Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00519/06.0BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/15/2015
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:OPOSIÇÃO EXECUÇÃO FISCAL
NOTIFICAÇÃO DE LIQUIDAÇÕES
NOTIFICAÇÃO DE PESSOA COLETIVA
CADUCIDADE DO DIREITO DE LIQUIDAR IMPOSTO
Sumário:I. Da conjugação do n.º1 e 2 do artigos 41.º, 38 n.º 5 e 6 do CPPT e nº 2 do art.º 233.º do CPC resulta que a citação pessoal das pessoas coletivas ou sociedades, é efetuada por carta registada com aviso de receção, na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes, na sua sede, na residência destes ou em qualquer lugar onde se encontrem.
II. Não se cumprindo todas as formalidades da notificação e não se provando que, apesar de elas não terem sido cumpridas, foi atingido o objectivo que se visava alcançar com a mesma, esta é inválida.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:M..., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
A Recorrente, M…, UNIPESSOAL LDA, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, que julgou parcialmente improcedente a sua pretensão na presente instância de OPOSIÇÃO à execução fiscal, n.º41702200601000918 e aps., instaurada pelo Serviço de Finanças da Feira 4, por dívidas de IVA .
A sentença recorrida julgou a oposição parcialmente procedente, quanto às liquidações de IVA e correspondentes juros, relativas aos meses de Janeiro a Novembro de 2001, e, em consequência, extinta, nesta parte, a correspondente execução e improcedente, quanto à liquidação referente a IVA do mês de Dezembro de 2001, e respetivos juros.
Vem o presente recurso interposto do segmento da sentença que julgou improcedente a oposição quanto à liquidação referente a IVA do mês de Dezembro de 2001, e respetivos juros.

O Recorrente formulou nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:
(…)
1) Por Sentença do Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, foi a Oposição julgada parcialmente procedente, anulando-se as liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios, relativas aos meses de Janeiro a Novembro de 2001, mantendo-se apenas a liquidação referente ao mês de Dezembro de 2001 e respectivos juros.

2) Acontece, porém, que a Sentença recorrida erra ao entender que ainda estava em prazo a dívida de IVA e juros compensatórios relativa ao Mês de Dezembro de 2001, pelo facto de considerar que tendo sido efectuada nova notificação para a sede da oponente em 06-12-2005, esta se presume efectuada em 09-12-2005, nos termos do nº 5 do artigo 39º do C.P.P.T.

3) Mas não tem razão, e isto porque, as notificações às sociedades têm de obedecer ao regime especial previsto nos nºs 1 e 2 do artigo 41º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, consubstanciado na notificação pessoal dos seus administradores, gerentes ou representantes que estejam em condições de transmitir os termos do acto.

4) O que quer dizer que devolvidas as cartas registadas e com aviso de recepção expedidas para a sede da empresa, com a indicação de “não reclamado”, impunha-se à Administração Tributária efectuar novas notificações, mas agora em cartas dirigidas para a residência do gerente, como preceitua o nº 1 do artigo 41º do C.P.P.T.

5) Ora, não o tendo feito, nem cumprido com os requisitos previstos nos nºs 1 e 2 do artigo 41º do C.P.P.T., a Administração Tributária preteriu formalidade legal essencial, à qual deverá conduzir à anulação também da liquidação adicional de IVA do mês de Dezembro e juros compensatórios.

6) É que, nos termos do nº 3 do artigo 103º da Constituição da República Portuguesa, ninguém é obrigado a pagar impostos cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei.

7) A Douta Sentença recorrida violou o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 41º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

8) Por outro lado, ocorreu caducidade de todas as liquidações referentes ao IVA e juros compensatórios do ano de 2001, pois, como demonstram os autos, as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios de Janeiro a Dezembro, inclusive, não chegaram ao conhecimento efectivo da oponente, aqui recorrente, antes de 31 de Dezembro de 2005.

