Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02050/19.4BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/02/2021
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:CORREÇÃO DE INSCRIÇÃO MATRICIAL; SUPRIMENTO, RETIFICAÇÃO OU RECONSTITUIÇÃO DO REGISTO
Sumário:1 – Perante pedido dirigido a Entidade Tributária, no sentido de se proceder à atualização da matriz, de acordo com o registo constante da Conservatória do Registo Predial, aquela entidade deverá proceder ao averbamento conformando a inscrição matricial com o registo constante do Registo Predial.

2 - A inscrição no Registo Predial, salvo impugnação através do meio próprio, faz prova do direito e da titularidade do mesmo.

3 - A impugnação da veracidade do Registo Predial é obtida através do suprimento, retificação ou reconstituição do registo.

4 – A Autoridade Tributária não se conformando com a presunção derivada do registo predial deverá recorrer ao meio processual adequado, ou seja, o suprimento, retificação ou reconstituição do registo (artigos 116.º a 139.º do CRP).
A não ser assim, estar-se-á a eternizar uma divergência entre a inscrição matricial e o registo feito na Conservatória de Registo Predial, com perniciosas consequências, nomeada e principalmente para os titulares dos referidos prédios.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:D.
Recorrido 1:Autoridade Tributária
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Condenação à Prática Acto Devido (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I Relatório

D., devidamente identificado nos autos, intentou Ação Administrativa contra a Autoridade Tributária – Serviço de Finanças de Barcelos, tendente a ser a Entidade Demandada condenada:
a) A proceder à discriminação matricial do acima referido imóvel/prédio rústico, situado em Lugar (...), , em conformidade com a sua representação topográfica, constante da planta que instruiu a supra assinalada petição de 15-11-2011, e cuja área, composição e confrontações, bem como, respetivas inscrições de propriedade ou titularidade, constam da ficha 865-freguesia da (...), da Conservatória do Registo Predial (...);
b) A cumprir o dever de emitir ato administrativo que resulta diretamente da lei (artigos 108º e 130º do CIMI), e praticar o ora reclamado e exigido ato devido omitido, mediante execução da recusada ou indeferida discriminação matricial do predito imóvel/prédio rústico, no máximo, no prazo procedimental de 90 dias, sob pena de aplicação de sanção pecuniária compulsória, a ser fixada segundo critérios de razoabilidade, de acordo com o douto e criterioso arbítrio do Tribunal, por forma a assegurar a efetividade da tutela judicial ora requerida por parte do Autor, conforme previsto no nº 2, do arº 3º do CPTA;
c) A reparar, nos termos e ao abrigo do disposto na alínea f), do nº 2, do artº 4º do CPTA, danos patrimoniais decorrentes da impossibilidade de capitalização do valor do imóvel/prédio rústico aqui em apreço, e despesas em deslocações, obtenção de documentos e honorários suportados com a impugnação da omissão do supra mencionado ato devido, bem como, reparar danos morais causados ou ocasionados com a obstinada recusa da entidade demandada em executar a pretensão regularmente formulada pelo ora Autor, cuja devida indemnização, não sendo ora possível apurar o montante global do prejuízo sofrido, deverá ser liquidada em sede de execução de sentença.”.

O Tribunal Administrativo de Braga, proferiu Sentença em 5 de março de 2021, na qual se decidiu julgar “improcedente a presente ação administrativa.

Inconformado com a decisão proferida, veio o Autor/D. apresentar Recurso daquela decisão para esta instância, em 13 de abril de 2021, no qual concluiu:

