Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00509/12.3BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/13/2014
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:ALTERAÇÃO DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ACTO DE INSCRIÇÃO OFICIOSA DE PRÉDIO NA MATRIZ
IMPUGNABILIDADE DO ACTO
ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL
LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ
Sumário:I – No contencioso tributário (ao contrário do que acontece actualmente no contencioso administrativo) o critério da impugnabilidade dos actos continua a ser o da sua lesividade imediata, objectiva, actual e não meramente potencial.
II – O regime previsto no n.º 3 do artigo 134.º do CPPT só se aplica a incorrecções materiais nas matrizes.
III – A inscrição oficiosa na matriz de uma determinada realidade física, por ter sido qualificada como prédio, reconduz-se a acto imediatamente lesivo dado que provoca uma alteração significativa na esfera jurídica da recorrente, conferindo-lhe a qualidade de sujeito passivo de IMI e nessa qualidade o sujeitando a várias obrigações tributárias, nomeadamente declarativas e acessórias, incluindo a obrigação de imposto; relativamente a tal acto pode, portanto, em princípio, ser formulado pedido de anulação no âmbito de acção administrativa especial (impugnação de acto).
IV. O artigo 104.º da LGT é aplicável aos processos administrativos em matéria tributária regulados no CPTA.
V. Para que se possa integrar no conceito de litigância de má-fé, deve a actuação/omissão ser viciada por dolo ou negligência grave e não abrange, assim, situações de erro grosseiro ou lide ousada em que alguém possa ter caído por mera inadvertência.
VI. Não se logrando provar que a AT tenha adoptado procedimento diverso do que é habitual assumir em circunstâncias idênticas e colocado ante situação pouco definida na lide (entre dolosa ou temerária), por os elementos disponíveis para o efeito não serem suficientemente elucidativos ou dubitativos para que possa concluir-se, com segurança, pela existência de dolo ou de negligência grosseira, o julgador não deve decretar a condenação por litigância de má-fé.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Eólica..., S.A.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


I – Relatório

Eólica ..., s.a., NIPC 5…, intentou a presente acção administrativa especial, impugnando o despacho do Senhor Chefe do Serviço de Finanças de Cinfães, praticado em 04.09.2012, que determinou o indeferimento da reclamação da matriz predial apresentada pela A., na qual peticionava a anulação da inscrição matricial oficiosa do artigo urbano 265 da freguesia de Bustelo.
No Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu foi proferido despacho saneador, em 18/06/2013, que julgou procedente a excepção de inimpugnabilidade do acto e, em consequência, absolveu a Entidade Demandada da instância, mais julgando improcedente o pedido de condenação da Entidade Demandada como litigante de má-fé, decisão com que a A. não se conformou, tendo interposto o presente recurso jurisdicional.

