Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00377/12.5BECBR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/31/2013
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Pedro Marchão Marques
Descritores:PRESCRIÇÃO; ART. 12º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário:i) Aos prazos prescricionais é aplicável o disposto nos artigos 296.º e seguintes do Código Civil e nos termos do art. 297.º, n.º 1, deste diploma, a lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se complete.
ii) Por força do disposto no art. 12.º do CC, as normas tributárias contidas na LGT não se aplicam a factos e efeitos consumados no domínio da lei anterior; mas se essas normas definirem o conteúdo (ou efeitos) de relações jurídico-tributárias duradouras, sem referência ao facto que lhes deu origem, elas vão aplicar-se não só às relações e situações jurídicas que se constituírem após a sua entrada em vigor, como, também, a todas aquelas que, constituídas antes, protelem a sua vida para além do momento da entrada em vigor da nova regra.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:V...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

V..., inconformado com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que julgou improcedente a reclamação por si apresentada contra o despacho do Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de Penacova de 28.05.2012 que, no âmbito da execução fiscal n.º 0825199801003089 e apensos, não reconheceu a prescrição das dívidas exequendas provenientes de IVA dos anos de 1995 a 1997 e IRC de 1995 e juros compensatórios, da mesma veio interpor o presente recurso jurisdicional, formulando as seguintes conclusões:

a) A douta sentença erra ao dar como provado que “Nenhum dos processos de impugnação referidos nas alíneas K) e M) esteve parado por mais de um ano e por facto não imputável ao contribuinte até 31/12/2006” (Alínea “N” dos factos dados como provados).

b) Efectivamente, esse juízo não pode manter-se, devendo ser substituído por outro que dê por assente a seguinte factualidade:

1) que o processo de impugnação n.º 300/2000 esteve parado de 6 de Julho de 2001 (fls. 147 dos autos de impugnação apensos) até 5 de Novembro de 2002 (fls 157 verso dos mesmos autos); e que

2) o processo de impugnação n.º 309/2000 esteve parado de 20 de Junho de 2001 (fls. 79 dos autos de impugnação apensos) a 4 de Novembro de 2002 (fls. 88 verso dos mesmos autos).

c) Atento esse facto, as dívidas de IVA de 1995, 1996 e 1997, encontram-se prescritas.

d) Encontra-se igualmente prescrita a dívida de IRC de 1995, à qual se aplica o regime da prescrição em vigor no CPT.

e) As causas de suspensão da prescrição previstas na LGT apenas se aplicam aos processos em que o cômputo do prazo prescricional se faça com base nos critérios da LGT, não sendo aplicáveis aos prazos determinados de acordo com os critérios do CPT.

f) Mesmo que assim não fosse, o artigo 49º, n.º 3, da LGT, apenas seria de aplicar a tais prazos quando os seus pressupostos tivessem ocorrido após a entrada em vigor da norma, não sendo possível atribuir efeitos jurídicos retroactivos a factos passados.

g) O artigo 12.º da LGT, conjugado com o disposto no n.º 3 do artigo 49º, quando interpretado no sentido de que as causas de suspensão da prescrição previstas ex novo na LGT são aplicáveis aos prazos de prescrição que sejam computados nos termos do CPT e, ainda, no sentido de que o artigo 49.º, n.º 3, da LGT, pode aplicar-se a factos ocorridos antes da entrada em vigor dessa lei, atribuindo novos efeitos jurídicos a factos já ocorridos, são inconstitucionais, por ofensa dos princípios da segurança jurídico-fiscal, da tutela da confiança e da proibição da retroactividade autêntica da lei fiscal.

Termos em que e nos mais de direito deve o presente recurso ser julgado procedente, com todas as legais consequências.


Não foram apresentadas contra-alegações.

Neste Tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no qual se pronunciou pela improcedência do recurso.

Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à Secção do Contencioso Tributário para julgamento do recurso.



I. 1. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões (art.s 660.º, n.º 2, 664.º e 684.º, n.º s 3 e 4, todos do CPC ex vi art. 2.º, al. e), e art. 281.º do CPPT), traduzem-se em apreciar:

i) Se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de facto;

ii) Se o Tribunal a quo errou no julgamento de direito ao ter decidido que as obrigações tributárias correspondentes à dívida exequenda não estavam prescritas.



