Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01214/19.5BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/15/2022
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Antero Pires Salvador
Descritores:ACIDENTE VIAÇÃO AUTO ESTRADA CONCESSIONADA, ALTERAÇÃO MATÉRIA FACTO, PRESUNÇÃO ILICITUDE E CULPA – ART.º 12.º DA LEI 24/2007, DE 18 DE JULHO
, ELISÃO
Sumário:1 . Nas autoestradas, com ou sem obras em curso, em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respetiva causa diga respeito a objetos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem.

2 . O art.º 12.º da Lei 24/2007, de 18 de Julho estabeleceu uma inversão do ónus da prova, fazendo recair o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança sobre a concessionária quando estiver em causa acidente rodoviário em autoestradas, causado pela presença de objetos na via.

3 . Mostrando-se provado que objeto foi eventualmente libertado nos momentos que antecederam o acidente, não podia exigir-se uma atuação da concessionária no sentido de impedir o acidente, estando assim ilidida a sua presunção de culpa.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, no Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo:

I
RELATÓRIO

1 . AA, residente na Rua ..., ..., ..., inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do TAF do Porto, datada de 23 de Junho de 2019, que julgou improcedente a acção administrativa instaurada contra a "A..., S. A", com sede na Quinta ..., E..., ..., onde peticionava a sua condenação no pagamento total da quantia de 13.490,00€.
*
Nas suas alegações recursivas, a recorrente formulou as seguintes conclusões:
A - Vem o presente Recurso interposto da Douta Decisão que julgou a ação intentada pela Autora e aqui Recorrente improcedente e, consequentemente, absolveu a Ré e Recorrida do pedido, numa acção em que a ora Recorrente pretendia o pagamento de uma indemnização no valor de € 13.490,00 (treze mil, quatrocentos e noventa mil euros) sendo o montante de € 3.400,00 (três mil e quatrocentos euros) decorrente da perda total do seu veículo sinistrado, €10.090,00 (dez mil e noventa euros) decorrentes da privação do uso do veículo, acrescidos de juros de mora sobre a importância indemnizatória peticionada, contados desde o dia 26.06.2016 até à data em que foi intentada a ação e ainda o pagamento de juros de mora respeitantes ao montante de €10.090,00, contados desde a citação até ao efetivo e integral pagamento.
B – Para tanto, sustentou esse seu pedido no facto de ter sofrido um acidente de viação numa das faixas de rodagem da autoestrada A...3, no sentido Gens-Porto, ao km 11,720, com seu veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca Peugeot, modelo 206, com a matrícula ..-..-QD, de que é proprietária, devido ao surgimento inesperado na faixa de rodagem de uma caixa de cartão da qual não se conseguiu desviar o que provocou o seu despiste e embate no rail central e lateral. Afirmou também que desse embate resultaram danos materiais que demandaram a perda total do veículo sinistrado que ficou destruído e cujo valor de reparação ultrapassava o valor de mercado, pelo que não o reparou. Consequentemente, desde a data em que ocorreu o acidente, encontra-se privada da sua utilização o que implica que tenha que se socorrer da ajuda de familiares que lhe disponibilizaram um veículo para as suas necessidades profissionais, familiares e pessoais, não tendo capacidade financeira para suportar os custos com a substituição da viatura através de uma “rent-a-car”.
C. – A Douta Sentença emitida pelo Meritíssimo Tribunal “a quo” considerou como provados os seguintes factos e passamos transcrever:
“...1. No dia 26 de junho de 2015, a A. seguia na A...3 no sentido Gens-Porto, conduzindo o seu veículo automóvel ligeiro de passageiros de marca Peugeot, modelo 206, com a matricula ..-..-QD.
2. Pelas 22h00, ao km 11,720, que se apresenta como uma recta, a A. deparou-se, no meio da via, com uma caixa de cartão vazia (cfr. fls 23 do processo físico dos autos).
3. Tentou desviar-se da caixa de cartão, na sequência do que o veículo se descontrolou, entrando em despiste, tendo embatido no rail lateral e imobilizando-se de seguida.
4. Após o acidente, a caixa manteve-se intacta. 5. No local do acidente não há iluminação.
5. No local do acidente não há iluminação.
6. Estava bom tempo.
7. Do embate resultou a destruição da parte frontal do veículo, lateral direita, laterais esquerda, traseira, bagageira e para-choques amolgado.
8. Desde a data do acidente até ao presente a A. não pôde utilizar o seu veículo porque não teve condições financeiras para o reparar, tendo acabado por proceder à sua venda.
9. Até à hora em que lhe foi comunicado o acidente (21.59), a R. desconhecia a existência do objeto na faixa de rodagem, pelo que o mesmo não se encontrava sinalizado.
10. A autoestrada é patrulhada pela operadora da A..., S. A, B..., SA 24 horas por dia, todos os dias do ano.
11. No dia do sinistro os patrulhamentos foram e estavam a ser realizados, tendo sido realizada uma passagem, antes do sinistro pelo Sr. BB, oficial de mecânica da Assistência Rodoviária, nada se detetando de anormal.
12. A patrulha da B..., SA efetuou duas passagens no local do sinistro: às 20h10, no sentido Gens-Gondomar e às 20h20m no sentido oposto.
13. Entre essas horas e a hora do acidente não houve qualquer alerta para a presença de um objeto na via em causa.
14. A caixa de cartão em causa foi largada na autoestrada poucos instantes antes da ocorrência do acidente.
15. Por causa das indemnizações que, nos termos da lei, em consequência das atividades da concessão, sejam devidas a terceiros, por contrato de seguro, a R. garantiu a sua responsabilidade civil até ao montante de €150 000 000,00 mediante contrato de seguro com a F..., SA (apólice n.º ...74)”.
D. Considerou aquela Sentença aqui posta em crise não provados os seguintes factos:
“...a) Na sequência do acidente, o ..-..-QD sofreu os seguintes danos: afetação das longarinas, afetação do chassis, afetação da direção e suspensão da frente do lado esquerdo, afetação da suspensão traseira esquerda.
b) O valor da reparação do ..-..-QD ascendia a €9 000,00.
c) O valor de mercado do ..-..-QD ascendia a €3 400,00.”
E. – Ora, não pode deixar de rebelar-se a aqui Recorrente contra a decisão prolatada pelo Meritíssimo Tribunal “a quo”, bem como, contra a consideração como provados e não provados alguns dos factos acima elencados, para além da motivação e fundamentação de direito sustentada naquele Sentença aqui posta em crise.
