Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01637/09.8BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/26/2015
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Vital Lopes
Descritores:RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS.
EFICÁCIA DA PENHORA EM CASO DE SEPARAÇÃO DE BENS
(ART.º825.º, N.º7, DO CPC)
Sumário:1. Se no seguimento de execução (comum) movida contra um só dos cônjuges vem a ser penhorado um bem comum, de duas, uma: ou é requerida pelo cônjuge não executado a separação de bens, ou ele não a pede (art.º825.º, n.º1, do CPC).
2. Se requer a separação de bens e o penhorado bem comum é adjudicado em partilha ao cônjuge não devedor, a penhora transfere-se para os bens que tenham cabido ao executado.
3. No entanto, a eficácia da penhora mantém-se até nova apreensão nos bens do cônjuge devedor (art.º825.º, n.º7, do CPC)
4. Se antes de efectuada a nova apreensão, vem a ser instaurada execução fiscal unicamente contra o cônjuge não devedor e nesta é efectuada penhora do bem que lhe foi adjudicado em partilha, pode, ainda assim, o credor exequente do outro fazer valer a eficácia da anterior penhora reclamando o seu crédito na execução fiscal, sob pena de ver dissipada a sua garantia com a venda judicial desse bem (art.º824.º, do Código Civil).*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:J... e M...
F...
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE
1 – RELATÓRIO
J..., recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga proferida no incidente de graduação e verificação de créditos, que corre por apenso ao processo de execução fiscal n.º0418200201100505 e apensos, instaurado no serviço de finanças de Guimarães-1 contra A....

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo.

Na sequência do despacho de admissão, o Recorrente apresentou alegações, juntou 3 docs. e formulou as seguintes «Conclusões:

1. A presente execução está instaurada contra A...;
2. O recorrido F…, é credor do cônjuge do executado;
3. O recorrido não é credor do executado nem directa nem indirectamente.
4. Pelo que, por esse motivo, deveria o pretenso credor, F..., ser afastado da presente execução.
5. Foi alegado que o bem penhorado nestes autos pela exequente, Fazenda Pública, pertence ao executado em plena propriedade por ter sido adquirido em processo de separação de bens nos termos do art.º 825.º do CPC.
6. que a penhora registada a favor do recorrido no imóvel do executado e que foi vendido na presente execução, não corresponde a qualquer direito sobre o executado.
7. As questões supra referidas foram colocadas ao Tribunal pelo recorrente e deveriam ser apreciadas pelo meritíssimo Juiz “a quo” não o foram na sentença impugnada.
8. A sentença de verificação e graduação de créditos tão só se referiu à existência de uma penhora registada.
8.A Nulidade da sentença que se invoca com as legais consequências.
POR OUTRO
9. Com efeito, aquele reclamante/recorrido omitiu um conjunto de factos pessoais, dolosamente, factos esses que demonstram que o direito reclamado não existe na sua esfera jurídica.
10. A execução primitivamente instaurada contra o cônjuge do executado é o processo n.º 1848/02.TBFAF, 3.º juízo, no qual foi penhorado o imóvel vendido nos presentes autos; execução essa, 1848/02 TBFAF que foi declarada sustada nos termos do disposto no art.º 871.º do CPC.
11. Assim, o recorrido veio reclamar o seu crédito no processo n.º 269/2002, da 2.ª Vara Mista do T. de Guimarães;
12. Também a precedente execução, 269/2002, foi declarada suspensa por ter sido levado ao conhecimento desta execução, a existência do processo de separação de bens entre a executada do recorrido e o aqui executado, nos termos do art.º 825.º do CPC, este a correr termos por apenso ao processo n.º 260/2002, da 2.ª Vara Mista do TJ de Guimarães.
13. Na partilha de bens respeitante ao processo de separação de bens n.º 260/2002, da 2.ª Vara Mista do TJ de Guimarães, o imóvel penhorado foi adjudicado ao cônjuge “não penhorado” pelo recorido, A....
14. Por não ter sido citado, o recorrido F..., naqueles autos 260/2002, instaurou um recurso de revisão para anular todo o processado, inclusive a sentença homologatória de partilha já transitada. Doc. 1 que se junta e que por ser do desconhecimento do recorrente não foi junto aos autos tempestivamente.
15. Este recurso de revisão instaurado pelo recorrido, foi julgado improcedente por Acórdão transitado em julgado do Supremo Tribunal de Justiça. Doc. 2 que se junta por só agora ter conhecimento dos mesmos.
16. Pelo que nenhum direito emergente da penhora registada pode ser invocada pelo recorrido uma vez que sendo penhorados bens comuns, ou os cônjuges requerem a separação de bens ou a execução prossegue contra o bem comum, Cfr. 825.º do CPC.
16.A E o que aconteceu, é que o aqui executado requereu a separação de bens.
17. Os factos supra mencionados são do conhecimento pessoal do recorrido que os omitiu deliberadamente,
18. bem sabendo que a penhora que registou no mencionado imóvel, descrito na Conservatória de Registo Predial de Guimarães sob o n.º …/Selho S. Lourenço e inscrito na respectiva matriz sob o artigo … da freguesia de Selho S. Lourenço, concelho de Guimarães, era a consequência executiva de uma execução instaurada contra um dos cônjuges.
19. Sabe o recorrido que, por força da partilha efectuada no processo de separação de bens, a penhora efectuada não subsistiu.
20. Isso foi dito no Acórdão da Relação de Guimarães relativo ao processo de recurso de revisão que o recorrido instaurou. Doc 3. que se junta por só agora ter tido conhecimento dele.
21. Ao reconhecer o crédito com base num simples registo de penhora num imóvel a sentença carece de fundamentação suficiente e idónea.
22. É que, antes de considerar a penhora registada, o Meretissimo Juiz “ a quo” deveria considerar a primeira premissa: a existência e a titularidade do crédito sobre o executado por parte do recorrido.
23. E isso o Meretissimo Juiz “ a quo” não fez. Essa demonstração era absolutamente necessária.
24. Ao não fazê-lo, julgou reconhecido um crédito com base no registo de uma penhora,
25. o que é insuficiente, precário e com falta de fundamentação bastante.
26. O comportamento do recorrido, porque está a tentar enganar o Tribunal e a prejudicar as partes interessadas, credores reclamantes e estado, integra-se no conceito de má fé processual já que tenta tirar benefícios de um processo cujo fundamento sabe e tem a consciência plena de não existir na sua esfera jurídica.
27. Deverá ser condenado como litigante de má fé em multa exemplar a favor do estado.
28. Foram violados os dispositivos constantes nos artigos 660.º, alínea e) do n.º 1 do art.º 668.º, art.º 45.º, todos do CPC.

