Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00863/08.1BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:12/16/2016
Tribunal:TAF de Braga
Relator:João Beato Oliveira Sousa
Descritores:ESTUFA DE FLORICULTURA; LICENCIAMENTO MUNICIPAL
Sumário:As exigências previstas no artigo 72º do RPDM de Viana do Castelo para construção em zona identificada no PDM como non aedificandi aplicam-se às operações urbanísticas “não exclusivamente agrícolas” sujeitas a licenciamento nos termos da lei geral, categoria em que não se incluem as estufas de floricultura que estão em causa nestes autos. *
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:VF - Comércio Internacional de Flores, Lda
Recorrido 1:Município de Viana do Castelo
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser confirmada a decisão recorrida, com prejuízo do conhecimento do recurso subordinado.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes da 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
VF - Comércio Internacional de Flores, Lda veio interpor recurso do acórdão do Colectivo do TAF de BRAGA indeferiu a reclamação para a conferência da sentença que julgou totalmente improcedentes as acções administrativas especiais nº 863/08 e 698/09.4, cuja apensação foi ordenada, intentadas contra o Município de Viana do Castelo e, em consequência, absolveu dos pedidos formulados a entidade demandada.
Na acção a Autora formula os seguintes pedidos.

Proc. 863/08.1

A) Ser anulado o despacho de 21 de Fevereiro de 2008 do Vereador da Área de Gestão Urbanística, que ordenou o embargo dos trabalhos de limpeza e preparação da parcela de terreno supra identificada e que constitui o acto impugnado;

B) Ser o R. condenado a pagar à A., a título de indemnização pelos danos causados e já apurados em consequência do acto ilegal, a quantia de € 28.440,00, acrescida de juros de mora desde a citação e até integral pagamento;

C) Ser o R. condenado a pagar à A. em liquidação em execução de sentença os danos já sofridos e discriminados mas ainda não computados;

D) Ser o R. condenado nas custas devidas a juízo.

Proc. nº 698/09.4:

A) Ser anulado o despacho de 23 de Janeiro de 2009 do Vereador da Área de Gestão Urbanística, que ordenou o embargo dos trabalhos de montagem de estruturas para estufas na parcela de terreno supra identificada e que constitui o acto impugnado;

B) Ser o R. condenado a pagar à A., a título de indemnização pelos danos causados e já apurados em consequência do acto ilegal, a quantia de € 28.440,00, acrescida de juros de mora desde a citação e até integral pagamento;

C) Ser o R. condenado a pagar à A. em liquidação em execução de sentença os danos já sofridos e discriminados mas ainda não computados.

D) Ser o R. condenado nas custas devidas a juízo.

*
O Recorrido, por sua vez, veio interpor recurso subordinado.

Em alegações a Recorrente VF formulou as seguintes conclusões:

1ª A sentença recorrida considerou que a instalação de estufas não carece de licenciamento municipal.

2ª A sentença recorrida considerou que não era possível à Recorrente instalar estufas no local em causa por se tratar de uma zona non aedificandi, sob pena de violação dos artigos 72º e 73º do Regulamento do PDMVC, considerando, por isso, legais os actos sob impugnação.

3ª A instalação de uma estufa de floricultura se enquadra no que é um projecto de emparcelamento, pois não implica o fraccionamento ou a dispersão da propriedade.

4ª O Recorrido nunca invocou em sua defesa que as estufas em causa não possuíam interesse municipal, mas apenas que era necessária licença e que faltava o estudo prévio a elaborar pela DRAEDM.

5ª Em procedimento administrativo igual ao da Recorrente - de instalação de estufas -, o TCA Norte, por acórdão de 17.11.2011 considerou que a falta da manifestação formal do interesse municipal na instalação de estufas de floricultura por parte do Recorrido, quando todas as demais entidades se pronunciaram favoravelmente, não implicava a nulidade da licença concedida.

6ª A doutrina do acórdão em causa aplica-se sem mais ao caso sub judice, não se concordando ainda com a conclusão da sentença recorrida (último parágrafo da página 9) de que o Recorrido não manifestou interesse municipal na instalação das estufas, pois este argumento nunca foi pelo próprio invocado.

7ª Não se vislumbra qualquer razão, pelo menos lícita, para que o Recorrido autorize uma estufa de floricultura, no mesmo local, a uma pessoa e não a autorize a outra pessoa.