1ª – A decisão ora recorrida, por manifesto lapso do/a juiz, não atenta nos corolários decorrentes da força probatória dos documentos carreados para os autos, e que, só por si, implicam necessariamente decisão diversa da proferida, porquanto: a) O Tribunal a quo considerou, com base na «apreciação crítica e conjugada do teor dos documentos juntos aos articulados e ao processo administrativo, assim como dos factos alegados pelas partes, corroborados pelos documentos juntos” (vide cit. Sentença recorrida, pág. 10, sublinhado nosso), nomeadamente, «Cfr. docs. 3 e 4 juntos com a p.i., concretamente pp. 67 a 74 do SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido», com base nos quais deu como “provados os seguintes factos: 1. O Autor é dono e legítimo possuidor de parte de um prédio rústico sito no Lugar (...), , na freguesia de (...), , descrito na Conservatória do Registo Predial (...), sob o número 865/20111227, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo n.º 266» (vide cit. Sentença recorrida, pág. 6, sublinhado nosso) (vide cit. Sentença recorrida, pág. 6, sublinhado nosso). Todavia, da análise perfunctória do conteúdo do predito doc. 4 junto com a p.i., “cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido”, resulta patente, salvo o devido respeito pela opinião contrária, que “O Autor é dono e legítimo possuidor” e ÚNICO E EXCLUSIVO TITULAR da propriedade plena DA TOTALIDADE e NÃO APENAS “de parte” do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial (...), sob a ficha 865/Freguesia (...), e inscrito na “MATRIZ nº: 226 NATUREZA: Rústica (PARTE)”;
b) O Tribunal a quo, salvo o devido respeito, não atenta, assim, devidamente, na força probatória material do teor do predito documento anexo à p.i. como doc. 4, e, desse modo, incorre em notório, grosseiro, ostensivo ou evidente erro na apreciação da prova, na medida em que, manifestamente, julgou mal o predito ponto “1.” dos “Factos provados” que, para os devidos e legais efeitos, aqui expressamente se impugna (vide artigos 607º, nº 5, 640º e 662º do Cód. Proc. Civil - CPC, aplicáveis ex vi artigo 1º da Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro; CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS - CPTA); c) A matéria de facto em que assenta a decisão recorrida deve ser alterada, tal qual como, o sentido desta última, dado o teor do predito documento anexo à p.i. como doc. 4, só por si, implicar decisão diversa da proferida, impor a sua reforma, pois trata-se de documento que legitima presunção derivada do registo, nomeadamente, a “presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define” (cit. artº 7º, CRP), sendo que, ao registo encontra-se também indissoluvelmente ligado o efeito de uma presunção inilidível de efetivo conhecimento dos factos registados por parte de todos os sujeitos da ordem jurídica, e resulta das normas vigentes aqui aplicáveis, que “O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define” (cit. artº 7º, CRP), enquanto “As inscrições matriciais só para efeitos tributários constituem presunção de propriedade” [cit. nº 5, artº 12º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis – CIMI]; d) No caso vertente, resulta manifesto, quer dos factos publicitados pelos registos definitivos constantes dos documentos 4 e 10 anexos com a p.i., quer dos “IV.1. Factos provados” nos presentes autos (vide cit. Sentença recorrida, pág. 6 a 9), que a Entidade demandada ora Recorrida não interpôs qualquer ação tendo por fim, principal ou acessório, a reforma, a declaração de nulidade ou a anulação dos preditos registos ou o seu cancelamento (vide cit. doc.s 4 e 10 anexos com a p.i.); e) Os preditos documentos 4 e 10 anexos com a p.i., por si só, comprovam, quer a inexistência de qualquer compropriedade entre o Autor ora Recorrente e os demais subscritores do “pedido de discriminação do prédio inscrito na matriz rústica da freguesia da (...) sob o artigo 266” aqui em questão, quer a discrepância e absoluta incompatibilidade entre os respectivos diferentes direitos reais ou tipos de titularidade que compete a cada um daqueles, nos precisos termos em que o registo o(s) define, e, consequentemente, comprovam que o “pedido de discriminação” aqui em apreço respeita a prédios com titularidades juridicamente distintas entre si, referentes a direitos reais totalmente díspares e antagónicos, dado a plenitude do direito de propriedade que cabe ao Autor ora recorrente ser absolutamente incompatível ou inconciliável com as limitações incidentes sobre as figuras parcelares do direito de propriedade que competem aos demais subscritores do predito “pedido de discriminação” matricial do acima referido artigo 266 matriz rústica da freguesia da (...), por todos apresentado “no Serviço de Finanças de Barcelos”, em 15-11-2011, sendo que, a mencionada inexistência de compropriedade e referida discrepância e absoluta
incompatibilidade entre os diversos direitos reais titulados por estes últimos, configuram circunstâncias que, só por si, exigem ou impõem que aquele artigo matricial “seja eliminado e em sua substituição sejam inscritos na mesma matriz, dois prédios rústicos autónomos” (vide cit. Sentença recorrida, pág. 7), dado as preditas diferentes titularidades aqui em questão jamais poderem estar inscritas ou figurar conjuntamente numa única só matriz.
2ª – A decisão recorrida incorre em manifesto erro na determinação da norma aplicável e na qualificação jurídica dos factos, e ainda em omissão dos poderes/deveres inquisitórios, porquanto:
a) A pretensão formulada pelo Autor ora Recorrente não visa “A divisão ou fracionamento de prédios rústicos” (vide cit. Sentença recorrida, pág. 7), nem tem por fundamento ou pressupõe qualquer divisão material ou separação do domínio material e físico de nenhum prédio, nomeadamente, do prédio do qual o Autor ora Recorrente era e continua a ser único e exclusivo titular da propriedade plena, e detentor do seu integral domínio material e físico, pelo que, salvo o devido respeito, afigura-se-nos descabido aqui falar em “divisão ou fracionamento de prédios rústicos”, e considerar que o Autor ora Recorrente, para fundamentar a sua pretensão, deveria ter junto e “não juntou ao pedido qualquer documento válido para titular essa mesma divisão (ex: escritura, decisão judicial, ou outro)” (vide cit. Sentença recorrida, pág. 7). b) Tal como igualmente não tem aqui cabimento qualquer “procedimento administrativo que distribua (discrimine) o valor patrimonial do prédio por cada uma dessas partes de utilização independente” (vide cit. Sentença recorrida, pág. 7), uma vez que, o predito “pedido de discriminação do prédio inscrito na matriz rústica da freguesia da (...) sob o artigo 266”, aqui em apreço, também não visa “A discriminação [que] tem previsão legal no artigo 130. ° n.º 3 alínea h) do CIMI”, pois “esta norma opera no caso de prédios urbanos inscritos na matriz com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente”, e, no caso vertente, tão pouco estão em causa quaisquer “prédios urbanos inscritos na matriz com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente”; c) Nos presentes autos, conforme acima já assinalado [vide Conclusão 1ª, alínea d)], inexiste qualquer impugnação, nomeadamente, por inexatidão dos títulos apresentados ou outra causa fortuita, da decisão registal que está na base da abertura das supra mencionadas fichas/descrições e respetiva inscrição tabular, nem sequer é colocada em causa a fiabilidade do sistema de registo, pelo que atento o disposto no nº 2 do art. 79º do Cód. Reg. Predial, que nos diz que de cada prédio é feita uma descrição distinta, temos por forçoso concluir que a pretensão aqui em causa respeita a dois prédios totalmente distintos entre si, tanto mais que, no caso vertente, conforme acima também já referido, também não foram ilididas ou sequer infirmadas as presunções registrais emergentes do art.º 7º do Cód. Reg. Predial [vide Conclusão 1ª, alínea c)]; d) Os supra aludidos documentos (vide cit. doc.s 4 e 10 anexos à p.i.; vide pp. 30 a 31, e 44 a 48 do SITAF), atenta a respetiva força probatória material, comprovam que os preditos prédios são objeto de diversas e opostas situações jurídicas, de direitos reais absolutamente díspares e antagónicos, e, como tal, insuscetíveis de figurarem ou serem englobados na mesma matriz, conforme acima também já assinalado [vide Conclusão 1ª, alínea e)];
e) O aqui questionado artigo 266 da matriz rústica da Freguesia (...) padece de manifesto erro ou inexatidão, nomeadamente, quanto à informação relativa à identidade dos “TITULARES” e ao “Tipo de titular” ou tipo de titularidade, sendo que, esta verificada falta de rigor da informação constante do mencionado artigo 266 da matriz rústica da Freguesia (...) (vide cit. doc. 3 anexo à p.i.), impõe, por si só, que o predito artigo matricial, conforme “Resulta do texto do pedido (…), seja eliminado e em sua substituição sejam inscritos na mesma matriz, dois prédios rústicos autónomos” (vide cit. Sentença recorrida, pág. 7), atenta a impossibilidade da mesma matriz englobar diversas e opostas situações jurídicas, integrar direitos reais absolutamente díspares e antagónicos. f) O pedido de discriminação matricial indeferido pela Entidade demandada visa, essencial ou primordialmente, destrinçar ou separar formalmente, para efeitos meramente matriciais ou registrais, designadamente, apropriada harmonização (correspondência) entre os elementos constantes do registo e da matriz predial, em conformidade com o teor dos títulos respeitantes aos factos inscritos aqui em causa, mormente, no que respeita à identidade dos “TITULARES” e respetivo “Tipo de titular”, de modo a discriminar devidamente a titularidade dos diferentes direitos e inerentes poderes que competem a cada um dos mencionados subscritores do supra referido pedido de discriminação matricial (vide cit. doc. 2 anexo à p.i.); g) Considerando, por um lado, que “Os órgãos da Administração Pública devem atuar em obediência à lei e ao direito” (nº 1, artº 3º, DL n.º 4/2015, de 07 de Janeiro; CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO – CPA), em subordinação aos princípios do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos (artº 4,º CPA), da justiça e da razoabilidade (artº 8º, CPA), e bem assim, devem “rejeitar as soluções manifestamente desrazoáveis ou incompatíveis com a ideia de Direito, nomeadamente em matéria de interpretação das normas jurídicas e das valorações próprias do exercício da função administrativa” (artº 8º, CPA); ponderando, por outro lado, que “Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis” (nº 1, artº 11º, do DL n.º 398/98, de 17 de Dezembro; LEI GERAL TRIBUTÁRIA-LGT), e que as lacunas resultantes de normas tributárias não abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República são suscetíveis de integração analógica (nº4, artº 11º LGT, a contrario sensu), julgamos que a adequada proteção e garantia jurisdicional dos direitos e interesses legalmente protegidos aqui em causa, impõe a interpretação analógica/extensiva das “Regras para a alteração das matrizes”, nomeadamente, do disposto na alínea e), do artº 106º, do CIMI, justifica e exige a regulamentação do caso concreto aqui em apreço, no sentido de ser determinada a discriminação ou divisão formal do predito artigo 266 da matriz rústica da Freguesia (...), para efeitos meramente matriciais ou
registrais, mediante eliminação da sua inscrição na matriz, e criação, em sua substituição, de tantos novos artigos adicionais quantos resultarem da divisão formal do artigo eliminado;