Alegou, tendo concluído da seguinte forma:
1. A Recorrente entende que deveria ter sido julgado provado que a Demandada invocou no processo 237/12.0BEVIS que corre termos no TAF de Viseu, que relativamente ao ato de inscrição oficiosa do prédio “o meio próprio para contestar o ato praticado é, a ação administrativa especial que se rege pelas regras do processo nos tribunais administrativos, nos termos previstos no art. 97º nº 2 do CPPT.”.
2. A Recorrente entende que deveria ter sido julgado provado que a Demandada notificou a A. do resultado da segunda avaliação.
3. A Recorrente entende que deveria ter sido julgado provado que em 26.11.2012, a Demandada, na sua contestação, alegou estar ainda pendente o procedimento de segunda avaliação no presente caso.
4. A Recorrente entende que deveria ter sido julgado provado que em 26.11.2012, a Demandada, na sua contestação, alegou estar ainda por concluir o ato de inscrição na matriz.
5. A Recorrente entende que deveria ter sido julgado provado que em 26.11.2012, a Demandada, na sua contestação, alegou que a A. não tinha solicitado a correção da inscrição junto do chefe do serviço de Finanças.
6. O princípio da impugnação unitária no direito processual fiscal não determina a absolvição da instância que o tribunal a quo determinou na sentença recorrida.
7. O ato objeto da presente ação administrativa especial é um ato imediatamente lesivo pelo que é possível a sua impugnação imediata sem prejuízo de a sua ilegalidade vir também a ser suscitada no posterior ato de liquidação que com base nele se venha a produzir.
8. A decisão recorrida funda-se no pressuposto errado que o ato de inscrição na matriz se insere no procedimento de liquidação de IMI e não tem quaisquer efeitos lesivos fora desse procedimento.
9. No entanto, o procedimento de inscrição na matriz e o procedimento de liquidação são procedimentos autónomos e se é verdade que o ato de inscrição na matriz se mostra determinante para uma eventual liquidação de IMI, os correspondentes efeitos não se esgotam, simplesmente, na sua relação de prejudicialidade a uma tal liquidação. O mencionado ato de inscrição provoca uma alteração significativa e irreversível na esfera jurídica do particular conferindo-lhe a qualidade de sujeito passivo de IMI quanto àquele prédio em concreto, e determina também a sua qualificação como proprietário do mesmo, o que conduz a que este passe a encontrar-se investido no dever de cumprimento de uma série de obrigações declarativas e acessórias decorrentes dessa nova qualidade.
10. O ato impugnado constitui uma determinação atualmente lesiva, na medida em que afeta, de forma atual e imediata, os direitos ou interesses legalmente protegidos da recorrente, e que, por isso, reclama a possibilidade de impugnação autónoma e imediata, subtraída ao regime regra de impugnação unitária.
11. Isso mesmo vem a doutrina e a jurisprudência afirmando ao considerar que é bem distinto e autonomizável o ato de inscrição na matriz e o de liquidação de IMI (ou de outros impostos), considerando que o primeiro é mais do que um mero ato preparatório ou interlocutório, devendo ser autonomizável do procedimento de liquidação, posto que afeta, imediatamente e de forma desfavorável, a esfera do contribuinte.
12. O ato de inscrição na matriz é autonomamente impugnável uma vez que tal ato implica uma lesão imediata e actual que produz efeitos jurídicos negativos imediatos na esfera jurídica do contribuinte já que implica para o alegado titular um conjunto de consequências desfavoráveis que extravasam o âmbito da liquidação do IMI e podem implicar liquidação de outros impostos e um conjunto de deveres acessórios e declarativos.
13. O ato é lesivo quando atinge a esfera jurídica do contribuinte não sendo necessário que atinja também, imediatamente, a sua esfera patrimonial sendo certo que no caso concreto a inscrição na matriz atinge a esfera jurídica do contribuinte porque molda a configuração concreta do património do contribuinte perante a Administração Tributária sendo certo que esse acervo patrimonial será tido em conta, também, fora do procedimento de liquidação do respetivo IMI, projetando os seus efeitos sobre toda a relação contribuinte – AT e não apenas em sede de IMI.
14. Em qualquer caso e, mesmo que assim não se entendesse, sempre teria de se considerar que o art. 134º nº 3 CPPT constitui uma exceção ao principio da impugnação unitária que teria aplicação no presente caso, ainda que por convolação da ação administrativa especial em impugnação judicial, uma vez que a ação administrativa especial foi intentada no prazo de 30 dias previsto no art. 134º nº3 CPPT.
15. Como a lei não distingue entre os fundamentos da reclamação da matriz quando no art. 134º nº 3 CPPT determina que da incorreção da inscrição matricial cabe impugnação judicial, e estabelecendo o art. 130º nº 3 CIMI que os sujeitos passivos podem, a todo o tempo, reclamar de qualquer incorreção nas inscrições matriciais, nomeadamente da indevida inclusão do prédio na matriz, torna-se manifesto que a interpretação correta do art. 134º nº 3 CPPT não pode ser aquela que foi feita pelo tribunal a quo mas sim a de que a indevida inclusão do prédio na matriz é considerada uma incorreção na inscrição matricial para efeitos da sua impugnação nos termos do art. 134º nº 3 CPPT.
16. No presente caso como foi apresentada reclamação da matriz predial que veio a ser expressamente indeferida, tendo a ora recorrente apresentado ação administrativa especial desse indeferimento dentro do prazo de 30 dias que o art. 134º nº 3 CPPT prevê, deveria ter sido determinada a convolação da ação administrativa especial em impugnação da incorreção na inscrição matricial, assim se dando cumprimento à exceção expressa ao princípio da impugnação unitária contido no art. 134º nº 3 CPPT.
17. Pelo que o ato de inscrição na matriz deve ser considerado como imediatamente lesivo e como tal autonomamente impugnável nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 54º CPPT e 97º nº 2 CPPT, ou caso assim não se entenda, sempre teria de considerar-se ser aplicável a exceção ao principio da impugnação unitária prevista no art. 134º nº 3 CPPT pelo que a sentença recorrida deveria ter convolado a ação administrativa especial em impugnação, assim conhecendo do mérito do pedido.
18. A recorrente não se conforma com o entendimento do tribunal a quo de que “em face da diversidade do regime de representação em juízo da administração fiscal na impugnação judicial (art. 15º CPPT) e na ação administrativa especial (art. 10º, nº 1 e 2 e 11º, nº 2 CPTA), não se vislumbra existir um uso manifestamente reprovável dos meios processuais”.
19. A ora recorrente intentou tanto a ação administrativa especial como a impugnação judicial contra o Ministério das Finanças por ser o ministério a cujo órgão (Autoridade Tributária e Aduaneira) são imputáveis os atos jurídicos impugnados.
20. Em qualquer uma das ações a Parte Passiva – o Ministério das Finanças - não é, logicamente confundível com os seus representantes legais (num caso a Representação da Fazenda Pública, noutro caso, licenciado em direito com funções de apoio jurídico expressamente designado para o efeito).
21. A condenação como litigante de má-fé censura os atos das Partes e nunca os actos dos seus representantes.
22. Assim, não se pode compreender que o tribunal a quo tenha considerado que o simples facto de o Ministério das Finanças ser representado por pessoas distintas nas duas ações era suficiente para afastar em absoluto e sem qualquer ponderação concreta dos factos qualquer condenação como litigante de má-fé.
23. Acresce que o facto de o Tribunal ter considerado procedente a exceção invocada pela Entidade Demandada é irrelevante para a apreciação do pedido de condenação em litigância de má-fé pois uma Parte pode fazer um uso reprovável dos meios processuais mesmo quando a sua pretensão jurídica é válida já que a condenação como litigante de má-fé é autónoma e distinta da discussão jurídica do mérito da causa, versando unicamente sobre a atuação processual que a parte tomou.
24. Uma vez que (i) a Entidade Demandada apresentou factos falsos ao Tribunal para justificar a sua posição jurídica, sendo certo que tais factos eram factos de conhecimento pessoal porque tinham sido praticados pela própria Administração Tributária e que (ii) a Entidade Demandada está sujeita aos princípios da legalidade, da proporcionalidade e da boa-fé (art. 55º e 59º LGT) não se pode aceitar que tenha defendido, relativamente a uma mesma questão concreta, que o particular afetado deveria ter adotado, processualmente, uma forma de reação que é distinta (sendo todas elas excludentes umas das outras) em função da ação concreta intentada pelo particular.
25. A Entidade Demandada, em manifesto abuso de direito (na modalidade de venire contra factum proprium), e com criticável má-fé, procurou obstar à discussão judicial da ilegalidade cometida com a inscrição na matriz predial dos aerogeradores e consequente liquidação de IMI sobre os mesmos pois no processo 237/12.0BEVIS (que tinha por objeto o resultado da segunda avaliação do prédio 265), invocou que o meio próprio para contestar o ato praticado era a ação administrativa especial que se rege pelas regras do processo nos tribunais administrativos, nos termos previstos no art. 97º nº 2 do CPPT tendo, diversamente, no presente processo (que versa sobre a inscrição da matriz do mesmo prédio 265) invocado que o meio adequado era a impugnação judicial prevista no art. 134º CPPT.
26. A Entidade Demandada (Ministério das Finanças) deduziu oposição ao conhecimento do mérito da ação cuja falta de fundamento não ignorava (atentas as outras ações judiciais pendentes sobre a mesma questão jurídica e a posição processual que nelas adotou em prejuízo da discussão jurídica) sendo certo que com essa atitude fez dos meios processuais um uso manifestamente reprovável com o fim de impedir a descoberta da verdade material (já que em duas das ações pendentes a AT nem sequer impugnou os factos invocados tendo-se limitado a aduzir a exceção da inadequação do meio processual adotado).
27. Por outro lado, ficou documentalmente provado nos autos que a Entidade Demandada, na sua contestação, alterou a verdade dos factos e omitiu factos relevantes para a decisão da causa, pelo que não restam dúvidas da má-fé processual da Entidade Demandada no presente processo, tanto mais que os factos falsos que apresentou eram factos pessoais por ela praticados.
28. Pelo que, se imporia a condenação da Entidade Demandada em multa e bem assim no pagamento à A. das despesas com honorários de advogados e taxas de justiça que a má-fé da Entidade Demandada causou, ao obrigar a A. a adotar uma posição conforme com o defendido pela Entidade Demandada no processo 237/12.0BEVIS, intentando, para além da impugnação judicial do resultado da segunda avaliação e da liquidação do IMI, a presente ação administrativa especial do ato de inscrição na matriz.
29. Em face do exposto, a sentença recorrida violou as regras jurídicas contidas nos artigos 54º, 97º nº2, 134º nº 3 CPPT, 130º CIMI bem como 456º do Código Civil, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que atendendo a pretensão da recorrente determine o conhecimento do mérito da ação pela 1ª instância e condene a Entidade Demandada como litigante de má-fé.
Nestes termos, e nos demais de Direito julgados aplicáveis, deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença proferida pelo TAF de Viseu, assim se fazendo a boa e costumada JUSTIÇA!