F. – Efectivamente, a aqui Recorrente não pode concordar e deixar de apontar um erro de julgamento na análise da matéria de facto,
G. – No que aos factos provados n.ºs 10 e 14 diz respeito, bem assim como no que às alíneas a) e c) dos factos não provados se reporta, na medida em que,
H. – No facto provado n.º 10 expressa o Meritíssimo Tribunal “a quo” que:
“...A autoestrada é patrulhada pela operadora da A..., S. A, B..., SA 24 horas por dia, todos os dias do ano.”,
I. – O que não é inteiramente verdade já, embora se reconheça e tenha feito prova que as A...3 e A...1 são patrulhadas todos os dias do ano, 365 dias por ano, as mesmas não são patrulhadas 24 horas,
J. – Na medida em que não são patrulhadas permanentemente em toda a sua extensão, mas sim com intervalos de passagem de pelo menos 3 a 4 horas entre as passagens em cada local, como explicou detalhadamente a testemunha arrolada pela Ré, CC, Operador de Central de Comunicações na Bisa – Auto-Estradas, desde Maio de 1998, que a voltas 1:47:20 a 1.48:35 da sessão de audiência de 30 de Outubro de 2019, afirmou taxativamente que não existe uma periodicidade estipulada para que as patrulhas passem pelo mesmo local em vigilância, como a seguir se explana:
P – (1:47:20 a 1:47:42) – Engenheiro, vamos...peço-lhe para fazer aqui um esforço de memória e verificar os seus registos mas também que nos esclareça aqui em função da sua experiência...qual é a periodicidade de passagem das patrulhas que os seus colegas utilizam para fazer a monitorização? De quanto em quanto tempo as patrulhas passam e se deslocam nos troços?
R – (1:47:43 a 1:48:20) – Não está estipulado que têm que passar de X em X tempo, está estipulado que têm que efectuar passagens periódicas, sempre com a salvaguarda que durante o patrulhamento normal, se houver uma existência de um obstáculo, a presença de um animal morto ou vivo, ou se houver um acidente, essa patrulha é interrompida para prestar apoio àquilo que fôr necessário.
(...)
P – (1:49:50 a 1:50:15) – Por exemplo, entre as 20h e as 22h já é possível que ocorra essa periodicidade, que uma patrulha passe num local às 8 da noite e depois só volte a passar outra vez naquele local às 10h da noite, se acha que esse lapso temporal é um lapso recorrente e é um padrão normal?
R – (1:50:16 a 1:50:40) – Nós...a nossa função, a nossa função é registar toda e qualquer ocorrência, portanto, a parte dos patrulhamentos não nos cabe a nós estipular de quanto em quanto tempo os meus colegas têm que passar em determinado local...
P – (1:50:43 a 1:51:30) – Mas é o seu Centro de Coordenação Operacional que emite essas regras e faz essa monitorização, certo?
R – (1:51:31 a 1:52:06) – Nós fazemos a monitorização, não deliberamos essas regras que tenham a ver com os patrulhamentos, portanto, nós a única coisa que temos que zelar é que os patrulhamentos estipulados superiormente sejam cumpridos. Na impossibilidade de serem cumpridos por algum motivo temos que reportar.
K. – Mais pormenorizadamente detalhou a testemunha DD, encarregado de assistência a clientes da B..., SA, que quando questionado pelo mandatário da Autora, sobre qual a periodicidade dos patrulhamentos na A...3 afirmou taxativamente e passamos a citar, a voltas 24:47 a 25:40 da sessão realizada no dia 22 de Novembro de 2019 do julgamento:
P – (24:47 a 25:40) - Qual é a área total em quilómetros que vocês têm que percorrer na rede?
R – Eu não tenho bem presente isso agora, talvez 80 kms de rede mais ou menos, mas não posso fazer essa afirmação.
P – Por turno, quantos ciclos de patrulhamento são feitos? 2 ou 3?
R – Por turno são feitas duas voltas à rede, patrulhamento...plano de
patrulhamentos são feitas duas voltas à rede.
P – Isso significa, por exemplo, que para passar no mesmo sítio essas duas vezes, à partida, podem intermediar 4 horas?
R – Não. Temos uma cadência de patrulhamentos de mais ou menos 3 horas.
L. – O que também foi confirmado pela testemunha, BB, oficial de mecânica da B..., SA, a voltas 58:05 a 59:46 da mesma sessão de julgamento do dia 22 de Novembro de 2019, a instâncias do mandatário da aqui Recorrente, este confirma que a cadência de patrulhamentos é efectuada em ciclos de 3 horas:
P – Tem conhecimento do Regulamento de Monitorização e Vigilância?
R – Não.
P – Não tem?
R – Não.
P – Então não sabe o que é que o mesmo exige...nunca ninguém lhe transmitiu...
R – A nível de vigilância de quê? De câmara?
P – Não...Vigilância de tempo de percurso dos patrulhamentos...
R – Ah...isso aí sim. Pensei que estava-se a falar da câmara porque estávamos a falar da câmara. Tenho, nós temos que passar naquele tempo naquele local de três em três horas.
P – Tem a certeza que é isso que está no Regulamento?
R – Normalmente é o que nos é transmitido, portanto...também não
vou estar a questionar se é ou não é, eu faço aquilo que me orientam. E salvo possa existir algum acidente, como aconteceu o caso, ou se existir uma avaria em que me solicitem para alguma coisa, a mim ou aos meus colegas...não existindo nada o plano de patrulhamento tem que ser cumprido na íntegra. Se acontecer alguma coisa, pronto, aí já vai perturbar a própria cadência do patrulhamento em si. Mas caso não exista nada o patrulhamento tem que ser feito.
P – Estamos a perguntar num plano de normalidade...
R – Sim...sim...com horas mais ou menos específicas em que temos que passar ali, em tal sítio, tem que ser cumprido...
P – Nunca ninguém lhe transmitiu que teriam que ser percorridos de 45 em 45 minutos?
R – Não. É a primeira vez que ouço isso. Ninguém me disse nada.
M. – Daqui que se possa perceber, até pelo que foi afirmado pelas testemunhas arroladas pela própria Ré, que os ciclos de patrulhamento são de, pelo menos, 3 horas, pelo que o facto dado como provado n.º10, segundo o qual a autoestrada é patrulhada pela operadora da A..., S. A, B..., SA, 24 horas por dia, todos os dias do ano, não poderá ser dado como provado na íntegra e com essa redacção já que, existe uma vigilância diária mas o patrulhamento é efectuado em ciclos longos que não permitem uma vigilância permanente e com um nível de segurança elevadíssimo, muito menos 24 sobre 24 horas.
N. – Que possa impedir que surjam com regularidade obstáculos nas vias em condições de serem removidos e retirados das mesmas com a máxima urgência, celeridade e prontidão.