Nestes termos e nos melhores de direito deve o presente recurso obter provimento e, em consequência, ser declarada nula a sentença, ou então, ser a mesma revogada julgando-se que o recorrido não possui qualquer crédito sobre o executado pelo que o crédito não pode ser verificado e graduado».

O Recorrido, F..., apresentou contra-alegações e juntou 1 doc., tendo formulado as seguintes «Conclusões:

1º) Em conformidade com o decidido na decisão ora objecto de recurso o prédio penhorado no processo de execução fiscal encontra-se onerado com penhora registada a favor do reclamante ora aqui alegante F….
Trata-se de uma garantia real, e não pessoal, ou seja, em que a própria coisa, e não o seu proprietário, responde pela dívida subjacente.
Por outro lado, a inscrição no registo faz presumir a existência do direito registado, sendo certo que nada nos autos permite ilidir tal presunção.
Assim, há que considerar o reclamante F... titular da garantia real registada a seu favor, nos precisos termos registados, que lhe confere o direito a ser pago pelo produto da venda do bem, nos termos legais, pelo que deve o respectivo crédito ser admitido e graduado com os restantes.
2°) Em conformidade com o decidido, por decisão transitada em julgado, nos Autos de Recurso de agravo em separado, apenso aos Autos de Processo de Execução com o n° 1848/04.2 TBFAF pendente no 3° Juízo do Tribunal da Comarca de Fafe, que manteve a penhora e indeferiu o requerimento feito pelo ora alegante na qualidade de procurador de A... nos referidos autos de execução no sentido do levantamento da penhora do prédio penhorado, tudo conforme documento (certidão ora junto sob o nº 1 com as presentes alegações);
3°) A penhora atribui ao exequente um direito real de garantia sobre os bens penhorados, daí o atributo da preferência que lhe é conferido pelo n° 1 do art° 822° do Código Civil. (Cfr. Fernando Amâncio Ferreira in Curso de Processo de Execução, Almedina, 10ª edição, 2007 pág. 289).
Assim sendo dúvidas não restam que a decisão ora em recurso deve ser mantida, devendo improceder de forma evidente as conclusões do Recorrente.
Termos em que deve ser negado provimento ao presente recurso, confirmando-se, em consequência, nesta parte, a douta sentença Recorrida, como será de JUSTICA!».

