Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00041/11.2BEVIS
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/28/2020
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Helena Canelas
Descritores:BOMBEIROS PROFISSIONAIS – DISPONIBILIDADE PERMANENTE – REMUNERAÇÃO
Sumário:I – O Estatuto de pessoal dos bombeiros profissionais da administração local, aprovado pelo DL nº 106/2002, de 13 de abril, define e organiza os tempos de trabalho dos bombeiros municipais e respetivo regime remuneratório.

II - Os bombeiros profissionais da administração local encontram-se integrados em carreiras que exigem uma disponibilidade permanente, compensada, nos termos da lei, através de suplemento remuneratório, integrado na respetiva escala salarial, e que inclui todo o trabalho prestado dentro da disponibilidade permanente obrigatória.

III - No âmbito da vigência do DL. nº 259/98, de 18 de agosto, que estabelecia, à data, as regras e os princípios gerais em matéria de duração e horário de trabalho na Administração Pública, quando concatenado com Estatuto de pessoal dos bombeiros profissionais da administração local constante do DL. n.º 106/2002, de 13 de abril, em particular dos seus artigos 23º nºs 1 e 2, 25º e 29º nºs 2 e 3, resulta que a «disponibilidade permanente» exigida nos termos legais aos bombeiros municipais é compensada através de «suplemento remuneratório» já integrado na respetiva escala salarial, não havendo lugar ao pagamento de trabalho realizado em feriados, trabalho noturno e extraordinário em acumulação com o suplemento de disponibilidade permanente, que já os pressupõe e integra. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:SNBP – SINDICATO NACIONAL DOS BOMBEIROS PROFISSIONAIS
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE (...)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RELATÓRIO
O SNBP – Sindicato Nacional dos Bombeiros Profissionais (devidamente identificado nos autos) inconformado com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu datada de 23/07/2019 (fls. 511 SITAF) que julgou improcedente a ação administrativa especial na qual se visava a condenação do réu MUNICÍPIO DE (...) no pagamento aos trabalhadores seus representados, bombeiros municipais, pelo trabalho realizado em feriados, trabalho noturno e extraordinário nos anos de 2006 e 2007, dela interpôs o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões, nos seguintes termos:
I- A douta Sentença decidiu negar provimento à presente ação judicial assentando toda a sua fundamentação em pressupostos, que salvo o devido e maior respeito, o Agravante entende não estar correto;
II- A douta sentença proferida violou o disposto nos arts. art. 7º e nº 3 do art. 33º do Dec.-Lei nº 259/98, de 18 de Agosto, art. 126º e arts. 158º e 213º da Lei nº 59/2008, de 11 de Setembro, e art. 23º do DL nº 106/2002, de 13 de Abril, por considerar que não obstante ter sido determinado aos bombeiros, trabalhadores da administração pública, um horário de trabalho pelo executivo camarário cuja carga semanal pode chegar, dependendo dos turnos, a 48 horas semanais, o excesso de horas que os referidos trabalhadores efetuam semanalmente ou em dias feriados, não poderão ser qualificadas como extraordinárias em termos de acréscimos remuneratórios;
III- Isto porque conforme já referido pelo Acórdão do STJ proferido no processo nº 2375/08.4TTLSB.L1.S1, para que o trabalhador tenha direito à retribuição por trabalho suplementar é necessário que demonstre que esse trabalho existiu e que foi efetuado com o conhecimento e sem oposição da entidade patronal;
IV- Os factos descritos demonstram que a Entidade Recorrida tinha conhecimento desse trabalho, pois foi a mesma quem determinou superiormente o horário de trabalho dos seus trabalhadores, e tomou-o sem se opor à respetiva prestação;
V- É incontornável que, por força da determinação do executivo camarário os representados do ora Recorrente estavam sujeitos a um horário desconforme à Lei, algo que jamais poderia ser assacado aos próprios trabalhadores que apenas cumpriam o que lhes foi superiormente determinado, porque nunca lhes competiu por iniciativa própria estabelecer os horários segundo os quais prestariam o seu trabalho;
VI. Os órgãos e entidades competentes do Recorrido optaram por manter os sócios do Recorrente sujeitos ao mesmo horário, daqui decorrendo não ser curial falar da ausência de um ato autorizando o trabalho suplementar, quando o que se verificou foi a manutenção esclarecida do horário em desconformidade com o legalmente estabelecido, ou seja, não se tratou de autorizar trabalho para além do regulamentar mas sim de impor que se perpetuasse o anterior;
VII- Se os órgãos e entidades competentes do Recorrente mantiveram os sócios do Recorrido sujeitos ao horário desconforme Lei, a autarquia recebeu e beneficiou do trabalho prestado para além do horário legalmente permitido, não havendo margem alguma para sustentar a oposição desta ao trabalho suplementar;
VIII- Pelo que a douta sentença proferida, faz errada interpretação e aplicação da lei, designadamente das normas constantes dos artigos 59º, nº1 alíneas a) e d), da CRP, 28º, nº5, e 34º, nº1, do DL nº259/98, 212º, nº5, do RCTFP, e 162º, nº5, da LGTFP, razão pela qual a intervenção deste TCA é fundamental para uma melhor aplicação do direito, contribuindo assim para uma interpretação mais segura do quadro normativo aplicável, tanto mais que são situações de inegável importância, enquanto ligadas a interesses particularmente relevantes da comunidade que requerem um acentuado labor interpretativo;
IX- O mesmo se dirá relativamente ao trabalho prestado pelos representados do A. em dias feriados, pois quando as escalas de serviço elaboradas e autorizadas pelos serviços camarários assim o determinavam e determinam, os representados prestaram e prestam trabalho em dias feriado, sendo que não obstante tal facto, a Ré não abonou aos seus funcionários, mormente aos que aqui figuram como representados, o acréscimo remuneratório pelo trabalho prestado em dias feriados legalmente previsto ao longo dos anos em que duram as relações laborais;
X- Isto, não obstante a lei impôr, pela prestação de trabalho em dia feriado, uma compensação acrescida de ordem pecuniária – situação prevista no n.º 3 do artigo 33.º do D.L. n.º 259/98, de 18/8 até final de 2008 e no art. 213.º, n.º 2 da Lei n.º 59/2008, de 11/09, de 1 de Janeiro de 2009 em diante – que visa compensar a especial penosidade de se ser compelido a exercer funções num dia em que seria de descanso;
XI- E, o subsídio de turno percebido pelos representados não afeta o direito ao acréscimo remuneratório pela prestação de trabalho em dias feriados, na medida em que estamos perante, situações jurídicas diferentes da prestação de trabalho por turnos e em dias feriados, as quais, obviamente, devem ser compensadas distinta e cumulativamente não podendo assim o Tribunal recorrer a uma interpretação extensiva das normas legais sobre os referidos dispositivos legais, para retirar direitos aos trabalhadores, devendo antes ter um entendimento diferente.
XII- Esse tem sido o entendimento sobre a matéria da Jurisprudência, conforme melhor descrito no corpo do presente recurso.
XIII – Ressalve-se que não é aqui peticionado pelos representados, o trabalho suplementar que também foi prestado por aqueles em resultado de também ter sido ultrapassado o seu “horário de trabalho de trabalho normal” dado por exemplo se encontrarem a combater incêndios ou a prestar socorro à população e não poderem por razões de ética e profissionais, abandonarem as sua funções simplesmente por ter chegado ao fim a sua jornada diária de trabalho e/ou não terem autorização superior para efetuar trabalho extraordinário ou o seu trabalho prestado em caso de calamidade pública declarada pelas entidades competentes;
XIV- Até porque, as funções desempenhadas pelos bombeiros Municipais, não se compadece com regras administrativas, financeiras ou outras que limitem a sua prestação de trabalho, tendo em conta as suas funções de socorro que prestam à população, as quais abrangem não só o combate a incêndios, inundações e outras calamidades, como o próprio transporte de doentes urgentes.