II. Fundamentação

II.1. De facto

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

A) Pelo Serviço de Finanças de Penacova, foram instauradas contra P…– Construção Civil e Obras Públicas, Lda, as seguintes execuções fiscais:

1) em 19/10/98, a execução fiscal n.° 0825199801003089, com base na certidão de fls. 6, para cobrança da dívida proveniente de IVA do ano de 1996, liquidada adicionalmente no ano de 1998 - fls. 4;

2) Em 26/10/98, a execução fiscal n.° 0825-98/100323.2, com base nas certidões de fls. 2 a 24 da execução apensa, para cobrança das dívidas provenientes de IVA dos anos de 1995 e 1996 e juros compensatórios de IVA dos anos de 1995, 1996 e 1997, todos liquidados no ano de 1998 - fls. 1 do apenso correspondente;

3) Em 30/10/98, a execução fiscal n.º 0825-98/100328.5, com base nas certidões de dívida de fls. 2 e 3 da execução fiscal apensa, para cobrança das dívidas provenientes de IRC dos anos de 1996 e 1995, liquidadas no ano de 1998 - fls. 1 do apenso correspondente.

B) As execuções fiscais identificadas sob os n.º 2 e 3 da alínea anterior foram apensadas à execução identificada sob o n.º 1 da mesma alínea em 09/11/1998, passando o processo a valer a importância de 34.496.937$00 – fls. 29 e 6, respetivamente, das execuções fiscais apensas e 9 destes autos.

C) Por despacho de 11/11/1998, as execuções supra identificadas foram revertidas contra V…– fls. 16.

D) O revertido e aqui reclamante foi pessoalmente citado para as supra mencionadas execuções, na qualidade de responsável subsidiário, em 13/11/1998, conforme certidão de citação de fls. 17v.

E) Em 11/11/98, o OEF extraiu a Carta Precatória n.º 24/98, dirigida à 1.ª Repartição de Finanças de Coimbra, para efeitos de citação da reversão, penhora e demais termos - fls. 43.

F) No âmbito da carta precatória referida na alínea antecedente, em 24/11/98, foi lavrado o Auto de penhora de fls. 79, nos termos do qual foi penhorado ao executado por reversão o prédio destinado a habitação, inscrito na matriz sob o artigo 8109 da freguesia de Santo António dos Olivais, com o valor patrimonial de 13.608.000$00.

G) Após a penhora referida na alínea antecedente nenhum outro ato foi praticado nos autos de carta precatória n.° 24/98, até que, em 18/01/2000, o OEF pediu a respetiva suspensão, após a penhora e registo, em virtude de ter sido apresentada impugnação relativamente à dívida exequenda - fls. 40.

H) Também em 11/11/98, o OEF extraiu a Carta Precatória n.° 25/98, dirigida à 2.ª Repartição de Finanças da Figueira da Foz, para efeitos de penhora e demais termos - fls. 81.

I) No âmbito da carta precatória referida na alínea antecedente, em 18/11/98, foram lavrados os autos de penhora de fls. 113 e 114, segundo os quais foram penhorados ao executado por reversão a fração “1” do prédio constituído em propriedade horizontal sito em …, com o artigo matricial … da freguesia de T…e, com o valor patrimonial de 668.827$00, e a fração “AH” do mesmo prédio, com o valor patrimonial de 209.008$00 - fls. 114 a 118.

J) Após a emissão, em 18/12/98, da certidão de fls. 134 a 142, solicitada à Conservatória do Registo Predial da Figueira da Foz, não foram praticados quaisquer atos no âmbito da carta precatória n.º 25/98, até 03/01/2000 - fls. 143.

K) A sociedade executada principal deduziu, em 16/09/98 (conforme carimbo aposto a fls. 1 do apenso correspondente) impugnação judicial contra as liquidações de IVA e juros compensatórios dos anos de 1995, 1996 e 1997, a que se referem as certidões de dividas mencionadas em A) 1) e A) 2) supra, que correu termos neste tribunal sob o n.º 300/2000 - cfr. impugnação apensa.

L) A decisão final do processo referido na alínea antecedente transitou em julgado em 08/06/2006 - fls. 148 a 157, 234 a 238 e 242.