h) A situação vivida no caso vertente, decorrente da delonga e do desacerto da decisão proferida pela Entidade demandada, incompreensivelmente corroborada ou validada por parte do Tribunal a quo, é tanto mais espúria e inaceitável quanto é certo que posterga a realidade física e jurídica da(s) propriedade(s) titulada(s) pelo(s) subscritor(es) do pedido de discriminação matricial aqui em apreço, e causa a estes últimos, nomeadamente, ao Autor ora Recorrente, inerentes transtornos e prejuízos patrimoniais e não patrimoniais, uma vez que, impede o mesmo de dar satisfação ao seu legítimo interesse e direito, designadamente, proceder à devida harmonização, correspondência ou conjugação do registo, das matrizes prediais e dos títulos, obstando, assim, à transmissão do respetivo direito de propriedade, atendendo, por um lado, ao disposto no nº 3, artigo 28º, Cód. Reg. Predial), e à circunstância da discrepância quanto à área, entre a descrição e a inscrição matricial, no caso vertente, exceder, em relação à área maior, as percentagens previstas no artigo 28.º-A, do Cód. Reg. Predial, conforme resulta do cotejo do teor das supra referidas descrição e caderneta predial (vide cit. doc.s 4 e 3, anexos à p.i., respetivamente), e ponderando, por outro lado, que a predita verificada diferença quanto à área, entre a descrição e a inscrição matricial, respeita a «prédios rústicos não submetidos ao cadastro geométrico», e, nessa medida, exige ou não torna dispensada a harmonização [vide alínea a), artº 28-A, Cód. Reg. Predial, a contrario sensu]; i) Ao proferir a ora questionada decisão recorrida, designadamente, ao julgar que «Dúvidas não restam (…) que do conteúdo dos documentos apresentados para o efeito (planta topográfica e certidão do registo predial) possam extrapolar-se os efeitos probatórios invocados pelo Autor no que concerne à área do prédio em causa nos autos» (vide cit. Sentença recorrida, pág. 14), o Tribunal a quo esquece que «O julgamento da matéria de facto é o resultado da ponderação de toda a prova produzida. Cada elemento de prova deve ser ponderado por si, mas também em relação/articulação com os demais» (cit. Ac. TRC, datado de 03-12-2013; Relator: JOSÉ AVELINO GONÇALVES, disponível in www.dgsi.pt); que «O poder de apreciar de modo livre a prova é também condicionado pelo princípio geral de justiça em duas vertentes, a primeira inscrita nos princípios gerais, da adequação às exigências de segurança no exercício do poder e simultânea harmonização com a garantia de não defraudar a confiança do particular nos meios habituais de efetuar certo tipo de prova e a segunda, da vinculação do órgão administrativo a averiguar a verdade material dos factos pertinentes» (cit. Ac. STA, datado de 10-02-20004; Relator: ROSENDO JOSÉ, disponível in www.dgsi.pt); que o Direito estabelece que «Cabe aos interessados provar os factos que tenham alegado» (nº 1, artº 116º do Código do Procedimento Administrativo 2015), mas também determina que «O responsável pela direção do procedimento deve procurar averiguar todos os factos cujo conhecimento seja adequado e necessário à tomada de uma decisão legal e justa dentro de prazo razoável, podendo, para o efeito, recorrer a todos os meios de prova admitidos em direito» (nº 1, artº 115º do Código do Procedimento Administrativo 2015); que o “Princípio do inquisitório” prescreve que «A administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido» (artº 58º da Lei Geral Tributária); que «O responsável pela direção do procedimento e os outros órgãos que participem na instrução podem, mesmo que o procedimento seja instaurado por iniciativa dos interessados, proceder a quaisquer diligências que se revelem adequadas e necessárias à preparação de uma decisão legal e justa, ainda que respeitantes a matérias não mencionadas nos requerimentos ou nas respostas dos interessados» (artº 58º do Código do Procedimento Administrativo 2015); que «Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer» (artº 411º Cód. Proc. Civil, aplicável ex vi artº 1º do Cód. de Proc. nos Tribunais Administrativos); e que cabem nos «poderes de cognição do tribunal» ou devem ser «considerados pelo juiz», não só os «factos articulados pelas partes», mas também «a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções» (artº 5º Cód. Proc. Civil, aplicável ex vi artº 1º do Cód. de Proc. nos Tribunais Administrativos); j) Mais esquece o Tribunal a quo, que para prova da causa de pedir e instrução da sua pretensão, o Autor apresentou levantamento topográfico elaborado por técnico habilitado, e bem assim, ortofotomapa emitido pela competente Câmara Municipal (...) (vide doc. 10 anexo à p.i.); que o imóvel aqui em apreço, o prédio rústico denominado “BOUÇA DOS FORNOS”, “SITUADO EM: Lugar (...), ”, , freguesia (...) (vide cit. doc.s 3 e 4 anexos à p.i.), se situa em concelho do território continental onde, como é consabido, não vigora o Cadastro Geométrico da Propriedade Rústica (CGPR), de finalidade essencialmente fiscal, e que permite o conhecimento da localização dos prédios rústicos, a sua configuração geométrica, área e confrontações (vide https://www.dgterritorio.gov.pt/cadastro/cadastro-geometrico-da-propriedade-rustica); que a alínea b), do nº 2, do artigo 28º-C, do Cód. Reg. Predial, determina que «b) Na matriz não cadastral, a existência de eventual erro de medição é comprovado pela apresentação dos seguintes documentos: i) Planta do prédio elaborada por técnico habilitado e declaração do titular de que não ocorreu alteração na configuração do prédio; ou ii) Planta do prédio e declaração dos confinantes de que não ocorreu alteração na configuração do prédio», donde, contrariamente ao entendido pelo Tribunal a quo, as declarações dos titulares inscritos, estão submetidas e não escapam ao controle do conservador, sendo esse controle, aliás, a razão que confere fiabilidade ao sistema de registo; e que o artigo 31º, do CIMI, por seu turno, estabelece que na execução das operações de avaliação de base não cadastral, que é efetuada nos municípios onde não vigore o cadastro predial ou geométrico, como sucede no caso vertente, «podem ser utilizados suportes cartográficos, no todo ou em parte, tendo em vista a simplificação e o aumento da precisão das medições e a melhoria da identificação dos prédios», pelo que, no caso dos presentes autos, podem e devem ser devidamente ponderados os elementos constantes dos suportes cartográficos juntos aos presentes autos, nomeadamente, o predito levantamento topográfico elaborado por técnico habilitado, e bem assim, o acima mencionado ortofotomapa emitido pela competente Câmara Municipal (...) (vide doc. 10 anexo à p.i.);
3ª – A decisão recorrida encontra-se inquinada por contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão proferida, porquanto:
a) O Tribunal a quo procura explicar um efeito, justificar a decisão da Entidade demanda, pela sua causa, com fundamento no princípio da proibição do fracionamento de prédios rústicos, sem, no entanto, mostrar que essa causa, fundamento ou princípio, que serve para explicar ou tornar inteligível a decisão aqui em questão, está de acordo com os factos, ou seja, sem demostrar que no caso vertente ocorre a causa explicativa da questionada decisão, sem mostrar a existência de qualquer «fracionamento de prédio, não permitido por lei», mediante enunciação da prova dos respectivos efeitos ou pressupostos; b) O Tribunal a quo entende que «bem andou a Entidade Demandada ao indeferir a pretensão do Autor» (vide cit. Sentença recorrida, pág. 19), e justifica ou explica a questionada decisão da Entidade demanda, com base no princípio da proibição do fracionamento de prédios rústicos e no pressuposto que a pretensão do Autor ora Recorrente «corresponde a um fracionamento de prédio, não permitido por lei», mas não se digna demonstrar a existência do predito pressuposto, designadamente, explicar em que medida resulta, da análise da «factualidade dada por provada (…), à luz dos normativos legais», que a «pretensão material do Autor» visa, «nomeadamente a condenação da Entidade Demandada a proceder à correção das áreas do prédio inscrito na matriz predial rústica da freguesia de (...) e consequente fracionamento»???!!! (vide cit. Sentença recorrida, pág. 11, sublinhado nosso); c) A ora questionada decisão proferida pelo Tribunal a quo afigura-se-nos manifestamente contraditória, dado, por um lado, imputar ao Autor ora Recorrente «um fracionamento de prédio, não permitido por lei» (vide cit. Sentença recorrida, pág. 12, sublinhado nosso), e, por outro lado, considerar inexistir prova dos respectivos efeitos ou pressupostos, negar a ocorrência da «respetiva transferência para dois ou mais proprietários», a «prática do ato translativo da propriedade» (vide cit. Sentença recorrida, pág. 18, sublinhado nosso), enfim, dar como não verificado ou comprovado o imputado fracionamento de prédio, não permitido por lei; d) O Tribunal a quo, ao dar como não verificado ou comprovado o predito imaginativo imputado fracionamento de prédio, não permitido por lei, logicamente, está a reconhecer que inexiste qualquer transferência para outrem, designadamente por venda, troca ou outro negócio jurídico, do domínio da(s) propriedade(s) aqui em causa, e, consequentemente, a admitir ou assumir que o domínio dessa(s) propriedade(s) permanece na(s) mesma(s) pessoa(s), mantem-se sob alçada dos subscritores da pretensão objeto dos presentes autos, pelo que, nessa medida, não se tendo «operado a divisão do prédio e a transferência de cada uma das parcelas para diferentes proprietários» (vide cit. Sentença recorrida, pág. 19), temos por incoerente, contraditório ou absurdo, para além de infundado, o Tribunal a quo entender que a «pretensão material do Autor» visa «nomeadamente a condenação da Entidade Demandada a proceder à correção das áreas do prédio inscrito na matriz predial rústica da freguesia de (...) e consequente fracionamento»??!! (vide cit. Sentença recorrida, pág. 11, sublinhado nosso), e «que, bem andou a Entidade Demandada ao indeferir a pretensão do Autor» (vide cit. Sentença recorrida, pág. 19).
4ª – A decisão recorrida encontra-se inquinada por vício de omissão de pronúncia, porquanto:
a) O Tribunal a quo, postergando o disposto no artigo 608º nº 2 do CPC, segundo o qual «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)», não pronunciou uma palavra sequer sobre o pedido subsidiário que, no seguimento da notificação do teor despacho de 12 de janeiro de 2021 (Ref. 006280999), nos termos do qual se dispensou a realização da audiência prévia e determinou «a notificação das partes para, no prazo de 20 (vinte) dias, apresentarem alegações escritas tendentes à discussão de facto e de direito do mérito da causa», foi então oportunamente apresentado pelo Autor ora Recorrente, em conformidade com o disposto no nº 2 do Artº 265º do Cód. Proc. Civil, aqui aplicável ex vi artigo 1º do Cód. Proc. nos Tribunais Administrativos (CPTA; Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro), e nos termos do qual foi solicitado o reconhecimento/declaração judicial, com inerentes legais consequências, da aquisição originária, por usucapião, então também expressamente invocada, nos termos e para os devidos legais efeitos, por parte do Autor ora Recorrente, do bem imóvel cuja posse e titularidade adquiriu por sucessão a L., falecida a 26/08/2000;
b) Na verdade, em 2015-10-09, data da notificação do projeto de decisão de indeferimento (vide cit. doc. 7, anexo à p.i. pág. 1), e, por maioria de razão, em 2019-06-03, data da subsequente decisão definitiva proferida pela entidade demandada (vide doc. 8, anexo à p.i.), já se encontrava largamente ultrapassado o prazo de 15 anos capaz de legitimar a aquisição do direito de propriedade sobre uma coisa imóvel, se a posse for de boa fé (artº 1296º, Cód. Civil), cujo termo, no caso concreto, ocorreu em 26-08-2015, uma vez que, o óbito de L., anterior possuidora e autora do legado do imóvel aqui em apreço, ocorreu em 26/08/2000, pois “Por morte do possuidor, a posse continua nos seus sucessores desde o momento da morte, independentemente da apreensão material da coisa” (artº 1255º Cód. Civil), e “Presume-se que a posse continua em nome de quem a começou” (nº 2, artº 1257º Cód. Civil), sendo que, “Se o possuidor atual possuiu em tempo mais remoto, presume-se que possuiu igualmente no tempo intermédio” (nº 1, artº 1254º Cód. Civil);
c) Neste contexto, o Autor ora Recorrente procedeu à tempestiva e regular ampliação do seu referido pedido primitivo, em conformidade com o disposto no nº 2 do Artº 265º do Cód. Proc. Civil, aplicável ex vi artigo 1º do Cód. Proc. nos Tribunais Administrativos (CPTA; Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro), e deduziu presentes autos, pedido subsidiário, nos termos do qual invocou, expressamente, para os devidos legais efeitos, a aquisição originária, por usucapião, da predita propriedade por si exclusivamente titulada (vide cit. doc. 4 anexo à p.i.), uma vez que, segundo a mais abalizada jurisprudência, “A usucapião constitui um modo de aquisição originária, ou seja, é uma forma de constituição de direitos reais e não uma forma de transmissão e, por isso, a propriedade conferida com base na usucapião não está dependente de qualquer outro circunstancialismo juridicamente relevante que surja ao lado do seu processo aquisitivo e que, só aparentemente poderá interferir neste procedimento de consignação de direitos; porque se trata de uma aquisição originária, o decurso do tempo necessário à sua conformação faz com que desapareçam todas as incidências que neste processo eventualmente possam ter surgido” (Ac. STJ de 09-02-2017; Relator: SILVA GONÇALVES, disponível in http://www.dgsi.pt), sendo que, “Até à alteração da redação do art. 1379.º, n.º 1 do CC, operada pela Lei nº 111/2015, de 27 de Agosto (que passou a cominar como nulos, e já não meramente como anuláveis, os atos de fracionamento de prédios rústicos contrários ao disposto no art. 1376.º do CC), a interpretação mais correta daquele preceito coincide com a que admite a aquisição originária, por usucapião, de parcela de prédio rústico apto para cultura, ainda que com área inferior à unidade de cultura legal, desde que se verifiquem os seus pressupostos próprios” (Ac. TRG de 21-05-2020; Relator(a): MARIA JOÃO MATOS, disponível in http://www.dgsi.pt), e a predita Lei nº 111/2015, de 27 de Agosto, que Estabelece o Regime Jurídico da Estruturação Fundiária, apenas entrou “em vigor 30 dias após a sua publicação” (artº 65º Lei 111/2015, de 27-08), ou seja, em 26-09-2015;
Nestes termos, e nos mais que V.Exª.s suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, como é de direito e Justiça