O. – A este propósito é absolutamente claro que ciclos de patrulhamento de 3 em 3 horas para um mesmo local são um risco acrescido para os utilizadores da auto- estrada e permitem que, por exemplo e como aconteceu no caso da ora Recorrente, tenha estado um objecto na via, no caso, uma caixa de papelão, pelo menos uma hora e meia no eixo da via, sem que tivesse sido removida garantindo toda a segurança dos utilizadores,
P. – Já que a última passagem naquela zona por parte do oficial de mecânica, BB, no local do acidente aconteceu às 20h20; a testemunha EE que havia passado no local cerca das 20h30 em direcção ao Porto já havia avistado a caixa de papelão,
Q. – Sendo de notar aí uma grande diferença relativamente à ora Recorrente, é que aquele passou ainda com luz natural, com luz solar, dado que estávamos no final de Junho e a essa hora ainda havia luz natural,
R. - O que não aconteceu com a ora Recorrente, que se deparou com a mesma caixa uma hora e meia após, num local escuro e sem iluminação, já tendo caído a noite,
S. – Sem que a caixa de papelão tivesse sido retirada da via nesse hiato temporal de uma hora e meia e porquê?
T. – Porque a vigilância e os ciclos de patrulhamento que a Ré deveria garantir e não garante, teriam que ser mais curtos e não tão espaçados no tempo. Se é evidente que para uma área de concessão de 80 kms uma hora de passagem pelo mesmo local pode parecer um exagero ou uma periodicidade mínima de 45 minutos, no entanto é o que o Regulamento de Monitorização e Vigilância constante do Anexo n.º20 ao Contrato de Concessão atribui à A..., S. A., a concessão do financiamento, concepção, projecto, construção, conservação, exploração e alargamento da concessão Douro Litoral, cuja minuta foi aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros 188-A/2007, de 28 de Dezembro,
U. – A este propósito atentemos no Manual de Operação e Manutenção aprovado pelo InIR, previsto no n.º53.8 daquela Resolução do Conselho de Ministros 188-A/2007, que a Sentença recorrida não ponderou e analisou como o teria que o ser, previsto e exigido também na base 49.9 da Concessão Douro Litoral, consignada pelo Decreto-Lei 392-A/2007, de 27 de Dezembro, segundo a qual na alínea e) daquela base 49.9 da Concessão, este Manual de Operação e Manutenção consagra as regras, princípios e procedimentos a observar em matéria de operação e manutenção da concessão, designadamente, ao nível da segurança dos utentes e das instalações.
V. – Nesse Manual, é exigida uma fiscalização e patrulhamento permanentes, a cada 45 minutos, pelo que claramente não é o que a Ré assegura, dado que apenas efectua patrulhamentos de 3 em 3 horas como as testemunhas acima referenciadas admitiram,
W. – Daqui que não seja surpreendente que um objecto, como aquele que causou o acidente – no caso, uma caixa de papelão – tivesse estado cerca de uma hora e meia na via, sem ser removida,
X. – O que coincide perfeitamente com o lapso temporal assumido pelas testemunhas da Ré e dado como provado no facto n.º12 na douta Sentença “a quo”, segundo o qual a patrulha da B..., SA efetuou duas passagens no local do sinistro: às 20h10, no sentido Gens-Gondomar e às 20h20m no sentido oposto,
Y. – Visto que a partir das 20h20 e até ser alertada para o acidente, a Ré não cuidou de indagar e assegurar as normais condições de segurança na via, removendo o obstáculo, sendo que apenas voltou àquele local uma vez que ocorreu o acidente,
Z. – Dado que, em condições normais, apenas voltaria novamente àquele local do acidente e onde estava a caixa de papelão, por volta das 23h20, seguindo a normal periodicidade de patrulhamento assumida por todos os funcionários da B..., SA e arrolados pela Ré.
AA. – Por aqui se pode perceber que o lapso temporal é manifestamente exagerado e insuficiente para garantir a segurança de pessoas e bens naquela Concessão, já que, por exemplo, no caso em apreço, bastaria que fosse cumprida a exigência de patrulhamento a cada 45 minutos como define o Manual de Operação e Manutenção, para que não tivesse ocorrido este acidente.
BB. – A este propósito e para que não existam dúvida, transcrevemos parte da inquirição da testemunha EE, o qual passou no local por volta das 20h30, ou seja, cerca de uma hora e meia antes do acidente, e que atesta que a essa hora a caixa de papelão já se encontrava naquele local, conforme depoimento prestado na sessão do dia 30 de Outubro de 2019, a voltas 01:10:27 a 01:12:45, o qual afirmou peremptóriamente:
“....P (01:10:27 a 01:12:45) – E com o que é que você se deparou? Qual era o cenário? O que é que estava...que vestígios do acidente existiam? Onde é que estava o carro na altura em que você chegou? Se existia alguma caixa de papelão? Se você tinha visto alguma caixa de papelão?
R – Eu apercebi-me da...eu vi a caixa de papelão...portanto...eu saio de casa, vou ao Porto e ao passar naquele local apercebo-me que tinha lá uma caixa de papelão na via.
P – Em que sítio?
R – Em cima do tabuleiro da ponte.
P – Mas em que sítio da auto-estrada?
R – Em cima do tabuleiro da ponte, na faixa de rodagem.
P - Na faixa do lado direito ou do lado esquerdo?
R - Do lado direito. Mais perto da berma...
P (Da Meritíssima Juíza) – Desculpe...Foi ao Porto, passou por aquele sítio a que horas?
R – Depois de jantar, entre as oito e as oito e...depois das oito horas...
P (Meritíssima Juíza) – Entre as, digamos, entre as oito e as quê?
R - Entre as oito e as oito e meia, por aí...
P (Meritíssima Juíza) – E eu não percebi, viu a caixa de papelão no sítio onde a Autora teve o acidente?
R – Não sei precisar se era no mesmo sítio, sei que a caixa estava...eu entro no nó de Gens, no sentido Gens-Porto e arrumo-me, desvio-me de uma caixa de papelão que está ali na faixa de rodagem.
P (Meritíssima Juíza) – Mas é mais ou menos na área onde a Autora teve o acidente?
R – Sim...a caixa está um bocadinho atrás quando eu fui para o Porto, em cima do tabuleiro, não sei precisar se mais metro menos metro perto do acidente. A caixa está em cima do tabuleiro sem dúvida nenhuma, recordo-me disso.
P (Meritíssima Juíza) – Portanto, perto do local onde ocorreu o acidente, é isso?
R – Sim, sim, sim.
(Meritíssima Juíza) – Pode prosseguir...
CC. – Por aqui podemos perceber que a caixa de papelão, pelo menos, desde as 20h30 daquele dia estava na faixa de rodagem e obrigava os condutores a desviarem-se da mesma, como inequivocamente esta testemunha, EE, confirmou, quer a instâncias do mandatário da Autora, quer da própria Juíza.
DD. – Horário claramente confirmado pelo mesmo EE, mais à frente na no seu depoimento, a voltas 01:18:45 a 01:19:20, a instâncias do mandatário da Autora:
“P (01:18:45 a 01:19:20) – E você não tem dúvidas que passou lá por volta das 8h-8h30, não tem dúvidas nenhumas?
R – Nenhumas. 8h30, depois da hora de jantar.
P – Portanto, significa que houve tempo mais do que suficiente para alguém alertar a concessionária e, pelo menos, sinalizarem a presença do obstáculo?
R – Sim.
P – Não tem dúvidas rigorosamente nenhumas, dada a hora a que passou?
R – Não, não.
EE. – Em face destas declarações prestadas é absolutamente incompreensível que a Concessionária não tenha removido o perigo concreto que veio a causar aquele acidente à Autora, bem como não se percebe que o Meritíssimo Tribunal “a quo” não tivesse valorizado isto e não tivesse considerado provado que, não obstante efectuar patrulhamento e vigilância durante todo o ano, a Concessionária não garanta ciclos de patrulhamento curtos que assegurem as condições de segurança exigíveis, não sendo verdade que as auto-estradas desta Concessionária sejam patrulhadas, 24 sobre 24 horas, mas sim, apenas em ciclos de 3 em 3 horas,
FF. – Não se cumprindo o Manual de Operação e Manutenção e não garantindo um nível de prontidão e segurança aos utilizadores da concessão como a legislação obriga, pelo que o facto n.º10, deveria apresentar a seguinte redacção: “A autoestrada é patrulhada pela operadora da A..., S. A, B..., SA, todos os dias do ano em ciclos de 3 em 3 horas de patrulhamento”
Posto isto e aqui chegados,
GG. – O mesmo se diga do facto dado como provado n.º14, o qual expressa e citamos: “... 14. A caixa de cartão em causa foi largada na autoestrada poucos instantes antes da ocorrência do acidente.”