A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta neste Tribunal é de parecer que deverá ser negado provimento ao recurso, mantendo-se na ordem jurídica a sentença recorrida.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, cumpre decidir.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações do Recorrente e sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso (cf. artigos 684.º, n.º3 e 685.º-A, n.º1, do CPC), as questões que importa conhecer reconduzem-se a indagar (i) se é legítimo às partes juntarem documentos com as alegações; (ii) se a sentença enferma de nulidade por omissão de pronúncia; (iii) se a sentença incorreu em erro de julgamento na graduação do crédito do Recorrido.

3 – DA MATÉRIA DE FACTO

A sentença não alinhou os factos que considerou provados e não provados, o que passa a fazer-se agora, nos termos do disposto no art.º712.º, n.º1, do CPC aplicável. Os factos provados estão suportados documentalmente como se indica e são os julgados necessários ao conhecimento do recurso:

1. Na execução fiscal n.º0418200201100505 e apensos, instaurada contra A..., por dívidas provenientes de Contribuição Autárquica dos anos de 2000, 2001 e 2002, inscrita para cobrança até 2005, foram efectuadas duas penhoras do prédio urbano correspondente ao artigo matricial n.º… da freguesia de Selho (S. Lourenço), descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Guimarães com o n.º… (cf. ofício do serviço de finanças a fls.89 e certidão de registo predial a fls.92, ambas do apenso de execução);
2. As penhoras da Fazenda Pública têm inscrição no registo de 26/03/2008 e 20/11/2008 (cf. certidão de registo predial);
3. Sobre o referido imóvel está inscrita penhora, com registo reportado a 10/03/2005, a favor de F... pela quantia exequenda de 16.746,92€ (cf. certidão de registo predial);
4. Consta da inscrição dessa penhora, o seguinte: “Sujeito(s) passivo(s): “M…, casado/a com A... no regime de Comunhão de adquiridos”;
5. Conforme registo de 19/07/2005, está inscrita a aquisição do imóvel por A..., “Casado/a com M… no regime de Casado, mas separado judicialmente de pessoas e bens”, “por partilha em inventário subsequente a separação de bens” (cf. certidão de registo predial);
6. Conforme registo da mesma data de 19/07/2005, está inscrita hipoteca voluntária a favor de J... para garantia do montante máximo de 160.800,00€ (cf. certidão de registo predial);
7. Sobre o imóvel está inscrita penhora, com registo reportado a 27/06//2007, pela quantia exequenda de 34.154,47€ a favor da Caixa Económica Montepio Geral (cf. certidão de registo predial);
8. Está ainda inscrita outra penhora, com registo reportado a 27/09/2007, pela quantia exequenda de 6.309,68€ a favor do Banco Bilbao Vizcaya Argentaria (Portugal), S.A. (cf. certidão de registo predial);
9. O Reclamante F... instaurou execução comum contra M… para pagamento da quantia exequenda de 16.746,92€, autuada sob o n.º1848/04.2TBFAF, no âmbito da qual veio a ser efectuada a penhora de 10/03/2005 referida supra, em 3. (cf. certidão judicial junta a fls.146 dos autos);

Factos não provados: Com interesse para a decisão, não há.

4 - ADMISSIBILIDADE DA JUNÇÃO DE DOCUMENTOS COM AS ALEGAÇÕES DE RECURSO.

Antes de mais cumpre apreciar a questão da admissibilidade da junção de documentos com as alegações e contra-alegações de recurso pelo Recorrente e Recorrido.

Nos termos do disposto no n.º1 do art.º523.º, do CPC aplicável, “Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes”.

Podem ainda os documentos ser apresentados “até ao encerramento da discussão em 1ª instância, mas a parte será condenada em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado” – n.º2.

