Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00019/16.0BEPRT |
Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
Data do Acordão: | 10/26/2018 |
Tribunal: | TAF do Porto |
Relator: | Rogério Paulo da Costa Martins |
Descritores: | FUNDO DE GARANTIA SALARIAL; MONTANTE GLOBAL MÁXIMO; ARTIGO 320º DO REGULAMENTO DO CÓDIGO DO TRABALHO. |
Sumário: | 1. O preceito constante do artigo 320º do Regulamento do Código do Trabalho, sobre os limites das importâncias a pagar pelo Fundo de Garantia Salarial, não permite, minimamente, no seu teor literal, a interpretação de que o limite global é 18 vezes (6 x 3) o salário mínimo nacional. 2. Este preceito, no seu teor literal, apenas permite a leitura de redução, operada pela segunda parte do preceito, do montante da remuneração mensal a considerar. 3. O requerente tem direito a receber pelo Fundo de Garantia Salarial 6 vezes a remuneração mensal que recebia. Mas apenas lhe pode ser considerado um valor mensal de retribuição que não seja superior a 3 vezes a retribuição mínima garantida. 4. No caso em que a remuneração é inferior a 3 vezes a remuneração mínima garantida, a segunda parte do preceito não chega a operar, aplicando-se apenas a primeira: o limite máximo garantido pelo Fundo é de 6 vezes a retribuição que auferia.* *Sumário elaborado pelo relator |
Recorrente: | SMMRG |
Recorrido 1: | Fundo de Garantia Salarial |
Votação: | Unanimidade |
Meio Processual: | Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional |
Decisão: | Negar provimento ao recurso |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: | Não emitiu parecer |
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Decisão Texto Integral: | EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: SMMRG, veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 26.02.2018 pela qual foi julgada improcedente a acção interposta contra o Fundo de Garantia Salarial, para impugnação do acto de indeferimento do pedido de pagamento de créditos laborais e peticionando o pagamento de 8.769,89 euros com fundamento na falta de fundamentação do acto de indeferimento e em erro no pressuposto de não se encontrarem os créditos em causa abrangidos pelo período de referência, por ter sido proferida sentença do Tribunal do Trabalho em 12.06.2013 e a acção de insolvência interposta em 09.07.2013. * Invocou para tanto que a decisão recorrida violou frontalmente o disposto nos artigos 317º a 320º da Lei nº 35/2004, de 29.06.* O Ministério Público junto deste Tribunal não emitiu parecer sobre o mérito do recurso.* Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.* I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:A) A sentença recorrida julgou improcedente a ação. B) A sentença deve ser substituída por acórdão que a julgue procedente. C) A Recorrente é credora de créditos laborais no total de € 3.352,52, correspondentes a retribuições em mora, subsídio de férias; proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal e ainda retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da sentença judicial que decretou a ilicitude do despedimento, créditos que foram todos reconhecidos por sentença judicial de 12.06.2013, transitada em julgado, proferida no processo nº Proc. 1357/12.6TTPRT - 2ª Secção do Juízo Único do Tribunal do Trabalho do Porto. D) Nos termos do artigo 317º da Lei nº 35/2004, o Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento, quer dos créditos emergentes do contrato de trabalho, quer os da sua violação ou cessação. E) O artigo 320.º, n.