HH. – O que não é de todo em todo verdade, já que uma testemunha ocular destas situações, alguém que circulou precisamente naquele dia e local, por volta das 20h30, afirmou peremptóriamente que a caixa de papelão que causou este acidente à Autora, já se encontrava na via desde as 20h30, pelo que não é verdade que a caixa de cartão tivesse sido largada na via poucos instantes antes do acidente.
II. – Não deixa de ser elucidativo que, como acima se transcreveu no depoimento da testemunha EE, a instâncias da própria Meritíssima Juíza “a quo” se tenha indagado da hora e local onde esta testemunha avistou a caixa de papelão, quando uma hora e meia antes do acidente passou naquele local a caminho do Porto, acompanhado da sua mãe,
JJ. – Mas depois não tenham sido valorizadas todas estas explicações detalhadas, assertivas, consistentes e descritivas das circunstâncias, o que demonstra a autenticidade do que expressou,
KK. – Para além de que, coincide aquele lapso temporal com o último momento em que a patrulha da B..., SA passou naquele local, cerca de 10 minutos a um quarto de hora antes de a testemunha EE ter passado no local onde viria a ocorrer o acidente e aí já se encontrava a caixa de papelão.
LL. – Para além de coincidir com o lapso temporal e o facto dado como provado n.º12, esta circunstância de a caixa de papelão já se encontrar na via há uma hora e meia antes do acidente, só demonstra inequivocamente a responsabilidade da Ré,
MM. – Já que um obstáculo como esse, tanto tempo na via, é adequado e propício à ocorrência de acidentes e atenta contra a segurança dos utilizadores da auto-estrada,
NN. – Como aconteceu com a aqui Recorrente, sendo que este facto n.º14 deveria em lugar da redacção que apresenta,
OO. – Deveria apresentar a redacção que ora se enuncia:
14. A caixa de cartão em causa encontrava-se na auto-estrada desde, pelo menos, as 20h30 do dia do acidente, cerca de hora e meia antes de o mesmo ter ocorrido.”.
Sem deter, e ainda quanto aos factos mas agora os não provados,
PP. – Considera a sentença ora colocada em crise que, não se provou que o veículo da AA, de matrícula ..-..-QD, teria um valor de mercado de 3.400,00 € (três mil e quatrocentos euros), o que também não pode deixar de causar perplexidade à aqui Autora, uma vez que esta era a cotação Eurotax do veículo à data do acidente, uma vez que o seu chassis foi afectado e encontrava-se já referenciado na petição inicial, quer o valor de mercado,
QQ. – Quer a circunstância de o mesmo nunca ter sido reparado por impossibilidade da Autora,
RR. – O que esta reiterou em plena audiência de julgamento, em sede de declarações de parte,
SS. – Na verdade, uma vez que afectou o chassis, e desde logo por isso, o veículo já pode ser objecto de avaliação Eurotax, tomada como referência pela esmagadora maioria dos agentes económicos e seguradoras ligadas ao ramo automóvel,
TT. – Pelo que causa evidente estupefacção que não tenha sido considerado provado o valor de mercado do veículo da Autora, uma vez que a mera consulta da base de dados Eurotax e a referência desde logo na petição inicial, facilmente demonstram a avaliação de mercado daquele,
UU. – Bem como não se entende que não tenha sido também considerado provado que o custo da reparação do veículo ascendia acerca de 9.000,00 € (nove mil euros), quando a aqui autora, no seu depoimento de parte explicou com detalhe que tinha solicitado uma avaliação e orçamento da reparação do seu veículo automóvel ao mecânico que lhe havia vendido esse veículo,
VV. – Tendo este avançado com esse custo de reparação, o que tornava absolutamente insuportável para a aqui Recorrente suportar tamanho encargo.
Atento o que ora se expressou e indicou,
WW. – Deveriam estes dois factos serem considerados provados e com isto tudo que acima se elencou, para além de se demonstrar a responsabilidade da Ré pela não criação de todas as condições de segurança e pelo não cumprimento do dever de cuidado quanto à vigilância e manutenção da segurança da A...3, no dia do acidente que vitimou a ora Recorrente.
XX. – Daqui que deveria aquela Ré ter sido condenada na sentença aqui posta em causa e não o foi porque os fundamentos que ora se explanam não foram valorados e apreciados como deveriam.
YY. – Se aqueles factos provados n.ºs 10 e 14 tivessem a redacção que se impunha, jamais deixaria de se demonstrar a omissão do dever de cuidado e vigilância da Ré e esta teria sido desde logo condenada pelo Tribunal “a quo”, o que não aconteceu mas que se requer desde já aos Venerandos Desembargadores,
ZZ. – Para além de que se demonstrando, quer o valor de mercado do veículo, que ascendia a 3.400,00 € (três mil e quatrocentos euros), quer os restantes danos elencados pela Autora, a Ré deveria ter sido condenada no valor do pedido, o que também se requer aos Venerandos Desembargadores, desde já.
AAA. – Se em relação à matéria de facto a douta sentença recorrida não terá ponderado devidamente muitas das circunstâncias demonstradas em sede de audiência de discussão e julgamento, no que à fundamentação de Direito entende a aqui Recorrente que o Meritíssimo Tribunal “a quo” também não fez uma adequada aplicação do Direito.
BBB. – Assim, expressa aquela sentença e passamos a citar literalmente:
“...Está em causa, nos presentes autos, a responsabilidade civil da R. enquanto concessionária das A...3 sendo, portanto, aplicável o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro nos termos do qual existe dever de indemnizar sempre que o R., por ação ou omissão ilícita e com culpa, cause danos, devendo assim reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (cfr. art.ºs 3º e 7º). A Lei n.º 24/2007 de 18 de julho define os direitos dos utentes nas vias rodoviárias classificadas como autoestradas concessionadas, itinerários principais e itinerários complementares
É o seguinte o teor do seu art.º 12º: “1- Nas autoestradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respetiva causa diga respeito a: (...)a) Objetos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem; (...)
Este diploma legal estabeleceu uma inversão do ónus da prova, fazendo recair o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança sobre a concessionária quando, como sucede no caso sub judice, estiver em causa acidente rodoviário em autoestradas, causado pela presença de objetos na via. No caso sub judice, em face da matéria factual que se julgou provada em 14., não é possível dirigir um juízo de censura à R. por não ter atuado quando devia atuar de modo a garantir, naquelas circunstâncias, que o acidente não ocorresse isto é, que aquele objeto não se encontrasse na via de circulação automóvel.