M) A sociedade devedora principal também deduziu, em 7/12/1998 (conforme carimbo aposto a fls. 1 do apenso correspondente), impugnação judicial contra as liquidações de IRC do ano de 1995, a que se refere a certidão de dívida referida em A) 3) supra, que ainda corre termos neste tribunal sob o n.º 309/2000 - cfr. impugnação apensa.

N) Nenhum dos processos de impugnação referidos nas alíneas K) e M) esteve parado por mais de um ano e por facto não imputável ao contribuinte até 31/12/2006 – cfr. impugnações apensas.

O) A dívida exequenda proveniente do IRC do ano de 1996 foi declarada prescrita, por despacho de 04/10/2011 – fls. 33 da execução n.° 0825-98/100328.3 apensa.

P) O processo de execução fiscal prosseguiu os seus termos a partir de 04/11/2010 - fls. 164.

Não foi fixada factualidade não provada com interesse para a decisão.



Ao abrigo do disposto no art. 712.º do CPC, por dos autos constarem os elementos para o efeito e atenta a sua pertinência para a discussão da causa, acorda-se em aditar a seguinte factualidade:

Q) Em 4.10.2001, o OEF proferiu o despacho de fls. 221 a 226, aqui dado por reproduzido, concluindo que as dívidas exequendas não se encontravam prescritas, porquanto a cobrança executiva do IRC, impugnado no processo n.º 309/2000, estava suspensa, assim como o respectivo prazo de prescrição e, relativamente às restantes dívidas, relacionadas com a impugnação n.º 300/2000, a prescrição havia sido diferida para 7.10.2017.

R) Através do requerimento de fls. 355 a 358, que também aqui se dá por reproduzido, o ora Recorrente requereu, novamente, o reconhecimento da prescrição das dívidas exequendas.

S) Por despacho de 28.05.2012 o Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de Penacova manteve o despacho referido em Q) supra (cfr. doc. de fls. 361, cujo teor se dá por reproduzido).



II.2. De direito

O Recorrente não se conforma com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que julgou integralmente improcedente a reclamação que havia interposto do despacho do Chefe de Finanças de Penacova, datado de 28.05.2012 que indeferiu o pedido de declaração de prescrição das dívidas de 1995, 1996 e 1997 e de IRC de 1995, imputando-lhe erros de julgamento de facto e de direito determinantes da sua revogação.

Quanto ao erro do julgamento de facto, afirma o Recorrente que na sentença se errou quando deu como provado que “Nenhum dos processos de impugnação referidos nas alíneas K) e M) esteve parado por mais de um ano e por facto não imputável ao contribuinte até 31/12/2006” (alínea “N” dos factos dados como provados).

Nos termos do artigo 685.º-B do CPC incumbe ao recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto o ónus de especificar, sob pena de rejeição:

a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; e

c) no “caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 522º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição”.

Resulta pois do citado artigo 685.º-B do CPC a consagração de um ónus especial de alegação quando se pretenda impugnar a matéria de facto, o qual impende sobre o aqui Recorrente e que o mesmo, efectivamente satisfez.

Com efeito, o Recorrente identificou o concreto ponto da matéria de facto que considera incorrectamente julgado – a dita alínea “N” – e indicou os concretos meios probatórios, constantes do processo que impunham decisão diversa da recorrida nesse ponto da matéria de facto: de fls. 147 e 157 do processo de impugnação n.º 300/2000 resulta que este esteve parado de 6.07.2001 até 5.11.2002 e que de fls. 79 e 88 do processo de impugnação n.º 309/2000 que este esteve parado de 20.06.2001 a 4.11.2002 (cfr. conclusão b) do recurso).

Vejamos então.

No processo de impugnação n.º 300/2000, que tem por objecto as liquidações de IVA e juros compensatórios de 1995-1997, verifica-se que consta de fls. 147 uma abertura de “conclusão” em 6.07.2001, vindo a ser proferida sentença em 5.11.2002 como constante de fls. 157 verso, sem que nenhum outro expediente ou conclusão a preceda. Assim, assiste razão ao Recorrente quando alega que este processo esteve parado por mais de um ano e por facto que não lhe era imputável.

E o mesmo se passa quanto ao processo de impugnação n.º 309/2000, relativo ao IRC de 1995 e respectivos juros compensatórios, uma vez que como decorre de fls. 79 foi efectuada uma abertura de “conclusão” em 20.06.2001, vindo a ser proferida sentença em 4.11.2002 como constante de fls. 88 verso, sem que nenhum outro expediente ou conclusão a preceda. Donde, também aqui assiste razão ao Recorrente quando alega que este processo esteve parado por mais de um ano e por facto que não lhe era imputável.

