Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02410/13.4BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/21/2016
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Hélder Vieira
Descritores:PROCEDIMENTO CAUTELAR SUSPENSÃO EFICÁCIA; PROCESSO DISCIPLINAR
PERICULUM IN MORA; ÓNUS DE ALEGAÇÃO; PROVA TESTEMUNHAL; PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE
Sumário:I — A concessão das providências cautelares, no tocante ao requisito do periculum in mora exigido pelo artigo 120º, nº 1, alíneas b) e c), do CPTA, assenta nos factos alegados pelas partes. Uma alegação insuficiente e meramente “conclusiva”, desprovida dos factos essenciais que carreiem uma causa de pedir, não é adequada para a averiguação do preenchimento de tal requisito.
II — Cabe ao requerente alegar factos concretos que permitam ao julgador apreciar e eventualmente concluir pela existência de uma alegada situação de carência económica relevante para preenchimento do requisito do periculum in mora previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 120º do CPTA, o que seria de considerar verificado se, considerando a perda de remuneração do trabalho que o acto suspendendo implica, alegados e provados os respectivos factos, deles resultasse a convicção de que da execução do acto de demissão resultaria a impossibilidade de satisfação de necessidades básicas do recorrente e respectivo agregado familiar.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente: FMMS
Recorrido 1:Centro Hospitalar de São João, EPE
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I – RELATÓRIO
Recorrente: FMMS
Recorrido: Centro Hospitalar de São João, EPE
Contra-interessado: AMCPB

Veio interposto recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que, considerando não se verificar o pressuposto do fumus boni iuris, indeferiu o pedido de suspensão da eficácia do acto do Presidente do Conselho de Administração do ora Recorrente, de 11-07-2013, de aplicação de pena disciplinar de demissão.

Por acórdão de 25-09-2014, este TCAN revogou a sentença do TAF do Porto, no entendimento de que se verificava o fumus boni iuris, o que obrigava à verificação dos restantes requisitos necessários ao deferimento da requerida providência cautelar, e determinou a baixa dos autos ao Tribunal de 1ª instância “para prosseguimento dos mesmos nomeadamente com a referida inquirição de testemunhas sobre o periculum in mora.

Inconformado com essa decisão relativa à determinação da baixa dos autos à 1ª instância para prosseguimento, por entender violado o artigo 149º, nºs 1, 2 e 3, do CPTA, o Centro Hospitalar de São João, EPE, dele interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo, que apreciou a seguinte questão, tal como ali identificada:

A questão que nos vem colocada é, assim, tal como a Formação sinalizou, a de saber se «o tribunal de apelação, entendendo que o julgamento de mérito feito em 1ª instância não pode subsistir mas que a apreciação das questões (ou dos aspectos da questão) que a decisão revogada considerara prejudicadas depende da averiguação de factos para que seja necessário produzir prova, está vinculado a proceder ele mesmo à produção da prova oportunamente requerida e que julgue necessária, ou se deve ou pode, e em que circunstâncias, devolver o processo ao tribunal a quo, para que aí prossiga»”.

O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 05-03-2015, veio a revogar essa decisão, considerando que nada havia que impedisse o TCA de conhecer do mérito da causa recolhendo, se necessário, a factualidade indispensável para o efeito, maxime inquirindo as testemunhas que haviam sido arroladas e ordenando a baixa dos autos a este TCAN para que nele se produza a prova que este havia considerado não lhe competir fazer e, nada o impedindo, que conheça do mérito da causa.

Por acórdão deste TCAN, de 17-04-2015, na consideração, entre o mais, de que:

— na relevância do cumprimento do ónus de alegação de atinente causa de pedir “… não se mostrando alegados factos, não se mostra possível produzir prova testemunhal sobre factos não alegados” e de que “se ao tribunal é lícito considerar os factos instrumentais que resultem da instrução da causa, bem como os factos daí resultantes que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e também os factos notórios e aqueles de que tenha conhecimento por virtude do exercício das suas funções, como dispõe o nº 2 do artigo 5º do CPC, já vedado lhe é erigir ele próprio uma causa de pedir, quanto aos factos essenciais, mediante inquirição de testemunhas sobre matéria meramente conclusiva e afirmações de ordem tabelar por referência à facti species da respectiva norma legal: Sairia violado gravemente o princípio da imparcialidade do juiz”;

— e considerando que “a Requerente não logrou provar factos conducentes a um juízo que permita concluir pela verificação de periculum in mora, ou seja, que haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal” e que, “por último, sem ganho de causa relativamente aos restantes pressupostos, inútil se torna a ponderação segundo o critério previsto no nº 2 daquele mesmo artº 120º”.