8ª As áreas ou zonas “non aedificandi” constituem restrições ou limitações ao uso livre dos solos, com a proibição de intervenções urbanísticas, designadamente a construção de edifícios.

9ª A Recorrente não construiu nenhum edifício ou algo de equivalente, mas apenas umas estufas, que constituem uma “…estrutura totalmente pré-fabricada, em metal e vidro e apenas mantêm contacto com o solo ao nível dos prumos que suportam a estrutura superior, sendo amovíveis” – cfr. facto provado 16.

10ª A instalação de uma estufa não viola a norma do artigo 72º do PDMVC, porquanto não é um edifício ou uma construção, assegurando-se assim a limitação que o normativo em causa pretende assegurar.

11ª Quando o legislador do Regulamento do PDMVC escreveu que as zonas de emparcelamento são “non aedificandi” apenas quis evitar que se pudesse construir naqueles locais, e não que fosse proibido instalar estufas para floricultura.

12ª As excepções consagradas pelo artigo 73º do PDMVC são de edificações, que nada têm que ver com o uso do solo, o que se alcança quanto a norma em questão refere “…utilização não agrícola do solo…”.

13ª Mal se compreenderia que numa zona de emparcelamento - destinada por excelência à agricultura, floricultura e pecuária - não fosse possível instalar estufas para o desenvolvimento de uma destas actividades; foi precisamente para estimular estas áreas de negócio e criar melhores condições para a sua prática que se procedeu à operação de emparcelamento em causa.

14ª Ao decidir em sentido contrário ao defendido, violou a sentença recorrida o disposto nos artigos 72º e 73º do PDMVC.

15ª A revogação da sentença recorrida implica a remessa dos autos à primeira instância para conhecimento do pedido indemnizatório formulado pela Recorrente.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a douta sentença recorrida e substituindo-a por outra que julgue ilegais os actos impugnados, ordenando-se a posterior remessa dos autos à primeira instância para conhecimento do restante petitório, assim se fazendo Justiça.

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Por seu turno o Recorrido, em contra alegação e recurso subordinado, formulou as seguintes conclusões:

I. Salvo o devido respeito, o prédio no qual a recorrente pretende instalar a estufa e a construção destinada a embalamento encontra-se em espaço pertencente à Reserva Agrícola Nacional (RAN), integrando a área do emparcelamento agrícola da Veiga da Areosa-C...-Afife, de acordo com a Resolução do Conselho de Ministros n.º 184/96, publicada no DR, n.º 274, I Série – B de 26 de Novembro de 1996.

II. Trata-se de área non aedificandi, como resulta, inequivocamente, do texto do art. 72.º/1 do Regulamento do PDM de Viana do Castelo (na redacção que lhe foi dada pela deliberação da Assembleia Municipal de Viana do Castelo de 28.11.1997, publicada no DR, II Série, n.º 66, de 19.03.1998).

III. As únicas excepções que o RPDMVC admite, encontram-se previstas no art. 73.º: “As construções previstas nos projectos de emparcelamento, a construção de infra-estruturas e de equipamentos públicos de reconhecido interesse municipal sem localização alternativa viável, …e nas condições das respectivas alíneas”, sendo que as mesmas não são aplicáveis ao caso presente.

IV. A estufa e a construção destinada ao embalamento pretendidas pela recorrente não se integram nos conceitos de construções previstas pelo projecto de emparcelamento, nem lhes foi reconhecido interesse municipal, sendo que o recorrido não só não emitiu qualquer declaração formal e expressa a reconhecer o interesse público municipal da estufa e respectiva construção de apoio bem como a declarar a inexistência de qualquer localização alternativa viável, como toda a conduta do recorrido demonstra de forma clara e inequívoca que não existe o referido interesse municipal.

V. A violação de um qualquer instrumento de gestão territorial aplicável, no caso a violação do PDM de Viana do Castelo, comina com a sanção de nulidade todos os actos administrativos ou operações praticados em violação das regras estabelecidas nos mesmos, constituindo acto vinculado para os órgãos do Município a declaração de nulidade dos mesmos. – art. 103.º do DL n.º 380/99 de 22.09.

VI. A recorrente ao desrespeitar o acto de indeferimento das suas pretensões, fazendo o nivelamento do seu terreno e destruindo a respectiva cobertura vegetal, e, consequentemente ao violar o disposto no DL n.º 380/99 de 22.09 quanto à realização de trabalhos em área de RAN, não deixou outra alternativa ao recorrido que não fosse a de proferir uma decisão de embargo dos trabalhos realizados, nos termos do art. 105.º do referido DL.