A Recorrida/Autoridade Tributária veio apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 11 de maio de 2021, nas quais não incluiu Conclusões, terminando, afirmando que, “Nestes termos, e nos demais de direito aplicável, que V. Exas. doutamente suprirão, deverá esse Douto Tribunal negar provimento ao presente recurso por a douta sentença estar de acordo com o previsto na lei, improcedendo o pedido com as demais consequências legais.”

O Recurso veio a ser admitido por despacho de 13 de maio de 2021, onde se sustenta a decisão recorrida, atentas as nulidades suscitadas, nos seguintes termos:

Nas alegações de recurso o Recorrente alega a nulidade da sentença ao abrigo do artigo 615.º, n.º 1, alíneas c) e d) do CPC referindo que existe contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão proferida e omissão de pronuncia.
Vejamos.
Preceitua o artigo 615.º do CPC, o seguinte:
«Artigo 615.º
Causas de nulidade da sentença
1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
2 - A omissão prevista na alínea a) do número anterior é suprida oficiosamente, ou a requerimento de qualquer das partes, enquanto for possível colher a assinatura do juiz que proferiu a sentença, devendo este declarar no processo a data em que apôs a assinatura.
3 - Quando a assinatura seja aposta por meios eletrónicos, não há lugar à declaração prevista no número anterior. 4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.»
Apreciemos.
As nulidades da sentença são típicas e únicas e não se confundem com o erro de julgamento; as primeiras contendem com a validade intrínseca da decisão, o segundo com o mérito da decisão.
Conforme salienta Antunes Varela, in “Manual de Processo Civil”, p. 686, no sentido de delimitar o conceito, face à previsão do artigo 615.º do CPC, “não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário (…) e apenas se curou das causas de nulidade da sentença, deixando de lado os casos a que a doutrina tem chamado de inexistência da sentença”.
Começando pela invocada nulidade prevista na alínea c) do transcrito artigo, temos que decorre de tal norma que o vício que afeta a decisão resulta da oposição entre os fundamentos e a decisão (1.º segmento da norma) ou de alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível (2º. segmento da norma).
A jurisprudência tem entendido que a nulidade suscitada está relacionada, por um lado, com a obrigação imposta pelos artigos 154.º e 607.º n.ºs 3 e 4 do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 1.º do CPTA, de o juiz fundamentar os despachos e as sentenças e, por outro, pelo facto de a sentença dever constituir um silogismo lógico-jurídico, em que a decisão deverá ser a conclusão lógica da norma legal (premissa maior) com os factos (premissa menor), e que não ocorre essa nulidade se o julgador errou na subsunção que fez dos factos à norma jurídica aplicável, ou se errou na indagação de tal norma ou da sua interpretação (cfr. Ac. do TRL de 09.07.2014, proferido proc. n.º 1021/09.3 T2AMD.L1-1).
A verdade é que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica. Se na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença.
Esta oposição, porém, não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta.
Isto é, quando o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, e, por sua vez, o Recorrente considera que não é bem assim, encontramo-nos perante erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade.
Visto o teor das alegações de recurso denota-se que não está alegada nenhuma oposição entre os fundamentos e a decisão nem nenhuma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Deste modo, afigura-se-nos, que, como acima salientámos, a questão invocada pelo Recorrente não se enquadra na apontada causa de nulidade de sentença, antes se prendendo com a subsunção dos factos às normas jurídicas efetuada pelo Tribunal recorrido e com a qual não se conforma.
Passando, agora, à análise da apontada nulidade prevista no artigo 615.º, nº. 1, alínea d), do CPC, esta ocorre quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, traduzindo-se no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artigo 608.º, n.º 2, do CPC, o qual consiste, por um lado, no dever de o juiz resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, excetuadas aquelas, cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro lado, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente).
Nas palavras de Alberto dos Reis, “são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer questões de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal qualquer questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”, in “Código de Processo Civil, anotado”, Vol. I pp. 284/285.
Ora, como se denota, o Recorrente não invoca qualquer omissão de pronúncia sobre questões invocadas no articulado. O que ele advoga é que o Tribunal não se pronunciou sobre um pedido que expos aquando a apresentação das alegações escritas. Ora, como está bom de ver, não é o meio próprio para invocar questões novas nem formular qualquer pedido.
Portanto, não ocorre qualquer omissão de pronúncia por este Tribunal.
Nestes termos, por entender que nenhuma nulidade foi cometida na sentença recorrida e que a mesma se mostra fundamentada nos termos da lei, mantenho os seus precisos termos.“

O Ministério Público junto deste Tribunal, tendo sido notificado em 24 de maio de 2021, veio a emitir Parecer no mesmo dia, terminando afirmando queO recurso deve ser julgado procedente.