— foi decidido indeferir a requerida providência cautelar.

Interposto recurso para o STA, veio aquele Supremo Tribunal, por acórdão de 08-10-2015, na consideração de que “o TCAN não podia deixar de cumprir o determinado pelo Acórdão deste STA nos moldes supra expostos, uma vez que o segmento de decisão do TCAN que determinou a abertura de prova, máxime com inquirição das 3 testemunhas arroladas, se encontrava transitado, dado que não foi objecto de recurso jurisdicional” e, como tal, “ainda em obediência à decisão tomada pelo Tribunal hierarquicamente superior que é este Supremo Tribunal Administrativo”, revogou aquela decisão, impondo-se a inquirição das referidas testemunhas.

Procedeu-se à inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente e não prescindidas e bem assim, a testemunha apresentada pelo Contra-interessado.

II – FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – DE FACTO

A sentença sob recurso fixou, e permanece pacífico, o seguinte quadro factual:

i) Em 11 de Julho de 2013, o Senhor Presidente do Conselho de Administração do Hospital de São João, proferiu despacho a aplicar a pena disciplinar de demissão à requerente, conforme emerge da análise de fls. 23 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido [acto suspendendo].

ii) A presente providência cautelar tem por objecto confesso a suspensão de eficácia do despacho referido em i), conforme emerge do requerimento inicial que faz fls. 1 a 17 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

iv) A presente providência cautelar deu entrada em juízo no dia 14 de Outubro de 2013, conforme emerge do carimbo aposto no rosto do requerimento inicial.

v) Por despacho datado de 15 de Janeiro de 2014, foi determinada a notificação da requerente para vir aos autos informar se já tinha proposto a acção principal de que depende a presente providência cautelar, ao que a mesma respondeu que estaria a “(…) ultimar a acção principal de que depende a presente providência cautelar, dando a mesma entrada nos próximos dias e de tal facto informando os autos (…)”, conforme emerge da análise de fls. 206 e 211 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

vi) Por despacho datado de 10 de Fevereiro de 2014, foi reiterada a determinação referido em v), ao que a requerente, devida e regularmente notificada, nada disse, conforme emerge da análise de fls. 224 e seguintes dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

vii) A requerente ainda não interpôs a acção principal de que depende a presente providência cautelar, conforme emerge da pesquisa ao sistema informático SITAF.

viii) Dá-se por reproduzido o teor de todos os documentos que integram os autos.

Da instrução efectuada neste Tribunal.

Foram ouvidas três testemunhas, avulsamente interrogadas, à míngua, por não alegados, de factos essenciais estruturantes da causa de pedir atinente ao periculum in mora.

A testemunha MFVF, apresentada pela Requerente, conhece esta há cerca de 3 anos e o que sabe sobre a matéria dos autos resulta de conversas tidas com a mesma, enquanto cliente da padaria onde a depoente trabalha. Depôs com serenidade, mas com uma convicção que veio a esmorecer quando instada sobre a natureza do seu conhecimento de alguns factos, vindo a reconhecer que sabe apenas o que a Requerente lhe disse.

A testemunha FMS, apresentada pela Requerente, trabalha no Hospital de São João há 20 anos, mas ignora há quanto tempo conhece a Requerente. Depôs de forma pouco assertiva e revela também que o seu conhecimento da situação da Requerente é de segundo grau, proveniente das conversas que com ela mantém telefonicamente.

A testemunha IPA, apresentada pelo Contra-interessado, é cozinheira, trabalhou, mas já não trabalha, para este, e conheceu a Requerente no Hospital de São João. Depôs de forma voluntariosa, adiantando logo, ainda antes da cabal formulação da questão, que a Requerente se encontra a “trabalhar noutro lado”. A fonte do seu conhecimento é a dedução e convicção pessoal decorrente do facto de a Requerente ter “apanhado o mesmo autocarro, mais do que uma vez”, no período de finais de Novembro e Dezembro de 2015, e como resultado ainda de diálogos com uma amiga, igualmente passageira, mas cuja identificação ou nome ignora, que a informou que a Requerente tomava conta de pessoas idosas.