Termos em que, procedendo o recurso nesta parte, em substituição do facto “N” fixado em 1.ª instância, acorda-se em aditar à matéria de facto provada o seguinte:

N) No processo de impugnação n.º 300/2000, foi aberta “conclusão” em 6.07.2001 e proferida sentença em 5.11.2002 (cfr. fls. 147 a 157 v. do mesmo);

N1) Entre a data da abertura da conclusão e a da prolação da sentença supra referidas, nada mais consta do processado (idem);

N2) No processo de impugnação n.º 309/2000, foi aberta “conclusão” em 20.06.2001 e proferida sentença em 4.11.2002 (cfr. fls. 79 a 88 v. do mesmo);

N3) Entre a data da abertura da conclusão e a da prolação da sentença supra referidas, nada mais consta do processado (idem).

Estabilizada a matéria de facto, vejamos agora se assiste razão ao Recorrente quando afirma que as dívidas em causa se encontram prescritas.

Antes do mais, sendo as dívidas exequendas provenientes de IVA referente aos anos de 1995, 1996 e 1997 e IRC de 1995, importa apurar qual o prazo de prescrição aplicável a cada uma das dívidas em causa, tendo em consideração que os factos tributários que lhes estão subjacentes ocorreram durante a vigência do Código de Processo Tributário (CPT).

Nos termos do art. 34.º do CPT, o prazo de prescrição era de 10 anos a contar do início do ano seguinte àquele em que tivesse ocorrido o facto tributário.

Com a entrada em vigor da LGT, esse prazo de prescrição foi reduzido para 8 anos, contado nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, e nos impostos de obrigação única a partir da data em que o facto ocorreu (art. 48.º, n.º 1).

Aos prazos prescricionais é aplicável o disposto nos artigos 296.º e seguintes do Código Civil e nos termos do art. 297.º, n.º 1, deste diploma, a lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se complete.

Como refere Jorge Lopes de Sousa, in Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, 2.ª ed., Lisboa, 2010, p. 95: “Assim, no caso de leis que encurtam prazos de prescrição, que são as que tem ocorrido em matéria tributária, se no momento da entrada em vigor da nova lei falta menos tempo para o prazo se completar à face da lei antiga, é esta que se aplica. Nos outros casos, aplica-se o prazo da lei nova, contado da data da sua entrada em vigor”.

Importa pois averiguar se, relativamente às dívidas exequendas, em 1 de Janeiro de 1999 (data da entrada em vigor da LGT), faltava menos tempo para se completar o prazo de prescrição de 10 anos previsto no art. 34.º do CPT do que o de 8 anos previsto no artigo 48.º, n.º 1 da LGT, caso em que deixará de se aplicar este novo prazo previsto na LGT. Dito de outra forma, se à data em que entrou em vigor a LGT (1.01.1999) faltava menos de 2 anos para se completar o prazo prescricional contado nos termos do CPT, será esse o prazo aplicável; se faltava ainda 2 anos ou mais, então o prazo a aplicar será o da LGT.

Posto isto, quanto ao IRC do ano de 1995, o prazo iniciou-se em 1.01.1996 (art. 34.º, n.º 1) e decorreu até à data da instauração da execução em 30.10.1998 (cfr. facto A) supra), o primeiro dos factos verificados com capacidade interruptiva. Em face do disposto no n.º 3 do artigo 34º do CPT, a instauração da execução tinha um efeito interruptivo próprio e instantâneo, de eliminar para a prescrição todo o tempo anteriormente decorrido (art. 326.º, n.º 1, do Código Civil), bem como o efeito duradouro de obstar ao decurso do prazo de prescrição até ao termo do processo ou até à paragem deste por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte. O CPT considerava como facto interruptivo da prescrição a instauração da execução fiscal, vindo depois a LGT apenas a considerar facto interruptivo a citação na execução (e isto apenas após a redacção dada ao art. 49.º pela Lei nº 100/99, de 26 de Julho).