º 1 da Lei nº 35/2004, fixa como limite mensal para o pagamento da retribuição o correspondente ao triplo do salário mínimo nacional. F) O mesmo preceito estatui ainda que o montante referido e abrangido, na sua totalidade, não pode ultrapassar 6 (seis) meses de retribuição, que tendo em conta o limite mensal estabelecido adrede, corresponde a 6 (seis) vezes o triplo da retribuição mínima garantida. G) Vale isto por dizer, que o limite global garantido é igual a 18 (dezoito) vezes o salário mínimo nacional que esteja em vigor na data em que são feitos os pagamentos pelo Fundo de Garantia Salarial, limite que é atualizado anualmente em função do salário mínimo que venha a ser fixado para cada ano. H) Assim sendo, o limite do triplo da retribuição mensal garantida era de € 1.515,00 (€ 505,00x3) e o limite máximo era de € 9.090,00 (€ 1.515,00x6) no ano de 2015. I) No caso da Recorrente, o Recorrido Fundo de Garantia Salarial (FGS) apenas pagou à Recorrente a quantia de 4.850,00 €, acrescidos de 585,20 € de juros, a título de indemnização por despedimento ilícito mas não pagou qualquer quantia a título de créditos laborais emergentes do contrato de trabalho. J) A indemnização paga, dividida por 6 meses corresponde a um valor mensal de € 905,87 €. K) Quanto às retribuições em dívida emergentes do contrato, o valor é de 3.352,52 €. L) O que, dividindo por 6 meses, corresponde a um valor mensal de 558,75 €. M) Somando ambos as parcelas mensais, chegamos ao valor mensal de 1.464,62 € que é inferior aos € 1.515,00 correspondentes ao triplo do salário mínimo nacional. N) A obrigação de pagamento de créditos laborais que resultem de vicissitudes dos contratos de trabalho, só são devidos no momento da declaração judicial da ilicitude do despedimento, como são: (i) indemnização; (ii) salários vencidos na pendência da ação de despedimento; (iii) os proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal em caso de não opção pela reintegração são devidos com o reconhecimento dos mesmos na sentença que declara o despedimento ilícito. O) Ainda que a interpretação do Tribunal a quo prevalecesse - a de que a Recorrente apenas tem direito a 3.226,80€ de retribuições em mora diretamente emergentes do contrato -, não pode o Tribunal deixar de condenar o Fundo de Garantia Salarial no respetivo pagamento, com o argumento de que o FGS já teria pago a mais não sendo objecto deste processo a legalidade do pagamento da indemnização feita pelo Fundo. P) A sentença de improcedência viola frontal e inequivocamente as normas legais do Fundo de Garantia Salarial – artigos 317º a 320º da Lei nº 35/2004, de segundo as quais é devido à Recorrente o pagamento dentro dos limites aí estabelecidos, dos créditos diretamente emergentes do contrato de trabalho. * II – Matéria de facto.A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nessa parte: A) A Autora foi trabalhadora da empresa «ASD, Lda.», desde 01.10.2002, até Setembro de 2012. B) A Autora intentou no Tribunal do Trabalho do Porto, 2.ª Secção, acção especial de impugnação da ilicitude e regularidade do despedimento, que correu termos sob o processo n.º 1357/12.6TTPRT; a qual foi julgada procedente, por a empregadora não ter junto os documentos comprovativos das formalidades exigidas para o despedimento por extinção do posto de trabalho. C) No âmbito da referida acção laboral, a empregadora foi condenada a pagar à Autora a quantia total de 7.503,72 €, correspondente a 4.850 €, a título de indemnização em substituição da reintegração; 970 €, a título de retribuições intercalares, vencidas desde o despedimento até ao trânsito em julgado da sentença; 100 €, a título de subsídio de férias vencidas em 01.01.2012; 537,80 €, a título de remuneração e subsídio de alimentação do mês de Agosto de 2012; 339,50 €, a título de remuneração do mês de Setembro de 2012; 7.091,22 €, a título de proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal do ano de 2012; 294 €, a título de 105 horas de formação; 86,20 € de juros de mora vencidos. D) Em 09.07.2013, foi instaurada acção de insolvência da empresa empregadora da Autora. E) A Autora requereu ao Fundo de Garantia Salarial o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, mencionando auferir a retribuição (base) mensal ilíquida de 485 € e requerendo o pagamento do total de créditos de 7.503,72 €, relativos a: retribuição de 2012/2013, no