9) Ou seja, as liquidações de IVA e juros compensatórios não foram validamente notificadas à contribuinte no prazo de 4 anos, nos termos dos nºs 1 e 4 do artigo 45º da Lei Geral Tributária, na sua redacção vigente à data da ocorrência dos factos.

Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre douto suprimento de V.Exas., entende a recorrente que deverá o presente Recurso ser julgado procedente e provado e, em consequência, seja proferida DECISÃO, na qual se reveja a matéria dada por provada e, em consequência, se revogue a DOUTA SENTENÇA recorrida, anulando-se por ilegal a liquidação de IVA relativa ao mês de Dezembro de 2001, bem como dos juros compensatórios relativos ao mês de Dezembro de 2001, a bem da JUSTIÇA.. (…)”

1.2 Não houve contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal teve vista nos autos emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sendo as de saber se a sentença recorrida incorreu em (i) erro de julgamento, por violação do art.º 41.º do CPPT e (ii) se ocorreu caducidade do direito a liquidar o IVA e juros compensatórios relativamente ao mês de Dezembro de 2001.

3. JULGAMENTO DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:

(…) Com relevância para a decisão da causa, considero provados os seguintes factos:
a) Em 08/11/05 foram emitidas pela Fazenda Pública 12 notificações para liquidações adicionais de IVA relativas ao ano de 2001, correspondendo cada uma a cada um dos meses daquele ano, e com o prazo limite de pagamento de 31/12/05.

b) Entre estas, foi remetida à Oponente a notificação da liquidação referente a IVA do mês de Dezembro de 2001, no montante de €22.550,17, enviada pela primeira vez à ora Oponente através da carta com o registo nº RY916672627PT – cfr. fls. 88;

c) assim como a notificação da liquidação referente aos correspondentes Juros Compensatórios (de IVA de Dezembro de 2001) no montante de € 4.115,25, com o registo RY916673137PT cfr. fls. 132 .

d) foram tais liquidações remetidas naquela data, por via postal, com aviso de recepção, à ora Oponente, tendo sido todas devolvidas, dado não terem sido reclamadas.


e) A Fazenda Pública procedeu subsequentemente à realização de novas notificações de todas as supraditas liquidações, mediante ofícios de notificação numerados de 5605 a 5625, data dos de 06/12/05, e nessa mesma data expedidos para a ora oponente, também por via postal registada.

f) Entre estas, a Fazenda Pública procedeu de novo ao envio das duas liquidações supra referidas (nas als. b) e c), nos termos supra aludidos, e através de novas cartas com os registos nº RS472384734PT e RS472384924 – cfr. docs. de fls. 136 e 137.

g) Em 03/02/06, foi autuada a execução fiscal nº 4170200601000918, contra a ora oponente, pela supra aludida dívida de IVA e juros compensatórios, referentes ao ano de 2001 e no montante global de 209.469,95.

h) A oponente foi citada para a aludida execução em 21/02/06.

i) A presente oposição deu entrada no Serviço de Finanças Feira 4 em 06/03/06.

Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a discussão da causa. (…)”.

Por estar documentalmente demonstrada nos autos altera-se a seguinte factualidade nos termos do art.º 712.º, nº 1, al. a), do CPC (atual n.º 1 do 662.º do CPC):

h) As notificações das liquidações, referidas em a) b) e f) foram remetidas para M…., Unipessoal, Lda., R. do…4535-376 Santa Maria de Lamas.