VII. Donde resulta que os despachos de embargo, que se sustentaram e fundamentaram na informação prestada pela Divisão Jurídica da CMVC, tenham plena justificação factual e legal, não se encontrando feridos de qualquer vício, designadamente de violação da lei, como a recorrente alega.

VIII. Sem prescindir do acima alegado, e apenas na hipótese de o recurso interposto pela A. vir a ser julgado procedente, sempre se dirá que, não obstante o TCA ter ordenado a baixa do recurso ao TAF de Braga para aí ser apreciado a título de reclamação para a conferência, competia em exclusivo a este Tribunal (recorrido) apreciar e decidir sobre a admissão da reclamação e verificação do preenchimento ou não de todos os pressupostos processuais previstos para a sua utilização e dos quais depende a regularidade da acção, o que o TAF de Braga manifestamente omitiu.

IX. No caso, a reclamação para a conferência deveria ter sido rejeitada liminarmente por não estar preenchido um dos requisitos de que depende a admissão da mesma, no caso, o prazo.

X. O prazo previsto na lei e, em particular, no art. 29.º/1 do CPTA para reclamar para a conferência é de 10 dias após a notificação da sentença, sendo que, a Autora interpôs recurso jurisdicional no prazo de 30 dias.

XI. A sentença foi notificada às partes em 06.07.2012 e a A. apresentou o requerimento de interposição de recurso e as respectivas alegações de recurso em 26.09.2012, ou seja, 30 dias após a notificação da sentença, tendo em conta a suspensão do prazo de recurso durante o período de férias judiciais.

XII. No momento em que a A. interpôs recurso da sentença do TAF de Braga já tinha terminado o prazo para a reclamação para a conferência, ou seja, para efeitos de convolação no meio processual adequado, o prazo de reclamação para a conferência encontrava-se já ultrapassado, sendo que convolação do recurso em reclamação para a conferência não poderia já ser feito, por manifesta extemporaneidade, motivo pelo qual a reclamação para a conferência deveria ter sido liminarmente rejeitada/indeferida.

XIII. A admissão e a verificação do preenchimento dos requisitos de que depende a reclamação para a conferência constitui questão de conhecimento oficioso para a formação de juízes do tribunal recorrido, sendo que o Tribunal “a quo” tem o dever de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso não suscitadas pelas partes - artº.608/2 do CPC, aplicável ex vi do art. 1.º do CPTA.

XIV. Ao não apreciar se se encontravam ou não preenchidos os requisitos de que depende a admissão da reclamação para a conferência e, consequentemente ao não indeferir liminarmente a reclamação por falta de preenchimento do requisito do prazo, a douta sentença recorrida violou o disposto no art.º 29.º/1 do CPTA, pelo que deverá ser revogada e substituída por outra que rejeite liminarmente a reclamação por manifesta extemporaneidade.

PEDIDO:

TERMOS EM QUE, E NOS DO DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXªS.:

1. DEVE SER NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELA RECORRENTE;

2. SUBSIDIARIAMENTE, E PARA O CASO DE, CONTRA AQUILO QUE SE ESPERA E ADMITE, TAL PEDIDO NÃO VIR A PROCEDER, DEVE SER DADO PROVIMENTO AO RECURSO SUBORDINADO INTERPOSTO PELO RECORRENTE MUNICÍPIO DE VIANA DO CASTELO E, EM CONSEQUÊNCIA, JULGAR-SE VERIFICADA A IMPOSSIBILIDADE DE CONVOLAÇÃO OFICIOSA PARA A FORMA PROCESSUAL ADEQUADA, NO CASO, O RECURSO JURISDICIONAL EM RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA, POR MANIFESTA EXTEMPORANEIDADE DA RECLAMAÇÃO (ART. 29º/1 CPTA), REVOGANDO-SE, NESSA PARTE, A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA.

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O Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de ser confirmada a decisão recorrida, com prejuízo do conhecimento do recurso subordinado.
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QUESTÕES A RESOLVER
No recurso interposto pela Autora o tema do recurso incide sobre o alegado erro de julgamento cometido pelo TAF ao entender que a instalação das estufas para floricultura em zona non aedificandi incorria em violação dos artigos 72º e 73º do PDMVC.