O Excelentíssimo Sr. Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou contra-alegações, tendo concluído nos seguintes termos:
i) Os actos interlocutórios do procedimento não são imediatamente lesivos, razão pela qual a sua ilegalidade só pode ser suscitada aquando da eventual impugnação deduzida contra o acto final lesivo ou caso haja disposição expressa que permita a impugnação autónoma;
ii) O artigo 134º nº. 3 do CPPT somente se aplica a incorrecções nas inscrições matriciais e que recaiam sob as irregularidades materiais;
iii) O que não acontece quando se discute a qualificação jurídica do prédio;
iv) Seguindo o entendimento da Recorrente, estaria o douto Tribunal a abrir várias vias processuais, sob a mesma causa de pedir, implicando a possibilidade de existirem várias decisões contraditórias, sob o mesmo procedimento, violando entre outros, os princípios da certeza e segurança jurídica;
v) Deste modo, será o acto de liquidação do imposto, que poderá projectar os efeitos externos que permitam a impugnabilidade do acto.
vi) Assim, a inscrição oficiosa na matriz está na categoria dos actos inimpugnáveis, ou melhor, naquela categoria de actos cuja impugnação terá que ser deduzida a final, que no caso sub judicie ocorre com a notificação final da liquidação do imposto.
vii) Quanto à litigância de má-fé, foi peticionada a condenação da Fazenda Pública e não da parte, logo, salvo melhor opinião, estamos perante uma ilegitimidade passiva da Recorrida;
viii) Ademais, a Recorrida, até acabou por ter ganho de causa, na verificação da excepção por inimpugnabilidade do acto e consequente queda do meio processual adequado, onde se fundamenta o pedido de condenação;
ix) Deste modo, não se verificam os pressupostos que façam operar a responsabilidade do artigo 456.º, n.º 2, alíneas a) e d) do CPC, aplicável ex vi artigo 2º alínea e) do CPPT.
Termos em que, e com o mui douto suprimento de V. Exas, deve o presente Recurso Jurisdicional ser julgado totalmente improcedente, assim se fazendo Justiça.

O Ministério Público junto deste Tribunal não emitiu parecer.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir:
- Alteração da decisão sobre a matéria de facto;

- (In)impugnabilidade do acto administrativo;

- Pedido de condenação por litigância de má-fé da entidade recorrida.

III – FUNDAMENTAÇÃO

III - 1. MATÉRIA DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assente a seguinte matéria de facto:
1- “No âmbito de acção de recolha de elementos (processo OI201100581), a Autora foi notificada pela D.F. de Viseu, para juntar os seguintes elementos:
a) Localização dos aerogeradores, com a identificação do(s) artigo(s) matricial(ais);
b) Protocolos, contratos ou outros documentos firmados com os proprietários;
c) data de conclusão do parque eólico;
d) Data da entrega do ramal de ligação à EDP;
e) justificação para a não apresentação da declaração Modelo 1 de IMI, a que estava obrigada, nos termos do disposto nos artigos 10º, 12º e 13º, conjugados com o disposto no artigo 37.º, todos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI).”
(cfr. fls. 35 dos autos)
2- Através de e-mail enviado em 28.04.2011, cujo teor se dá aqui por reproduzido, a Autora respondeu ao pedido de elementos referido em 1. – cfr. fls. 36 e 37 dos autos.
3- O Serviço de Finanças procedeu oficiosamente à inscrição na respectiva matriz predial urbana, e em nome da Autora, de um prédio, ao qual foi atribuído o nº 265 – freguesia de Bustelo – cfr. doc. fls. 60, cujo teor se dá por reproduzido.
4- O prédio inscrito na matriz foi objecto de 1ª avaliação, daí resultando a fixação de um valor patrimonial tributário (VPT) de €732.000,00 – idem.
5- Através do ofício nº 7670587, datado de 05.07.2011, a Autora foi notificada da 1ª avaliação do referido prédio – cfr. doc. 4 junto com a PI, constante de fls. 38 dos autos.
6- Em 04.08.2011, a Autora apresentou reclamação da matriz com fundamento em indevida inclusão do prédio na matriz urbana e, subsidiariamente, pedido de segunda avaliação do aludido prédio – cfr. doc. 5 junto com a PI, constante de fls. 39 e ss. dos autos.
7- A Reclamação da matriz referida no nº anterior foi indeferida por despacho do Sr. Chefe de Finanças de 04.09.2012, com os seguintes fundamentos:

(Cfr. fls. 6 do processo administrativo apenso).
8- A petição inicial que deu origem à presente acção foi remetida via site em 04.10.2012.”