Em processo judicial tributário, o encerramento da discussão em 1ª instância, tem lugar com a apresentação de alegações, a que se refere o art.º120.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário. Tal como salienta Jorge Lopes de Sousa, “CPPT – Anotado”, Vislis, 4ª edição (2003), a pág.527, “No processo judicial tributário, as alegações referidas neste art.º120.º destinam-se, concomitantemente, a discussão da matéria de facto e de direito, pelo que não pode entender-se que o encerramento da discussão da causa, no tocante à matéria de facto, ocorra antes dela”.

Depois do encerramento da discussão e tal como decorre do disposto no n.º1 do art.º524.º do CPC, “…só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”.

Estabelece o seu n.º2 que “Os documentos destinados a provar factos posteriores aos articulados, ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior, podem ser oferecidos em qualquer estado do processo”.

Em sede de recurso e tal como prevê o art.º693.º-B, do CPC aplicável, “As partes podem juntar documentos às alegações na situações excepcionais a que se refere o artigo 524.º, no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância e nos casos previstos nas alíneas a) a g) e i) a n), do n.º2 do artigo 691.º”

De acordo com o n.º2 daquele art.º691.º, «Cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de 1.ª instância:
a) Decisão que aprecie o impedimento do juiz;
b) Decisão que aprecie a competência do tribunal;
c) Decisão que aplique multa;
d) Decisão que condene no cumprimento de obrigação pecuniária;
e) Decisão que ordene o cancelamento de qualquer registo;
f) Decisão que ordene a suspensão da instância;
g) Decisão proferida depois da decisão final;
h) (…);
i) Despacho de admissão ou rejeição de meios de prova;
j) Despacho que não admita o incidente ou que lhe ponha termo;
l) Despacho que se pronuncie quanto à concessão da providência cautelar, determine o seu levantamento ou indefira liminarmente o respectivo requerimento;
m) Decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil;
n) Nos demais casos expressamente previstos na lei».

Não se reconduzindo a situação dos autos a qualquer dos casos previstos no n.º2 do art.º691.º, do CPC, as partes apenas estariam legitimadas a juntar documentos com as alegações nas seguintes circunstâncias: (i) impossibilidade de apresentação anterior (art.º524.º, n.º1, em conjugação com o art.º693.º-B, do CPC); (ii) os documentos se destinarem a provar factos posteriores aos articulados ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior à apresentação daqueles (art.º524.º, n.º 2, do CPC); a junção só se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância (art.º693.º-B do CPC) – Vd. Acórdão do STJ, de 27/06/2002, Rev. n.º1295/02 - 7ª, Sumários, 6/2002.

Ora, os documentos que o Recorrente junta nem se tratam de documentos supervenientes, nem se destinam a fazer prova de factos posteriores aos articulados, no caso, o articulado em que se impugnam os créditos e o de resposta (cotejar fls.120/122 com fls.224 a 268). Disso mesmo está ciente o Recorrente, tanto que invoca que “só agora” deles teve conhecimento.

Todavia e tal como se salienta no Acórdão da Relação de Coimbra, de 08/11/2011, proferido no proc.º 39/10.8TBMDA.C1, a superveniência subjectiva, que ocorre quando a parte que ofereça o documento só tiver conhecimento da existência desse documento depois do encerramento da discussão em 1ª instância, não prescinde da alegação e prova da impossibilidade da junção do mesmo no momento normal em que o deveria ser.
Como se refere naquele aresto, «No tocante à superveniência subjectiva não basta invocar que só se teve conhecimento da existência do documento depois do encerramento da discussão em 1ª instância, já que isso abria de par em par a porta a todas as incúrias e imprevidências das partes: a parte deve alegar – e provar - a impossibilidade da sua junção naquele momento e, portanto, que o desconhecimento da existência do documento não deriva de culpa sua. Realmente, a superveniência subjectiva pressupõe o desconhecimento não culposo da existência do documento».

Ora, na falta de qualquer demonstrada explicação, dificilmente se pode aceitar o desconhecimento não culposo de documentos que integram processos judiciais, de livre consulta independentemente de procuração, por parte de advogados (cf. art.º74.º, n.º1 do EOA) – sendo que o Recorrente já em 1ª instância se fazia representar por mandatário forense – e quando o próprio Recorrido identificou a execução comum que viria a desencadear a sua intervenção subsequente nos processos judiciais a que se refere a documentação agora junta com as alegações.