Quanto ao recurso subordinado está em causa a admissibilidade, no caso, de convolação do recurso em reclamação para a conferência.

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FACTOS
Consta na sentença:
A) Factos Provados
1. A Autora assume a forma de sociedade comercial por quotas e tem inscrito como objecto social a «produção de flores e plantas, comercialização de flores e plantas próprias e das adquiridas a terceiros, importação e exportação dos referidos produtos. Prestação de serviços de arranjos florais» (cfr. doc. nº 1 junto com o r.i. da prov. Cautelar 540/08-A, que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
2. Em 01.10.2006, a Autora assinou um acordo escrito com MGEM e AGEM que designaram por “contrato de arrendamento rural” (cfr. doc. nº 7 junto com o r.i. da prov. Cautelar 540/08-A, que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
3. Por exposição escrita datada de 01.08.2007, a Autora solicitou junto do Sr. Chefe do Emparcelamento de Viana do Castelo que “se digne emitir parecer para a instalação de uma exploração agrícola em terreno localizado em G... – freguesia de C..., com o lote n.º 5..., com área aproximada de 18 745 m2” (cfr. doc. nº 8 junto com o r.i. da prov. Cautelar 540/08-A, que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
4. Por exposição escrita datada de 20.08.2007, a Autora solicitou junto do Sr. Presidente da Comissão Regional de Reserva Agrícola que “se digne emitir parecer de acordo com o disposto na alínea do n.º 2, art. 9.º, do Dec.-Lei nº 196/89, de 14 de Junho, para a utilização não agrícola do terreno localizado no lugar G..., freguesia de C..., concelho de Viana do Castelo, com o n.º de matriz 506079163 do emparcelamento Afife Areosa, com área total de 18 745 m2 […]” (cfr. doc. nº 9 junto com o r.i. da prov. Cautelar 540/08-A, que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
5. Em 21.11.2007, a Autora solicitou junto da Entidade Demandada que “pretendendo levar a efeito no prédio sito no Lugar do Sisco, freguesia de C..., concelho de Viana do Castelo, a instalação de uma Estufa destinada à actividade de floricultura, vêm solicitar a V. Ex.ª se digne fornecer-lhe a informação prévia relativa a tal obra” (cfr. docs. a fls. 1 a 46 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
6. Em 07.12.2007, a Comissão de Reserva Agrícola deu parecer favorável à Autora para a “utilização de 1510m2 de solo agrícola para construção de armazém e passeio central. Este parecer só se tornará definitivo após parecer favorável da DGDR” (cfr. doc. nº 11 junto com o r.i. da prov. Cautelar 540/08-A, que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
7. Em ofício da DGADR, dirigido à Divisão de Valorização do Ambiente e Biodiversidade da DRAPN, datado de 18.01.2008, sob o assunto “instalação de uma exploração agrícola em G..., C... – Viana do Castelo”, retira-se que: “Analisada a memória descritiva e as peças desenhadas remetidas à DGADR, e com base no exposto na v/informação n.º BGEIF0700425 de 27/11/2007, sobre o assunto em epígrafe, consideramos que a construção das estufas propostas é justificável face à exploração que se pretende implementar” (cfr. doc. nº 10 junto com o r.i. da prov. Cautelar 540/08-A, que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
8. Em participação dos serviços de fiscalização da Câmara Municipal de Viana do Castelo, datada de 19.02.2008, extrai-se que: “[…]verifiquei pessoalmente que a firma VIRGINFLOWER com sede no lugar da G..., freguesia de C..., do Município de Viana do Castelo, está a executar sem licença municipal, o nivelamento do terreno destruindo a cobertura vegetal existente e as suas cotas naturais, numa área de cerce de 21600,00 m2 (180,000m X 120,00m).[…]” (cfr. doc. a fls. 85 a 89 do PA que a aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
9. No documento referido no n.º anterior foi aposto pelo Sr. Vereador da Área de Gestão Urbanística da Câmara de Viana do Castelo, em 21.02.2008, o seguinte despacho: “Embargue-se” (cfr. doc. a fls. 85 a 89 do PA que a aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
10. Em 25.02.2008, foi elaborado o “auto de embargo de obras”, para cujo conteúdo integral aqui se remete (cfr. doc. a fls. 90 do PA que a aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
11. A Autora interpôs providência cautelar de suspensão de eficácia do acto de 21.02.2008, que correu termos por apenso ao proc. 863/08, com o nº 540/08.
12. Tal providência veio a ser decretada por sentença proferida pela 1ª instância, em 29.09.2008, e confirmada pelo Tribunal Central Administrativo Norte, por acórdão de 19.02.2009, transitado em julgado.
13. Em participação dos serviços de fiscalização da Câmara Municipal de Viana do Castelo, datada de 28.01.2009, extrai-se que: “[…]verifiquei pessoalmente que a firma VIRGINFLOWER com sede no lugar da G..., freguesia de C..., do Município de Viana do Castelo, colocou uma estrutura metálica, para estufas (foto nº 1), sem licença municipal. A estrutura ocupa uma área de implantação de cerca de 240,00 m2 (20,00mx12,00m), e foi executada numa área de terreno anteriormente alvo de participação (participação nº 39/08, datada de 19.02.2008), com respectivo auto de embargo (datado de 25.02.2008). A estrutura está presa ao terreno com umas pequenas sapatas de cimento (0,30mx0,30m)” – cfr. fls. 139 do PA cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
14. No documento referido no n.º anterior foi aposto pelo Sr. Vereador da Área de Gestão Urbanística da Câmara de Viana do Castelo, em 23.01.2009, o seguinte despacho: “Embargue-se” (cfr. doc. a fls. 139 do PA que a aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
15. Em 28.01.2009, foi elaborado o “auto de embargo de obras”, para cujo conteúdo integral aqui se remete (cfr. doc. a fls. 141 do PA que a aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
16. As estufas são constituídas por uma estrutura totalmente pré-fabricada, em metal e vidro e apenas mantém contacto com o solo ao nível dos prumos que suportam a estrutura superior, sendo amovíveis.
17. A Direcção Regional de Agricultura e Pescas do norte elaborou proposta, datada de 15.04.2008, de critérios de enquadramento de apoio à decisão do Município de Viana do Castelo – cfr. doc. junto pela Autora sob registo nº 83669.
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B) Factos Não Provados
Com interesse para a decisão da causa, inexistem.
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C) Motivação de facto
O tribunal formou a sua convicção relativamente à factualidade apurada com base na posição assumida pelas partes nos respectivos articulados bem como no teor dos documentos juntos aos autos pela Autora e no processo administrativo.
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DIREITO
Recurso independente
Os dados e incógnitas do problema permanecem como o TAF os defrontou, trata-se apenas reexaminar se em 1ª instância foi seguido o raciocínio adequado e alcançada a solução correcta.

