Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00990/17.4BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/20/2018
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Fernanda Esteves
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÃO; SUSPENSÃO DO PRAZO DE REEMBOLSO DO IVA
Sumário:
A informação sobre quem é suspeito de crime fiscal e quais as facturas que se relacionam com suspeitas de prática de crime fiscal tem natureza procedimental para os efeitos dos artigos 67.º da Lei Geral Tributária e 82.º do Código do Procedimento Administrativo quando sirva de base à decisão da administração tributária de suspender o prazo de concessão de reembolso de imposto no procedimento respectivo. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:OS - Comércio de Equipamento de Telecomunicações, Lda
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:
Conceder provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. Relatório
OS - Comércio de Equipamento de Telecomunicações, Lda., com os demais sinais nos autos, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto na parte em que foi julgado improcedente o pedido de intimação para prestação de informações por si intentado contra a Direcção de Finanças do Porto.
Rematou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
A- Vem o presente Recurso interposto da sentença que declarou a extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide na parte relativa aos pedidos de informação sobre “ c) se há processo crime instaurado; d) Na negativa, se existe processo de averiguação no âmbito da inspeção fiscal; e) Qual a data de conclusão do processo que gerou a existência de “indícios de crime fiscal”; f) Quais os concretos indícios de crime tributário imputados à OS que impedem há quase dois anos a realização do reembolso de IVA para os períodos acima identificados.”, e julgou a intimação improcedente quanto aos pedidos de informação sobre “a)qual a entidade ou entidade relativamente às quais existem suspeitas de prática de crime fiscal; b)quais as faturas emitidas à OS que estão sob suspeita de prática de crime fiscal;”.
B- O Recurso é apenas interposto quanto à parte da sentença que julgou a intimação improcedente quanto aos pedidos de informação sobre “a) qual a entidade ou entidade relativamente às quais existem suspeitas de prática de crime fiscal; b) quais as faturas emitidas à OS que estão sob suspeita de prática de crime fiscal;”.
A- De acordo com a fundamentação que se extrai da decisão proferida pelo Tribunal a quo, a improcedência da intimação para prestação de informações, encontra-se ancorada na circunstância de “(…) o pedido de acesso à informação contida nesse processo penal é da competência da autoridade judiciária, e não da Administração Tributária e, face ao artigo 86.º, n.º8, daquele Código, a Administração Tributária está mesmo sujeita a um dever de salvaguarda do segredo de justiça, pelo que mesmo que detenha informações ou cópias dos documentos insertos no processo penal, não os poderá divulgar, sob pena de os titulares dos órgãos que o fizerem puderem ser punidos criminalmente. Assim, ainda que não esteja sujeita a segredo de justiça, tal informação terá de ser solicitada junto da autoridade judiciária, não estando a Administração Tributária legitimada a fornecê-la.
B- Assim, conclui o Tribunal a quo que “Concluiu o Tribunal a quo que “(…) o acesso a informação constante de um processo penal, acesso esse que, como se refere no Acórdão proferido nos presentes autos, não é tutelado pelos artigos 104.º a 107.º do CPTA. Logo, falha um dos pressupostos da intimação.”
C- A Recorrente não se conforma com o decidido, porquanto entende que a informação solicitada se trata de informação procedimental, e aliás os processos de natureza criminal em causa não estão sob segredo de justiça, conforme decorre do relatório da sentença recorrida.
D- Por um lado, resulta claro que os presentes autos apenas foram instaurados, em virtude da suspensão dos reembolsos de IVA à recorrente, que em simultâneo tomou conhecimento da existência de um processo de natureza criminal.
E- As informações solicitadas pela Recorrente têm natureza procedimental, i.e., informação respeitante à Recorrente referente ao procedimento de reembolso de IVA, previsto no 22.º do CIVA.
F- Portanto, ao requerer o reembolso do IVA, e ao ver-lhe suspensos os reembolsos de IVA, é claro que a Recorrente pretendia, por via dos presentes autos, obter informação procedimental consistente, que sustentou o indeferimento dos seus pedidos de reembolso, não se contentando com a simples referência à existência de um hipotético processo de natureza criminal.
G- Apesar de já terem sido identificados os processos de natureza criminal, e conforme solicitou no requerimento que está na génese dos presentes autos, quer igualmente ser informado de “a) qual a entidade ou entidade relativamente às quais existem suspeitas de prática de crime fiscal; b) quais as faturas emitidas à OS que estão sob suspeita de prática de crime fiscal.”