A Recorrente entende que deveriam, ainda, ter sido julgados provados os seguintes pontos da matéria de facto:
(i) No processo 237/12.0BEVIS que corre termos no TAF de Viseu, a AT invocou que “se podemos afirmar que o processo de impugnação judicial é apto a anular o ato de segunda avaliação de prédio urbano, em virtude de eventuais vícios ocorridos na sua realização, ao abrigo do art. 134º do CPPT e 77º CIMI já o mesmo não podemos dizer quanto ao ato de inscrição oficiosa do mesmo prédio por parte do serviço de finanças respetivo. (...) Sucede que quanto ao ato decisório de inscrição oficiosa do imóvel na matriz predial urbana levada a efeito pelo chefe de finanças competente, manifestamente não estamos perante qualquer ato de liquidação ou de fixação de valores patrimoniais. (...) Por estarmos perante uma situação em que não está em causa a apreciação da legalidade de um ato de liquidação (ou ato de avaliação nos termos do art. 134º CPPT) o meio próprio para contestar o ato praticado é a ação administrativa especial que se rege pelas regras do processo nos tribunais administrativos, nos termos previstos no art. 97º nº 2 do CPPT.”.
Sustenta a recorrente que tal facto foi aduzido por si na resposta às excepções invocadas na contestação e constitui facto de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções, uma vez que o processo em que tal facto foi alegado pela AT (Proc. 237/12.0BEVIS) corre termos no próprio tribunal a quo, o TAF de Viseu. Apelando ao disposto no artigo 514.º do CPC ex vi artigo 1.º CPTA, alerta que este facto não carece de alegação ou prova, pelo que deveria ter sido dado como provado tanto mais que não foi, naturalmente, impugnado pela Entidade Demandada.

(ii) Em 27.01.2012, a AT notificou a A. do resultado da segunda avaliação.
Defende resultar documentalmente provado do documento nº 1 junto com a resposta às excepções apresentada pela ora Recorrente.

(iii) Em 26.11.2012, na sua contestação, a AT alegou estar ainda pendente o procedimento de segunda avaliação no presente caso (cfr. art. 5º da contestação).

(iv) Em 26.11.2012, na sua contestação, a AT alegou estar ainda por concluir o ato de inscrição na matriz (cfr. art. 9º da contestação).

(v) Em 26.11.2012, na sua contestação, a AT alegou que a A. não solicitou a correção da inscrição junto do Chefe do Serviço de Finanças (cfr. art. 16º da contestação).
Na verdade, considerando todas as soluções plausíveis de direito, reconhece este tribunal que os factos que a recorrente pretende ver aditados à decisão da matéria de facto poderão ser pertinentes para a apreciação do recurso, no concernente à questão colocada sobre a condenação da entidade demandada como litigante de má-fé.
Tal factualidade foi invocada pela recorrente na peça processual consubstanciada na resposta à matéria de excepção e onde efectuou o pedido de condenação por litigância de má-fé. A entidade demandada pronunciou-se, em 21/01/2013, acerca do requerimento referente à condenação como litigante de má-fé, não tendo impugnado tal factualidade – cfr. fls. 197 a 202 do processo físico.
Assim, este tribunal, apreciando livremente a conduta da entidade demandada para efeitos probatórios (cfr. artigo 83.º, n.º 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos - CPTA) e tendo confirmado integralmente a factualidade no processo n.º 237/12.0BEVIS por recurso ao sistema informático (SITAF) e directamente nos elementos constantes dos presentes autos, nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC), adita esta factualidade à matéria de facto dada como assente, como segue:
9- No processo n.º 237/12.0BEVIS, que corre termos no TAF de Viseu, a AT invocou que “se podemos afirmar que o processo de impugnação judicial é apto a anular o ato de segunda avaliação de prédio urbano, em virtude de eventuais vícios ocorridos na sua realização, ao abrigo do art. 134º do CPPT e 77º CIMI já o mesmo não podemos dizer quanto ao ato de inscrição oficiosa do mesmo prédio por parte do serviço de finanças respetivo. (...) Sucede que quanto ao ato decisório de inscrição oficiosa do imóvel na matriz predial urbana levada a efeito pelo chefe de finanças competente, manifestamente não estamos perante qualquer ato de liquidação ou de fixação de valores patrimoniais. (...) Por estarmos perante uma situação em que não está em causa a apreciação da legalidade de um ato de liquidação (ou ato de avaliação nos termos do art. 134º CPPT) o meio próprio para contestar o ato praticado é a ação administrativa especial que se rege pelas regras do processo nos tribunais administrativos, nos termos previstos no art. 97º nº 2 do CPPT.”.
10- Em 27.01.2012, a AT notificou a A. do resultado da segunda avaliação efectuada ao prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo P 265, da freguesia de Bustelo – cfr. documento de fls. 192 do processo físico.
11- Em 26.11.2012, na sua contestação, a AT alegou estar ainda pendente o procedimento de segunda avaliação no presente caso - cfr. artigo 5.º da contestação ínsita nos autos.
12- Em 26.11.2012, na sua contestação, a AT alegou estar ainda por concluir o acto de inscrição na matriz - cfr. artigo 9.º da contestação ínsita nos autos.
13- Em 26.11.2012, na sua contestação, a AT alegou que a A. não solicitou a correcção da inscrição junto do Chefe do Serviço de Finanças - cfr. artigo 16.º da contestação ínsita nos autos.