Aliás, como refere Jorge Lopes de Sousa, “o regime de interrupção da prescrição previsto na redacção inicial da LGT nem será essencialmente diferente do que se previa no CPT (para além das diferenças de factos a que é atribuído efeito suspensivo e interruptivo): também na LGT, os efeitos dos factos interruptivos (o instantâneo e o duradouro) cessam com a paragem do processo por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte, sem prejuízo da relevância autónoma que têm os factos a que é atribuído efeito suspensivo da prescrição” (cfr. ob. cit., p. 69).

Ora, tendo em conta que à data da entrada em vigor da LGT, em 1.01.1999 portanto, a execução ainda não estivera parada por um período superior a um ano, conclui-se que todo o tempo de prescrição anteriormente decorrido se encontrava inutilizado por força desse acto interruptivo. Ou seja, em 1.01.1999 ainda não tinha decorrido qualquer prazo para a prescrição, pelo que, sendo o prazo de prescrição previsto na LGT (oito anos) inferior ao do CPT, será aplicável o da LGT, por, à face do CPT, faltar mais tempo para o prazo se completar (vide, em caso similar, o Acórdão do STA de 11.08.2010, proc. n.º 591/10).

No respeitante às obrigações tributárias de IVA, estas são dos anos de 1995, 1996 e 1997, pelo que o prazo prescricional começou a correr em 1.01.1996, 1.011.1997 e 1.01.1998, respectivamente, e viria a ser interrompido com a impugnação deduzida em (cfr. facto K) supra), efeito que ainda não havia cessado quando entrou em vigor a LGT em 1.01.1999, pois até essa data não há notícia de o processo ter estado parado por período superior a um ano.

Seguindo o mesmo raciocínio, encontrando-se inutilizado todo o prazo anteriormente decorrido, conclui-se que, também neste caso, é aplicável o prazo prescricional de 8 anos previsto na LGT.

É que, como esclarece o Autor citado, com plena aplicação ao presente caso: “no momento da entrada em vigor da nova lei [a LGT] não havia decorrido qualquer prazo para a prescrição, pois o facto interruptivo eliminou o tempo decorrido e obstou ao decurso do prazo até ao momento em que o processo parou por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte; por isso, no momento da entrada em vigor da LGT faltavam 10 anos (todo o prazo) para a prescrição se completar; assim, sendo o prazo da LGT de 8 anos, é este o aplicável, pois no momento da sua entrada em vigor, faltava mais tempo para a prescrição se completar à face do CPT” (cfr. ob. cit., p. 104-105).

Posto isto, é aplicável a todas as dívidas o prazo de oito anos previsto no artigo 48.º da LGT, contado desde a data da entrada em vigor da LGT por força da regra contida no artigo 297.º, n.º 1 do Código Civil.

Analisando a questão do decurso desse prazo relativamente a cada um dos mencionados tributos, importa relembrar o ensinamento de Jorge Lopes de Sousa, in Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, 2.ª ed., 2010, p. 106: “Sendo o prazo a aplicar o da LGT, contado da data da sua entrada em vigor, à face da regra do art.º 297.º, n.º 1, do CC, a instauração da execução fiscal e a sua pendência, só por si, não terão qualquer efeito sobre o prazo de prescrição, pois todo o prazo a considerar decorrerá na vigência da lei nova, que não reconhece efeito interruptivo e suspensivo derivado da instauração da execução fiscal e sua pendência”.

Uma vez que o prazo de prescrição se conta relativamente a todas as dívidas exequendas a partir da entrada em vigor da LGT (01.01.1999), uma vez que não ocorreu qualquer facto interruptivo ou suspensivo até esta data, será esta lei a regular os efeitos dos factos interruptivos e suspensivos que, entretanto, venham a ocorrer de acordo com o disposto no artigo 12.º, n.º 2, do Código Civil.

Analisando agora a questão do decurso desse prazo relativamente a cada um dos mencionados tributos, importa começar por relembrar o ensinamento de Jorge Lopes de Sousa, in Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, 2.ª ed., 2010, p. 106: “Sendo o prazo a aplicar o da LGT, contado da data da sua entrada em vigor, à face da regra do art.º 297.º, n.º 1, do CC, a instauração da execução fiscal e a sua pendência, só por si, não terão qualquer efeito sobre o prazo de prescrição, pois todo o prazo a considerar decorrerá na vigência da lei nova, que não reconhece efeito interruptivo e suspensivo derivado da instauração da execução fiscal e sua pendência”.