O recorrido contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso, terminando formulando o seguinte quadro conclusivo:

I. Como consta dos presentes autos, o Autor, ora Recorrente intentou a presente acção administrativa especial contra o Réu, ora Recorrido, na sequência de indeferimento tácito do requerimento apresentado ao Presidente da Câmara, a solicitar o pagamento de trabalho extraordinário realizado, pela maioria dos seus associados nos anos de 2006 e 2007.
II. Alegaram para o efeito, que os seus associados, no mês de Junho dirigiram ao Réu, ora Recorrido, requerimentos individuais solicitando a compensação legal pela prestação do referido trabalho, não tendo este proferido qualquer decisão.
III. Pediu, a final, que se declare que a omissão de decisão viola o disposto nos artigos 28.º, n.º 1, alíneas a) e b), 33.º, n.º 3 e 32.º, n.ºs 1 e 2, todos do Decreto-Lei n.º 259/98 de 18/8, e seja a deferir os requerimentos e a pagar aos associados as quantias que para cada um indicou.
IV. O tribunal “a quo”, na douta sentença por si proferida julgou a acção totalmente improcedente e em consequência absolveu a entidade demanda dos pedidos formulados pelo A.
V. Insatisfeito com a douta sentença proferida pelo tribunal “a quo”, veio o A. dela interpor recurso, a processar como de agravo, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.
VI. Contudo, a douta Sentença recorrida não merece, em nossa opinião, qualquer censura ou reparo.
VII. A sua fundamentação apresenta uma elevada correcção e profundidade na análise e justificação dos motivos, de facto e de direito, que conduziram à decisão final condenatória, não devendo olvidar-se o aturado exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Digníssimo Tribunal a quo e, outrossim, a clareza da explicação do raciocínio lógico que a ela conduziu.
VIII. O recurso interposto pelo A., e ora Recorrente não tem qualquer fundamento de facto ou de direito, devendo por isso manter-se na íntegra a douta Sentença proferida, que julgou, e bem, improcedente o pedido do Recorrente.
IX. Entende o Recorrente, que os seus associados exercem funções de Bombeiros Municipais, sendo por esse facto trabalhadores da Câmara Municipal de (...), e estando assim sob as ordens, direcção, fiscalização e mediante retribuição do Recorrido.
X. E que desempenham as suas funções integrados num horário de trabalho, em regime de turnos, e que a organização do trabalho mensal era determinada e autorizada pelo executivo camarário que determinava para os associados do Recorrente a realização de trabalho extraordinário.
XI. Por fim argui que, foi o Réu, ora Recorrido quem decidiu, elaborou e pôs em funcionamento o referido regime de trabalho por turnos que vigorou na Companhia de Bombeiros Municipais de (...), o qual por si só, determinava a prestação de trabalho extraordinário, isto porque tal horário normal de trabalho correspondia a um horário de 48 horas semanais.
XII. Acontece que, ao contrário do que sustenta o Recorrente, é falso que os bombeiros façam 48 horas de trabalho semanal.
XIII. Não é verdade que os associados do Recorrente estejam sujeitos ao limite semanal de trabalho de 35 horas, pelo menos desde 1988.
XIV. A duração de trabalho semanal para os bombeiros profissionais é de 40 horas semanais – cfr. artigo 19.º do Decreto-Lei 293/92, de 30/09, sendo que, de acordo com o artigo 23.º, n.º 1 do DL 106/2002 de 13/04, existe a possibilidade de se efectuarem doze horas de trabalho contínuas.
XV. E, os horários de trabalho dos Bombeiros Profissionais, de acordo com o artigo 23.º, n.º 2 do citado diploma, são obrigatoriamente aprovados pelo Presidente da Câmara Municipal.
XVI. No caso do Município Recorrido, o vigente “Regulamento do Pedido de Funcionamento do Horário de Trabalho e Controlo de Assiduidade do MUNICÍPIO DE (...)” determina que os Bombeiros estejam abrangidos por uma prestação de trabalho em regime de turnos permanente total - artigo 9.º, n.ºs 1 a 5 do Regulamento.
XVII. E, em face do regime de horário de trabalho adoptado, os associados do Recorrente recebem do Recorrido um subsídio de turno, conforme resulta do n.º 3 do artigo 9.º do Regulamento.
XVIII. Contudo, a percepção de subsídio de turno, não afasta a remuneração por trabalho extraordinário, e em dias de descanso semanal ou complementar, sempre que haja necessidade de prolongar o período de trabalho.
XIX. Ou seja, não obstante auferirem subsídio de turno, os trabalhadores terão ainda direito à remuneração suplementar por trabalho extraordinário e em dia de descanso semanal ou complementar, quando tal trabalho determine a necessidade de prolongar o período de trabalho.
XX. Sendo que, tal trabalho extraordinário, face ao que dispõe o artigo 11.º do Regulamento do Período de Funcionamento do Horário de Trabalho e Controlo de Assiduidade do MUNICÍPIO DE (...) teria forçosamente, de ser previamente autorizado pelo Presidente da Câmara Municipal ou pelo Vereador com competência delegada, o que não aconteceu, nem o Recorrente alegou ou demonstrou ter acontecido.
XXI. Aliás, caso tivesse existido a prestação de trabalho extraordinário, o que não aconteceu, nem o Recorrente conseguiu demonstrar, este – trabalho extraordinário - por não estar devidamente autorizado não poderia ser objecto de qualquer compensação, tal como resulta do artigo 11.º do Regulamento e do n.º 5 do artigo 212.º do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas.
XXII. Note-se que a autorização prevista no artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 259/98 é uma autorização com carácter imperativo.
XXIII. Quer isto dizer, que tal autorização deve materializar-se num acto administrativo que por escrito, previamente estabelece a prestação de trabalho suplementar, devendo ser emanado do órgão competente para o efeito.
XXIV. No caso vertente o Recorrente não alegou, nem demonstrou a existência de qualquer trabalho suplementar,
XXV. Pelo que não há lugar ao pagamento de qualquer quantia, pelo pagamento de trabalho extraordinário.
XXVI. Assim, considera o Recorrido ter sido a douta sentença recorrida correcta e conscienciosamente elaborada, inequivocamente assente na prova produzida e na qual, declaradamente, se alicerçou,
XXVII. Fundamentada num juízo objectivável e racional no que à formação da sua livre convicção respeita, perfeitamente conforme com as regras da experiência comum, apresentando uma valoração que se nos afigura perfeitamente sufragável.
XXVIII. Assim, em face do arrazoado ora concluído, considera o Recorrido dever ser confirmada a douta sentença recorrida, que nenhuma censura merece, votando-se, pois, ao insucesso o recurso interposto pelo Recorrente, por total improcedência das respectivas alegações;
XXIX. Tudo com as consequências legais.
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Remetidos os autos a este Tribunal em recurso, neste notificada, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147º do CPTA, a Digna Magistrada do Ministério Público não emitiu Parecer.
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Com dispensa de vistos foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.
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II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/das questões a decidir
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (Lei n.º 41/2013) ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas pelo recorrente as conclusões de recurso, a questão essencial a decidir é a de saber se ao negar procedência à ação o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento.
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III. FUNDAMENTAÇÃO