4. JULGAMENTO DE DIREITO
A Recorrente alega que sentença recorrida erra ao entender que ainda estava em prazo a dívida de IVA e juros compensatórios relativa ao mês de Dezembro de 2001, pelo facto de considerar que tendo sido efetuada nova notificação para a sede da oponente em 06.12.2005, esta se presume efetuada em 09.12.2005, nos termos do nº 5 do artigo 39º do CPTT.
Alega que as notificações às sociedades têm de obedecer ao regime especial previsto nos nºs 1 e 2 do artigo 41º do CPPT, consubstanciado na notificação pessoal dos seus administradores, gerentes ou representantes que estejam em condições de transmitir os termos do ato.
E que devolvidas as cartas registadas com aviso de receção expedidas para a sede da empresa, com a indicação de “não reclamado”, impunha-se à administração tributária efetuar novas notificações, mas agora em cartas dirigidas para a residência do gerente, como preceitua o nº 1 do artigo 41º do CPPT.
Ora, não o tendo feito, nem cumprido com os requisitos previstos nos nºs 1 e 2 do artigo 41º do CPPT, a administração tributária preteriu formalidade legal essencial, a qual deverá conduzir à anulação da liquidação adicional de IVA do mês de Dezembro e juros compensatórios.
E que sentença recorrida violou o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 41º do CPPT.
Vejamos:
Prevê o n.º 1 do art.º 41.º do CPPT que as pessoas coletivas e sociedades serão citadas ou notificadas na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes, na sua sede, na residência destes ou em qualquer lugar onde se encontrem.
E o n.º2 do referido preceito refere que “ Não podendo efectuar-se na pessoa do representante por este não ser encontrado pelo funcionário, a citação ou notificação realiza-se na pessoa de qualquer empregado, capaz de transmitir os termos do acto, que se encontre no local onde normalmente funcione a administração da pessoa colectiva ou sociedade.”
Nos termos do n.º 2 do art.º 35.º do CPPT a notificação é o ato pelo qual se leva um facto ao conhecimento de uma pessoa ou se chama alguém a juízo.
O n.º 1 do art.º 38.º do CPPT prevê que as notificações são efetuadas obrigatoriamente por carta registada, com aviso de receção, sempre que tenham por objeto atos ou decisões suscetíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes.
Por força do n.º1 do 27.º e 74.º CIVA, as liquidações de IVA são notificadas ao contribuinte para efetuar o respetivo pagamento, em carta registada com aviso de receção, com indicação dos elementos relevantes.
E por força, do n.ºs 5 e 6 do art.º art.º 38.º do CPPT as notificações serão pessoais nos casos previstos na lei e a estas aplicam-se as regras sobre a citação pessoal.
O n.º 2 do art.º 233.º do CPC (atual art.º 225.º) estabelecia que a citação pessoal é feita mediante:
a) Transmissão eletrónica de dados, nos termos definidos na portaria prevista no n.º1 do artigo 138.º A;
b) Entrega ao citando de carta registada com aviso de receção, seu depósito, nos termos do n.º 5 do artigo 237.º-A, ou certificação da recusa de recebimento, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo;
c) Contacto pessoal do agente de execução ou do funcionário judicial com o citando.
Da conjugação do n.º1 e 2 do artigos 41.º, 38 n.º 5 e 6 do CPPT e nº 2 do art.º 233.º do CPC resulta que a citação pessoal das pessoas coletivas ou sociedades, é efetuada por carta registada com aviso de receção, na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes, na sua sede, na residência destes ou em qualquer lugar onde se encontrem.
E conforme esclarece o Sr. Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, no Código de Procedimento e Processo Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.400 e seg [n]o que concerne às notificações de pessoas colectivas, em face do preceituado no artº38º n.º1 deste Código, elas são feitas, em regra, através de carta registada com aviso de recepção, sempre que tenhampor objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes, podendo, no entanto, proceder-se a notificação pessoal, nos casos previstos no nº 5 do mesmo artigo.
A notificação da sociedade por carta registada, com ou sem aviso de recepção, deverá ser feita em nome da própria sociedade, mas tem que ser feita em determinadas pessoas físicas, à semelhança do que sucede com o processo civil ( artº 237º do CPC).