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar

Vem imputada à sentença recorrida, erro de julgamento de facto e de direito, por errada apreciação da prova, errada determinação da norma aplicável, errada qualificação jurídica dos factos, omissão do princípio do inquisitório, nulidade da sentença, por contradição da fundamentação e da decisão e omissão de pronúncia, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto

Foi em 1ª Instância fixada a seguinte matéria de Facto dada como provada:

1. O Autor é dono e legítimo possuidor de parte de um prédio rústico sito no Lugar (...), , na freguesia de (...), , descrito na Conservatória do Registo Predial (...), sob o número 865/20111227, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo n.º 266.
– Cfr. docs. 3 e 4 juntos com a p.i., concretamente pp. 67 a 74 do SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
2. Em 15.11.2011, o Autor, juntamente com M., S. e J., apresentou no Serviço de Finanças de Barcelos, um pedido de discriminação do prédio inscrito na matriz rústica da freguesia da (...) sob o artigo 266 por englobar dois prédios distintos.
– Cfr. fls. 26V.º e ss. do processo administrativo junto a p. 119 do SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
3. O Autor foi notificado para o exercício de audição prévia para se pronunciar sobre o projeto da decisão do pedido referido em 2. que vai no sentido do indeferimento, através do ofício n.º 4837 de 09.10.2015, com o seguinte teor:
“Através de petição apresentada em 2011-11-15 solicitou e passo a citar: “...a discriminação do artigo 226 da matriz rústica da freguesia da (...), por englobar dois prédios juridicamente distintos”.
De seguida caracteriza cada um dos prédios, que considera como juridicamente distintos, indicando o tipo de cultura, as áreas, a localização e as confrontações.
Ao mesmo tempo informa também o modo como os respectivos titulares adquiriram o direito de propriedade de ambos os prédios.
Importa desde logo sublinhar que o procedimento e o processo tributário estão vinculados ao princípio da legalidade, significa que a atuação dos órgãos da Autoridade Tributária devem obedecer à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhe estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes foram concedidos (conceito plasmado no art.° 3. ° do CPA).
Resulta do texto do pedido que, na verdade, o que pretende é que o prédio inscrito na matriz rústica sob o artigo 226, seja eliminado e em sua substituição sejam inscritos na mesma matriz, dois prédios rústicos autónomos.
Daí que para que o pedido proceda pressupõe que haja uma previsão legal que legitime a pretensão.
Na verdade, ao abrigo do art.° 106. ° alínea e) do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), poderá solicitar a inscrição de dois, ou mais, novos prédios na matriz no caso de divisão do prédio, o que in casu não se verifica, considerando que não juntou ao pedido qualquer documento válido para titular essa mesma divisão (ex: escritura, decisão judicial, ou outro).
A divisão ou fracionamento de prédios rústicos está, por regra, vedada por lei (vide art.° 1376 e seguintes do Código Civil.
A discriminação tem previsão legal no artigo 130. ° n.º 3 alínea h) do CIMI; esta norma opera no caso de prédios urbanos inscritos na matriz com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente,
Ou seja, quando estamos perante um prédio em regime de propriedade total (um único prédio) com andares ou divisões de utilização independente, deverá ser instaurado um procedimento administrativo que distribua (discrimine) o valor patrimonial do prédio por cada uma dessas partes de utilização independente.
Isto é, quando falamos em discriminação devemos entender, salvo melhor opinião, como distribuir o rendimento de um prédio inscrito na matriz (sem andares ou divisões de utilização independente) por cada uma das parcelas suscetíveis de utilização independente desse mesmo prédio.
Nesta conformidade, o pedido, por falta de previsão legal, é indeferido.
Porém, em cumprimento do princípio da participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito, designadamente, no artigo 60. ° n.º 1 alínea b) da Lei Geral Tributária, fica V. Exa. notificado para, querendo, se pronunciar, por escrito, no prazo de 15 dias, sobre o projeto de decisão de indeferimento.
De acordo com o disposto no artigo 57. °, n.º 3 do mesmo diploma, o prazo referido é contínuo e conta-se nos termos do Código Civil.”.
– Cfr. fls. 32 do processo administrativo junto a p. 119 do SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
4. Em 28.05.2019, o Chefe do Serviço de Finanças emanou despacho com o seguinte teor:
(Dá-se por reproduzido o documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
– Cfr. fls. 34V.º/35 do processo administrativo junto a p. 119 do SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
5. Pelo ofício n.º 1523 o Autor foi notificado da decisão referida em 4.
– Cfr. fls. 36V.º do processo administrativo junto a p. 119 do SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
6. Em 01.07.2019 o Autor apresentou recurso hierárquico da decisão referida no ponto 4., nos termos constantes de fls. 9/14 do processo administrativo junto a p. 119 do SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
7. Em 20.09.2019, no âmbito do processo de recurso hierárquico, o Chefe do Serviço de Finanças de Barcelos emitiu despacho no qual concluiu que não há fundamento para revogar a decisão recorrida e determinou a remessa dos autos para instância superior.
– Cfr. fls. 60/62 do processo administrativo junto a p. 119 do SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
8. Consta do documento designado “CADERNETA PREDIAL RÚSTICA”, além do mais, o seguinte:
“(…).
ELEMENTOS DO PRÉDIO
Ano de inscrição na matriz: 1988 Valor Patrimonial Inicial: €201,88
Valor Patrimonial Atual: €201,88 (…)
Área Total (ha): 0,124000
(…).
TITULARES
(…) Nome: D.
(…)
Tipo de titular: Propriedade Plena Parte: ½ (…)”.
– Cfr. doc. 3 junto com a p.i., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.”

IV – Do Direito

D. veio interpor recurso da decisão que julgou a presente Ação improcedente.

Discorreu-se em 1ª Instância, no que ao direito concerne e no que aqui releva, o seguinte:

“(...) Sustenta o Autor que o artigo 266 da matriz predial rústica da freguesia de (...) engloba dois prédios juridicamente distintos, designadamente (i) o prédio rústico denominado “Bouça dos Fornos”, terreno de bravio com a área de 5,255, 50 m2, que corresponde a metade do artigo 226 e estava inscrito na anterior matriz sob o artigo 153, pertencente em usufruto a M., e em raiz ou nua propriedade a S. e J. e (ii) o prédio rústico denominado “Bouça dos Fornos”, terreno de bravio com a área de 5.255,50, m2, situado no lugar (…), freguesia de (...), que corresponde a metade do artigo 226 e estava inscrito na anterior matriz sob o artigo 469, cuja propriedade plena lhe pertence.
De tal entendimento diverge a Entidade Demandada porquanto o meio utilizado, através da petição apresentada, não pode ser considerado como meio próprio e idóneo para se poder obter duas novas inscrições matriciais com fundamento na divisão. Apreciemos.
Nos termos do artigo 13.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, doravante CIMI, a inscrição dos prédios e a sua atualização na matriz realiza-se com base em declaração apresentada pelo sujeito passivo no prazo de 60 dias contados a partir da ocorrência de qualquer dos factos elencados da alínea a) a l) da norma, contemplando na sua alínea c), a modificação dos limites de um prédio e na alínea f), o conhecimento da não inscrição de um prédio na matriz.
Por outro lado, o interessado pode, a todo o tempo, reclamar de qualquer incorreção nas inscrições matriciais com base nos fundamentos referidos nas várias alíneas do n.º 3 do artigo 130, º do CIMI
(…)
Decorre do ponto 2. do probatório que o Autor apenas juntou com o pedido de discriminação matricial um levantamento topográfico com a discriminação dos prédios que entende estarem na mesma inscrição matricial.
A Entidade Demandada entende que tal documento não é idóneo para permitir a inscrição de dois novos prédios que “estão contidos” numa só inscrição pois tal situação corresponde a um fracionamento de prédio, não permitido por lei nos termos em que foi requerido. Analisemos.
(…)
Ademais, é pacífico que a presunção registral não abarca os limites ou confrontações dos prédios nem as inscrições matriciais que têm uma finalidade fundamentalmente fiscal, mas apenas a presunção segundo a qual o direito existe e pertence ao titular inscrito, podendo, aliás, as descrições ser alteradas com base em meras declarações dos titulares inscritos, escapando ao controle do conservador.
Nesse sentido, veja-se o entendimento perfilhado pelo TRC de 03.12.2013, proferido no proc. n.º 194/09.0TBPBL.c1, in www.dgsi.pt, segundo o qual:
“V - As presunções registrais emergentes do art.º 7º do Código do Registo Predial não abrangem fatores descritivos, como as áreas, limites, confrontações, do seu âmbito exorbitando tudo o que se relacione com os elementos identificadores do prédio. Apenas faz presumir que o direito existe e pertence às pessoas em cujo nome se encontra inscrito, emerge do facto inscrito e que a sua inscrição tem determinada substância -objeto e conteúdo de direitos ou ónus e encargos nele definidos (art. º80º n.º 1 e 2 do Código do Registo Predial).”
(…)
Estes arestos estão em plena concordância com o disposto no artigo 371.º do CC, de acordo com o qual os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas perceções da entidade documentadora.
É que sendo a composição, localização e limites dos prédios documentados pela entidade pública com base nas declarações dos interessados, a qual não vai verificar se essas declarações são ou não substancialmente verdadeiras, compreende-se que esses documentos, isto é, certidões prediais e matriciais apenas fazem prova plena, que o prédio existe e pertence ao titular inscrito e que as menções quanto à composição, limites e local onde se situa o prédio foram prestadas perante o funcionário mas não que as mesmas sejam verdadeiras.
(…)
Dúvidas não restam, por isso, que do conteúdo dos documentos apresentados para o efeito (planta topográfica e certidão do registo predial) possam extrapolar-se os efeitos probatórios invocados pelo Autor no que concerne à área do prédio em causa nos autos.
Assim, não se estando perante documentos com força probatória plena que, por si só, impusessem decisão diversa por parte da Entidade Demandada (nomeadamente uma decisão judicial), não se vislumbra qualquer ilegalidade na sua atuação.
Enfrentando agora a questão fulcral do presente pedido de condenação, maxime, o fracionamento do sobredito prédio, pois que o Autor, consoante já se disse, não pretende apenas a correção das áreas mas, primordialmente, o seu fracionamento, importa sublinhar que há muito que se discute entre nós a possibilidade de se adquirir parcela de terreno, antes parte de prédio rústico, logo, por fracionamento deste apto para cultura, quando a mesma fique a possuir uma área inferior à unidade de cultura legal prevista para a zona e natureza do solo em causa (variando ainda em função do tipo de culturas nele praticada), ou quando o prédio original assim remanesça.
Com efeito, pretendendo-se preservar e valorizar os solos aptos para utilização agrícola, florestal ou pecuária, cedo se procurou obstar ao excessivo fracionamento da respetiva propriedade, vendo-se o minifúndio como incompatível com a sua mais eficaz exploração económica; e tendo-se esta, não tanto como do interesse individual dos respetivos proprietários ou possuidores, e sim como do interesse de toda a comunidade nacional.
Compreende-se, por isso, que desde cedo se hajam editado normas tendentes a obstarem ao indesejável fracionamento dos terrenos de cultivo, nomeadamente pela definição do que fosse a sua unidade mínima de cultivo, variável, porém com a sua natureza (de sequeiro ou regadio), e com a zona do país.
Começa-se por referir o Decreto n.º 16731, de 13 de abril de 1929.
Lia-se no seu artigo 107.º ser «proibida, sob pena de nulidade e ainda quando derivada de partilha judicial ou extrajudicial, a divisão de prédios rústicos de superfície inferior a 1 hectare ou de que provenham novos prédios de menos de ½ hectare.».
Esta sanção de nulidade, cominada para a divisão de prédios rústicos de área inferior à legalmente estabelecida, manter-se-ia na Lei n.º 2116, de 18 de abril de 1962.
Com efeito, lia-se na sua Base I que os “terrenos aptos para cultura não podem fracionar-se em parcelas de área inferior a determinada superfície mínima, correspondente à unidade de cultura fixada pelo Governo para cada zona do país, ouvida a Corporação da Lavoura. Esta unidade pode variar, no interior de cada zona, em atenção às exigências técnicas de cultivo e às condições locais de natureza económico-agrária e social” (n.º 1); e cominavam-se como nulos os atos de divisão contrários ao disposto no seu n.º 1 (n.º 2).
Manteve-se ainda, na vigência desta lei, as áreas de cultura mínima a respeitar no fracionamento estabelecidas no artigo 107.º do Decreto n.º 16.731, de 13 de abril de 1929, exceto quanto aos distritos para os quais foram, entretanto expressamente fixadas, pela Portaria nº. 20302, de 7 de janeiro de 1964 e pela Portaria n.º 20623, de 6 de junho de 1964.
Foi posteriormente editado o CC de 1966.
Lê-se no seu artigo 204.º, n.º 2 que se entende por prédio rústico uma parte delimitada no solo e as construções nele existentes que não tenham autonomia económica.
Mais se lê, no seu artigo 209.º, que são divisíveis as coisas que podem ser fracionadas sem alteração da sua substância, diminuição de valor ou prejuízo para o uso a que se destinam.
(…)
Lê-se ainda, no artigo 1376.º, n.º 1 do CC, que os «terrenos aptos para cultura não podem fracionar-se em parcelas de área inferior a determinada superfície mínima, correspondente à unidade de cultura fixada para cada zona do país; importa fracionamento, para este efeito, a constituição de usufruto sobre uma parcela do terreno.».
Esteve, de novo, subjacente a esta disposição a assumida intenção do legislador de “eliminar os minifúndios pelos graves inconvenientes duma exploração rural que não reúna condições mínimas de rentabilidade” (cfr. Antunes Varela, RLJ, n.º 33849, p. 374).
A unidade de cultura viria a ser depois definida pela Portaria n.º 202/70, de 21 de abril, posteriormente revogada pela Portaria n.º 219/16, de 09-08, que entrou em vigor a 10.08.2016, diploma que fixa a unidade de cultura para diversas zonas do país, em função do tipo de terreno (terreno de sequeiro ou terreno de regadio) e, tratando-se de terreno de regadio, do tipo de cultura (arvense ou hortícola).
Considerando a localização do prédio no (cfr. ponto 1 dos factos provados) do terreno em causa, releva a unidade de cultura fixada para Cávado, com os valores seguintes: 2,5 hectares para terrenos de regadio, 4 hectares para terrenos de sequeiro.
(…)
Logo, e pela primeira vez face ao regime jurídico anterior, a violação das normas legais de proibição de fracionamento de prédios rústicos em áreas inferiores à unidade de cultura legal passou a ser sancionada com a anulabilidade, e já não com a nulidade.
Precisa-se, porém, que a referida proibição de fracionamento de prédios rústicos só opera quando os mesmos se mantenham destinados a exploração agrícola ou florestal (cfr. conforme artigo 1377.º do CC).
Seria depois publicado o Decreto-Lei n.º 384/88, de 25 de outubro, que estabeleceu as “Bases Gerais do Emparcelamento e Fracionamento de prédios rústicos e Explorações Agrícolas”, lendo-se no seu artigo 19.º, n.º 1 que ao fracionamento e à troca de terrenos com aptidão agrícola ou florestal se aplicam, não só as regras do respetivo diploma, como ainda as dos artigos 1376.º e 1379.º do CC.
O Decreto-Lei n.º 103/90, de 22 de março, viria a regulamentar aquelas bases gerais do emparcelamento e fracionamento de prédios rústicos e explorações agrícolas (sendo especialmente relevantes os seus artigos 44.º, 45.º e 46.º).
O posterior Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, que aprovou o Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), veio reiterar a aplicação ao fracionamento de prédios rústicos o disposto nos dois últimos diplomas mencionados (conforme respetivo artigo 50.º, n.º 1, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 60/2007, de 4 de setembro, atualmente revogado).
Mais recentemente, foi publicada a Lei n.º 111/2015, de 27 de agosto, que estabeleceu o Regime Jurídico da Estruturação Fundiária, com “o objetivo de criar melhores condições para o desenvolvimento das atividades agrícolas e florestais de modo compatível com a sua gestão sustentável nos domínios económico, social e ambiental, através da intervenção na configuração, dimensão, qualificação e utilização produtiva das parcelas e prédios rústicos” (cfr. respetivo artigo 1.º).
Lê-se no seu artigo 48.º, n.º 1 que ao fracionamento e à troca de parcelas aplicam-se, além das regras dos artigos 1376.º a 1381.º do Código Civil, as disposições da presente lei.
Contudo, o artigo 59.º deste diploma veio conferir nova redação ao artigo 1379.º do CC, lendo-se agora no mesmo: «São nulos os atos de fracionamento ou troca contrários ao disposto nos artigos 1376.º e 1378.º» (n.º 1); «São anuláveis os atos de fracionamento efetuado ao abrigo da alínea c) do artigo 1377.º se a construção não for iniciada no prazo de três anos» (n.º 2); «Tem legitimidade para a ação de anulação o Ministério Público ou qualquer proprietário que goze do direito de preferência nos termos do artigo seguinte» (n.º 3); «A ação de anulação caduca no fim de três anos, a contar do termo do prazo referido no n.º 2» (n.º 4).
Logo, indiscutível e expressamente, o CC passou desde então a cominar de nulos - e já não apenas de anuláveis - os atos de fracionamento das propriedades rústicas em violação das normas do seu prévio artigo 1376.º (à semelhança do que sucedia antes da sua publicação).