Da prova testemunhal resulta o seguinte, tendo em conta os artigos do requerimento inicial (r.i.) identificados no supra identificado acórdão deste TCAN, de 17-04-2015 e não impugnado nessa parte:

Artigo 39º do r.i.: Não provado. Embora nos autos conste que a Requerente é solteira, as testemunhas apresentadas pela requerente referiram que a mesma é casada, esclarecendo depois que vive em união de facto; que está “a pagar” uma casa (moradia) adquirida anteriormente à aplicação da sanção disciplinar suspendenda; que ignoram quanto ganha o consorte membro da união de facto.

O alegado no artigo 40º do r.i. contém mera conclusão, que não se alcança, por falta de alegação de atinentes factos essenciais que, provados, permitissem concluir como alegado, nem resultando do depoimento das testemunhas factos instrumentais conducentes a essa conclusão.

Artigo 41º do r.i.: Não provado, por nada referido pelas testemunhas.

Artigo 42º do r.i.: Não provado. As testemunhas arroladas pela Requerente declararam saber apenas o que resultou de conversas mantidas com a Requerente, não se mostrando assertivas na afirmação de que a Requerente “não trabalha”, segundo a expressão pelas mesmas utilizada. Já a testemunha apresentada pelo Contra-interessado, que veio a revelar vertente voluntariosa na afirmação do facto, segundo uma convicção própria e não verosimilmente justificada, referiu que a Requerente trabalhava, pelo menos no período de Novembro-Dezembro de 2015, sendo a fonte de tal conhecimento uma pessoa cujo nome ignora e o facto de a ter avistado como passageira de autocarro no período acima referido. Na verdade, se a testemunha apresentada pelo Contra-interessado não infirma a alegação do facto, também certo é que as testemunhas apresentadas pela Requerente não lograram convencer o Tribunal quanto à sua verificação, sendo certo que a alegação se reporta ao ano de 2013, data da entrada do processo cautelar em juízo.

O alegado no artigo 43º do r.i. é irrelevante para a apreciação do periculum in mora que ora nos ocupa.

O alegado no artigo 50º do r.i. é conclusivo e contém matéria jurídica, pois a ocorrência de prejuízos para os interesses que a Requerente visa assegurar na acção principal é precisamente o que se pretende averiguar, em face do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 120º do CPTA.

O artigo 51º do r.i. contém apenas a alegação de um facto que consta já da matéria assente, por integrar o acto suspendendo, e um segmento final que não se mostra contido no acto suspendendo, ou seja, a determinação da impossibilidade do seu reingresso naquela carreira e Hospital.

O artigo 52º do r.i. contém mera constatação de uma consequência retirada pela Requerente da hipótese de não ser adoptada a requerida providência cautelar.

Os artigos 53º a 57º do r.i. contêm meras conclusões, conjecturas e juízos deduzidos da aplicação da pena disciplinar de demissão e correspondente perda de vencimento, desprovido de quaisquer factos atinentes à situação económica, financeira e patrimonial da Requerente, sequer o facto de, tal como referido pelas duas testemunhas por si apresentadas, viver em união de facto e ter adquirido, ainda antes da aplicação da pena disciplinar, uma moradia. A diminuição do seu rendimento mensal é factual, pelo menos reportado à data da execução do acto suspendendo, mas seria necessário alegar e provar factos dos quais resultasse que é fundado o receio de que, quando o processo principal termine, a decisão aí alcançada já não venha a tempo de dar resposta cabal às situações jurídicas e pretensão objecto de litígio, em face — atendendo ao plano relevado pela Requerente — de uma evolução que gerou ou conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis.

Quanto ao prejuízo a nível pessoal alegados nos artigos 58º e seguintes do r.i., retira-se apenas a convicção das testemunhas, decorrente das conversas havidas com a Requerente, de que a aplicação da pena disciplinar de demissão lhe trouxe um sentimento de tristeza, o que, em termos de verosimilhança, pela natureza das coisas, se aceita como sentimento genérico em face de circunstância adversa.

Não se vislumbram factos alegados cuja não prova releve para a decisão da causa.

II.2 – DO MÉRITO DO RECURSO NA PARTE ORA EM CAUSA

Mantém-se a decisão do acórdão deste TCAN no restante, relativamente à pronúncia do Supremo Tribunal Administrativo, quanto às duas únicas questões suscitadas no recurso jurisdicional e ali apreciadas: A primeira atinente ao efeito do recurso, tendo-se entendido ter efeito meramente devolutivo; a segunda, relativa ao fumus boni iuris, resolvida pela decisão de que se verifica in casu o requisito do fumus boni iuris.