A – De facto

O Tribunal a quo deu como provada a seguinte factualidade, assim vertida ipsis verbis na sentença recorrida:
1. Entre os dias 4 e 16 de junho de 2010 os associados do A. em representação dos quais foi instaurada a presente ação, alguns deles posteriormente representados pelo interveniente SNBP, requereram ao Presidente da Câmara Municipal de (...) a “liquidação do trabalho extraordinário prestado” durante o ano de 2006 e 2007, vide docs. 82 a 108 a 8 que instruíram a petição inicial (PI), aqui dados por reproduzidos, o mesmo se dizendo dos demais elementos infra referidos;
2. Requerimentos que não obtiveram qualquer resposta da Entidade impetrada, cfr. resulta da conjugação dos elementos constantes destes autos e do processo administrativo (PA);
3. Remetida, via postal em 13-01-2011, mas entrada neste Tribunal um dia depois, foi apresentada a PI que originou os presentes autos, onde se invocaram os requerimentos e a falta de resposta vindos de referir, alegando-se a formação de indeferimento tácito, vide o doc. último que constitui a PI e seus documentos I e o demais conteúdo desta;
4. O Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local dirigiu, em 16 de maio de 2008, ao Presidente da Câmara Municipal de (...) solicitação de resposta a requerimentos de diversos Bombeiros Municipais onde requeriam o pagamento de remuneração por trabalho extraordinário tendo, a impetrada respondido em agosto dizendo “estão a ser ponderados os termos da sua eventual compensação…”, cfr. docs. de fls. 1 a 4 do PA;
5. Os associados do A. em representação dos quais foi instaurada a presente ação exercem funções de Bombeiros Municipais no corpo de Bombeiros Municipais de (...), vide o introito da PI, o seu artigo 4º e os documentos que constituem o PA;
6. No MUNICÍPIO DE (...) estava vigente o “Regulamento do Período de Funcionamento do Horário de Trabalho e Controlo de Assiduidade do MUNICÍPIO DE (...)”, determinando que os Bombeiros estejam abrangidos por uma prestação de trabalho em regime de turnos permanente total, cfr. doc. 1 junto com a contestação;
7. Nos anos de 2006 e 2007 os Bombeiros Municipais, associados dos As., e outros, exerciam horário de trabalho organizado por escalas de serviço, sendo os mesmos identificado com um n.º, agrupados em quatro piquetes separados por uma linha vazia e, antecedendo cada um desses grupos existem 4 letras definindo a letra “A” os dias em que o piquete tem a folga normal, a letra “B” aqueles em que ao piquete é atribuído o turno das 08hs às 16hs, a letra “C” quando o piquete faz o turno das 16hs às 24 e a letra “D” quando o turno do piquete é das 0h00 às 8h00, vide os documentos constantes de fls. 5 e segs. do PA, documentos que não mereceram qualquer apreciação dos AAs. e artigos 10 a 12º da contestação;
8. Por sua vez, dento de cada piquete, e à frente do respetivo n.º de bombeiro, os dias de trabalho de cada um surgem identificado pela letra “g”, todos os outros dias em que não há prestação de trabalhos (folgas para compensar trabalho extraordinário, férias, tolerância de ponto, faltas e outros) são identificados com as letras “x”, “z”, “c”, “t” e “ct”, idem anterior e o artigo 13º da contestação;
9. Para alem do trabalho referido em 7 e 8, melhor discriminado nas escalas de serviço constantes do PA, o Presidente da Câmara Municipal de (...), ou vereador com competência delegada para o efeito, não deu autorização prévia para a realização de outro trabalho extraordinário, cfr. o alegado pelo Réu, o regulamento mencionado em 6 e a falta de prova de factualidade contraditória com a vinda de descrever.
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B – De direito

1. Da decisão recorrida
Pela sentença recorrida o Mmº Juiz do Tribunal a quo julgou a improcedente a ação.
Decisão que tendo por base a matéria de facto ali dada como provada, que não vem impugnada no presente recurso, se suportou nos fundamentos vertidos na sentença proferida no Proc. nº 183/12.7BEVIS, que citou e transcreveu, bem como nos acórdãos deste TCA Norte, de 13/06/2014 e de 09/06/2010, que igualmente transcreveu em parte, que entendeu valerem também na situação dos autos.