Sucede que, como provado, foram efectuadas penhoras em 18.11.1998 e 24.11.1998 (cfr. factos F) e I) do probatório), vindo o Chefe do Serviço de Finanças em 18.01.2000 a determinar a suspensão da execução por terem sido apresentadas as impugnações assinaladas supra (idem, facto G), nenhum outro acto tendo posteriormente sido praticado na execução.

Significará isto que a suspensão da execução se manteve uma vez que a executada deduziu impugnação judicial em 16.09.1998 contra as liquidações de IVA, o mesmo fazendo contra a liquidação de IRC do ano de 1995, em 7.12.1998, tendo sido efectuadas as penhoras descritas e as execuções suspensas, como resulta do provado em K) e M) supra?

Na verdade, face à redacção dada ao artigo 49.° da LGT pela Lei n.º 100/99, de 26 de Junho, nada obstava a que se concedesse relevo às causas suspensivas autónomas em relação ao facto com efeito interruptivo (cfr. o ac. deste TCAN de 8.03.2012, proc. n.º 56/04.7BECBR).

Como refere Jorge Lopes de Sousa: “Existindo uma causa de suspensão autónoma em relação ao facto com efeito interruptivo, ela produzirá os seus próprios efeitos independentemente dos produzidos pelo facto interruptivo, pelo que poderá obstar ao decurso do prazo de prescrição em situações em que não é produzido esse efeito pelo facto interruptivo. Se tanto esse facto como o facto interruptivo eliminarem a relevância do mesmo período de tempo para prescrição, será irrelevante a existência de causa de suspensão, pois esse período já não será contado para a prescrição por força do acto interruptivo. Mas, se houver algum período do prazo que não é eliminado pelo facto interruptivo e é pelo facto suspensivo, cumular-se-ão os efeitos dos dois factos” (cfr. ob. cit., pp. 64-65; sublinhado nosso).

Ou seja, e respondendo à interrogação anteriormente formulada, havendo uma causa de suspensão reconhecida pela Lei Nova, porque se trata de um facto duradouro (iniciado na Lei Antiga que se prolonga pela Lei Nova), deve ter-se em conta a partir da entrada em vigor desta lei (neste sentido, desenvolvidamente, Jorge Lopes de Sousa, ob. cit., p. 101 e s.). Pelo que tendo o processo de execução fiscal ficado suspenso nos termos do disposto nos artigos 49.º, n.º 3 (com a redacção dada pela Lei n.º 53-A/2006, posteriormente n.º 4) Sobre este preceito, refere Jorge Lopes de Sousa: “a redacção dada ao art. 49.° da LGT pela Lei.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, ao estabelecer no novo n.º 4 que «o prazo de prescrição legal suspende-se em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou enquanto não houver decisão definitiva ou passada em julgado, que puser termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida, apenas é inovador na parte em que atribui efeito de suspensão da prescrição ã pendência de qualquer oposição, mesmo que não tenha por objecto a legalidade da liquidação da dívida exequenda” (ob. cit., pp. 53-54). da LGT e 169.º do CPPT, o prazo de prescrição também ficará suspenso.

Donde, a suspensão da execução manteve-se, uma vez que a executada deduziu impugnação judicial em 16.09.1998 contra as liquidações de IVA, o mesmo fazendo contra a liquidação de IRC do ano de 1995, em 7.12.1998, como resulta do provado em K) e M) supra, com penhoras efectuadas e suspensão da execução como se verificou.

Assim, a cessação do efeito interruptivo decorrente da eventual paragem do processo de impugnação judicial (e/ou dos autos de execução fiscal por mais de um ano), por motivo não imputável ao sujeito passivo (art. 49.º, n.º 2, da LGT), é totalmente irrelevante, uma vez que tal cessação ficou neutralizada em virtude da relevância autónoma dos factos a que é atribuído efeito suspensivo da prescrição, não se operando a transmutação do efeito interruptivo em efeito suspensivo, já que tal paragem decorre de uma causa imputável ao sujeito passivo (na medida em que a penhora impediu o órgão da execução fiscal do prosseguimento da tramitação). Ou seja, não houve transmutação do efeito interruptivo em efeito suspensivo, para efeito do disposto no nº 2 do artigo 49º da LGT, uma vez que tendo o processo de execução fiscal ficado suspenso nos termos do disposto nos artigos 49.º, n.º 3 da LGT e 169º do CPPT, o prazo de prescrição também ficou suspenso (neste sentido, entre muitos, os acórdãos do STA, de 21.09.2011, Processo 0256/11, de 4.03.2009, Processo 160/09, de 7.12.2010, Processo 0490/10, de 19.01.2011, Processo 0726/10, de 26.01.2011, Processo 01/11, de 30.03.2011, Processo 0235/11 e de 29.06.2011, Processo 0217/11).