No que diz respeito à hipótese de junção de documentos quando esta se torne necessária em virtude do julgamento efectuado em 1ª Instância, o advérbio “apenas”, usado no art.º693.º-B, do CPC, significa que a junção só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida a decisão na 1ª Instância, isto é, se a decisão da 1ª Instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento. A lei quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão da 1ª. Instância ser proferida (cf. Antunes Varela e Outros, “Manual de Processo Civil”, 2ª. Ed., Coimbra Editora, 1985, págs. 533 e 534).

Descendo aos autos, invocando o Recorrente (bem ou mal, não interessa agora) nulidade da sentença por omissão de pronúncia quanto à inexistência de crédito do Recorrido sobre o executado e destinando-se a documentação junta com as alegações justamente à demonstração (ou reforço probatório) desse facto, manifestamente a junção de documentos não podia ocorrer por virtude do julgamento efectuado em 1ª instância ou em vista dos fundamentos da sentença (cf. Conclusões 2 a 8-A e 21 a 25).

Termos em que se decide não admitir a junção dos documentos oferecidos pelo Recorrente com as alegações, que deverão ser desentranhados e a ele restituídos, indo o mesmo condenado na multa que adiante se fixará no dispositivo, conforme ao disposto no n.º1 do art.º543.º, do CPC aplicável.

Também os documentos juntos pelo Recorrido com as alegações são de recusar, uma vez que junta documentos de processos judiciais em que ele próprio interveio – e que, portanto, não podia ignorar – não se verificando qualquer situação de superveniência objectiva.

Devem tais documentos ser desentranhados e a ele restituídos, indo igualmente condenado na multa que se fixará no dispositivo.

5 – APRECIAÇÃO JURÍDICA

O Recorrente invoca nulidade da sentença por omissão de pronúncia. A seu ver, a sentença limitou-se a referir a existência da penhora registada em nome do Reclamante, F..., sem apreciar a questão que verdadeiramente importava e que era a do inexistente direito de crédito desse Reclamante sobre o executado.

Nos termos do disposto no n.º1 do art.º125.º, do CPPT, é nula a sentença quando ocorra “…a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”, sendo que esta nulidade está directamente relacionada com o dever que é imposto ao juiz, pelo art.º660.º n.º2 do CPC, de resolver todas as questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, determinando a violação dessa obrigação a nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

Assim, embora o julgador não tenha que analisar todas as razões ou argumentos que cada parte invoca para sustentar a sua pretensão, incumbe-lhe a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, todos os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. E questão, para este efeito, é tudo aquilo que é susceptível de caracterizar um vício ou ilegalidade do processo executivo e seus incidentes (cf. art.º151.º, do CPPT, redacção então vigente).
A partir daqui, é manifesto que o Recorrente não tem razão no que diz respeito à invocada nulidade, pois se deixou consignado relevantemente na sentença recorrida, o seguinte: «J..., impugnou o crédito reclamado por F..., nos termos de fls. 121, alegando em suma não ser este titular de qualquer garantia real sobre o bem penhorado.
Compulsada a certidão do registo predial, constante de fls. 9 e ss. do processo apenso, verifica-se que o prédio penhorado no processo de execução fiscal se encontra onerado com penhora registada a favor do reclamante F....
Trata-se de uma garantia real, e não pessoal, ou seja, em que a própria coisa, e não o seu proprietário, responde pela dívida subjacente.
Por outro lado, a inscrição no registo faz presumir a existência do direito registado, sendo certo que nada nos autos permite ilidir tal presunção.
Assim, há que considerar o reclamante F... titular da garantia real registada a seu favor, nos precisos termos registados, que lhe confere o direito a ser pago pelo produto da venda do bem, nos termos legais, pelo que deve o respectivo crédito ser admitido e graduado com os restantes».

Tal significa que a sentença não deixou de se pronunciar sobre a questão quer da impugnação do crédito, quer da garantia real invocada pelo Reclamante, ora Recorrido, F.... Simplesmente partiu da inscrição no registo da garantia real invocada para concluir pela existência do crédito impugnado.

Se esta asserção está correcta ou não, não é questão reportada à nulidade da sentença, mas sim à de eventual erro de julgamento.