2. Da tese do recorrente
2.1 Sustenta o recorrente SNBP – Sindicato Nacional dos Bombeiros Profissionais, em suma, que a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 7º e 33º nº 3 do DL. nº 259/98, de 18 de agosto, no artigo 126º, 158º e 213º da Lei nº 59/2008, de 11 de setembro, e artigos 23º do DL nº 106/2002, de 13 de abril, por considerar que não obstante ter sido determinado aos bombeiros, trabalhadores da administração pública, um horário de trabalho pelo executivo camarário cuja carga semanal pode chegar, dependendo dos turnos, a 48 horas semanais, o excesso de horas que os referidos trabalhadores efetuam semanalmente ou em dias feriados, não poderão ser qualificadas como extraordinárias em termos de acréscimos remuneratórios e que sendo incontornável que, por força da determinação do executivo camarário os representados do Sindicato recorrente estavam sujeitos a um horário desconforme à lei, tal não poderia ser assacado aos próprios trabalhadores que apenas cumpriam o que lhes foi superiormente determinado, porque nunca lhes competiu por iniciativa própria estabelecer os horários segundo os quais prestariam o seu trabalho; e que se os órgãos e entidades competentes do Município optaram por manter os trabalhadores sujeitos ao mesmo horário, daqui decorrendo não ser curial falar da ausência de um ato autorizando o trabalho suplementar, quando o que se verificou foi a manutenção esclarecida do horário em desconformidade com o legalmente estabelecido, ou seja, não se tratou de autorizar trabalho para além do regulamentar mas sim de impor que se perpetuasse o anterior e se simultaneamente a autarquia recebeu e beneficiou do trabalho prestado para além do horário legalmente permitido, não havendo margem alguma para sustentar a oposição desta ao trabalho suplementar, a sentença recorrida fez errada interpretação e aplicação da lei, designadamente das normas constantes dos artigos 59º nº 1 alíneas a) e d) da CRP, dos artigos 28º nº5 e 34º nº 1 do DL nº 259/98, do artigo 212º nº 5 do RCTFP e do artigo 162º nº 5 da LGTFP; e que não obstante a lei impôr, pela prestação de trabalho em dia feriado, uma compensação acrescida de ordem pecuniária – situação prevista no n.º 3 do artigo 33.º do D.L. n.º 259/98, de 18/8 até final de 2008 e no art. 213.º, n.º 2 da Lei n.º 59/2008, de 11/09, de 1 de Janeiro de 2009 em diante – que visa compensar a especial penosidade de se ser compelido a exercer funções num dia em que seria de descanso, o subsídio de turno percebido pelos representados não afeta o direito ao acréscimo remuneratório pela prestação de trabalho em dias feriados, na medida em que estamos perante, situações jurídicas diferentes da prestação de trabalho por turnos e em dias feriados, as quais, obviamente, devem ser compensadas distinta e cumulativamente não podendo assim o Tribunal recorrer a uma interpretação extensiva das normas legais sobre os referidos dispositivos legais, para retirar direitos aos trabalhadores, devendo antes ter um entendimento diferente.

3. Da análise e apreciação do recurso
3.1 Comece por precisar-se que está em causa nos presentes autos o pretendido pagamento pelo trabalho realizado em feriados, trabalho noturno e extraordinário dos bombeiros municipais nos anos de 2006 e 2007.
Assim, porque a pretendida remuneração acrescida pelo dito trabalho em feriados, trabalho noturno e extraordinário se reporta àqueles dois anos, de 2006 e 2007, consubstanciando assim o pedido concretamente formulado na ação, e que foi aquele relativamente ao qual a sentença recorrida apreciou, a pronuncia a emitir por este Tribunal ad quem encontra-se também ela balizada por essa delimitação temporal.
O que não é inócuo para efeitos do enquadramento normativo da questão, já que a respetiva solução haverá de ser encontrada à luz do quadro normativo então em vigor, que foi, aliás, o convocado na petição inicial da ação e aquele a que também a sentença recorrida atendeu.
O que significa ser irrelevante e desapropriada a invocação feita pelo recorrente SINDICATO nas alegações do recurso no sentido da violação dos dispositivos constantes dos artigos 158º, 212º nº 5 e 213º do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (RCTFP), aprovado pelo Lei nº 59/2008 e do artigo 162º nº 5 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP), aprovado pela Lei nº 35/2014, de 20 de junho (vide, designadamente, conclusões IIª, VIIª, Xª das alegações de recurso).
3.2 Atentemos, então, no quadro normativo aplicável à situação dos autos, reportado aos anos de 2006 e 2007, que são aqueles para os quais é pretendido o tratamento remuneratório enquanto trabalho extraordinário.
Cientes, simultaneamente, de que as questões em dissídio não são novas e já foram objeto de tratamento jurisprudencial a que, adiante, nos referiremos.
3.3 À data o DL. nº 259/98, de 18 de agosto estabelecia as regras e os princípios gerais em matéria de duração e horário de trabalho na Administração Pública.
E dispunha o seguinte nos seguintes dispositivos:
“Artigo 7º
Duração semanal do trabalho
1 - A duração semanal do trabalho nos serviços abrangidos pelo presente diploma é de trinta e cinco horas.
2 - O disposto no número anterior não prejudica a existência de regimes de duração semanal inferior já estabelecidos, nem os que se venham a estabelecer mediante despacho conjunto do membro do Governo responsável pelo serviço e do membro do Governo que tiver a seu cargo a Administração Pública.”

“Artigo 15º

Modalidades de horário
1 - Em função da natureza das suas atividades, podem os serviços adotar uma ou, simultaneamente, mais do que uma das seguintes modalidades de horário de trabalho:
a) Horários flexíveis;
b) Horário rígido;
c) Horários desfasados;
d) Jornada contínua;
e) Trabalho por turnos.
2 - Para além dos horários referidos no número anterior, podem ser fixados horários específicos de harmonia com o previsto no artigo 22.º”

“Artigo 20º
Trabalho por turnos
1 - O trabalho por turnos é aquele em que, por necessidade do regular e normal funcionamento do serviço, há lugar à prestação de trabalho em pelo menos dois períodos diários e sucessivos, sendo cada um de duração não inferior à duração média diária do trabalho.
2 - A prestação de trabalho por turnos deve obedecer às seguintes regras:
a) Os turnos são rotativos, estando o respetivo pessoal sujeito à sua variação regular;
b) Nos serviços de funcionamento permanente não podem ser prestados mais de seis dias consecutivos de trabalho;
c) As interrupções a observar em cada turno devem obedecer ao princípio de que não podem ser prestadas mais de cinco horas de trabalho consecutivo;
d) As interrupções destinadas a repouso ou refeição, quando não superiores a 30 minutos, consideram-se incluídas no período de trabalho;
e) O dia de descanso semanal deve coincidir com o domingo, pelo menos uma vez em cada período de quatro semanas;
f) Salvo casos excecionais, como tal reconhecidos pelo dirigente do serviço e aceites pelo interessado, a mudança de turno só pode ocorrer após o dia de descanso.”

“Artigo 21º
Subsídio de turno
1 - O pessoal em regime de trabalho por turnos, desde que um dos turnos seja total ou parcialmente coincidente com o período noturno, tem direito a um subsídio correspondente a um acréscimo de remuneração.
2 - O montante do subsídio de turno é variável em função do número de turnos adotados, bem como do carácter permanente ou não do funcionamento do serviço.
3 - As percentagens fixadas para o subsídio de turno incluem a remuneração devida por trabalho noturno.
4 - A prestação de trabalho em regime de turnos confere direito a atribuição de um subsídio correspondente a um acréscimo de remuneração calculada sobre o vencimento fixado no índice remuneratório da categoria onde o trabalhador estiver posicionado de acordo com as seguintes percentagens:
a) A 22% quando o regime de turnos for permanente, total ou parcial;
b) A 20% quando o regime de turnos for semanal prolongado, total ou parcial;
c) A 15% quando o regime de turnos for semanal total ou parcial.
5 - As percentagens de acréscimo de remuneração referidas no número anterior são estabelecidas no regulamento interno a que se refere o n.º 2 do artigo 6.º tendo em conta o regime de turnos.
6 - O regime de turnos será permanente quando o trabalho for prestado em todos os sete dias da semana, semanal prolongado quando for prestado em todos os cinco dias úteis e no sábado ou domingo e semanal quando for prestado apenas de segunda-feira a sexta-feira.
7 - O regime de turnos será total quando for prestado em, pelos menos, três períodos de trabalho diário e parcial quando for prestado apenas em dois períodos.
8 - A percepção do subsídio de turno não afasta a remuneração por trabalho extraordinário e em dias de descanso semanal ou complementar, nos termos da lei geral, sempre que haja necessidade de prolongar o período de trabalho.
9 - Só há lugar a subsídio de turno enquanto for devido o vencimento de exercício.
10 - O subsídio de um turno está sujeito ao desconto da quota legal para a Caixa Geral de Aposentações e intervém no cálculo da pensão de aposentação pela forma prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 47.º do Estatuto da Aposentação.”