O presente artigo pretende determinar as pessoas em quem pode ser feita a notificação, tanto no caso da notificação postal como no caso da citação pessoal.
Sendo este o objectivo do artigo, serão aplicáveis, quanto às notificações por carta registada, as regras relativas à «perfeição das notificações» previstas no artº 39º deste Código.
Por isso, se a notificação não é efectuada e a carta vem devolvida, a notificação só se poderá considerar efectuada se se verificarem os requisitos previstos nos nºs 5 e 6 daquele artigo .(…) grifados nossos.
A notificação que tenha por destinatário as sociedades, deverá ser efetuada em nome da própria sociedade, mas tem de ser levada à prática em determinadas pessoas físicas.
O art.º. 41.º, do CPPT elegeu as pessoas em quem pode ser feita a notificação, tanto no caso da notificação postal como no caso da citação pessoal.
Atingido esse o objetivo, serão aplicáveis, quanto às notificações por carta registada, as regras relativas à perfeição das notificações previstas no art,.º.39.º do CPPT (cfr.ac.TCA.Sul-2ª.Secção, proferido no proc.6055/12 em 22.01.2013)
Voltando ao caso concreto, conforme se retira do exame da factualidade provada nas alíneas a), b), f) e h) as notificações das liquidações, referidas em a) b) e f) foram remetidas para M…., Unipessoal, Lda., R. do…4535-376 Santa Maria de Lamas.
A administração fiscal não cumpriu a formalidades da notificação de pessoa coletiva na pessoa dos seus administradores ou gerentes e não se provando que, apesar de elas não terem sido cumpridas, foi atingido o objetivo que se visava alcançar com a notificação, a mesma é inválida.
E como se sumaria no Acórdão do TCAS 0653/13 de 31.10.2013, e “Não se cumprindo todas as formalidades da notificação e não se provando que, apesar de elas não terem sido cumpridas, foi atingido o objectivo que se visava alcançar com a mesma, esta é inválida. Neste caso, sendo sobre a Administração Tributária que recai o ónus da prova dos pressupostos de que depende o seu direito de exigir a obrigação tributária (cfr.artº.342, nº.1, do C.Civil; artº.74, nº.1, da L.G.T.), designadamente que houve uma notificação validamente efectuada ou foi atingido o fim por ela visado de transmitir ao destinatário o teor da liquidação, tem de se valorar processualmente a favor do destinatário da notificação a dúvida sobre estes pontos, o que se reconduz a que tudo se passe, para efeitos do processo, como se tal notificação não tivesse ocorrido.”
Assim, teremos de concluir que a notificação foi incorretamente efetuada, uma vez que foi notificada a sociedade mas não foi feita na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes.
E aqui chegados teremos de concluir que as notificações efetuadas pela administração são inválidas e como tal não se pode considerar que a Recorrente foi validamente notificada.
E não tendo sido validamente notificada e não ficando provado que Recorrente teve conhecimento efetivo das liquidações de IVA e Juros compensatórios de dezembro de 2001 antes de 31.12.2005, ocorreu a caducidade do direito a liquidar o tributos e seus encargos.
Nesta conformidade, revoga-se a sentença recorrida procedendo todas as alegações de recurso.

E assim formulamos as seguintes conclusões:
I. Da conjugação do n.º1 e 2 do artigos 41.º, 38 n.º 5 e 6 do CPPT e nº 2 do art.º 233.º do CPC resulta que a citação pessoal das pessoas coletivas ou sociedades, é efetuada por carta registada com aviso de receção, na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes, na sua sede, na residência destes ou em qualquer lugar onde se encontrem.
II. Não se cumprindo todas as formalidades da notificação e não se provando que, apesar de elas não terem sido cumpridas, foi atingido o objectivo que se visava alcançar com a mesma, esta é inválida.

5. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em conceder provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, revogando-se a decisão judicial recorrida no segmento em recurso.

Sem custas nesta instância sendo na 1ª instância da responsabilidade da Recorrida, nos termos do nº 1 alínea h) do art.º 73-Eº do Código das Custas Judicias.

Porto, 15 de Outubro de 2015
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira
Ass. Mário Rebelo
Ass. Crista Travassos Bento