montante de 1.794,50 €; subsídios de férias de 2012/2013, no valor de 827,48 €; subsídio de Natal de 2012/2013, na quantia de 31,74 €; indemnização/compensação por cessação do contrato de trabalho no montante de 4.850 €. F) Mediante ofício datado de 15.01.2016, o Fundo de Garantia Salarial deferiu parcialmente o pedido da Autora, pagando-lhe a quantia de 4.850 €, a título de indemnização; o montante de 585,20 €, a título de outras prestações; indeferindo o demais, com o seguinte fundamento: «O(s) fundamentos(s) para o deferimento parcial é (são) o(s) seguinte(s): - Parte dos créditos requeridos encontra-se vencida em data anterior ao período de referência, ou seja, nos seis meses que antecedem a data da propositura da acção (Insolvência, Falência, Revitalização, ou Procedimento extrajudicial de recuperação de empresa) previsto no n.º 1 do artigo 319.º da Lei 35/2004, de 29 de julho.». G) A presente ação foi interposta a 05.01.2016. * III - Enquadramento jurídico.Determina o artigo 317º do Regulamento do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 35/2004, de 29.07, com a alteração da Lei nº 9/2006, de 20.03 “Finalidade O Fundo de Garantia Salarial assegura, em caso de incumprimento pelo empregador, ao trabalhador o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação nos termos dos artigos seguintes.” O Fundo de Garantia Salarial tem uma finalidade social que justifica que sejam adoptados limites à sua intervenção, não só limites temporais que decorrem do enquadramento comunitário que lhe está subjacente (Directiva 80/987/CC, de 20.10), como também, limites às importâncias pagas. No entanto, os créditos laborais (que são os créditos aqui em causa) vencem-se com a cessação do contrato de trabalho, não sendo aqui de aplicar o artigo 146º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas, que se refere ao reconhecimento de créditos para efeito de serem “atendidos no processo de insolvência”. O Fundo não substitui a entidade patronal insolvente no pagamento de todas as suas dívidas nem garante o pagamento de todas as dívidas da entidade patronal insolvente, pois isso seria inexequível, economicamente incomportável para o Fundo. O Fundo apenas garante aquele montante, duplamente limitado à partida, quer pelo período que abrange quer pelo montante máximo permitido, que o legislador entendeu ser adequado e justo para, por um lado, proteger o trabalhador numa situação de perda de rendimentos que não lhe é imputável, com complemento do sistema de segurança social e, por outro, garantir a sustentabilidade do próprio Fundo. O que, apresentando justificação objectiva, não viola qualquer princípio constitucional. Como se sustentou no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 14.07.2017, no processo 698/16.8 PNF. Em particular, o preceito cuja interpretação está aqui, no essencial em causa, é o disposto no artigo 320º do Regulamento do Código do Trabalho, sobre os limites das importâncias a pagar pelo Fundo de Garantia Salarial: “1 - Os créditos são pagos até ao montante equivalente a seis meses de retribuição, não podendo o montante desta exceder o triplo da retribuição mínima mensal garantida. 2 - Se o trabalhador for titular de créditos correspondentes a prestações diversas, o pagamento é prioritariamente imputado à retribuição. 3 - Às importâncias pagas são deduzidos os valores correspondentes às contribuições para a segurança social e à retenção na fonte de imposto sobre o rendimento que forem devidos. 