“Artigo 25º

Noção
1 - Considera-se extraordinário o trabalho que for prestado:
a) Fora do período normal de trabalho diário.
b) Nos casos de horário flexível, para além do número de horas a que o trabalhador se encontra obrigado em cada um dos períodos de aferição ou fora do período de funcionamento normal do serviço.
2 - Não há lugar a trabalho extraordinário no regime de isenção de horário e no regime de não sujeição a horário de trabalho.”

“Artigo 26.º
Prestação de trabalho extraordinário
1 - Só é admitida a prestação de trabalho extraordinário quando as necessidades do serviço imperiosamente o exigirem, em virtude da acumulação anormal ou imprevista de trabalho ou da urgência na realização de tarefas especiais não constantes do plano de atividades e, ainda, em situações que resultem de imposição legal.
2 - Salvo o disposto no número seguinte, os funcionários e agentes não podem recusar-se ao cumprimento de trabalho extraordinário.
3 - Não são obrigados à prestação de trabalho extraordinário os funcionários ou agentes que:
a) Sejam portadores de deficiência;
b) Estejam em situação de gravidez;
c) Tenham à sua guarda descendentes ou afins na linha recta, adoptandos ou adoptados de idade inferior a 12 anos ou que, sendo portadores de deficiência, careçam de acompanhamento dos progenitores;
d) Gozem do estatuto de trabalhador-estudante;
e) Invoquem motivos atendíveis.”

“Artigo 33º

Regime
1 - A prestação de trabalho em dia de descanso semanal, de descanso complementar e em feriado pode ter lugar nos casos e nos termos previstos no artigo 26.º, não podendo ultrapassar a duração normal de trabalho diário.
2 - O trabalho prestado em dia de descanso semanal é compensado por um acréscimo de remuneração calculado através da multiplicação do valor da hora normal de trabalho pelo coeficiente 2 e confere ainda direito a um dia completo de descanso na semana de trabalho seguinte.
3 - A prestação de trabalho em dia de descanso complementar ou feriado é compensada apenas pelo acréscimo de remuneração referido no número anterior.
4 - Nos casos em que o feriado recaia em dia de descanso semanal aplica-se na íntegra o regime previsto no n.º 2.
5 - O regime previsto nos n.ºs 2, 3 e 4 pode ser aplicado ao pessoal dirigente e de chefia, desde que a prestação de trabalho seja autorizada pelo membro do Governo competente.
6 - O disposto no n.º 1 é aplicável aos funcionários e agentes que se deslocam ao estrangeiro em representação do Estado Português.
7 - A prestação de trabalho efetuada nos termos do número anterior confere o direito a um dia completo de descanso, a gozar de acordo com a conveniência do serviço.”

“Artigo 34º
Autorização
1 - A prestação de trabalho extraordinário e em dia de descanso semanal, descanso complementar e feriado deve ser previamente autorizada pelo dirigente do respetivo serviço ou organismo ou pelas entidades que superintendem nos gabinetes a que alude a alínea c) do n.º 3 do artigo 27.º
2 - Excetuam-se do disposto no número anterior, quanto aos feriados, os serviços que, por força da atividade exercida, laborem normalmente nesse dia.
3 - Os funcionários e agentes interessados devem ser informados, salvo casos excecionais, com a antecedência de quarenta e oito horas, da necessidade de prestarem trabalho extraordinário e em dia de descanso semanal ou complementar e em feriado.”


3.4 Por sua vez o DL. n.º 106/2002, de 13 de abril, que aprovou o estatuto de pessoal dos bombeiros profissionais da administração local, dispunha o seguinte:
“Artigo 23º
Duração e horário de trabalho
1 - Os corpos de bombeiros profissionais estão sujeitos ao regime da duração e horário de trabalho da Administração Pública, com a possibilidade de se efetuarem doze horas de trabalho contínuas.
2 - Os períodos de funcionamento, horários de trabalho e respetiva regulamentação são obrigatoriamente aprovados pelo presidente da câmara municipal, nos termos da lei.”

“Artigo 25.º
Disponibilidade permanente
1 - O serviço do pessoal dos corpos de bombeiros profissionais é de carácter permanente e obrigatório, devendo os funcionários assegurar o serviço quando convocados pelas entidades competentes.
2 - Para efeitos do número anterior, a disponibilidade permanente reporta-se às funções decorrentes do exercício da missão dos corpos de bombeiros, enunciadas nas alíneas a) a d) do artigo 3.º do Regulamento Geral dos Corpos de Bombeiros, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 295/2000, de 17 de novembro.”

Artigo 29º
Escalas salariais
1 - As escalas salariais das categorias que integram as carreiras de bombeiro sapador e de bombeiro municipal são as constantes do anexo II ao presente diploma, do qual faz parte integrante.
2 - O valor do suplemento pelo ónus específico da prestação de trabalho, risco e disponibilidade permanente atribuído aos bombeiros sapadores é integrado na escala salarial da respetiva carreira.
3 - A escala salarial dos bombeiros municipais integra uma componente correspondente ao suplemento pelo ónus específico da prestação de trabalho, risco e disponibilidade permanente.”

3.5 Vigorava também na ocasião no MUNICÍPIO réu o «Regulamento do Período de Funcionamento do Horário de Trabalho e Controlo de Assiduidade do MUNICÍPIO DE (...)», a que a sentença recorrida não deixou de atender, o qual dispunha o seguinte:
“Artigo 9º
1. O trabalho por turnos é aquele em que, por necessidade do regular e normal funcionamento do serviço, há lugar à prestação de trabalho em pelo menos dois períodos diários e sucessivos, sendo cada um de duração inferior à duração do período normal de trabalho diário.
2. Ficam abrangidos por esta modalidade de horário os profissionais integrados nas carreiras de Bombeiro Municipal e Polícia Municipal. 3.Relativamente aos Bombeiros Municipais é adotado o regime de turnos permanente total, com um acréscimo de remuneração de 22% e aos Polícias Municipais é adotado o regime de turnos semanal prolongado parcial, com um acréscimo de remuneração de 20%.
4. Na sequência da alínea a) do nº 2 do artigo 20º do Decreto-Lei nº 259/98, os turnos dos Bombeiros Municipais têm uma rotatividade semanal.
5. Esta modalidade de horário é fixada pelo Presidente da Câmara Municipal ou pelo Vereador com competência delegada para o efeito, por necessidade do serviço ou a requerimento dos interessados.”