H- A informação ora em causa, é igualmente procedimental, uma vez que está implicitamente ligada à informação já prestada e indicada no ponto c) a f) do requerimento que está na base dos presentes autos, e que sustentou o indeferimento dos pedidos de reembolso.
I- Neste sentido, atente-se à fundamentação do Acórdão proferido por este Tribunal, nos presentes autos, datado de 04/10/2017, e que revogou a sentença proferida pelo Tribunal a quo, datada de 04/07/2017, tendo decidido anular a decisão recorrida e ordenou a remessa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto a fim de aí se determinar a realização das diligências tidas por relevantes tendo em vista o esclarecimento das questões suprarreferidas e, após, se proferir nova decisão.
J- No acórdão quês e vem de identificar, pode ler-se que “Neste contexto, e visando o direito à informação procedimental assegurar aos interessados, relativamente aos procedimentos que lhes digam diretamente respeito, designadamente o direito de conhecer as resoluções definitivas que sobre ele forem tomadas, a obtenção dos elementos requeridos corresponde ao exercício legítimo do direito à informação procedimental por parte da ora recorrente.”
K- “Aliás, a informação que sustenta a decisão de suspensão dos pedidos de reembolso não terá sido fornecida à ora recorrente apenas por alegadamente se encontrar em "segredo de justiça" [cf. alíneas B) e G) do probatório].”
L- “No caso, as decisões de suspensão dos pedidos de reembolso proferidas ao abrigo da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º do Despacho Normativo nº 17/2014, de 26/12 estão, em princípio, conexionadas com a existência de indícios de crime tributário. Mas daí não resulta, sem mais, que a informação que suporta tais decisões seja informação protegida e não possa ser fornecida ao interessado no procedimento tributário.”
M- “Aliás, a circunstância de a matéria em causa estar relacionada com a eventual prática de um crime fiscal não significa, por si só, que a mesma respeite (ou só respeite) a um processo penal tributário e não constitua, ou não possa integrar, uma mera informação administrativa.”
N- Deste modo, entende a Recorrente que o entendimento perfilhado na sentença sobre recurso é violador de um direito constitucionalmente reconhecido aos cidadãos, o direito de serem informados, em todos os processos que são diretamente interessados, previsto no artigo 268.º da CRP.
O- Por outro lado, quanto ao alegado segredo de justiça, Sucede que, entendeu sem mais o Tribunal a quo, que “(…) face ao artigo 86.º, n.º8, daquele Código, a Administração Tributária está mesmo sujeita a um dever de salvaguarda do segredo de justiça, pelo que mesmo que detenha informações ou cópias dos documentos insertos no processo penal, não os poderá divulgar, sob pena de os titulares dos órgãos que o fizerem puderem ser punidos criminalmente. Assim, ainda que não esteja sujeita ao segredo de justiça, tal informação terá de ser solicitada junto da autoridade judiciária, não estando a Administração Tributária legitimada a fornecê-la.” (negrito nosso)
P- Face à regra da publicidade do processo crime, competia ao Tribunal a quo indagar da existência de processo dessa natureza, e em caso afirmativo, apurar se foi requerido por algum dos intervenientes a sujeição ao segredo de justiça.
Q- Sucede que, a questão do segredo de justiça deixou de se colocar nos presentes autos, uma vez que conforme decorre do relatório da sentença sob recurso, os processos de natureza penal que sustentavam o indeferimento do reembolso do IVA, já não se encontram sob segredo de justiça.
R- Ora, o segredo de justiça só vincula enquanto não for levantado, e até então vincula todos os sujeitos ou intervenientes processuais.
S- Ademais, “A lei n.º48/2007, de 29.8, fixa claramente a regra da publicidade externa do inquérito. Diz o artigo 86.º, n.º2, que o inquérito é, em regra, público e só quando o juiz entenda que a publicidade externa prejudica os direitos dos sujeitos processuais, é que ele pode ser declarado secreto. (…).”< Pinto de Albuquerque, Paulo, in “Comentários do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Universal dos Direitos do Homem”, 4.ª edição atualizada, Universidade Católica Editora, em anotação ao artigo 86.º CPP.>
T- Por tudo quanto se disse o Tribunal a quo entendeu, com o devido respeito, erradamente, que as informações solicitadas não podem ser prestadas em virtude de a AT estar vinculada ao segredo de justiça, mesmo após o seu levantamento, quando na realidade o processo crime tornou-se público, cessando o dever de segredo para os seus intervenientes, e as informações em causa constam do procedimento administrativo.