Improcede a invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

Vejamos agora se a sentença incorreu em erro de julgamento na graduação do crédito do Recorrido, como também invoca o Recorrente.

Da certidão de registo predial e demais elementos dos autos e tal como salienta o Recorrente, é possível concluir que o Reclamante F... instaurou execução comum contra M…, então casada no regime da comunhão de adquiridos com o executado A..., para pagamento da quantia exequenda de 16.746,92€, autuada sob o n.º1848/04.2TBFAF, no âmbito da qual veio a ser efectuada a penhora inscrita em 10/03/2005 (referida supra, em 3.do probatório) que então constituía bem comum do casal.

O bem comum penhorado veio a ser adjudicado ao executado A... por partilha em inventário subsequente a separação de bens.

Quando foi efectuada a penhora da Fazenda Pública e reclamados os créditos na execução fiscal, permanecia inscrita a penhora do Reclamante F... (que antes da partilha em inventário subsequente a separação de bens, constituía bem comum do casal).

Pois bem. Como decorre do disposto no n.º1 do art.º825.º, do CPC, penhorado um determinado bem comum do casal, numa execução movida contra um só dos cônjuges, procede-se à citação do outro e de duas, uma: ou o cônjuge do executado não requer a separação de bens nem junta certidão de acção pendente, e a execução prossegue contra o bem penhorado, para a sua venda ou adjudicação na acção executiva; ou o cônjuge requer a separação de bens ou junta certidão comprovativa de processo de separação de bens já instaurado, e neste caso, suspende-se a execução nos bens comuns até à partilha (n.º4 do art.º825.º, do CPC). E aí, o bem ou é adjudicado ao executado, ou ao seu cônjuge.

Se o bem penhorado for adjudicado em partilha ao executado, a execução prossegue relativamente a tal bem.

Se o bem penhorado não lhe for adjudicado, é levantada a penhora, podendo ser penhorados outros bens que tenham cabido ao executado, “permanecendo a anterior penhora até à nova apreensão” – n.º4 do art.º825.º, do CPC.

Nesta última hipótese, como se refere no Acórdão da Relação de Coimbra, de 16/09/2014, proferido no proc.º935/10.2TJCBR.C1, “a penhora anterior permanece unicamente até que a segunda tenha lugar, para eficácia da garantia do exequente. Com a adjudicação do bem penhorado ao cônjuge do executado, a garantia de pagamento do crédito do exequente resultante da penhora transfere-se para os bens que hão-de constituir o quinhão do executado/devedor (…)”.

Pois bem. Não se provando que tenha ocorrido nova apreensão em bens do cônjuge executado, a garantia da penhora do Reclamante e ora Recorrido F... mantém-se eficaz.

Ora, a venda em execução transfere para o adquirente os direitos do executado sobre a coisa vendida – art.º824.º, n.º1, do Código Civil.

Estabelece o n.º2 daquele preceito que “os bens são transmitidos livres dos direitos de garantia que os onerarem…”.

E nos termos do seu n.º3, “os direitos de terceiro que caducarem nos termos do número anterior transferem-se para o produto da venda dos respectivos bens”.

Inexistindo nova apreensão concretizada em bens adjudicados em partilha ao cônjuge devedor, M…, a não admitir-se que o exequente comum F... com garantia da penhora pudesse reclamar créditos na execução fiscal onde o bem está a ser vendido e que corre unicamente contra o executado A... (a quem o bem foi adjudicado, em partilha), tal redundaria num prejuízo total desse exequente que via dissipar-se a garantia de se ver pago da totalidade ou de parte do seu crédito, que lhe era garantido pela penhora que detinha sobre o bem imóvel.

E sendo de admitir a reclamação do impugnado/Recorrido F... com base na penhora constante do registo, improcede a impugnação - do crédito e da garantia - , apresentada pelo Recorrente.

5- DECISÃO

Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em:
- Negar provimento ao recurso;
- Ordenar o desentranhamento e restituição ao recorrente e recorrido dos documentos juntos às alegações e contra-alegações de recurso, condenando-se os mesmos em multa no montante de duas (2) U.C., cada;

Custas a cargo do Recorrente.

Porto, 26 de Fevereiro de 2015
Ass. Vital Lopes
Ass. Cristina da Nova
Ass. Pedro Vergueiro