O problema em recurso é, portanto, o enunciado na sentença:

«Cumpre apreciar a validade dos dois actos administrativos proferidos pela Entidade Demandada e que se consubstanciam em ordens de embargo dos trabalhos de limpeza e preparação da parcela de terreno e dos trabalhos de montagem de estruturas para estufas na parcela de terreno localizado em G... – freguesia de C..., com o lote n.º 5..., com área aproximada de 18 745 m2.

Defende a Autora que a obra em questão, inserida em RAN e destinando-se à actividade da floricultura, não está sujeita a licenciamento municipal.

Defende, por isso, que os actos impugnados ofendem as alíneas j) e l) do art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro.

Por sua vez, a entidade demandada argumenta que o terreno em causa situa-se em espaço de Reserva Agrícola Nacional e integra a área do emparcelamento agrícola da Veiga de Areosa – C... – Afife. Trata-se de uma área “non aedificandi”, como resulta do art. 72º, nº 1 do PDM de Viana do Castelo. Entende que com o seu procedimento, a Autora violou o disposto no DL 380/99 de 22.09.»

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Numa primeira abordagem o TAF, seguindo de perto o parecer do MP, afirma ser incontroverso, em face do DL 555/99 de 6/12 e DL 139/89 de 28/04, que no caso não havia necessidade de licenciamento. Mas acrescenta que além disso importava observar e respeitar outros instrumentos gestão territorial. E foi na análise desses outros instrumentos, num domínio que extravasava portanto a exigência de licenciamento municipal da construção das estufas, que acabou por escudar a legalidade dos actos em causa.

É desde logo de questionar se o TAF poderia dar este passo para lá do horizonte definido nos próprios actos administrativos impugnados. Na verdade, como se vê em 8 e 13 da matéria de facto, a decisão “embargue-se” foi aposta sobre participações dos serviços onde, em qualquer dos casos, se indicava que as obras se encontravam a ser realizadas “sem licença municipal”. E só isso.