U- A sentença a quo efetuou uma errónea aplicação do direito aos factos, pelo que deverá o Tribunal ad quem revogar a decisão em recurso, substituindo-a por outra que ordene que a Recorrente seja informada, conforme decorre do artigo 20.º da Petição Inicial, do seguinte: a) qual a entidade ou entidade relativamente às quais existem suspeitas de prática de crime fiscal; b) quais as faturas emitidas à OS que estão sob suspeita de prática de crime fiscal; (…).”
V- Por tudo quanto se disse, a sentença recorrida violou o artigo 268.º, n. º1 da Constituição da República Portuguesa, e 104.º do CPTA.
Nestes termos e nos melhores de Direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exa., deverá ser revogada a sentença a quo, com o que se fará a Sã e Habitual JUSTIÇA!
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Não houve contra - alegações.
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A Exma. Procuradora - Geral Adjunta junto deste tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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Foram dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo [cf. art. 36º, nº 2 do CPTA e 657º, nº 4 do CPC].

Objecto do recurso - Questão a apreciar e decidir:
A questão suscitada pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento na parte em que julgou improcedente o pedido de intimação para prestação de informação.

2. Fundamentação
2.1. Matéria de Facto
2.1.1. A decisão recorrida deu como provada a seguinte factualidade:
A. A requerente apresentou dois pedidos de reembolso de IVA referentes aos períodos de tributação de 2015-03 e 2015-04, no valor de € 57.082,72 e de € 111.310,90, respectivamente – facto alegado em 1. da p.i. e não impugnado.
B. Em 29.05.2015, pela Chefe da Divisão de Inspecção Tributária I da Direcção de Finanças do Porto foi proferido despacho com o seguinte teor: “Concordo com a suspensão do pedido de reembolso do IVA do período de 1503, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º do Despacho Normativo n.º 17/2014, de 26 de Dezembro, encontrando-se a informação que sustenta esta decisão em segredo de justiça. Notifique-se o contribuinte.” – cfr. doc. 1 junto com a p.i.
C. Por ofício datado de 03.06.2015, foi a requerente notificada do despacho que antecede – cfr. doc. 1 junto com a p.i.
D. Em 26.06.2015, pela Chefe da Divisão de Inspecção Tributária I da Direcção de Finanças do Porto foi proferido despacho com o seguinte teor: “Concordo com a suspensão do pedido de reembolso do IVA do período de 1504, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º do Despacho Normativo n.º 17/2014, de 26 de Dezembro, encontrando-se a informação que sustenta esta decisão em segredo de justiça. Notifique-se o contribuinte.” – cfr. doc. 2 junto com a p.i.
E. Por ofício datado de 30.06.2015, foi a requerente notificada do despacho que antecede – cfr. doc. 2 junto com a p.i.
F. Em 08.07.2015, a requerente interpôs recurso hierárquico dos despachos antecedentes – cfr. doc. 3 junto com a p.i.
G. Em 20.05.2016, foi proferida decisão de indeferimento do recurso hierárquico que antecede com a seguinte fundamentação – cfr. doc. 5 junto com a p.i.:
“(…) verificando-se a existência de indícios de crime tributário, encontra-se plenamente justificada a suspensão do prazo do reembolso, pela necessidade de realização de diligências de modo a averiguar se o reembolso é efectivamente devido ao contribuinte ou não. (…) Estando os indícios a ser analisados, não devem os mesmos ser revelados até que deles resulte, ou não, abertura de processo penal tributário ao SP, por segurança jurídica, manutenção da integralidade das provas e ainda por se encontrarem em segredo de justiça. (…).”
H. Em 16.03.2017, a requerente apresentou requerimento dirigido ao Director de Finanças do Porto com o seguinte teor: “(…)“(…) tendo em conta a total ausência de informações e sob pena de recorrer a processo autónomo de intimação, requer que em 10 dias lhe seja transmitida a seguinte informação: a) qual a entidade ou entidade relativamente às quais existem suspeitas de prática de crime fiscal; b) quais as faturas emitidas à Os que estão sob suspeita de prática de crime fiscal; c) se há processo crime instaurado; d) Na negativa, se existe processo de averiguação no âmbito da inspeção fiscal; e) Qual a data de conclusão do processo que gerou a existência de “indícios de crime fiscal”; f) Quais os concretos indícios de crime tributário imputados à OS que impedem há quase dois anos a realização do reembolso de IVA para os períodos acima identificados.” – cfr. doc. 9 junto com a p.i.:
I. Por ofício datado de 03.04.2017, foi a requerente notificada da resposta ao requerimento que antecede cm o seguinte teor: “(…) em respeito pelo dever de pronúncia resultante da aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 56º da LGT, coerente com o n.º 1 do artigo 13.º do CPA, e considerando ainda a decisão final do recurso hierárquico n.º 1821 2015 10000248, notificada através do ofício n.º 384, de 2016-05-24 da DSPCIT, não existe dever de decisão sobre o ora exposto no momento actual. (…).” – cfr. doc. 10 junto com a p.i.