Ora, ficando suspensa a execução, ficou também suspenso o prazo de prescrição (artigo 49º, nº 3 da LGT), ficando o órgão de execução fiscal, enquanto credor da dívida exequenda, numa situação de a não poder cobrar, nos termos do disposto nos artigos 49.º, n.º 3 da LGT (redacção inicial) e 169º do CPPT (cfr. Jorge Lopes de Sousa, ob. cit. p. 68). E como com propriedade para os presentes autos conclui o Autor citado: “Sendo assim, o regime de interrupção da prescrição previsto na redacção inicial da LGT nem será essencialmente diferente do que se previa no CPT (para além das diferenças de factos a que é atribuído efeito suspensivo e interruptivo): também na LGT, os efeitos dos factos interruptivos (o instantâneo e o duradouro) cessam com a paragem do processo por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte, sem prejuízo da relevância autónoma que têm os factos a que é atribuído efeito suspensivo da prescrição” (ob. cit., p. 69).

Assim, mesmo considerando a eventual paragem da impugnação por período superior a um ano, por facto não imputável ao contribuinte e a cessação do respectivo efeito interruptivo, o certo é que o prazo de prescrição deixou de correr em virtude do efeito suspensivo da prescrição (em virtude da penhora de bens suficientes para garantia da dívida exequenda acompanhada da pendência de impugnação judicial). Mesmo estando as impugnações paradas, o que fez cessar o efeito interruptivo, o que acontece é que, apesar disso, o prazo de prescrição não pôde começar a correr de novo face à suspensão da prescrição. E, assim, a sua contagem só irá (re)começar quando cessar aquela suspensão da prescrição.

No caso concreto, o referido efeito suspensivo do prazo de prescrição decorrente da pendência da impugnação judicial – o processo n.º 300/2000, impugnação das liquidações de IVA e juros compensatórios – acompanhada da suspensão da execução, cessou em 8.06.2006, em virtude de ter sido proferida decisão final (cfr. L) do probatório). Ou seja, o prazo prescricional não começou a correr senão a partir do dia seguinte ao trânsito em julgado da decisão que pôs termo à impugnação judicial: em 9.06.2006.

Donde, o prazo prescricional de 8 anos relativo às dívidas provenientes de IVA dos anos de 1995, 1996 e 1997, objecto de impugnação judicial apresentada em 16.09.1998 e acompanhada da suspensão da execução, no qual foi proferida decisão final em 8.06.2006, com o que cessou nessa data o efeito suspensivo do art. 49.º, n.º 3, da LGT (na redacção aplicável), não se encontrava transcorrido na data em que foi praticado o acto reclamado (em 28.05.2012), o mesmo ocorrendo à data da sentença recorrida (em 30.04.2013).

E quanto às dívidas de IRC do ano de 1995, a sua cobrança coerciva encontra-se suspensa dado que continua em tramitação o processo de impugnação n.º 309/2000 do TAF de Coimbra. Se o processo n.º 309/2000, que tem como objecto a impugnação dessas liquidações, ainda não atingiu o seu termo (cfr. M) do probatório), apresenta-se, pois, como manifesto que as dívidas aí impugnadas ainda não estão prescritas.

É certo que o Recorrente vem arguir a inconstitucionalidade da aplicação do art. 49.º, n.º 3, da LGT, quando interpretado no sentido de que as causas de suspensão da prescrição aí previstas são aplicáveis aos prazos de prescrição iniciados na vigência do CPT, com fundamento na ofensa dos princípios da segurança, da tutela da confiança e da proibição da retroactividfade da lei fiscal (cfr. conclusão g) do recurso). Mas também aqui sem razão.