(…)
Das várias disposições legais aplicáveis, acrescentam as Autoras (in ob.cit. pp. 411/412), resulta que “O proprietário de terreno que dele queira dispor em parcelas ou frações só poderá exercer esse direito de disposição se cada uma das unidades fundiárias que se vier a formar tiver área não inferior à unidade de cultura, fixada pela Portaria n.º 202/70, que exerce uma dupla função: de limite ao fracionamento, proibido abaixo da área fixada para aquela; de meta para que tendem certos emparcelamentos, através do direito de preferência e de troca”.
(…)
Daqui decorre que o fracionamento de um prédio rústico pressupõe, não apenas a sua divisão em duas ou mais parcelas, mas também a respetiva transferência para dois ou mais proprietários, ocorrendo aquando da prática do ato translativo da propriedade.
(…)
Na verdade, in casu, não há que averiguar se é aplicável a invocada proibição de fracionamento e, em caso afirmativo, se a superfície das parcelas decorrentes da divisão viola o limite mínimo à data fixado para o tipo de terreno e de cultura na zona geográfica em causa, na medida em que não operou, nem pode operar o fracionamento, dado a falta de título legitimador.
Por conseguinte, não existe nos autos qualquer título/documento através do qual se tenha operado a divisão do prédio e a transferência de cada uma das parcelas para diferentes proprietários, pelo que, bem andou a Entidade Demandada ao indeferir a pretensão do Autor.
Por tudo o exposto, mostra-se improcedente a pretensão do Autor de condenação à prática do ato de correção de áreas e consequente discriminação matricial (fracionamento do prédio).
Pedido de indemnização
Conforme acima adiantado, o Autor cumula com o pedido de condenação um pedido indemnizatório.
Para o efeito, sustenta que a recusa da requerida discriminação do artigo 226 da referida matriz rústica é fonte de “intoleráveis” danos patrimoniais e não patrimoniais, na medida em que o impede de livremente dispor do mesmo, nomeadamente não lhe permite exercer o seu direito de capitalizar o valor do prédio, causando-lhe, ainda, grande incómodo, angústia, apreensão e revolta, com repercussões ao seu agregado familiar. (…)
Fundando o Autor a obrigação de indemnizar na prática de um ato administrativo ilegal (esta é, pelo menos, a configuração da relação material controvertida), estamos in casu perante o instituto da responsabilidade civil extracontratual em virtude do exercício da função administrativa, sendo aplicável o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, aprovado em anexo à Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro.
Diploma que, de resto, confere corpo e sentido à disposição que ressalta do artigo 22.º da CRP (Constituição da República Portuguesa), que consagra o princípio geral da responsabilidade do Estado e das demais entidades públicas, por danos causados no exercício das suas funções.
Porém, quer no referente aos pressupostos da responsabilidade civil aquiliana do Estado e demais pessoas coletivas públicas, fonte da obrigação de indemnização, quer quanto ao conteúdo dessa obrigação, aquela lei manteve por referência o regime geral da responsabilidade civil, nomeadamente o estatuído nos artigos 483.º e 562.º a 572.º, do CC.
Assim, para se poder efetivar a responsabilidade do Estado e demais pessoas coletivas públicas por ato ilícito, praticados pelos seus órgãos ou agentes, exige-se a verificação cumulativa de cinco pressupostos: o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano – cfr. artigo 7.º, n.ºs 1, 3 e 4, da Lei nº 67/2007 de 31 de dezembro.
Por seu turno, em termos de ónus de alegação e prova, por aplicação do artigo 487.º, n.º 1, do CC, é ao Autor e lesado que compete, por regra, não só a prova da culpa do autor da lesão, mas também o ónus de alegação e prova dos factos constitutivos do direito invocado – cfr. artigo 342.º, n.º 1, do CC.
Ou seja, ao Autor e lesado compete expor na sua petição inicial, a causa de pedir, o ato ou facto concreto (simples ou complexo) donde emerge o direito que invoca e se propõe fazer valer em juízo – teoria da substanciação [cfr. artigos 78.º, n.º 1, alínea f), do CPTA e 552.º, n.º 1, alínea a), do CPC].
No que se refere à causa de pedir nas ações de responsabilidade civil é, em regra, complexa, isto é, não se circunscreve ao facto gerador dos danos, antes assenta em vários factos que entrecruzados fundamentam a pretensão do autor/lesado. (…)
Quanto ao primeiro pressuposto para a efetivação da responsabilidade - o facto - deve ser um comportamento ou uma conduta voluntária do agente – porque objetivamente controlável ou dominável pela sua vontade - praticado no exercício das suas funções e por causa delas.
Pode ser um facto positivo – uma ação – ou um facto um facto negativo – uma omissão.
O facto pode traduzir-se, também, num ato jurídico ou num ato ou conduta material – cfr. artigo 7.º, n.º 1, da Lei nº 67/2007 de 31 de dezembro.
No que concerne à ilicitude, é a que advém da violação, por aquele facto, de disposições ou princípios, constitucionais, legais ou regulamentares, ou de regras de ordem técnica, ou de deveres objetivos de cuidado, que se destinam a proteger interesses alheios e de que resulte a ofensa de direitos e interesses legalmente protegidos - cfr. artigo 7.º, n.ºs 1, 3 e 4 e 9.º da Lei nº 67/2007 de 31 de dezembro.
Para que o facto seja ilícito não basta, portanto, a conduta, mas é ainda necessário que a mesma produza um dado resultado.
Ou seja, para efeitos de integração dos pressupostos de responsabilidade civil, não basta que haja uma mera violação de uma disposição legal – uma ilicitude de conduta – mas a lei exige, ainda, que aquela violação se traduza numa ofensa de uma disposição legal que se destina a proteger interesses alheios, designadamente, exige-se que resultem violados direitos ou interesses juridicamente protegidos dos administrados, ou disposições legais destinadas a assegurar posições jurídico-subjetivas dos cidadãos – exige-se, assim, também, uma ilicitude de resultado (cfr. o artigo 9.º da Lei nº 67/2007 de 31 de dezembro).
(…)
Quanto ao pressuposto culpa, reporta-se ao nexo de imputação ético-jurídico que liga o facto à vontade do agente.
Conforme artigo 10.º, n.ºs 1 e 2, da Lei nº 67/2007, de 31 de dezembro, a culpa dos titulares de órgãos, funcionários e agentes deve ser apreciada pela diligência e aptidão que seja razoável exigir, em função das circunstâncias de cada caso, de um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor.
Ainda nos termos dos mencionados preceitos, sem prejuízo da demonstração de dolo ou culpa grave, presume-se a existência de culpa leve na prática de atos jurídicos ilícitos.
Os artigos 9.º, n.º 2 e 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, na esteira do que foi sendo desenvolvido pela jurisprudência e já vinha determinado no anterior Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de dezembro de 1967, admite, também, a chamada “culpa do serviço”.
Trata-se de uma figura que dispensa culpa subjetiva, personalizada na pessoa de um concreto funcionário ou agente, e que remete para uma culpa anónima ou coletiva, que resultará do deficiente funcionamento generalizado do serviço, de um “funcionamento anormal do serviço”.
(…)
O dano será a lesão ou prejuízo de ordem patrimonial ou não patrimonial, produzido na esfera jurídica do terceiro, ora Autor.
O pressuposto nexo de causalidade remete para teoria da causalidade adequada, consagrada no artigo 563.º do CC, na sua formulação negativa, nos termos da qual “a obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.
Revertendo o ante exposto para o caso dos autos, temos que o facto corresponde à recusa da pretensão do Autor, maxime, o pedido de fracionamento do prédio, nele incluído a correção de áreas.
Quanto ao pressuposto da ilicitude, e consoante já se disse aquando da análise do pedido de condenação, e que agora nos limitamos a remeter por questões de economia processual, a atuação da Entidade Demandada não padece de qualquer ilegalidade, e, por consequência, nenhuma ilicitude se poderá apontar à sua conduta.
Por conseguinte, sendo cumulativos os requisitos legais inerentes à responsabilidade civil, e concluindo pela ausência do segundo pressuposto (ilicitude), forçosamente será de concluir pela improcedência deste pedido, sem necessidade de analisar os demais pressupostos. Improcede, assim, o pedido condenatório.
Nestes termos, improcede in totum, a presente ação, devendo a Entidade Demandada ser absolvida do pedido.”
Vejamos:
Refira-se que se adotará o entendimento preconizado, nomeadamente, no Acórdão do TCAS nº 09139/15, de 12-12-2017, no qual se sumariou que “Perante o pedido que lhe foi dirigido no sentido de proceder à atualização da matriz, de acordo com o proprietário que consta da inscrição feita na Conservatória do Registo Predial, o Chefe de Finanças deve proceder ao averbamento de alteração de titular à matriz, por ser essa a inscrição que resulta do Registo Predial.
2) A inscrição no Registo Predial, salvo impugnação através do meio próprio, faz prova do direito e da titularidade do mesmo.
3) A impugnação da veracidade do Registo Predial é obtida através do suprimento, retificação ou reconstituição do registo.”
Efetivamente, e como afirmado pelo Ministério Público, já nesta instância “(…) a AT ao não se conformar com a presunção derivada do registo predial devia ter lançado mão do meio processual adequado, ou seja, o suprimento, retificação ou reconstituição do registo (artigos 116.º a 139.º do CRP), o que não sucedeu no caso em exame.
Recorde-se que constitui dever do Chefe de Finanças competente proceder à atualização oficiosa da inscrição na matriz, particularmente no que respeita à identidade do proprietário do prédio (artigo 13.º/3), alínea c), do CIMI).
Em face do exposto, o Chefe de Finanças, perante o pedido que lhe foi dirigido no sentido de proceder à atualização da matriz, de acordo com o proprietário que consta da inscrição feita na Conservatória do Registo Predial, devia ter procedido em conformidade. Por tal resultar do Registo Predial, o qual, salvo impugnação através do meio próprio, faz prova do direito e da titularidade do mesmo.
No nosso caso, a reforçar a posição do Autor está também os processos de liquidação de imposto sucessório que apontam para a existência de dois diferentes prédios, integrados em acervos hereditários distintos e com impostos sucessórios liquidados diferentes e correspondentes a cada um.
Que a AT aceitou. Liquidados sobre o que antes foram dois prédios distintos com os nºs 153 e 469.
Claro que a AT tem de estar atenta e, no respeito do bloco de legalidade, não pode permitir que por correção ou alteração das matrizes, “fintando” o artigo 1376 do C. Civil, se acabe a obter o fracionamento de prédios rústicos contra legem, nomeadamente com violação da unidade mínima de cultura.
Só que no caso sub specie nos parece que não se coloca a questão da violação do artigo 1376 do C. Civil. Pela simples razão de que a unicidade do prédio deixou de existir desde que, há mais de nove anos, por título diverso, na CRP passaram a constar dois prédios distintos, com identidades próprias e com titulares distintos.
Mesmo desconsiderando que em termos matriciais já foram unidades distintas, nºs 153 e 469, e que entretanto matricialmente se uniram, nº 226, certo é que a matriz se limita a efeitos de indicação/presunção do SP fiscal em termos de IMI devendo ceder para o efeito da questão do alegado fracionamento perante a divisão já existente na CRP.
Cremos, por isso, que o citado artigo 1376 do C. Civil não pode considerar-se obstáculo à pretendida correção matricial perante a divisão dos prédios já inscrita no registo predial, com a força probatória daí decorrente.