III – 2. O Direito

A decisão recorrida julgou verificar-se a excepção invocada de inimpugnabilidade do acto administrativo proferido em 04.09.2012.
A Recorrente entende que o acto praticado pelo Chefe de Finanças de Cinfães, em 04.09.2012, é anulável por enfermar de vício de falta de fundamentação, de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, sustentando ser a sujeição dos parques eólicos a avaliação e inscrição na matriz e consequente liquidação de IMI inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, na perspectiva da capacidade contributiva, previsto no artigo 13.º da CRP e artigos 9.º, alínea d) e 81.º, também da CRP.
Sustenta que o acto objecto da presente acção administrativa especial é um acto imediatamente lesivo, pelo que é possível a sua impugnação imediata, sem prejuízo de a sua ilegalidade vir também a ser suscitada no posterior acto de liquidação que com base nele se venha a produzir.
Defende que a decisão recorrida se funda no pressuposto errado que o acto de inscrição na matriz se insere no procedimento de liquidação de IMI e não tem quaisquer efeitos lesivos fora desse procedimento.
O Ministério das Finanças contrapõe que os actos interlocutórios do procedimento não são imediatamente lesivos, razão pela qual a sua ilegalidade só pode ser suscitada aquando da eventual impugnação deduzida contra o acto final lesivo ou caso haja disposição expressa que permita a impugnação autónoma; será o acto de liquidação do imposto que poderá projectar os efeitos externos que permitam a impugnabilidade do acto. Assim, a inscrição oficiosa na matriz está na categoria dos actos inimpugnáveis, ou melhor, naquela categoria de actos cuja impugnação terá que ser deduzida a final, que no caso sub judice ocorre com a notificação final da liquidação do imposto.
E assim foi decidido na sentença recorrida. Vejamos.
Estabelece o artigo 54.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) que «1- Salvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são susceptíveis de impugnação contenciosa os actos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida.».
Tal preceito consagra o denominado princípio da impugnação unitária, segundo o qual só é possível, em princípio, impugnar o acto final do procedimento, e não já os actos interlocutórios ou procedimentais, dado que só aquele acto final atinge ou lesa, imediatamente, a esfera jurídica do contribuinte, fixando a posição da administração tributária perante este e definido os seus direitos e obrigações. E dele resulta, ainda, que no contencioso tributário, ao contrário do que acontece actualmente no contencioso administrativo, o critério da impugnabilidade dos actos é o da sua lesividade imediata, ou seja, é a lesividade objectiva, imediata, actual e não meramente potencial; ou, por outras palavras, depende da produção de efeitos negativos imediatos na esfera jurídica do contribuinte, pela violação dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos.
Na verdade, enquanto a partir da entrada em vigor do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e da opção legislativa materializada no n.º 1 do seu artigo 51.º, a lesividade imediata do acto administrativo deixou de constituir atributo da sua impugnabilidade, pois que deixou de se exigir que o acto tenha sido praticado no termo de uma sequência procedimental, passando essa impugnabilidade a depender apenas da externalidade do acto, ou seja, da susceptibilidade de produzir efeitos jurídicos que se projectem para fora do procedimento onde o acto se insere (lesividade potencial) - Cfr. o Prof. Mário Aroso de Almeida, in “O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, 2ª Ed., págs. 135/136 e Mário Aroso de Almeida e Fernandes Cadilhe, in “Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Comentado”, 2ª Ed., notas 1, 2 e 3 ao artigo 51º, págs. 306 a 313. - já no âmbito do contencioso tributário a impugnabilidade do acto continua a depender da sua lesividade imediata e actual, da produção de efeitos negativos imediatos na esfera jurídica do contribuinte, pela violação dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos.
E porque é a esta luz que deve ser visto o princípio da impugnação unitária, inviabilizador da impugnabilidade dos actos procedimentais, compreende-se que ele só deve ceder naqueles casos em que o legislador consagrou norma expressa em sentido contrário ou naqueles casos em que se verifica a lesividade imediata do acto e em que, por isso, se torna imprescindível assegurar a tutela judicial efectiva em relação a esse tipo de acto, sendo que o conceito engloba apenas as situações de lesão imediata e actual, estando excluídas da garantia os actos cuja lesividade seja apenas potencial.
Deste modo, e concluindo, os actos interlocutórios do procedimento tributário, sendo meramente instrumentais ou preparatórios da decisão final, ainda que ilegais, não são, em princípio, lesivos dos interesses do contribuinte, pois a sua situação tributária não fica com eles definida ou resolvida. Na verdade, sendo o procedimento de liquidação tributária constituído por uma série de actos preparatórios e instrumentais, interligados e dirigidos à concretização de um resultado jurídico final, ou seja, à liquidação do montante do imposto que o contribuinte tem de entregar nos cofres do Estado, compreende-se que só o acto final (liquidação em sentido estrito) seja susceptível de afectar, de forma objectiva e imediata, a esfera jurídica do contribuinte, sendo esse, por conseguinte, o acto lesivo e contenciosamente impugnável.
Razão por que a sua ilegalidade só pode ser suscitada aquando da eventual impugnação deduzida contra o acto final lesivo. A menos que se trate de actos interlocutórios cujo escrutínio judicial imediato e autónomo se encontre expressamente previsto na lei (são os chamados “actos destacáveis”, que, na falta de imediata impugnação, se fixam ou consolidam na ordem jurídica, ficando precludido o direito ou a faculdade processual de posteriormente discutir a sua legalidade e afastada a possibilidade de impugnar, com base nessa ilegalidade, a liquidação que desse acto partiu) ou dos actos que, embora inseridos no procedimento tributário e anteriores à decisão final, sejam imediatamente lesivos, abrindo-se então a possibilidade da sua impugnação imediata, sem prejuízo de a sua ilegalidade poder, ainda, ser suscitada na impugnação que venha a ser deduzida contra o acto final, pois que do artigo 54.º do CPPT não decorre a preclusão desse direito para os actos não destacáveis e tal dimanar, similarmente, da regra contida no n.º 3 do artigo 51.º do CPTA, de aplicação supletiva ao contencioso tributário. Ou, ainda, os actos trâmite que ponham um ponto final na relação da administração com o interessado, já que nestes casos, muito embora o acto continue a ser, na economia geral do procedimento, um acto preparatório pré-ordenado ao acto final, é para o seu destinatário o acto que define a posição da Administração e, por isso, o acto lesivo dos seus direitos ou interesses legítimos.
No caso vertente, a Recorrente instaurou acção administrativa especial, versando a impugnação do acto que indeferiu a reclamação da matriz predial, bem como a inscrição oficiosa na matriz predial do artigo 265, da freguesia de Bustelo, referente a um aerogerador (inscrição como prédio urbano, categoria “Outros”).
Vejamos, por um lado, se se trata de acto previsto na lei como um acto destacável, ou se a sua impugnabilidade contenciosa directa e autónoma dependerá da sua qualificação como acto imediatamente lesivo.
No caso, não se vê que haja disposição expressa que permita a impugnação contenciosa directa de acto de inscrição oficiosa de dada realidade como prédio urbano na matriz.
De facto, o n.º 3 do artigo 134.º do CPPT só se aplica a incorrecções materiais nas matrizes, sendo certo que no caso em análise estamos perante um eventual erro de qualificação de determinada realidade (aerogerador).
E da interpretação conjugada do n.º 3 do artigo 134.º do CPPT e do n.º 3 do artigo 130.º do CIMI, resulta um alargamento quanto aos fundamentos do pedido de correcção nas inscrições matriciais que podem ter por base quaisquer erros materiais que afectam a veracidade de características previamente definidas e demais dados respeitantes aos imóveis a inscrever nas respectivas matrizes.
Assim, considerando o caso dos autos, logo se conclui que não estamos perante uma situação de mero erro material com repercussão na veracidade da inscrição matricial, como é exigido pela análise conjugada dos preceitos constantes daqueles referidos normativos, mas estamos, antes, perante uma questão jurídica que é prévia e respeita à qualificação jurídica dos factos tributários (cfr. o acórdão do STA, de 5/12/2012, proferido no âmbito do processo n.º 0830/12). Isto é, no caso, a inscrição matricial pressupõe a resolução da questão prévia da qualificação da natureza jurídica do prédio em causa, rectius, da realidade física em causa, nomeadamente quanto a saber se essa realidade (aerogerador) deve ser qualificada como prédio (urbano na espécie “outros”) em conformidade com a lei aplicável.
A Recorrente não alega a existência de um mero erro material, mas sim um vício substancial, quanto à própria qualificação jurídica da realidade levada à matriz.
Ora, acompanhando e reproduzindo o decidido no Acórdão do STA, de 27/11/2013, proferido no âmbito do recurso n.º 01725/13, afigura-se-nos que o acto em crise é imediatamente lesivo, e que, como tal, pode a Recorrente, querendo, sindicá-lo autonomamente, se o não quiser sindicar em sede de impugnação da liquidação do tributo (sobre esta faculdade alternativa, cfr. Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Áreas Editora, 6.ª Edição, página 470).
Na verdade, o acto em causa não pode deixar de provocar uma alteração significativa na esfera jurídica da Recorrente, pois que lhe confere a qualidade de sujeito passivo de IMI e nessa qualidade passa a estar sujeita a várias obrigações tributárias, desde as declarativas e acessórias, até à obrigação de imposto, nos termos do disposto nos artigos 18.º, n.º 3 e 31.º da Lei Geral Tributária (LGT). Acrescendo que, a partir do momento em que a realidade física (aerogerador) aqui em causa está inscrita como prédio na matriz para efeitos fiscais, até os negócios relativos à sua transmissão se encontram sujeitos a IMT/Imposto Selo.
A questionada inscrição da dita realidade física constituída pelo aerogerador, na matriz como prédio urbano, determina, portanto, lesividade efectiva e actual e não simplesmente hipotética, sendo que dificilmente se compreenderia, também, que o legislador permitisse a sindicância directa e imediata (por via graciosa/contenciosa) de meras irregularidades materiais das matrizes e não de erros de qualificação das realidades inscritas, oficiosamente, nas mesmas matrizes, com imediata repercussão na esfera jurídica dos contribuintes.
E nem se diga (como a entidade recorrida, na Conclusão IV das sua contra-alegações) que seguindo o entendimento da Recorrente se estará a permitir a abertura de várias vias processuais, sob a mesma causa de pedir, implicando a possibilidade de existirem várias decisões contraditórias, sob o mesmo procedimento, violando entre outros, os princípios da certeza e segurança jurídica: na verdade, os pressupostos para a qualificação de determinada realidade como prédio e para a consequente inscrição deste na matriz ainda se diferenciam dos pressupostos atinentes aos (vários) factos tributários que dessa inscrição podem resultar, e daí que se projectem desde logo os apontados efeitos externos e lesivos, determinantes da impugnabilidade do acto.