Com efeito, provando-se, como se provou, que o objeto foi libertado nos momentos que antecederam o acidente, não podia exigir-se uma atuação (impossível) da R. no sentido de impedir o acidente, estando assim ilidida a sua presunção de culpa.
A responsabilidade civil em que assenta a pretensão da A., não é objetiva, não prescinde da culpa. Inexistindo culpa, inexiste o dever de indemnizar a que conduz a verificação cumulativa de todos os pressupostos da responsabilidade civil supra sumariamente enunciados. Impondo-se assim a improcedência do pedido. *
CCC. – Ora, do que acima se transcreveu, percebe-se claramente que o fundamento legal para esta decisão entronca precisamente naquilo que é a consequência do facto provado n.º 14, que já acima atacamos com os fundamentos no mesmo expostos e que ora reiteramos.
DDD. – Efectivamente, é mesmo porque não será de aceitar que, ao contrário do que considera provado a sentença, não deve ser efectuado um juízo de censura sobre a Ré, já que, pelo depoimento claro da testemunha, EE, se percebe, inequivocamente, que a caixa de papelão se encontrava em plena faixa de rodagem desde as 20h30,
EEE. – Daqui que esse juízo de censura se imponha, dado que, por força do facto de os ciclos de patrulhamento serem longos e contrariarem o Manual de Operação e Manutenção, que impõe ciclos de patrulhamento de 45 minutos que não foram respeitados neste caso concreto, nem são respeitados via de regra, dado que, conforme expressaram as várias testemunhas arroladas pela Ré, aqueles ciclos são de no mínimo 3 horas,
FFF. – Pelo que evidente se torna que esses ciclos são longos e excessivamente demorados para a necessidade objectiva de vigilância e monitorização permanente dos riscos de segurança.
GGG. – Pelo que, facilmente um evento como o que ocorreu, com a queda da caixa na via a partir, sensivelmente das 20h30 do dia do acidente, sem que seja logo removido, aumenta exponencialmente o risco de acidentes e consequências potencialmente graves.
HHH. – Na verdade, no caso concreto é cerca de uma hora e meia após o surgimento da caixa na via que se dá o acidente, porque para além de estar já noite e numa zona sem iluminação na auto-estrada, estava presente na via algo que não podia estar há excessivo tempo.
III.– Não deixa de ser elucidativo e merecedor de referência, com esta profunda revolta que sente a Autora com a decisão, que se perceba a autenticidade e credibilidade de quase todos os depoimentos das testemunhas arroladas pela Ré, a descrição feita por esta própria, todos os factos concatenados para que se demonstrasse que a causa do acidente foi única e exclusivamente a existência de uma caixa de papelão no sítio errado e à hora errada, sem vigilância e remoção atempada, mas depois, só porque num mero juízo silogístico se considera que uma caixa na auto-estrada mais de uma hora e meia seguramente levaria a avisos das pessoas que por lá passassem,
JJJ. – Determina que não exista um juízo de censura e como esta responsabilidade não prescinde de culpa, leva a absolvição da Ré,
KKK. – Ora, não pode discordar mais a Autora desta fundamentação, porque a mesma faz tábua-rasa daquilo que foi a realidade da hora e local, já que a caixa já se encontrava na via desde as 20h30, permaneceu na mesma durante esse tempo, com grande probabilidade porque ainda haveria luz natural e os carros conseguiriam desviar-se (como com grande normalidade quase todos fazemos na auto-estrada, já que se avistarmos caixas, papéis e até animais – de pequeno porte, subentenda-se -, desde que avistados à distância, conseguimos evitá-los),
LLL. – Gerando-se o acidente da Recorrente já numa altura em que era escuro e a visibilidade era baixa ou diminuta.
MMM. – Com isto, porque não houve vigilância num lapso de tempo curto como se impunha, para além de que a Lei 24/2007 de 18 de Julho, a qual define os direitos dos utentes nas vias rodoviárias classificadas como auto-estradas concessionadas, itinerários principais e itinerários complementares, que os utentes nas vias rodoviárias classificadas como auto-estradas concessionadas, o que é o caso em apreço da A...3, concessionada à A..., S.A, têm direitos, e estes obrigam as concessionárias a assumirem as suas responsabilidades, nos termos do seu artigo 12.º, que dispõe, e passamos a citar literalmente o n.º1 alínea a) do mesmo que:
“Nas auto-estradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para as pessoas ou seus bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respectiva causa diga respeito a objectos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem” (citação e sublinhado nossos)
NNN. – Sendo que, como determina o n.º 2 do mesmo art.º 12.º da Lei 24/2007, de 18 de Julho:
“...é necessário que a autoridade policial competente, verifique a veracidade dos factos”
OOO. – Que foi o que aconteceu, uma vez que após solicitação de comparência da GNR ao local, os agentes do Departamento de Trânsito do Porto deslocaram-se ao local e confirmaram o acidente e a sua causa originária, a existência da Caixa de papelão na faixa de rodagem.
PPP. – Para além disto, importa ter presente uma série de obrigações constantes do Contrato de Concessão celebrado entre o Estado Português, enquanto Concedente, e a Concessionária, A..., S.A, enquanto concessionária de várias auto-estradas da zona Litoral Norte do País, designadamente, na Grande Área Metropolitana do Porto, de onde se inclui a A...3.
QQQ. – Ora, de acordo com o Decreto-Lei 392-A/2007, de 27 de Dezembro, que aprovou as bases da concessão de concepção, projecto, construção, aumento do número de vias, financiamento, conservação e exploração dos lanços de auto-estrada e conjuntos viários associados, designada por concessão Douro Litoral, por um período de 27 anos,
RRR. – Designadamente, no art.º 53.º n.º1 do Anexo I àquele DL 392­A/2007, de 27 de Dezembro, determina-se que:
“...A concessionária está obrigada a assegurar a assistência aos utentes da auto-estrada, nela se incluindo a vigilância das condições de circulação, nomeadamente no que respeita à sua fiscalização e à prevenção de acidentes.”
SSS, – O que não aconteceu no caso vertente, já que se encontrava aquele objecto na faixa de rodagem, em plena via, que ameaçava a segurança de pessoas e bens que circulavam naquela auto-estrada A...3, no sentido Gens/Porto.
TTT. – Provocando o acidente sofrido pela aqui Autora,
UUU. – Verifica-se assim, que há negligência grosseira da A..., S.A a quem cabe promover toda a segurança naquela via, o que não o fez, devidamente,
Pelo que,
VVV. – Esta Ré, A..., S.A é a responsável pelo acidente, uma vez que não acautelou todas as condições de segurança na via, através da remoção atempada da caixa de papelão ou, pelo menos, através de adequada sinalização de perigo por existência de objectos na via".
*
Notificadas as alegações, apresentadas pela recorrente, supra referidas, veio a Ré/Recorrida "A..., S. A", apresentar contra alegações , mas sem que formule conclusões.
*
Veio, também, a interveniente acessória "F..., SA", apresentar contra alegações que assim sintetizou, concluindo:
"1. As doutas Alegações de Recurso apresentada pela Autora não podem merecer qualquer acolhimento e a decisão proferida pelo Tribunal a quo não merece qualquer censura.
