente Fazenda Pública, a impugnante ora recorrida alegou desde logo na petição inicial que apenas teve conhecimento da liquidação no dia 02 de Janeiro de 2006 (artigo 1.º da petição inicial).
O ónus de alegação e prova de que não teve conhecimento do acto por facto que lhe não é imputável é do destinatário do acto – n.º 6 do artigo 192.º do CPPT.

No caso dos autos, provado o encerramento da empresa na sexta-feira e sábado, aquando das diligências de notificação, resulta a impossibilidade de a impugnante receber a notificação, independentemente do carácter voluntário ou involuntário do encerramento (das razões que o determinaram).
Deve entender-se que o regime legal atinente a esta forma de notificação/citação pressupõe que o notificando/citando pode cumprir tal «intimação», ou seja, pressupõe que ele, podendo (porque disso tem conhecimento) estar presente na hora que foi designada, não está porque não o pretende. Daí que, remetida posterior carta registada, a notificação/citação seja reportada à data da hora certa designada (artigos 240.º e 241.º do CPC).
Ora, admitindo-se a citação com hora certa de uma sociedade, não pode considerar-se que esta está em condições de cumprir a «intimação» para estar “presente” no dia seguinte, indicado na nota de citação/notificação, se no dia “seguinte”, e no dia “anterior” estava encerrada.
Provado assim que não recebeu a notificação e não resultando provado quaisquer factos dos quais se retire que o encerramento da empresa teve por finalidade impedir que tivesse lugar a notificação com vista a provocar a caducidade da liquidação (saliente-se que a primeira diligência teve lugar numa sexta-feira às 16h35m, dia 30 de Dezembro, e a segunda no dia seguinte, dia 31, sábado, final do ano) – sendo que recaía sobre a Fazenda Pública o ónus de alegar e provar tal matéria, o que não cumpriu, pois, sobre a caducidade do direito de liquidar, repete-se, nada disse na contestação – a notificação não foi validamente efectuada no dia 31 de Dezembro de 2005.

Acresce que o n.º 3 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa sob a epígrafe “Direitos e garantias dos administrados” garante o direito à notificação, impondo que as notificações de actos que afectem a esfera jurídica dos administrados não sejam meramente ficcionadas, mas tendencialmente efectivas – cfr. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02-03-2011, recurso n.º 967/10 (reportando-se, embora, às notificações por via postal e ao disposto nos nºs 1 e 2 do art. 39º do CPPT e no nº 6 do art. 49º da LGT); acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28-03-2012, recurso n.º 491/11 (respeitante à notificação por hora certa).

Resultando, assim, dos autos que a impugnante, ora recorrida, não chegou a tomar conhecimento do acto até ao termo do dia 31/12/2005, por motivo que lhe não foi imputável, conclui-se que, deste modo, a liquidação não foi validamente notificada no prazo da respectiva caducidade, tal como decidiu a sentença recorrida, que assim não merece censura.

Sumariando:
1- A impugnação de testemunha deve ser deduzida quando termina o seu interrogatório preliminar – artigo 637.º, n.º 1 do CPC. Não o tendo sido, admitindo-se que se inquiriu uma testemunha que estava impedida de depor, a questão não pode ser suscitada posteriormente, e portanto também o não pode ser no recurso da sentença final, pois a nulidade fica sanada – artigos 201.º e 205.º do CPC.

2- Os recursos são específicos meios de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova. Por isso, e em princípio, não se pode neles tratar de questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada, salvo questões novas de conhecimento oficioso, o que não é o caso da violação do princípio da colaboração.

3- O direito de liquidar caduca caso a liquidação não seja notificada validamente ao contribuinte dentro do prazo que for aplicável. Não basta, pois, que a liquidação tenha sido efectuada pelos serviços competentes dentro do prazo legal, é necessário que a notificação ocorra também dentro desse prazo.

4- Aceitando-se a citação/notificação com hora certa de uma sociedade, não lhe pode ser imputável o desconhecimento da notificação se o aviso é deixado numa sexta-feira, 30 de Dezembro, a uma hora em que a empresa já está encerrada, a um vigilante que não é seu funcionário e que se recusa a assinar a certidão, e no dia e hora designado naquele aviso, o dia seguinte, sábado, 31 de Dezembro, a empresa está também encerrada e a notificação é deixada a um outro vigilante, não funcionário da empresa e que se recusa a assinar a certidão.

III – Decisão
Assim, pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente.

Porto, 18 de Outubro de 2013
Ass. Paula Ribeiro

Ass. Fernanda Esteves

Ass. Aragão Seia