Aceitando-se e concluindo-se, pois, pela sindicabilidade directa e autónoma do acto impugnado e, consequentemente, pela inerente impugnabilidade, verifica-se, assim, o alegado erro de julgamento na sentença recorrida, a clamar pela respectiva revogação e pela consequente baixa dos autos à instância a quo, para prossecução dos autos, se a tanto nada mais obstar – cfr. artigo 149.º, n.º 4 do CPTA.
A este propósito, impõe-se deixar, desde já, uma nota, uma vez que a entidade recorrida concluiu também, no artigo 23.º e seguintes da sua contestação, que a presente acção administrativa especial não será o meio próprio para a autora obter a apreciação dos fundamentos alegados na petição inicial; entendendo estar-se perante a excepção dilatória de impropriedade do meio judicial utilizado pela autora para atacar o acto em crise.
Por facilidade, transcreve-se parcialmente o decidido no Acórdão do STA, de 08/01/2014, proferido no âmbito do processo n.º 01685/13:
“(…) Ora, se a impugnação do resultado da segunda avaliação pode ter como fundamento qualquer ilegalidade, parece que nela poderão ser apreciadas as ilegalidades eventualmente praticadas nos actos prévios ao de fixação do valor patrimonial tributário do prédio, como é o de inscrição oficiosa na matriz de determinada realidade física como prédio urbano (desde que tal ilegalidade não tenha sido ainda apreciada ou esteja pendente pedido da sua apreciação), pois que no contencioso tributário vigora o princípio da impugnação unitária (artigo 54.º do CPPT).
Admitiu já, e em data muito recente, este Supremo Tribunal, em Acórdão por nós subscrito – cfr. o Acórdão de 27 de Novembro de 2013, proferido no rec. n.º 1725/13 –, que o acto de inscrição oficiosa na matriz de uma determinada realidade física como prédio reconduz-se a acto imediatamente lesivo dado que provoca uma alteração significativa na esfera jurídica da recorrente, daí a admissibilidade de ser formulado pedido de suspensão da sua eficácia, mas consignou-se igualmente nesse Acórdão que o facto de a imediata lesividade de tal acto permitir, querendo, a sua impugnação autónoma, não obsta a que, não o tendo sido, possa ainda ser sindicado em sede de impugnação da liquidação do tributo, ou - acrescentamos nós, por identidade ou maioria de razão -, em sede de impugnação do acto de fixação do valor patrimonial tributário resultante de 2.ª avaliação, pois que não se vê porque razão haverá que esperar pela liquidação do imposto para que possa discutir-se a questão prévia relativa à qualificação jurídica do facto tributário quando, (…), o n.º 2 do artigo 77.º do Código do IMI admite expressamente que a impugnação do resultado da segunda avaliação pode ter por fundamento qualquer ilegalidade, sendo que a errónea qualificação do facto tributário constitui uma ilegalidade expressamente tipificada na lei (cfr. a alínea a) do artigo 99.º do CPPT), não havendo razão alguma para se ter de aguardar pela impugnação da liquidação para que tal vício possa ser invocado.
Decorre do exposto que, (…), nenhum obstáculo processual se verifica para que na impugnação judicial deduzida contra o resultado da segunda avaliação se pudessem invocar – e se possam apreciar – eventuais ilegalidades decorrentes do acto prévio de inscrição oficiosa do prédio na matriz como prédio urbano da espécie “outros”, acto este que, podendo ser sindicado directamente por via de acção administrativa especial, não tem de o ser necessariamente.(…)”