2. A matéria de facto foi exemplarmente julgada, não podendo ser objeto de qualquer alteração.
3. Verifica-se que a Autora se limita a transcrever a parte dos depoimentos das testemunhas que servem as suas alegações.
4. Assim, não referencia a Autora qualquer meio de prova idóneo que imponha decisão diversa da proferida.
5. Os factos considerados provados e não provados não poderão ser alterados, por se encontrarem em consonância com a prova produzia em Audiência de Discussão e Julgamento.
6. Não produziu a Autora prova bastante para que se possa considerar provada a matéria indicada no seu recurso.
7. Pelo contrário, a Ré logrou demonstrar o cumprimento dos seus deveres.
8. Assim sendo, a Autora recorrente não logrou demonstrar provado qualquer meio de prova que permita justificar a alteração da matéria de facto provada e não provada, pelo que, deve ser mantida a decisão proferida pelo Tribunal a quo".
*
O Digno Magistrado do M.º P.º, notificado nos termos do art.º 146.º, n.º1 do CPTA, não emitiu Parecer.
*
Sem vistos, mas com envio prévio do projecto aos Ex.mos Juízes Desembargadores Adjuntos, foram os autos remetidos à Conferência para julgamento.
*
2 . Efectivando a delimitação do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, acima elencadas, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, ns. 3 e 4 e 685.º A, todos do Código de Processo Civil, “ex vi” dos arts.1.º e 140.º, ambos do CPTA.

II
FUNDAMENTAÇÃO
1 . MATÉRIA de FACTO
1 . 1 - São os seguintes os factos provados na sentença recorrida:
1. No dia 26 de Junho de 2015, a A. seguia na A...3 no sentido Gens-Porto, conduzindo o seu veículo automóvel ligeiro de passageiros de marca Peugeot, modelo 206, com a matricula ..-..-QD.
2. Pelas 22h00, ao km 11,720, que se apresenta como uma recta, a A. deparou-se, no meio da via, com uma caixa de cartão vazia (cfr. fls. 23 do processo físico dos autos).
3. Tentou desviar-se da caixa de cartão, na sequência do que o veículo se descontrolou, entrando em despiste, tendo embatido no rail lateral e imobilizando-se de seguida.
4. Após o acidente, a caixa manteve-se intacta.
5. No local do acidente não há iluminação.
6. Estava bom tempo.
7. Do embate resultou a destruição da parte frontal do veículo, lateral direita, laterais esquerda, traseira, bagageira e pára-choques amolgado.
8. Desde a data do acidente até ao presente a A. não pôde utilizar o seu veículo porque não teve condições financeiras para o reparar, tendo acabado por proceder à sua venda.
9. Até à hora em que lhe foi comunicado o acidente (21.59), a R. desconhecia a existência do objecto na faixa de rodagem, pelo que o mesmo não se encontrava sinalizado.
10. A auto-estrada é patrulhada pela operadora da A..., S. A, B..., SA 24 horas por dia, todos os dias do ano.
11. No dia do sinistro os patrulhamentos foram e estavam a ser realizados, tendo sido realizada uma passagem, antes do sinistro pelo Sr. BB, oficial de mecânica da Assistência Rodoviária, nada se detectando de anormal.
12. A patrulha da B..., SA efectuou duas passagens no local do sinistro: às 20h10, no sentido Gens-Gondomar e às 20h20m no sentido oposto.
13. Entre essas horas e a hora do acidente não houve qualquer alerta para a presença de um objecto na via em causa.
14. A caixa de cartão em causa foi largada na auto-estrada poucos instantes antes da ocorrência do acidente.
15. Por causa das indemnizações que, nos termos da lei, em consequência das actividades da concessão, sejam devidas a terceiros, por contrato de seguro, a R. garantiu a sua responsabilidade civil até ao montante de €150 000 000,00 mediante contrato de seguro com a F..., SA (apólice n.º ...74).
*
1 . 2 - Por sua vez, a sentença deu como não provados os seguintes factos:
a) Na sequência do acidente, o ..-..-QD sofreu os seguintes danos: afetação das longarinas, afectação do chassis, afectação da direcção e suspensão da frente do lado esquerdo, afectação da suspensão traseira esquerda.
b) O valor da reparação do ..-..-QD ascendia a €9 000,00.
c) O valor de mercado do ..-..-QD ascendia a €3 400,00.

2 . MATÉRIA de DIREITO

No caso dos autos, vistas as alegações e contra alegações, por um lado e a sentença recorrida, por outro, as questões a decidir por este TCA consistem em avaliar/decidir:
- Se se mostra correcta a decisão da matéria de facto; e ainda,
- se a matéria de direito se mostra conforme o direito aplicável, concretamente,
- se existe presunção de culpa que onere a Ré; e,
- se esta ilidiu ou não essa presunção.
**
Quanto à matéria de facto provada e não provada.
Lidas as alegações da recorrente, sintetizadas nas respectivas conclusões - - ainda que o poder de síntese seja questionável, mas mesmo assim, compreensíveis quanto às concretas questões colocadas - verificamos que a A./Recorrente se insurge quanto (i) aos factos dados como provados, nos pontos 10 e 14 e (ii) quanto aos factos dados como não provados nas alíneas a) e c).
*
Antes, porém, de entrarmos na análise específica e crítica das provas levadas em consideração para se obterem os factos provados e não provados, importa que - similarmente ao propendido em casos semelhantes - clarifiquemos alguns conceitos inerentes a esta matéria, de molde a balizarmos, tanto quanto possível, a sindicância possível e adequada, no que concerne à modificação da matéria de facto, dada como provada, pela 1.ª instância, ainda que com base na jurisprudência dos Tribunais Superiores da jurisdição administrativa, quer do STA, quer deste TCA, os quais já lapidaram, com rigor, esta matéria e com os quais concordamos e já temos incluído noutras decisões por nós relatadas.
*
Assim, refere, a este propósito o Ac. do STA, de 19/10/2005, in Rec. 0394/05 “O Tribunal de recurso só deve modificar a matéria de facto quando a convicção do julgador, em 1ª instância, não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se assim a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova e à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto”.
*
No mesmo sentido, vai o Ac. do mesmo Tribunal, de 14/3/2006, in Rec. 01015/06, que refere que “A garantia de duplo grau de jurisdição em matéria de facto (art. 712º C.P.Civil) deve harmonizar-se com o princípio da livre apreciação da prova (art. 655º/1 do C.P.Civil).
Assim, tendo em conta que o tribunal superior é chamado a pronunciar-se privado da oralidade e da imediação que foram determinantes da decisão em 1ª instância e que a gravação/transcrição da prova, por sua natureza, não pode transmitir todo o conjunto de factores de persuasão que foram directamente percepcionados por quem primeiro julgou, deve aquele tribunal, sob pena de aniquilar a capacidade de livre apreciação do tribunal a quo, ser particularmente cuidadoso no uso dos seus poderes de reapreciação da decisão de facto e reservar a modificação para os casos em que a mesma se apresente como arbitrária, por não estar racionalmente fundada, ou em que for seguro, segundo as regras da ciência, da lógica e/ou da experiência comum que a decisão não é razoável.