“Artigo 11º

1. A prestação de trabalho extraordinário e em dia de descanso semanal, descanso complementar e feriado deve ser previamente autorizado pelo Presidente da Câmara Municipal ou pelo Vereador com competência delegada para o efeito, sob pena de não ser exigível a respetiva compensação.
2. Para cumprimento do número anterior, cada Serviço municipal remete, com a antecedência mínima de 72 horas, a proposta de realização do trabalho, devidamente justificada, à Secção de Vencimentos e Cadastro (SVC), que executa o cálculo do seu custo (enquadrado no âmbito de uma PRD – Proposta de Realização de Despesa para trabalho extraordinário e em dia de descanso semanal, descanso complementar e feriado, a elaborar pela SVC no início de cada ano, a qual deve ser cabimentada e autorizada), e a envia, posteriormente, para despacho de autorização pelo Presidente da Câmara Municipal ou pelo Vereador com competência delegada para o efeito.

3. Os profissionais interessados devem ser informados, salvo casos excecionais, com a antecedência de 48 horas, da necessidade de prestarem trabalho extraordinário, em dia de descanso semanal ou complementar e em feriado.
4. Os dirigentes são responsáveis pelo controlo e cumprimento da legislação em vigor, das normas do presente regulamento, bem como das diretivas emanadas pelo Presidente da Câmara Municipal ou pelo Vereador com competência delegada para o efeito, em relação às modalidades de trabalho previstas no presente artigo. São, igualmente, responsáveis por limitar a sua autorização ao estritamente indispensável”.

3.6 Na situação dos autos temos que os associados do Sindicato recorrente, bombeiros do corpo de Bombeiros Municipais de (...), prestavam serviço em regime de turnos permanente total, sendo que nos anos aqui em causa, de 2006 e 2007, o respetivo horário de trabalho encontrava-se organizado por escalas de serviço, sendo os mesmos identificado com um n.º, agrupados em quatro piquetes separados por uma linha vazia e, antecedendo cada um desses grupos existem 4 letras definindo a letra “A” os dias em que o piquete tem a folga normal, a letra “B” aqueles em que ao piquete é atribuído o turno das 08hs às 16hs, a letra “C” quando o piquete faz o turno das 16hs às 24 e a letra “D” quando o turno do piquete é das 0h00 às 8h00, e que por sua vez, dento de cada piquete, e à frente do respetivo n.º de bombeiro, os dias de trabalho de cada um surgem identificado pela letra “g”, todos os outros dias em que não há prestação de trabalhos (folgas para compensar trabalho extraordinário, férias, tolerância de ponto, faltas e outros) são identificados com as letras “x”, “z”, “c”, “t” e “ct” (vide pontos 5. a 8. do probatório).
3.7 Já dissemos que as questões aqui em dissídio não são novas e já foram objeto de tratamento jurisdicional.
Assim sucedeu, designadamente, no recente acórdão deste TCA Norte de 29/11/2019, Proc. nº 00739/09.5BEVIS, disponível in, www.dgsi.pt/jtcn, em que estava também em causa a reivindicação de enquadramento, para efeitos remuneratórios, de trabalho extraordinário de bombeiros municipais, no âmbito do mesmo quadro normativo (pelo menos em parte, face ao período temporal mais alargado ali em causa), em que se sumariou o seguinte: «1. Nos termos do artigo 23º, nº 1, do Decreto-Lei nº 106/2002, de 13.04 “Os corpos de bombeiros profissionais estão sujeitos ao regime da duração e horário de trabalho da Administração Pública, com a possibilidade de se efetuarem doze horas de trabalho contínuas.”; 2. Sem prejuízo do suplemento remuneratório pelo ónus específico da prestação de trabalho, risco e disponibilidade permanente, ainda que o horário fixado em concreto para os bombeiros ultrapasse o limite de duração de trabalho na Administração Pública, só haveria lugar ao recebimento de horas extraordinárias, se fossem ultrapassados os limites estabelecidos no horário fixado. 3. A ação tendente a compensar pecuniariamente o trabalho que excedeu um certo horário, soçobra se não foi ultrapassado o horário fixado. 4. O facto de ter sido fixado aos bombeiros identificados, em determinado período, um horário com uma carga horária excessiva, não legitima, no entanto, a atribuição do acréscimo remuneratório a título de “horas extraordinárias” pela singela razão de que, em bom rigor, não houve trabalho prestado «fora do período normal de trabalho» fixado, o que significa que não ocorreu qualquer prestação de trabalho que possa ser qualificada de extraordinário. 5. Efetivamente, resulta do artigo 25º, nº1 alínea a), do Decreto-Lei nº259/98, de 18.08, que será «extraordinário o trabalho que for prestado: a) Fora do período normal de trabalho diário», sendo que os Bombeiros identificados se limitaram a cumprir o horário que, bem ou mal, lhes estava fixado. 6. O referido não esgotará, no entanto, e necessariamente, outras hipóteses de responsabilização jurídica da Administração, que não pelo recurso ao recebimento de horas extraordinárias, em virtude da fixação de um horário que ultrapassava os limites aplicáveis à Administração Pública.».
Igual entendimento havia também sigo seguido no acórdão deste mesmo TCA Norte 10/02/2017, Proc. nº 00860/13.5BEPRT, disponível in, www.dgsi.pt/jtcn, em que se sumariou: «I- Nos termos do artº 23º nº 1 do DL nº 106/2002, de 13/04 “Os corpos de bombeiros profissionais estão sujeitos ao regime da duração e horário de trabalho da Administração Pública, com a possibilidade de se efectuarem doze horas de trabalho contínuas.” II- Sem prejuízo do suplemento remuneratório pelo ónus específico da prestação de trabalho, risco e disponibilidade permanente, ainda que o horário fixado em concreto para os Bombeiros ultrapasse o limite de duração de trabalho na Administração Pública, só haveria lugar ao recebimento de horas extraordinárias, se fossem ultrapassados os limites estabelecidos no horário fixado. Por seu lado, para receberem ou terem direito ao descanso compensatório tinha de se concluir que tinham sido realizadas horas extraordinárias neste período de tempo, o que não se encontra provado que tal tenha acontecido
Bem como no acórdão deste mesmo TCA Norte de 17/06/2016, Proc. nº 00391/13.3BEVIS, disponível in, www.dgsi.pt/jtcn, assim sumariado: ««1. Nos termos do artigo 23º, nº 1, do Decreto-Lei nº 106/2002, de 13.04 “Os corpos de bombeiros profissionais estão sujeitos ao regime da duração e horário de trabalho da Administração Pública, com a possibilidade de se efetuarem doze horas de trabalho contínuas.”; 2. Sem prejuízo do suplemento remuneratório pelo ónus específico da prestação de trabalho, risco e disponibilidade permanente, ainda que o horário fixado em concreto para os bombeiros ultrapasse o limite de duração de trabalho na Administração Pública, só haveria lugar ao recebimento de horas extraordinárias, se fossem ultrapassados os limites estabelecidos no horário fixado. 3. A ação tendente a compensar pecuniariamente o trabalho que excedeu um certo horário, soçobra se não foi ultrapassado o horário fixado. 4. O facto de ter sido fixado aos bombeiros identificados, em determinado período, um horário com uma carga horária excessiva, não legitima, no entanto, a atribuição do acréscimo remuneratório a título de “horas extraordinárias” pela singela razão de que, em bom rigor, não houve trabalho prestado «fora do período normal de trabalho» fixado, o que significa que não ocorreu qualquer prestação de trabalho que possa ser qualificada de extraordinário. 5. Efetivamente, resulta do artigo 25º, nº1 alínea a), do Decreto-Lei nº259/98, de 18.08, que será «extraordinário o trabalho que for prestado: a) Fora do período normal de trabalho diário», sendo que os Bombeiros identificados se limitaram a cumprir o horário que, bem ou mal, lhes estava fixado. 6. O referido não esgotará, no entanto, e necessariamente, outras hipóteses de responsabilização jurídica da Administração, que não pelo recurso ao recebimento de horas extraordinárias, em virtude da fixação de um horário que ultrapassava os limites aplicáveis à Administração Pública.».
Ou ainda no acórdão deste TCA Norte de 06/11/2015, Proc. nº 01879/12.9BEBRG, disponível in, www.dgsi.pt/jtcn, assim sumariado: «I – O Estatuto de Pessoal dos Bombeiros Profissionais da Administração Local aprovado pelo DL n.º 106/2002, de 13 de Abril, integrou na escala salarial dos bombeiros o suplemento remuneratório pelo ónus específico da prestação de trabalho, risco e disponibilidade permanente, destinado a remunerar o serviço obrigatório prestado a qualquer hora e em qualquer dia pelos bombeiros, em regime de disponibilidade permanente. II – Desta forma, os bombeiros municipais não têm direito a receber, em acréscimo, qualquer suplemento com a mesma natureza, pelo serviço prestado para além do horário de trabalho e em dias de descanso ou feriados, quando convocados para efetuar as funções intrínsecas ao exercício da missão dos corpos de bombeiros (previstas nos artigo 25.º do Estatuto de Pessoal dos Bombeiros Profissionais da Administração Local (DL n.º 106/2002) e no artigo 3.º, als. a) a d) do Regulamento Geral dos Corpos de Bombeiros aprovado pelo DL n.º 295/2000).
Tal equivaleria a atribuir nova compensação remuneratória pela prestação do mesmo serviço, em dias e horas de descanso e feriados, já paga pelo “suplemento” integrado na escala salarial, em função do ónus específico da prestação de trabalho, risco, penosidade e disponibilidade permanente