4 - A satisfação de créditos do trabalhador efectuada pelo Fundo de Garantia Salarial não libera o empregador da obrigação de pagamento do valor correspondente à taxa contributiva por ele devida.” Na sentença, de nuclear, diz-se o seguinte, na interpretação deste preceito: “Em face do exposto, conclui-se que o Fundo de Garantia Salarial apenas assegura o pagamento de seis salários, sendo que caso o salário seja superior ao triplo do salário mínimo nacional, reduz o valor mensal a este triplo, pagando apenas e sempre seis salários.” A Recorrente, por seu turno, faz esta interpretação (alínea G) das conclusões): “Vale isto por dizer, que o limite global garantido é igual a 18 (dezoito) vezes o salário mínimo nacional que esteja em vigor na data em que são feitos os pagamentos pelo Fundo de Garantia Salarial, limite que é atualizado anualmente em função do salário mínimo que venha a ser fixado para cada ano”. A letra da lei não permite, de todo, a interpretação defendida pela Recorrente, pelo que esta não é aceitável – n.º 2 do artigo 9º do Código Civil. Em lado nenhum do preceito se refere que o montante global máximo são 18 vezes a retribuição mínima garantida. O número 18 surge, no argumento da Recorrente, como resultado da multiplicação do número 6, de seis vezes o valor da retribuição auferida pelo requerente (1ª parte do n.º1 do artigo 320º) pelo número 3, de três vezes a retribuição mínima garantida como limite máximo a considerar na retribuição mensal (2ª parte do preceito). Mas do preceito não se pode fazer uma leitura que permita essa operação de multiplicação. O preceito apenas permite a leitura feita na decisão recorrida, de redução, operada pela segunda parte do preceito, do montante da remuneração mensal a considerar. O Requerente tem direito a receber pelo Fundo de Garantia Salarial 6 vezes a remuneração mensal que recebia. Mas apenas lhe pode ser considerado um valor mensal de retribuição que não seja superior a 3 vezes a retribuição mínima garantida. Ou seja, a segunda parte do preceito não tem uma aplicação geral. Pelo contrário, como resulta da própria letra da lei, inequivocamente, apenas se aplica aos casos em que o requerente auferia uma retribuição mensal superior a 3 vezes a retribuição mínima garantida. Neste caso – e só neste - o valor global a pagar é dezoito vezes a remuneração mínima garantida face à redução imposta pela segunda parte do preceito em análise. No caso em que a remuneração é inferior a 3 vezes a remuneração mínima garantida, como é o caso da ora Recorrente, a segunda parte do preceito não chega a operar, aplicando-se apenas a primeira: o limite máximo garantido pelo Fundo é de 6 vezes a retribuição que auferia. Ou seja, como se decidiu, o montante máximo a pagar pelo Fundo de Garantia Salarial à Autora é de 3.226,80 € (537,80 € x 6). E, tal como se refere na decisão recorrida, como já lhe foi paga pelo Fundo de Garantia Salarial quantia superior (5.435,20 €) ao que legalmente lhe era devido (€ 3.226,80), nada mais tem direito a receber. Contrapõe a Recorrente: “Os € 4.850,00 recebidos pela Autora a título de indemnização, somados aos € 3.352,52 de retribuições peticionados (e os € 585,20 de “outras prestações”, rectius juros da indemnização), contém-se abaixo do triplo da RMG - € 9.090,00. Não pode o Tribunal deixar de condenar o FGS no respetivo pagamento, com o argumento de que o FGS já teria pago a mais créditos laborais de distinta origem e natureza, a mais não sendo objeto do processo a legalidade do pagamento da indemnização feita pelo FGS”. A Recorrente volta aqui a incorrer num equívoco, na defesa de uma solução que a letra da lei não aceita, minimamente. O limite máximo dos créditos a pagar pelo Fundo de Garantia Salarial é de seis vezes a remuneração mínima garantida, nos termos acima expostos. Sejam de que natureza forem esses créditos porque a lei não distingue e onde a lei não distingue não pode o intérprete e aplicador da lei distinguir. Ao contrário do sustentado pela Recorrente, a decisão recorrida não viola, antes respeita, o disposto nos artigos 317º a 320º do Regulamento do Contrato de Trabalho. Termos em que se impõe manter a decisão recorrida. *** IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que mantêm a decisão recorrida.Custas pela Recorrente sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido. * Porto, 26.10.2018Ass. Rogério Martins Ass. Luís Garcia Ass. Alexandra Alendouro |