Tudo a aconselhar um especial cuidado por parte do tribunal superior no uso dos seus poderes de reapreciação dos pontos controvertidos da matéria de facto (cfr., neste sentido, os acórdãos deste Supremo Tribunal, de 2003.06.18 – rec- nº 1188/02 e de 2004.06.22 – rec. nº 1624/03).
Sob pena de pôr em causa os princípios da oralidade e da livre convicção que informam a nossa lei processual civil, o tribunal de recurso deve reservar a modificação da decisão de facto para os casos em que a mesma seja arbitrária por não se mostrar racionalmente fundada ou em que for evidente, segundo as regras da ciência, da lógica e /ou da experiência que não é razoável a solução da 1ª instância”.
*
Salientamos, ainda, (face às normas do CPTA) acerca desta matéria, o que se escreveu no Ac. deste TCA Norte, de 8/3/2007, in Proc. 00110/06, a saber :
Decorre do regime legal vertido nos arts. 140.º e 149.º do CPTA que este Tribunal conhece de facto e de direito sendo que na apreciação do objecto de recurso jurisdicional que se prende com a impugnação da decisão de facto proferida pelo tribunal “a quo” se aplica ou deve reger-se, na ausência de regime legal especial, pelo regime que se mostra fixado em sede da legislação processual civil nesta sede.

Assim, pese embora tal regime e situações diversas temos, todavia, que referir que os poderes conferidos no art. 149.º, n.º 2 do CPTA não afastam os poderes de modificação da decisão de facto por parte deste Tribunal ao abrigo do art. 712.º do CPC por força da remissão operada pelos arts. 01.º e 140.º do CPTA porquanto o TCA mantém os poderes que assistem ao tribunal de apelação no âmbito da fixação da matéria de facto quando esta constitui objecto ou fundamento de recurso jurisdicional.

É que a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova por parte do julgador que se mostra vertido no art. 655.º do CPC, sendo certo que, na formação da convicção daquele quanto ao julgamento fáctico da causa, não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, mas também factores não materializados, visto que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação e/ou na respectiva transcrição.
Na verdade, constitui dado adquirido o de que existem inúmeros aspectos comportamentais dos depoentes que não são passíveis de ser registados numa simples gravação áudio. Tal como já era apontado pelo Juiz Cons. Eurico Lopes Cardoso os depoimentos não são só palavras, nem o seu valor pode ser medido apenas pelo tom em que foram proferidas. Todos sabemos que a palavra é só um meio de exprimir o pensamento e que, por vezes, é um meio de ocultar. A mímica e todo o aspecto exterior do depoente influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe e como tal apreendidos ou percepcionados por outro Tribunal que pretenda fazer a reapreciação da prova testemunhal, sindicando os termos em que a mesma contribuiu para a formação da convicção do julgador, perante o qual foi produzida (cfr. BMJ n.º 80, págs. 220 e 221).
Como tal, o juiz, perante o qual foram prestados os depoimentos, sempre estará numa posição privilegiada em termos de recolha dos elementos e sua posterior ponderação, nomeadamente com a devida articulação de toda a prova oferecida, de que decorre a convicção plasmada na decisão proferida sobre a matéria de facto.
Em conformidade, a convicção resultante de tal articulação global, evidencia-se como sendo de difícil destruição, principalmente quando se pretende pô-la em causa através de indicações parcelares, ou referências meramente genéricas que o impugnante possa fazer, como contrárias ao entendimento expresso.
Com efeito e como tem vindo a ser entendimento jurisprudencial consensual o depoimento de uma testemunha é formado por um complexo de situações e factos em que sobressai o seu porte, as suas reacções imediatas, o sentido dado à palavra e à frase, o contexto em que é prestado o depoimento, o ambiente gerado em torno da testemunha, o modo como é feito o interrogatório e surge a resposta, tudo contribuindo para a formação da convicção do julgador.
Segundo a lição que se extrai dos ensinamentos do Prof. Enrico Altavilla "(…) o interrogatório como qualquer testemunho, está sujeito à crítica do juiz, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá também aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras" (in: "Psicologia Judiciária", vol. II, Coimbra, 3ª ed., pág. 12).
Como já defendia o Prof. J. Alberto dos Reis “… É já hoje lugar-comum a nota de que tanto ou mais do que o que o depoente diz vale o modo por que o diz, é que se as declarações contam, contam também as reticências, as hesitações, as reservas, enfim a atitude e a conduta do declarante no acto do depoimento ...” (in: “Código de Processo Civil Anotado”, vol. IV, pág. 137).
Daí que a convicção do tribunal se forma de um modo dialéctico, pois, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas produzidas nos autos, importa atender também à análise conjugada das declarações produzidas e dos depoimentos das testemunhas, em função das razões de ciência, da imparcialidade ou falta dela, das certezas e ainda das lacunas, das contradições, das hesitações, das inflexões de voz, da serenidade, dos “olhares de súplica” para alguns dos presentes, da "linguagem silenciosa e do comportamento", da própria coerência de raciocínio e de atitude demonstrados, da seriedade e do sentido de responsabilidade evidenciados, das coincidências e inverosimilhanças que transpareçam no decurso da audiência de julgamento entre depoimentos e demais elementos probatórios.
Ao invés do que acontece nos sistemas da prova legal em que a conclusão probatória está prefixada legalmente, nos sistemas da livre apreciação da prova, como o nosso, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto da discussão em sede de julgamento, com base apenas no juízo que se fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
Note-se, contudo, que este sistema não significa puro arbítrio por parte do julgador.
É que este, pese embora, livre, no seu exercício de formação da sua convicção, não está isento ou eximido de indicar os fundamentos onde aquela assentou por forma a que, com recurso às regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquele processo de formação da convicção sobre a prova ou não prova daquele facto, permitindo, desta feita, sindicar-se o processo racional da própria decisão.
Aliás, a nossa lei processual determina e faz impender sobre o julgador um ónus de objectivação da sua convicção, através da exigência da fundamentação da matéria de facto (da factualidade provada e da não provada), devendo aquele analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção (cfr. art. 653.º, n.º 2 do CPC).
É que não se trata de um mero juízo arbitrário ou de simples intuição sobre veracidade ou não de uma certa realidade de facto, mas antes duma convicção adquirida por intermédio dum processo racional, objectivado, alicerçado na análise critica comparativa dos diversos dados recolhidos nos autos na e com a produção das provas e na ponderação e maturação dos fundamentos e motivações, sendo que aquela convicção carece de ser enunciada ou explicitada por expressa imposição legal como garante da transparência, da imparcialidade e da inerente assunção da responsabilidade por parte do julgador na administração da justiça.
À luz desta perspectiva temos que se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
Aliás e segundo os ensinamentos do Prof. M. Teixeira de Sousa ”(…) o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz passa de convencido a convincente (…)” (in: “Estudos sobre o novo Processo Civil”, pág. 348).
…Mercê do que vimos expondo ao tribunal de recurso apenas e só é dado alterar a decisão sobre a matéria de facto em casos excepcionais de manifesto erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e essa mesma decisão”.
*
Feitas estas considerações dogmáticas acerca da matéria, estamos agora em condições de apreciar esta vertente recursiva da A./Recorrente.
Vejamos!