3.7 E o Supremo Tribunal Administrativo, que foi chamado a tomar posição sobre a questão, não se afastou do assim entendido.
Assim sucedeu designadamente no acórdão de 26/04/2018, Proc. nº 01458/16, disponível in, www.dgsi.pt/jsta (cujo recurso de revista incidiu, precisamente, sobre o acórdão deste TCA Norte de 17/06/2016, tirado no Proc. nº 00391/13.3BEVIS, a que supra nos referimos), em que se sumariou o seguinte: «I - Os bombeiros municipais encontram-se integrados em carreiras que exigem uma ‘disponibilidade permanente’, a qual é compensada, nos termos da lei, através de ‘suplemento remuneratório’ integrado na respetiva escala salarial, e que inclui “todo o trabalho prestado dentro da disponibilidade permanente obrigatória”. II - Não havendo lugar, in casu, ao pagamento de horas extraordinárias, não haverá lugar, de igual modo, à concessão do correspondente ‘descanso compensatório remunerado’, dado que essa concessão está indissociavelmente ligada ao pagamento de ‘horas extraordinárias’.».
E antes dele no acórdão de 12/04/2018, Proc. nº 0785/17, disponível in, www.dgsi.pt/jsta (este cujo recurso de revista incidiu sobre o acórdão do TCA Norte de 10/02/2017, Proc. nº 00860/13.5BEPRT, a que supra nos referimos), assim sumariado: «I - Os «bombeiros profissionais da administração local» encontram-se integrados em carreiras que exigem uma «disponibilidade permanente», compensada, nos termos da lei, através de «suplemento remuneratório», integrado na respetiva escala salarial, e que inclui «todo o trabalho prestado dentro da disponibilidade permanente obrigatória»; II - Assim, aos bombeiros municipais sapadores ora representados pelo sindicato autor, os quais prestam trabalho em turnos de 12 horas de serviço, seguidas de 24 ou de 48 horas de folga - conforme esse serviço seja prestado em «período diurno» ou «período noturno» - não assiste o direito ao descanso compensatório remunerado previsto no artigo 163º, nº1, do RCTFP aprovado pelo DL nº59/2008, de 11.08.».
3.8 O ajuizamento feito em todos os citados casos, e em particular nestes dois últimos citados arestos do STA, assenta, essencialmente, nos termos em que o Estatuto de pessoal dos bombeiros profissionais da administração local, aprovado pelo DL nº 106/2002, de 13 de abril, define e organiza os tempos de trabalho dos bombeiros municipais e respetivo regime remuneratório.
A tal respeito disse o acórdão do STA de 12/04/2018, Proc. nº 0785/17 (que o acórdão de 26/04/2018, Proc. nº 01458/16 também acompanhou), o seguinte, que aqui importa ater, com utilidade e valia para a situação dos autos: «(…)Os corpos de bombeiros profissionais da administração local têm, como vimos, uma «missão» muito específica, e os respetivos trabalhadores dispõem de um estatuto especial, inclusivamente no tocante à duração e horário de trabalho, já que podem ser chamados, nomeadamente, a efetuar «doze horas contínuas de trabalho», o seu serviço tem «carácter permanente e obrigatório», e devem «assegurar o serviço quando convocados pelas entidades competentes». Estão, pois, numa situação de «disponibilidade permanente». Os incêndios, acidentes, doenças, catástrofes… não têm dia nem hora agendados. É precisamente este ónus específico da prestação de trabalho, risco e disponibilidade permanente que justifica a atribuição, aos referidos bombeiros profissionais, do «suplemento» previsto no artigo 29º do DL nº 106/2002, de 13.04, integrado na escala salarial da respectiva carreira, e cuja atribuição impede, por lei, que lhes seja atribuído qualquer suplemento com a mesma natureza, designadamente relativo ao ónus específico da prestação de trabalho, risco, penosidade e insalubridade e disponibilidade permanente [artigo 38º]. Esta «ratio» da atribuição do suplemento, bem como a proibição da sua duplicação, é bem realçada no preâmbulo do DL nº 106/2002, de 13.04.
Sendo que, como vimos, uma das justificações para atribuição de suplementos, segundo a lei geral, é, precisamente, o exercício de funções em condições de trabalho mais exigentes, «designadamente as decorrentes da prestação de trabalho extraordinário, nocturno, em dias de descanso semanal, complementar e feriados e fora do local normal de trabalho» [artigos 73º, nº 1, da Lei nº 12-A/2008, de 27.02, e 159º do RCTFP].
E desta lei geral, lida à luz da lei constitucional, resulta que os suplementos se destinam a remunerar as específicas condições em que o trabalho é prestado, as particularidades que envolvem a sua execução, e traduzem a «concretização legislativa do direito fundamental à retribuição segundo a quantidade, natureza e qualidade» do trabalho, apenas podendo ser «considerados» aqueles que se fundamentam «em alguma das circunstâncias taxativamente previstas na lei», entre elas as contempladas na supra citada alínea a), do nº 3, do artigo 73º, da Lei nº 12-A/2008, de 27.02 [mantidas na alínea a), do nº 3, do artigo 159º, do RCTFP].
Ora, não restam dúvidas que o «suplemento remuneratório» previsto no artigo 29º do DL nº 106/2002, se enquadra na alínea a), do nº 3, do artigo 73º, da Lei nº 12-A/2008, bem como, após a revogação desta lei, no artigo 159º do RCTFP.