Ora, o respeito pela exigência legal do dever de fundamentação dos actos administrativos consignado nos artigos 124º e 125º do CPA e, sobretudo, no artigo 268º/3 da CRP, conferindo aos administrados umas garantia de nível máximo nesta matéria, facilmente permite concluir pela irrelevância da fundamentação sucessiva inovatória com que a Administração pretenda obstar à impugnação do acto.

Não se trata da exigência de especificar nos actos exaustivamente, ponto por ponto, vírgula por vírgula, todos os fundamentos da decisão, pois o próprio artigo 125º do CPA se satisfaz (e até solicita) que a exposição seja “sucinta”. Mas certamente terá que ser revelado o motivo determinante da decisão. E, no caso, é inequívoco que os embargos foram determinados por estarem a ser construídas estufas sem licenciamento. Donde decorre que, tendo o TAF começado por constatar a inexistência da obrigação de submeter aquelas obras a licenciamento, deveria ter julgado a acção procedente, por estar demonstrada a causa de pedir configurada pela Autora. Basta transcrever da petição inicial, por exemplo:

«74. Pois este tipo de operação está isento de qualquer tipo de licenciamento municipal.

75. A procedência deste vício de violação de lei conduzirá á anulação do acto impugnado.»

De resto, esta ideia subjaz no acórdão de 19-02-2009 deste TCAN, no Proc. 540/08.3BEBRG apenso, que ordenou a suspensão de eficácia do despacho de 21 de Fevereiro de 2008 do Vereador da Área de Gestão Urbanística. Com efeito, com utilidade para afirmação do fumus boni iuris considerou o TCAN “que no caso dos autos permanece sempre a dúvida sobre se tal obra (construção de estufas) pode ou não ser efectuada naquele terreno e se necessita de licença municipal, não sendo, pois, destituída de fundamento a alegação da recorrida em sede de petição inicial quanto às ilegalidades que aponta ao acto suspendendo”. Como é óbvio trata-se de um argumento situado no ambiente perfunctório e provisório da providência cautelar, não necessariamente decisivo neste processo principal, mas que espelha pelo menos ser a exigibilidade do licenciamento municipal o tema em discussão.

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Sem prejuízo da suficiência do exposto para a procedência da acção, constata-se que soçobra ainda a segunda linha racional da decisão recorrida.

Na verdade o PDM de Viana do Castelo não é uma espécie de ilha normativa desligada da legislação urbanística em geral, antes o seu prolongamento numa situação específica, pelo que o conceito de zona non aedificandi, não tendo definição autónoma no RPDM de Viana do Castelo, remete seguramente para a noção de edificabilidade prevista no 2º do DL n.º 555/99, de 16 de Dezembro que estabelece o regime jurídico geral da urbanização e edificação.

Assim, quando o artigo 72º do Regulamento do PDM de Viana do Castelo (na redacção dada pela deliberação da Assembleia Municipal de V.C., de 28.11.1997, publicada no DR, II, nº 66, de 19.03.1998), sob a epígrafe “Edificabilidade na RAN”, preceitua que “as áreas de emparcelamento e as áreas não comprometidas urbanisticamente da RAN são non aedificandi” (nº 1) e que “nas restantes áreas, a edificabilidade só poderá vir a ser permitida desde que tenha sido previamente autorizado pela entidade competente a sua utilização não agrícola. Nestes casos, restringe-se à implantação de construções com as finalidades definidas nas alíneas seguintes: a) instalações directamente adstritas às explorações agro-pecuárias e agro-florestais; b) habitação unifamiliar; c) equipamentos, públicos ou privados, de interesse municipal reconhecido desde que devidamente justificados por estudo de enquadramento na envolvente” solicita seguramente uma interpretação harmoniosa com o art.º 2.º do DL n.º 555/99, de 16 de Dezembro, onde se lê que: Para efeitos do presente diploma, entende-se por: (…) j) Operações urbanísticas: as operações materiais de urbanização, de edificação ou de utilização do solo e das edificações nele implantadas para fins não exclusivamente agrícolas, pecuários, florestais, mineiros ou de abastecimento público de água;”