A não ser assim, estar-se-á a eternizar uma divergência entre a inscrição matricial e o registo feito na Conservatória de Registo Predial, com perniciosas consequências, nomeada e principalmente para os titulares dos referidos prédios.

Com relevância para a apreciação que se fará, mutatis mutandis, consta do aludido acórdão do TCAS, o seguinte discurso fundamentador:
«O registo predial destina-se essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário» - artigo 1.º do Código do Registo Predial - CRP, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224/84, de 6 de Julho, com alterações posteriores.
«Os factos sujeitos a registos só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respetivo registo» - artigo 5.º/1, do CRP.
«O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define» - artigo 7.º do CRP.
Tal como se refere na sentença recorrida, «existindo uma presunção de titularidade do artigo inscrito na matriz sob o n° 224, a favor de C..., a Administração Tributária, perante a documentação apresentada pelo A., entre ela, uma certidão do registo predial onde tal consta, deveria ter aceitado o pedido de atualização da matriz quanto ao seu titular».
A recorrente ao não se conformar com a presunção derivada do registo predial devia ter lançado mão do meio processual adequado, ou seja, o suprimento, retificação ou reconstituição do registo (artigos 116.º a 139.º do CRP). O que não sucedeu no caso em exame.
Recorde-se que constitui dever do Chefe de Finanças competente proceder à atualização oficiosa da inscrição na matriz, particularmente no que respeita à identidade do proprietário do prédio (artigo 13.º/3), alínea c), do CIMI).
Em face do exposto, o Chefe de Finanças de ..., perante o pedido que lhe foi dirigido no sentido de proceder à atualização da matriz, de acordo com o proprietário que consta da inscrição feita na Conservatória do Registo Predial, devia ter procedido em conformidade.
Ou seja, o Chefe de Finanças de ... deve proceder «ao averbamento de alteração de titular à matriz n.º 224, passando a constar C...», por ser essa a inscrição que resulta do Registo Predial, o qual, salvo impugnação através do meio próprio, faz prova do direito e da titularidade do mesmo.

Feito o enquadramento das questões controvertidas, vejamos agora o recursivamente suscitado.

No que concerne à factualidade dada com provada aqui disponível e aqui relevante, resulta que o Autor, aqui Recorrente, é titular do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial (...), sob a ficha 865/Freguesia (...), e inscrito na “MATRIZ nº 226”.

No que concerne aos invocados erros na fixação da matéria de facto, entende-se que o Recorrente não logrou demonstrar tal circunstância, o que não invalida que, com base na factualidade dada como provada, se não possa decidir de modo divergente, atentos, nomeadamente, os registos prediais vigentes, enquanto elementos documentais que asseguram e promovem a publicidade, assegurando a oponibilidade a terceiros dos direitos validamente adquiridos.

Na realidade, “o registo predial destina-se essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário”, excetuando os casos expressamente previstos na lei.

“Os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respetivo registo” (artºs 1° e 5° do DL n.º 224/84, de 06 de Julho; CÓDIGO DO REGISTO PREDIAL – CRP),

É incontornável que “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define” (cit. artº 7º, CRP), sendo que “As inscrições matriciais só para efeitos tributários constituem presunção de propriedade” [cit. nº 5, artº 12º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis – CIMI].

O que é facto é que a Entidade aqui Recorrida não logrou ilidir a presunção de acordo com a qual o direito de propriedade registado a favor do aqui Recorrente existe nos termos predialmente registados, sendo que aquela Entidade, não alegou, e menos ainda provou, que tenha interposto qualquer ação tendo como objetivo a impugnação dos controvertidos registos prediais.

Aqui chegados, por falta de impugnação autónoma, e de modo a pôr cobro a uma divergência insanável por via administrativa, que se não poderá eternizar, importa que a Entidade Recorrida adeque as suas inscrições matriciais aos registos Prediais, tal como requerido, procedendo à discriminação matricial do referido artigo 266 matriz rústica da freguesia da (...), de modo a que sejam inscritos na matriz, dois prédios rústicos autónomos, harmonizando-as com os correspondentes registos Prediais.

Com efeito, o que singelamente está em causa é fazer com que dois prédios registados na Conservatória do Registo Predial (...), sob as fichas 865 e 862, ambas da Freguesia (...) e que se encontram inscritos na matricialmente sob o mesmo artigo 266, deixem de o estar, adequando a situação factual ao estatuído no nº 2 do art. 79º do Cód. Reg. Predial, que refere que de cada prédio é feita uma descrição distinta, sendo que deverá ser obtida a necessária harmonização com a matriz, como resulta do nº 3 do artigo 28º, Cód. Reg. Predial, por forma a que possa ser obtida a verdade material dos factos pertinentes, como sublinhado no Acórdão do STA nº 0178/03, de 10-02-2004.

Como resulta do Parecer do Ministério Público nesta instância, importa não perder de vista que o controvertido Artigo matricial 226 resultou já anteriormente de duas unidades matriciais distintas, com o nºs 153 e 469, pelo que a requerida harmonização com os registos Prediais, em bom rigor, não subverte o estatuído no artigo 1376º do C. Civil, antes repõe a referida “verdade material dos factos pertinentes”.

Acresce, tal como igualmente refere o Ministério Público, “que a unicidade do prédio deixou de existir desde que, há mais de nove anos, por título diverso, na CRP passaram a constar dois prédios distintos, com identidades próprias e com titulares distintos.

No que concerne já ao facto de em 1ª instância ter sido ignorado o pedido subsidiário, tendente à obtenção do reconhecimento da aquisição originária, por usucapião do bem identificado, entende-se que o referido pedido subsidiário extravasa o objeto da presente Ação, pois que não resulta do “desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo”.

Está em causa na presente Ação predominantemente, e nas palavras do próprio Autor, aqui Recorrente, “proceder à discriminação matricial do acima referido imóvel/prédio rústico, (…), mediante execução da recusada ou indeferida discriminação matricial do predito imóvel/prédio rústico”, pelo que o pedido subsidiário não é consequente nem tem qualquer relação direta com o objeto da Ação.

Não menos importante é o facto do pretendido reconhecimento da usucapião não ser, por natureza, competência dos Tribunais Administrativos, pelo que sempre careceriam estes de legitimidade para tal reconhecimento.

Assim, a omissão de pronuncia do tribunal de 1ª Instância relativamente à referida questão não tem efeitos invalidantes, pois que o referido pedido sempre seria rejeitado.

Finalmente, e no que concerne ao pedido indemnizatório apresentado pelo Recorrente, ratifica-se o essencial do discorrido na Sentença Recorrida a este respeito, de acordo com a qual se não mostram integralmente preenchidos os requisitos cumulativos da Responsabilidade Civil, em face do que não se reconhece igualmente a verificação de tal direito na esfera jurídica do Recorrente.
* * *

Deste modo, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder parcial provimento ao Recurso Jurisdicional apresentado, devendo a Entidade Recorrida proceder à atualização do Artigo matricial nº 226, de modo a que os titulares dos prédios constantes do Registo Predial correspondentes à referida identificação matricial, passem a ter diferente artigo matricial identificativo.
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Custas pelo Recorrente (1/3) e Entidade Recorrida/AT (2/3).
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Porto, 2 de julho de 2021

Frederico de Frias Macedo Branco
Nuno Coutinho
Paulo Ferreira de Magalhães