Invoca, por último, a aqui Recorrente que a decisão judicial em crise violou as regras jurídicas contidas no artigo 456.º do CPC já que, no seu entendimento, a sentença recorrida deve ser substituida por outra que condene a entidade demandada (ora recorrida) como litigante de má fé.
Vejamos.
Efectivamente, na peça processual que a Recorrente apresentou em 14/12/2012, onde igualmente se pronunciou acerca da matéria de excepção – cfr. fls. 179 a 191 ínsitas no processo físico – peticiona-se seja a Administração Tributária (AT), nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 456.º e seguintes do CPC, condenada como litigante de má-fé, com todas as consequências legais daí resultantes, designadamente, condenação em multa a fixar pelo Tribunal e em indemnização a pagar à ora Recorrente.
Importa, desde já, salientar que o disposto no CPC sobre a litigância de má fé nunca poderia ser aplicado à AT, já que o disposto no artigo 104.º da LGT, tem natureza de norma especial.
Os fundamentos para o pedido em análise prendem-se, nomeadamente, com posturas processuais divergentes que a AT terá assumido em mais do que um processo da ora Recorrente. E, ao que apurámos, terá sido por esse comportamento processual que a Recorrente, à cautela, terá intentado a presente acção administrativa especial, dando origem à apresentação da mesma causa de pedir em mais do que um processo judicial.
Ora, a AT consubstancia a pessoa colectiva de direito público “Estado”, que, designadadamente, nas impugnações judiciais aparece sob a veste “Fazenda Pública” e nas acções administrativas especiais a parte demandada é o ministério a cujo órgão seja imputável o acto jurídico impugnado, no caso o “Ministério das Finanças” – cfr. o artigo 9.º do CPPT e o artigo 10.º, n.º 2 do CPTA. Tudo se reconduzindo a extensas dissertações acerca de personalidade judiciária e legitimidade passiva no âmbito dos diversos meios processuais, mas, para o que agora nos interessa, sempre é a AT que estará do lado passivo da relação material tributária controvertida (quer seja representada por Representante da Fazenda Pública, nomeadamente nas impugnações judiciais, quer seja representada em juízo por licenciado em direito com funções de apoio jurídico expressamente designado para o efeito, nas acções administrativas especiais).
Logo, não obstante nos presentes autos a legitimidade passiva ser do Ministério das Finanças, tendo sido designado jurista da Direcção de Serviços de Consultadoria Jurídica e Contencioso da AT para intervir neste processo, é sempre a actuação em juízo da administração tributária que está em causa sindicar. Pelo que, reitera-se, dúvidas não sobressaem acerca da aplicabilidade do artigo 104.º da LGT. Acerca desta aplicabilidade aos processos administrativos em matéria tributária regulados no CPTA, dada a amplitude da redacção adoptada no artigo 104.º da LGT, veja-se a anotação ao mesmo por António Lima Guerreiro, da Editora Rei dos Livros, na página 426.
Neste contexto, não se alcança que a diversidade do regime de representação em juízo da administração fiscal na impugnação judicial (artigo 15.º do CPPT) e na acção administrativa especial (artigo 11.º, n.º 2 do CPTA) possa afastar, por si só, uma condenação por litigância de má-fé, como decidiu o tribunal a quo (tendo implícita a relevância de comportamento processual oriundo de fontes diversas da mesma pessoa colectiva de direito público).
Independentemente de o enquadramento jurídico efectuado pela Recorrente (violação do artigo 456.º do CPC) não ser ajustável ao caso concreto, o tribunal de recurso jurisdicional não está impedido de apreciar o erro de julgamento do segmento decisório, já que lhe cabe, na sua função jurisdicional, não apenas interpretar e aplicar a lei, mas também interpretar e apreciar correctamente, sem formalismos exagerados, os factos alegados, sendo livre na sua qualificação jurídica (cfr. artigo 5.º do CPC).
Analisemos, então, se a previsão do artigo 104.º, n.º 1, da LGT está presente no caso em apreço, que estatui que a administração tributária pode ser condenada numa sanção pecuniária a quantificar de acordo com as regras sobre a litigância de má fé “em caso de actuar em juízo contra o teor de informações vinculativas anteriormente prestadas aos interessados ou o seu procedimento no processo divergir do habitualmente adoptado em situações idênticas”.
Não obstante as partes deverem litigar com a devida correção, ou seja, no respeito dos princípios da boa fé e da verdade material e, ainda, na observância dos deveres de probidade e cooperação expressamente previstos no artigo 8.º do CPTA, para assim ser obtida, com eficácia e brevidade, a realização do Direito e da Justiça no caso concreto que constitui objeto do litígio; Para que a administração tributária possa ser condenada numa sanção pecuniária a quantificar de acordo com as regras sobre a litigância de má-fé, tem que estar presente a previsão do artigo 104.º, n.º 1, da LGT.
A conduta da parte, para que possa integrar-se no conceito de litigância de má fé, deve ser viciada por dolo ou negligência grave e não abrange, assim, situações de erro grosseiro ou lide ousada em que alguém possa ter caído por mera inadvertência.
Assim, a referida sanção por litigância de má fé depende de uma violação dolosa ou gravemente negligente do princípio da boa fé, por desrespeito de informação vinculativa anteriormente prestada, ou violação do princípio da igualdade tributária, que ocorre quando a administração tributária trate conscientemente de modo desigual contribuintes em idênticas circusntâncias.
Os requisitos do dolo ou negligência grave resultam de o presente preceito remeter para a lei geral, que é o artigo 456.º, n.º 2 do CPC, que declara expressamente a dependência da litigância de má fé desse tipo de pressupostos. Simplesmente, verificados de acordo com o regime da presente lei, ou seja, só é devida sanção pecuniária em caso de violação do conteúdo de informação vinculativa anteriormente prestada aos contribuintes ou em caso do procedimento da Administração divergir do habitualmente adoptado em circunstâncias idênticas. A solução em causa tem em conta o quadro jurídico peculiar da actuação do Estado no processo judicial tributário, que é substancialmente diferente do das partes no processo comum – cfr. Lei Geral Tributária Anotada por António Lima Guerreiro, Editora Rei dos Livros, página 425.
Ora, não se logrou provar que a AT tenha adoptado procedimento diverso do que é habitual assumir em circunstâncias idênticas, nem revelando o seu comportamento a censurabilidade necessária, pois que se limitou a defender os seus interesses e posições com base na argumentação jurídica que entendeu mais adequada. Reconhece este Tribunal que a sua actuação poderá não ter sido a mais leal, ao excepcionar no processo n.º 237/12.0BEVIS, que corre termos no TAF de Viseu: “se podemos afirmar que o processo de impugnação judicial é apto a anular o ato de segunda avaliação de prédio urbano, em virtude de eventuais vícios ocorridos na sua realização, ao abrigo do art. 134º do CPPT e 77º CIMI já o mesmo não podemos dizer quanto ao ato de inscrição oficiosa do mesmo prédio por parte do serviço de finanças respetivo. (...) Sucede que quanto ao ato decisório de inscrição oficiosa do imóvel na matriz predial urbana levada a efeito pelo chefe de finanças competente, manifestamente não estamos perante qualquer ato de liquidação ou de fixação de valores patrimoniais. (...) Por estarmos perante uma situação em que não está em causa a apreciação da legalidade de um ato de liquidação (ou ato de avaliação nos termos do art. 134º CPPT) o meio próprio para contestar o ato praticado é a ação administrativa especial que se rege pelas regras do processo nos tribunais administrativos, nos termos previstos no art. 97º nº 2 do CPPT.”. E, depois, nos presentes autos de acção administrativa especial, se defender, igualmente por excepção, invocando a “impropriedade do meio processual utilizado pela autora”, perante a mesma situação fáctica concreta.
Acresce que, apesar de, em 27.01.2012, a AT ter notificado a A. do resultado da segunda avaliação efectuada ao prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo P 265, da freguesia de Bustelo, a factualidade constante dos itens 11. a 13. da decisão da matéria de facto apresenta-se de forma conclusiva, por referência à forma alegada em sede de contestação, e nenhuma influência teve na decisão da matéria de excepção apreciada:
“11- Em 26.11.2012, na sua contestação, a AT alegou estar ainda pendente o procedimento de segunda avaliação no presente caso - cfr. artigo 5.º da contestação ínsita nos autos.
12- Em 26.11.2012, na sua contestação, a AT alegou estar ainda por concluir o acto de inscrição na matriz - cfr. artigo 9.º da contestação ínsita nos autos.
13- Em 26.11.2012, na sua contestação, a AT alegou que a A. não solicitou a correcção da inscrição junto do Chefe do Serviço de Finanças - cfr. artigo 16.º da contestação ínsita nos autos.”
Mas, em qualquer caso, de modo algum existem condições para aplicação de uma sanção pecuniária à AT, atento o disposto no artigo 104.º, n.º 1 da LGT, e por os elementos disponíveis para o efeito não serem suficientemente elucidativos ou dubitativos para que possa concluir-se, com segurança, pela existência de dolo ou de negligência grosseira.