J. Em 07.11.2017, foi levantada a suspensão dos reembolsos solicitados pela requerente para os períodos de 2015.03 e 2015.04, com a conclusão dos respectivos procedimentos inspectivos credenciados pela OI201501124 (2015.03) e OI201501489 (2015.04) – cfr. fls. 173 do SITAF.
K. Em 08.11.2017, foi proferido despacho favorável à proposta de deferimento dos pedidos de reembolso em causa – cfr. fls. 173 do SITAF.

Motivação
A convicção do Tribunal assentou na análise dos documentos constantes dos autos, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório, bem como nas posições das partes, manifestadas nos respectivos articulados.

2.2. O direito
Vem o presente recurso interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, na parte em que julgou improcedente a intimação para informação sobre “a) qual a entidade ou entidades relativamente às quais existem suspeitas da prática de crime fiscal” e “b) quais as facturas emitidas à OS que estão sob suspeita da prática de crime fiscal”.
Considera a Recorrente que a Mma. Juiz a quo incorreu em erro de julgamento ao concluir que não está em causa informação administrativa. Porque, ao contrário do ali decidido, o que está em causa é informação referente ao procedimento de reembolso de IVA, previsto no artigo 22.º do Código respetivo [conclusões A) a N) da alegação de recurso].
Considera ainda a Recorrente que a Mma Juiz a quo incorreu em erro de julgamento ao concluir que a informação de que a administração tributária disponha relativa ao processo penal não pode ser divulgada por esta. Porque o processo crime se tornou público e cessou o dever de segredo por parte dos seus intervenientes [conclusões O) a V) da alegação do recurso].
São, por isso, duas as questões a decidir no presente recurso: (i) a de saber se a informação pretendida pela Recorrente tem natureza administrativa; (ii) a de saber se a informação pretendida pela Recorrente pode ser prestada pela administração tributária.
À questão de saber se a informação pretendida pela Recorrente tem natureza administrativa respondemos afirmativamente.
Porque diz respeito a um procedimento (administrativo ou tributário). Ou seja, é informação sobre um procedimento.
Que a informação diz respeito a um procedimento resulta do facto de ser pretendida informação referente ao procedimento de reembolso do IVA, a que alude o artigo 22.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado. Do que se trata, por isso, não é de colher informação de um processo criminal conexo com um procedimento (tributário), mas de obter informação sobre o conteúdo deste procedimento.
Que a relação com o procedimento é facto bastante para a atribuição, à informação pretendida, da dita natureza administrativa resulta do artigo 82.º do Código do Procedimento Administrativo. O que para ali interessa é que seja informação sobre procedimentos que digam directamente respeito ao requerente. Ou seja, a informação é administrativa porque é informação procedimental.
Ademais, de qualquer modo, é evidente a conexão dessa informação com uma relação materialmente administrativa subjacente. Do que se trata, no fundo, é de aceder às razões por que não foi atribuído ou se suspendeu o direito ao reembolso do IVA solicitado pelo próprio requerente dessa informação.
É verdade que a informação sobre quem é suspeito de crime fiscal e quais as facturas que se relacionam com suspeitas de prática de crime fiscal é também informação sobre matéria criminal e que estará contida num processo criminal.
Sucede que a suspensão do prazo de reembolso do IVA se baseou na alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º Despacho Normativo n.º 18-A/2010, do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (na versão republicada a coberto do despacho normativo n.º 17/2014, publicado no Diário da República, 2.ª séria, de 26 de dezembro), que estabelece como pressuposto da suspensão a existência de indícios de crime tributário.
Quer dizer, nos casos a que alude a alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º deste Despacho Normativo, os indícios do crime tributário são os pressupostos da legalidade da decisão de suspender o prazo da concessão do reembolso. Pelo que, para conhecer da legalidade da decisão (administrativa) de suspensão do pedido de reembolso é necessário conhecer esses indícios também.
O que vale por dizer que não é o facto de a informação pretendida ter conexão com um processo criminal que descaracteriza a sua natureza administrativa ou tributária. É, ao invés, o facto de a informação com relevo criminal ter sido inserida num procedimento e suportar uma decisão da administração tributária que lhe confere a natureza de informação procedimental.