A este respeito é bem esclarecedor o que se escreveu no Acórdão do STA, de 13.01.2010, proferido no processo n.º 1148/09, cujo sumário se transcreve parcialmente:

III -Pelo que, quando se trata de saber qual a lei aplicável ao prazo de prescrição em curso à data da entrada em vigor da LGT, há que convocar, não a regra geral sobre a aplicação da lei no tempo prevista no artigo 12º do C. Civil, mas a regra plasmada no artigo 297. ° do mesmo Código.

IV- Já a sucessão no tempo das demais normas tributárias, designadamente daquelas que disciplinam os restantes aspectos do instituto da prescrição das obrigações tributárias, tem de ser resolvida pela aplicação da regra contida no artigo 12.º da LGT e, subsidiariamente, pela regra geral de direito firmado no nosso sistema jurídico e constante do artigo 12.º do C. Civil, das quais resulta que a lei nova apresenta, em regra, eficácia prospectiva.

V - Pelo que a solução do problema da aplicação da lei no tempo dessas normas tributárias não depende da aplicabilidade do regime do CPT ou da LGT no que concerne à duração do prazo de prescrição, não existindo qualquer regra ou princípio que determine a aplicação em bloco de um ou outro desses regimes, até porque não vigora no âmbito do direito obrigacional tributário o princípio da aplicação da lei mais favorável ao arguido.

VI - Por força daquela regra da aplicação prospectiva da nova lei, as normas tributárias contidas na LGT não se aplicam a factos e efeitos consumados no domínio da lei anterior; mas se essas normas definirem o conteúdo (ou efeitos) de relações jurídico-tributárias duradouras, sem referência ao facto que lhes deu origem, elas vão aplicar-se não só às relações e situações jurídicas que se constituírem após a sua entrada em vigor, como, também, a todas aquelas que, constituídas antes, protelem a sua vida para além do momento da entrada em vigor da nova regra.

VII - As normas da LGT que instituíram causas suspensivas e interruptivas do prazo de prescrição sem correspondência com as previstas na lei antiga (n.º 1 e 3 do art.° 49.º), não dispõem sobre as condições de validade formal ou substancial do facto tributário ou da respectiva obrigação, dispondo apenas sobre o conteúdo de situações jurídicas que, com base naqueles factos, se constituíram. Isto é, essas normas conexionam-se com o direito, sem referência aos factos geradores da obrigação e da respectiva prescrição, pelo que nada obsta à aplicação dessas normas da LGT às situações tributárias que subsistam à data da sua entrada em vigor.

VIII - Assim sendo, a LGT é competente para determinar e reger os eventos interruptivos e suspensivos que ocorram na sua vigência, ainda que atinentes a prazos prescricionais iniciados na vigência do CPT, sem que isso represente um efeito retroactivo da lei nova ou uma ofensa aos princípios da legalidade e da separação de poderes”.

De igual modo, sobre a mesma matéria, se decidiu no recente acórdão deste TCAN de 12.07.2013, proc. n.º 3205/12.8 BEPRT.

Por tudo o que ficou dito improcedem as conclusões das alegações e, em consequência, o recurso. Consequentemente, não padecendo a mesma dos vícios que lhe vêm assacados, é de manter, com a presente fundamentação, a sentença recorrida que julgou improcedente a reclamação interposta do despacho do Chefe de Finanças de Penacova que indeferiu o pedido de declaração de prescrição formulado pelo ora Recorrente.



III. Conclusões

Sumariando:

i) Aos prazos prescricionais é aplicável o disposto nos artigos 296.º e seguintes do Código Civil e nos termos do art. 297.º, n.º 1, deste diploma, a lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se complete.

ii) Por força do disposto no art. 12.º do CC, as normas tributárias contidas na LGT não se aplicam a factos e efeitos consumados no domínio da lei anterior; mas se essas normas definirem o conteúdo (ou efeitos) de relações jurídico-tributárias duradouras, sem referência ao facto que lhes deu origem, elas vão aplicar-se não só às relações e situações jurídicas que se constituírem após a sua entrada em vigor, como, também, a todas aquelas que, constituídas antes, protelem a sua vida para além do momento da entrada em vigor da nova regra.


IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso e confirmar, com a presente fundamentação, a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente.

Porto, 31 de Outubro de 2013

Ass. Pedro Marques

Ass. Paula Ribeiro

Ass. Fernanda Esteves