No circunstancialismo ocorrido e que se mostra concretamente apurado não se recorta, destarte, com a nitidez necessária, uma conduta da entidade recorrida que traduza uma violação do dever de «honeste procedere», termos em que não se vislumbra que a mesma haja litigado de má-fé.

Por conseguinte, o presente recurso jurisdicional, quanto a este aspecto da litigância de má-fé, não procede, apesar da fundamentação diversa que deixamos exposta.


Conclusões/Sumário

I – No contencioso tributário (ao contrário do que acontece actualmente no contencioso administrativo) o critério da impugnabilidade dos actos continua a ser o da sua lesividade imediata, objectiva, actual e não meramente potencial.
II – O regime previsto no n.º 3 do artigo 134.º do CPPT só se aplica a incorrecções materiais nas matrizes.
III – A inscrição oficiosa na matriz de uma determinada realidade física, por ter sido qualificada como prédio, reconduz-se a acto imediatamente lesivo dado que provoca uma alteração significativa na esfera jurídica da recorrente, conferindo-lhe a qualidade de sujeito passivo de IMI e nessa qualidade o sujeitando a várias obrigações tributárias, nomeadamente declarativas e acessórias, incluindo a obrigação de imposto; relativamente a tal acto pode, portanto, em princípio, ser formulado pedido de anulação no âmbito de acção administrativa especial (impugnação de acto).
IV. O artigo 104.º da LGT é aplicável aos processos administrativos em matéria tributária regulados no CPTA.
V. Para que se possa integrar no conceito de litigância de má-fé, deve a actuação/omissão ser viciada por dolo ou negligência grave e não abrange, assim, situações de erro grosseiro ou lide ousada em que alguém possa ter caído por mera inadvertência.
VI. Não se logrando provar que a AT tenha adoptado procedimento diverso do que é habitual assumir em circunstâncias idênticas e colocado ante situação pouco definida na lide (entre dolosa ou temerária), por os elementos disponíveis para o efeito não serem suficientemente elucidativos ou dubitativos para que possa concluir-se, com segurança, pela existência de dolo ou de negligência grosseira, o julgador não deve decretar a condenação por litigância de má-fé.

IV - Decisão

Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, dando provimento ao recurso, em revogar a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos à 1ª instância para prossecução dos mesmos, se a tanto nada mais obstar.

Sem custas.

D.N..
Porto, 13 de Novembro de 2014
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Fernanda Esteves