Deve concluir-se, por isso, que a informação sobre quem é suspeito de crime fiscal e quais as facturas que se relacionam com suspeitas de prática de crime fiscal tem natureza procedimental para os efeitos dos artigos 67.º da Lei Geral Tributária e 82.º do Código do Procedimento Administrativo quando sirva de base à decisão da administração tributária de suspender o prazo de concessão de reembolso de imposto no procedimento respectivo.
Quanto à questão (que parece estar também contida na decisão recorrida) de saber se competia à administração tributária prestar a informação pretendida pela Recorrente, a resposta não pode deixar de ser também afirmativa. Precisamente porque se trata de informação inserida num procedimento da administração tributária. E porque a satisfação do direito à informação procedimental compete à entidade administrativa que dirige o procedimento.
De salientar que os artigos 86.º e 89.º do Código do Processo Penal não regulam o acesso ao procedimento administrativo nem estabelecem nenhuma regra sobre a competência para decidir sobre o direito à informação em procedimentos administrativos.
O que não significa, naturalmente, que a administração não possa ou não deva indagar junto das autoridades judiciárias (no âmbito dos seus poderes oficiosos de instrução de um procedimento) sobre se determinada matéria ou determinado documento se encontram abrangidos pelo segredo de justiça, para se habilitar a decidir a própria pretensão de acesso à informação procedimental.
Deve concluir-se, por isso, que compete à administração tributária decidir sobre o pedido de informação acerca dos indícios de crime tributário em que se baseou a decisão da administração tributária de suspender o prazo de concessão de reembolso de imposto no procedimento respectivo.
Fica a questão de saber se a administração tributária teria, in casu, o dever de prestar a informação pretendida.
Para responder a essa questão, importa referir desde já que, estando em causa informação procedimental, deve ser resolvida à luz das regras do procedimento administrativo (e não, ao menos directamente, das do processo penal).
O que não significa que seja indiferente às regras do procedimento administrativo o facto de a informação pretendida se encontrar sob o segredo de justiça. Dispõe, a este propósito, o artigo 83.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo que os interessados têm o direito a consultar o processo que não contenha documentos classificados. Sendo que se consideram documentos classificados, entre outros, precisamente os que se encontrem sob o segredo de justiça.
O Código do Procedimento Administrativo não diz quando é que a informação ou os documentos se devem considerar como tal classificados, mas resulta do artigo 86.º do Código de Processo Penal que essa informação e documentos se devem considerar classificados quando o próprio processo se encontre sob segredo de justiça. E que compete ao juiz de instrução decidir ou validar a decisão respectiva, decisão que vincula todos os que contactarem com o processo ou com os elementos a ele pertencentes.
E é aqui que reside o ponto nuclear do presente litígio: embora caiba à administração tributária decidir sob se deve, ou não, prestar a informação solicitada, não lhe compete classificar essa informação quando se trate de saber se se encontra sob segredo de justiça. Compete-lhe apenas, no quadro dos seus deveres oficiosos de instrução, indagar junto da autoridade judiciária competente no sentido de saber se essa informação é classificada.
Pelo que não interessa ao caso saber se o inquérito é público e daí decorra que essa informação foi mal classificada. Interessa apenas o facto de a autoridade judiciária competente a ter classificado como informação que se encontra sob segredo de justiça.
Não sendo agora questionado que a administração tributária decidiu com base em informação da autoridade judiciária competente e que essa informação ia no sentido de classificar essa informação nos termos sobreditos, admite-se que a administração tributária não tinha, ao tempo, o dever de prestar essa informação.
Sucede que, como resulta da informação entretanto prestada pela administração tributária, o processo criminal já não se encontra sob segredo de justiça. Pelo que não existia já este fundamento para negar o acesso à informação respectiva. A que também não obstava o facto de os pedidos de reembolso já terem sido deferidos, visto que o direito à informação do sujeito passivo no procedimento não depende da demonstração do interesse nessa informação. Na verdade, depende apenas de o procedimento respectivo lhe dizer directamente respeito.
Assim sendo, o recurso merece provimento.
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3. Decisão
Termos em que, acordam os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a decisão na parte recorrida e intimar a Direcção de Finanças do Porto a emitir a informação peticionada.
Custas pela entidade recorrida, em ambas as instâncias, salvo quanto à taxa de justiça devida pelo impulso processual, uma vez que não contra-alegou.
Porto, 20 de Julho de 2018
Ass. Fernanda Esteves
Ass. Rogério Martins
Ass. Luís Miguéis Garcia