Por sua vez, o trabalho extraordinário – ou suplementar – surge na lei com carácter excepcional, a obrigação do seu pagamento é uma obrigação ex lege, que só se constitui quando todos os pressupostos de facto descritos na previsão legal se verifiquem, sendo que o «direito» ao descanso compensatório remunerado está, e repetimos, dependente da sua prestação efectiva, e o mesmo se diga do direito à remuneração de descanso compensatório não concedido – sobre este último aspecto ver AC STJ de 24.02.2010, Rº 401/08.
E a verdade é que o trabalho prestado pelos associados do sindicato autor não tem o tal carácter excepcional que a lei confere ao trabalho extraordinário, antes surge como uma «situação de normalidade», com a qual o trabalhador deverá antecipadamente contar quando exerce funções em regime de «disponibilidade permanente» para o serviço. E se é verdade, também, que esta disponibilidade permanente não se confunde com a prestação de trabalho para além do horário normal, esta é dela consequência, sendo o respectivo suplemento remuneratório atribuído ao trabalhador independentemente desta efectiva prestação.
Acresce, ainda, que a própria natureza do trabalho extraordinário, o qual, como vimos, constitui circunstância fundamentadora de pagamento de «suplemento» – alínea a), do nº 3, dos artigos 73º da Lei nº 12-A/2008, de 27.02, e do artigo 159º, do RCTFP – parece impedir que este possa ser pago em «acumulação» com o suplemento de disponibilidade permanente, dado que o trabalhador que aufere este último deverá encontrar-se investido numa postura de contínua receptividade e disponibilidade para o trabalho, independentemente do horário estabelecido.
É patente, por conseguinte, a dificuldade em considerar como extraordinário o trabalho prestado por alguém em «regime de disponibilidade permanente», que determina obrigatoriedade de se apresentar ao serviço sempre que convocado, quando ocorram situações que pela sua urgência justifiquem a sua presença no serviço. Este tipo de prestação de serviço não poderá estar sujeito às limitações do trabalho extraordinário que são impostas por lei, e que lhe fixam situações justificativas substantivas, pressupostos formais de admissibilidade, e limites.
Temos, pois, que das referidas normas legais, e da sua respectiva conjugação, resulta bem claro ter sido «intenção do legislador» compensar todos os «ónus específicos», inerentes à prestação de trabalho por parte dos bombeiros profissionais da administração local, através de um sistema retributivo próprio, que integra um suplemento remuneratório único pelas particularidades específicas das respectivas funções, globalmente consideradas, abrangendo, desse modo, realidades bem diversas, como a permanente disponibilidade, com o que fica afastada qualquer outra compensação remuneratória pelas particularidades específicas inerentes às referidas funções, incluindo por «trabalho extraordinário».
Em suma: do regime legal descrito resulta que os associados do sindicato autor estão integrados em carreiras que exigem uma disponibilidade permanente que é compensada, nos termos da lei, através de um «suplemento remuneratório», integrado na respectiva escala salarial, e que inclui «todo o trabalho prestado dentro da disponibilidade permanente obrigatória»”».
3.9 Este entendimento é igualmente válido no âmbito da vigência do DL. nº 259/98, de 18 de agosto, que estabelecia, à data, as regras e os princípios gerais em matéria de duração e horário de trabalho na Administração Pública, quando concatenado com estatuto de pessoal dos bombeiros profissionais da administração local constante do DL. n.º 106/2002, de 13 de abril, em particular dos seus artigos 23º nºs 1 e 2, 25º e 29º nºs 2 e 3, dos quais resulta que a «disponibilidade permanente» exigida nos termos legais aos bombeiros municipais é compensada através de «suplemento remuneratório» já integrado na respetiva escala salarial, não havendo lugar ao pagamento de trabalho realizado em feriados, trabalho noturno e extraordinário em acumulação com o suplemento de disponibilidade permanente, que já os pressupõe e integra.
3.10 Razão pela qual a pretensão formulada na ação tinha que ser julgada improcedente, como foi.
Não merecendo também colhimento o recurso.
O que se decide.
*
IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em negar provimento ao recurso, confirmando-se, com a antecedente fundamentação, a decisão recorrida.


Custas pelo recorrente – artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo e artigos 7º e 12º nº 2 do RCP e 189º nº 2 do CPTA – caso não se demonstre que delas se encontram isentos os seus representados nos termos da alínea h) do artigo 4º do Regulamento das Custas Processuais (aprovado pelo DL. nº 34/2008, de 26 de fevereiro), em conformidade com a jurisprudência uniformizada pelo acórdão do STA de 14/03/2013, Proc. nº 1166/12 (Acórdão nº 5/2013, publicado no Diário da República n.º 95/2013, Série I de 17/05/2013), nos termos da qual «De acordo com as disposições articuladas das alíneas f) e h) do artigo 4º do Regulamento das Custas Processuais e do artigo 310º/3 do Regime do Contrato de Trabalho na Função Pública, aprovado pela Lei nº 59/2008, de 11 de Setembro, os sindicatos, quando litigam em defesa coletiva dos direitos individuais dos seus associados, só estão isentos de custas se prestarem serviço jurídico gratuito ao trabalhador e se o rendimento ilíquido deste não for superior a 200 UC».
*
Notifique.
D.N.
*
Porto, 28 de fevereiro de 2020


M. Helena Canelas
Isabel Costa
João Beato