Assim, efectuada a referida instrução, cumpre-nos agora averiguar se no caso presente se verifica, em primeiro lugar, o periculum in mora, relativamente ao fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que a Requerente visa assegurar no processo principal, a que alude a alínea b) do nº 1 do artigo 120º do CPTA, tendo sido efectuada a respectiva instrução, designadamente com a inquirição das testemunhas arroladas.

Atenta a pretensão de adopção de providência conservatória, os pressupostos, cumulativos neste caso, que subsistem para apreciação e de que depende o seu decretamento contêm-se na alínea b) do nº 1 e no nº 2 do artº 120º do CPTA, restando averiguar do fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que a requerente visa assegurar no processo principal e, se a tanto se guindar o conhecimento da causa, averiguar, na ponderação dos interesses públicos e privados em presença, se os danos que resultariam da sua concessão se mostram superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, caso em que deverá a requerida providência cautelar ser recusada.

Vejamos.

Da instrução efectuada, não resultou provado, com mínima suficiência, factos essenciais, sequer instrumentais, no sentido de acção, omissão ou ocorrência concreta da vida real subsumível às normas jurídicas aplicáveis à sua pretensão, designadamente da alínea b) do nº 1 do artigo 120º do CPTA quanto ao fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal.

Cabe ao Requerente da Providência alegar e provar a existência do periculum in mora, não bastando a mera invocação de considerações genéricas e conclusivas, de uma situação de facto consumado ou de produção de prejuízos de difícil reparação, sendo jurisprudência e doutrina pacificamente assente, como adiante identificaremos exemplificativamente.

Se a Autora entende que a sua demissão implica uma diminuição do seu rendimento em termos relevantes para os fins invocados, deveria então, de forma objectiva e concretizada, alegar os respectivos factos, a fim de se poder ajuizar se a diferença entre os rendimentos, desconhecidos nos autos, que anteriormente auferia e a aqueles, igualmente desconhecidos nos autos, que continuou a auferir (já que de diminuição se trata), consubstanciaria uma situação de impossibilidade de manutenção de uma vida condigna, por referência a um agregado familiar cuja composição é também ignorada nos autos por não alegados os respectivos factos, pese embora o fumus que da instrução resultou quanto à composição do seu agregado familiar, património e eventual situação laboral e que o requerimento inicial omite completamente.

Em idêntica situação, decidiu-se já neste TCAN, por acórdão de 04-10-2007, processo nº 01894/06.1BEPRT-A:

“(…) Ora, seria perante estes factos --- que não nas conclusões alinhadas nos arts. 4º- a 6º-. a pi --- que, se tivessem sido alegados e não impugnados (neste caso, impor-se-ia a inquirição da prova testemunhal, quanto a esta matéria e não apenas com base nas conclusões alegadas, pelo que, também, nesta parte não se censura a sentença recorrida, que entendeu desnecessária a prova testemunhal, assim se refutando a conclusão 2ª-. das alegações do recorrente), o Tribunal avaliaria da situação de carência sócio – económica em que ficaria o recorrente, para daí poder concluir pela verificação ou não deste requisito.

Não o tendo feito --- nem mesmo em sede de recurso jurisdicional --- sendo que tal ónus se lhe impunha --- artº-. 342º-., nº-.1 do C. Civil, por serem factos constitutivos do direito de que se arroga --- não pode o Tribunal imaginar situações fácticas concretas que levem a concluir-se pela verificação dum requisito cumulativo e imprescindível, até para a análise do nº-.2 do artº-. 120º- do CPTA.

Aliás, nos termos do artº-. 264º- do CPCivil, “1 . Às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir …

2 . O Juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes (não sendo caso de aplicação do artº-. 514º-.) … e da consideração, mesmo oficiosa, dos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa.

3 …”.

Como referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha(1) “o primeiro dos requisitos de que, segundo o disposto no nº 1, alíneas b) e c), depende a atribuição de providências cautelares traduz-se no periculum in mora, isto é, no fundado receio de que, quando o processo principal chegue ao fim e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar a resposta adequada às situações jurídicas envolvidas no litígio, seja porque (a) a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil; seja, pelo menos, porque (b) essa evolução conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis”.

Exige-se, assim, um fundado receio quanto à ocorrência de determinadas circunstâncias, o que implica a formulação de um juízo sobre o risco dessa ocorrência, o qual deve ser sustentado numa apreciação das específicas circunstâncias de cada caso, baseado na análise dos factos concretos, que permitam a um terceiro imparcial concluir que a situação de risco é efectiva, e não mera conjectura, de verificação apenas eventual”.