E a única interpretação que permite a coexistência pacífica desses dois preceitos é que as exigências específicas previstas no artigo 72º do RPDM de Viana do Castelo se referem – somente - às operações urbanísticas “não exclusivamente agrícolas” sujeitas a licenciamento nos termos da lei geral, categoria em que não se incluem as estufas que estão em causa nestes autos. Ou seja, trata-se de exigências que não subsituem, mas acrescem, para efeitos de “edificabilidade na RAN”, às exigências necessárias para a edificabilidade em geral, no pressuposto de visarem operações sujeitas a licenciamento, o que não é o caso das estufas, como se vê por exemplo no acórdão do STA de 03-12-2003, Rec. 01123/03, que num caso similar (construção de estufas com finalidade agrícola) decidiu “Resulta do que se estabelece n al. a), do n.º 1, do art.º 1.º, do DL 445/91, de 20/11, que não carecem de licenciamento municipal os trabalhos de construção civil que possuam natureza exclusivamente agrícola e que não impliquem alteração da topografia local.” Apesar do quadro legislativo ser então diverso essa jurisprudência mantém-se aproveitável, visto que a solução normativa não sofreu evolução significativa no âmbito em análise.

De resto e finalmente, embora com fundamentação jurídica algo diversa, não deixa de impressionar a flagrante similitude, incluindo quanto à situação de facto destes autos relativamente ao caso tratado por este TCAN no proc. 00134/06.8BEBRG, no acórdão de 17-11-2011, onde consta que «O facto de inexistir formalmente uma declaração camarária que tivesse declarado que uma estufa de floricultura possuía interesse municipal e que não havia alternativa viável [exclusões previstas nas als. a), b) e c) do nº 1 do artº 73º], não conduz, necessariamente, à conclusão de que exista violação do nº 1, do artº 72º do RPDMVC, em especial, quando a Câmara Municipal solicitou parecer ao Gabinete de Emparcelamento Rural da Direcção Regional da Agricultura de Entre Douro e Minho, à Comissão de Reserva Agrícola de Entre Douro e Minho, Instituto de Conservação da Natureza e à Direcção Regional do Ambiente e dos Recursos Naturais do Norte, entidades estas que sabendo que se tratava de área de emparcelamento non aedificandi não emitiram parecer desfavorável, ao invés, declararam nada ter a opor.» e, em sequência, foi julgada improcedente a acção administrativa especial intentada pelo Ministério Público.

Em suma, assiste razão à Recorrente e o acórdão recorrido não pode manter-se, devendo as acções ser julgadas procedentes quanto aos pedidos de anulação dos actos administrativos visados e prosseguir para apuramento dos pedidos indemnizatórios formulados.

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Recurso subordinado

Neste recurso põe-se em causa a decisão do TAF em seguir servilmente o despacho do Relator a fls. 172, mediante o qual ordenada a baixa do recurso para ser apreciado a título de reclamação para a conferência.

Consabidamente a interpretação e aplicação do artigo 27º/1/i) do CPTA, sobretudo na sequência do acórdão do Pleno da Secção do STA n.º 32012, de 05-06-2012, suscitou múltiplos problemas que só foram definitivamente solucionados com a revogação do n.º 3 do artigo 40.º do ETAF operada pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de modo a que os tribunais administrativos de círculo passassem a funcionar apenas com juiz singular, exceto em caso de julgamento em formação alargada.

No despacho seguiu-se a orientação coeva do TCAN de que a uniformização da jurisprudência fixada pelo STA deveria ser feita “de modo consentâneo com o princípio pro actione, donde resulta que o recurso jurisdicional interposto para este Tribunal seja tido como reclamação para a conferência”.

E esse despacho não foi oportunamente impugnado, pelo que a decisão de convolação do recurso em reclamação para a conferência tomada neste Tribunal transitou em julgado, não podendo o TAF emitir nova pronúncia contraditória com tal julgado.

Assim, soçobra o presente recurso.

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DECISÃO
Pelo exposto acordam em:
- Conceder provimento ao recurso independente e revogar o acórdão recorrido.
- Julgar procedentes os pedidos anulatórios formulados nas acçãos em causa.
- Ordenar a baixa dos autos à 1ª instância para prossecução da tramitação com vista ao conhecimento dos pedidos indemnizatórios e de juros de mora formulados.
- Negar provimento ao recurso subordinado.
Custas pelo Município de Viana do Castelo.

Porto, 16 de Dezembro de 2016
Ass,; João Beato Sousa
Ass.: Hélder Vieira
Ass.: Joaquim Cruzeiro