Nesse plano, verificando-se os demais pressupostos, deve conceder-se a providência cautelar quando, “os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que, se a providência for recusada, se constituirá uma situação de facto consumado, o que significa que se tornará impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à restauração natural, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade(2).

Quanto ao prejuízo, deve ser considerado irreparável sempre que os factos concretos alegados se perspectivem como conducentes a uma situação de impossibilidade da reintegração específica da sua esfera jurídica, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente(3), ou como de difícil reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade.

“O juiz deve, pois, fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por entretanto se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar, que obstem à reintegração específica da sua esfera jurídica.

Neste juízo, o fundado receio há-de corresponder a uma prova, em princípio a cargo do requerente, de que tais consequências são suficientemente prováveis para que se possa considerar «compreensível ou justificado» a cautela que é solicitada.”(4).

O que, por sua vez, depende necessariamente da alegação dos respectivos factos — o que é ónus das partes, como dispõe o nº 1 do artigo 5º e alínea d) do nº 1 do artigo 552º, ambos do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA, e artigo 114º, nº 3, alínea g), do CPTA —, pelo menos os factos essenciais, e não de meras conclusões.

Tem a jurisprudência esclarecido que a concessão das providências cautelares, no tocante ao requisito do periculum in mora exigido pelo artigo 120º nº 1 al. b) e c) do CPTA, assenta nos factos alegados pelas partes. Uma alegação insuficiente e meramente “conclusiva” não é adequada para a averiguação do preenchimento de tal requisito(5); Por outro lado, os prejuízos de difícil reparação a que se refere o disposto no art. 120º, n.º 1, al. b) do CPTA têm que se consubstanciar em prejuízos que pela sua gravidade sejam dignos de tutela preventiva, quer porque possam colocar em causa a própria sobrevivência do interessado, quer porque se traduzam em prejuízos de tal monta que só muito dificilmente, mesmo o Estado, poderia proceder à sua reparação efectiva no plano dos factos(6).

O exposto pela Requerente nesta matéria é de ordem conclusiva e tabelar, alegando uma diminuição do seu rendimento mensal. O que lhe traz um prejuízo incalculável e, porventura, irrecuperável na sua trajetória de vida (…) pode mesmo acarretar a impossibilidade de manutenção de uma vida condigna (…) a perda de rendimentos insupríveis, mesmo com a readmissão, no processo principal da Requerente ao serviço da Requerida”, e ademais contraditória relativamente à — aliás, manifestamente insuficiente — alegação de que “é do seu trabalho como Assistente Operacional que a Requerente retira os proventos para o seu sustento”, o que implicaria, na lógica intrínseca carregada pela alegação, que a Recorrente ficaria sem qualquer rendimento e não, como conclusivamente alegado, uma “diminuição do seu rendimento mensal”.

Tais conclusões resultarão de uma determinada realidade — que, aliás, as testemunhas apresentadas pela Requerente limitadamente descortinaram quanto à referida união de facto e ao património —, como tal, seguramente susceptível de ser descrita por um conjunto de factos essenciais constituintes da causa de pedir, com aptidão para, na sua prova sumária, aferir da verificação do pressuposto do periculum in mora na vertente ora sob apreciação, decorrente de uma situação de carência económica ou outra situação relevante para preenchimento desse requisito.

Pelo exposto, a Requerente não logrou provar factos a partir dos quais seja possível concluir pelo fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal.

Por último, sem ganho de causa relativamente aos restantes e cumulativos pressupostos, inútil se torna a ponderação segundo o critério previsto no nº 2 daquele artigo 120º do CPTA.

III.DECISÃO
Termos em que os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte acordam em indeferir a requerida providência cautelar.
Custas pela Recorrente, por lhes ter dado causa.
Notifique e D.N.

Porto, 21 de Abril de 2016
Ass.: Helder Vieira
Ass.: Alexandra Alendouro
Ass.: João Beato
___________________________________
(1) In Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 3ª ed. P. 804-805.
(2) Veja-se a jurisprudência citada, acórdãos do TCA Sul, de 02-10-2008, proc. nº 239/08; de 14-05-2009, proc. nº 4834/09; de 09-07-2009, proc. nº 5189/09.
(3) Veja-se Mário Aroso de Almeida, “O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2003, pág. 259.
(4) José Carlos Vieira de Andrade, “A Justiça Administrativa (Lições), 4ª ed., Almedina, pag. 298.
(5) Cfr., entre outros, Acórdão do STA, de 30-10-2014, processo 0681/14.
(6) Cfr., entre outros, Acórdão do TCA Norte, de 12-07-2007, processo 00052/07.