Importa, atentas as considerações dogmáticas supra acerca desta matéria, maxime, princípio da imediação, atentar na fundamentação fáctica apresentada pela Sr.ª Juíza de direito do TAF do Porto que justificou a factualidade provada e não provada, sendo certo que --- concorde-se ou não - questão diversa --- a justificação se mostra completa e assertiva, conclusão tirada depois de termos ouvido a prova testemunhal produzida e gravada.
Escreveu, assim, a Sr.ª Juíza:
"O Tribunal fundou a sua convicção na análise da prova documental apresentada pelas partes conjugada com as declarações de parte e o depoimento das testemunhas da forma que a seguir se explicitará.
A A. prestou declarações de modo globalmente valorado como sério. Referiu-se credivelmente às circunstâncias de tempo e espaço em que ocorreu o acidente, às condições de visibilidade e à forma como foi surpreendida pela presença de uma caixa de cartão “feita” na via e ao embate nos rails. Apesar de ter afirmado que o carro ficou completamente destruído e que lhe disseram que a reparação “não valia a pena” pelo que vendeu o seu salvado pelo preço de €200,00, não juntou qualquer documento nem apresentou qualquer outra prova nesse sentido pelo que ficou o Tribunal com dúvidas relativamente a tal matéria.
FF prestou um depoimento isento e muito credível. Seguia na direção em que seguia a A. e prestou-lhe assistência tendo esta referido que tentou desviar-se da caixa de cartão, na sequência do que se despistou. Disse que viu a caixa em questão intacta e na faixa de aceleração e que a colocou na berma e confirmou que se trata de uma zona escura, sem iluminação. Foi confrontado com as fotografias de fls.15 e segs.
A testemunha EE, amigo da A., prestou um depoimento confuso e pouco seguro que não foi valorado como credível designadamente no que concerne ao facto de ter passado pelo local do acidente entre as 20.00 e as 20.30 tendo aí avistado a caixa em questão. A testemunha CC, operador de comunicações da B..., SA, referiu, de modo sério, que não recebeu qualquer comunicação relativa à presença de caixa ou qualquer outro obstáculo na via nem notícia de qualquer acidente no local.
GG, encarregado de assistência a clientes na B..., SA, referiu-se, credivelmente, aos patrulhamentos efetuados na via em causa, monitorizados por GPS. Confrontado com o documento de fl. 96 (verso) referiu que, conforme resulta do mesmo, a última vez que a patrulha passou pelo local do acidente foi às 20h10m. Mais evidenciou que, até à altura em que foi comunicado o acidente, não foi comunicado qualquer outro acidente nem a presença de qualquer obstáculo na via.
A testemunha BB, oficial de mecânica da “B..., SA” que se deslocou ao local pelas 22.17 (conforme resulta também do documento de fl. 53), após a noticia do acidente, declarou, credivelmente, ter patrulhado a local cerca das 20h10m, nada tendo detetado de anormal sendo que, ao chegar ao local visualizou quer o carro acidentado quer o caixa de cartão já “espalmada”.
A factualidade vertida em 14. foi presumida tendo presente a factualidade vertida em 12. e 13., analisada à luz das regras da experiência comum. Com efeito, não pode admitir-se com razoabilidade, que uma caixa de cartão se encontre numa auto-estrada há 15 ou 30 minutos sem que ocorra qualquer acidente ou sem que exista qualquer comunicação de presença de obstáculo na via.
No que concerne à dinâmica do acidente teve-se essencialmente em consideração as declarações da A. Porém no que concerne ao facto de ter embatido na caixa, as suas declarações não foram prestadas de forma segura, revelando uma compreensível confusão, fruto da surpresa e da “aflição” sentida perante a inusitado confronto com um objeto na via. Assim em face do muito credível depoimento da testemunha FF - nos termos do qual a caixa, após o acidente, se encontrava intacta após o acidente (não obstante, posteriormente, ter sido espalmada, segundo o relatado pela testemunha HH) – conjugado ainda com a participação de fl. 23 - deu-se como provada a factualidade descrita em 2. e 3.
A factualidade vertida em 10. resulta também dos documentos n.ºs ... e ... juntos com a contestação da R. (contrato de operação e manutenção celebrado entre a A..., S. A e a B... SA e acordo de subcontratação celebrado entre a B... SA e a BB..., SA).
Não obstante resultar do depoimento da generalidade das testemunhas, da participação do acidente de viação da GNR , das fotografias juntas com a petição inicial e, atenta a comprovada dinâmica do acidente, das regras da experiência comum, que o ..-..-QD sofreu danos materiais nas partes visíveis nas fotografias, não foi produzida qualquer prova suficientemente credível e segura quanto à factualidade vertida em a) a c) que, por isso, se julgou não provada".
*
Quanto ao ponto 10 dos factos provados.
No mesmo consta que "A auto-estrada é patrulhada pela operadora da A..., S. A, "B..., SA", 24 horas por dia, todos os dias do ano".
Alega a A. que não se pode dizer que a operadora "B..., SA" faça uma vigilância contínua, nas 24 horas de cada dia do ano.
Efectivamente, desse concreto facto não se pode concluir que é efectivado um patrulhamento contínuo, ininterrupto, em cada local, a cada minuto, mas apenas que existe um patrulhamento planeado, durante todos os dias do ano.
Ora da prova documental constante dos autos - contrato de operação e manutenção Documentos ns. ... e ... juntos com a contestação, a saber, contrato de operação e manutenção celebrado entre a A..., S. A e a B... SA e acordo de subcontratação celebrado entre a B... SA e a BB..., SA". - bem como da prova testemunhal, concretamente, da testemunha GG, encarregado de assistência a clientes da B..., SA, resulta que existe um plano de patrulhamento, com turnos/horários pré fixados, sendo sempre a deslocação das carrinhas de assistência/patrulhamento monotorizado, por GPS, em permanência, pela CCO - central de comunicações - sendo que, pelo menos, existirá, em cada ponto, uma passagem de 3 em 3 horas, conforme definido no plano prévio de patrulhamento.
Naturalmente, que a programação existente sempre poderá ser alterada pelo aparecimento/notícia (directa ou pela Central de Operações) de algum incidente na AE, que importe a imediata deslocação/apoio das equipas itinerantes de vigilância.
Deste modo, conjugada toda a prova, incluindo a testemunhal que ouvimos do SITAF, por questão de maior rigor, entende-se factualizar mais pormenorizadamente o ponto em causa, devendo o facto 10 passar a ter a seguinte redacção, aliás, em similitude com a proposta da recorrente - cfr. conclusão FF):
"10 - A auto-estrada é patrulhada pela operadora da A..., S. A, "B..., SA", 24 horas por dia, todos os dias do ano, por patrulhas que, em regra, passam, pelo mesmo local, de 3 em 3 horas".
*
Quanto ao ponto 14 da factualidade provada e onde consta que "A caixa de cartão em causa foi largada na auto-estrada poucos instantes antes da ocorrência do acidente".
Entende a A./recorrente que se demonstrou que a caixa em questão esteve naquele local da AE desde as 20 30 h, até á hora do acidente (22 00 horas), pois que a mesma foi ali vista pela testemunha EE, ou seja, uma hora e meia antes.
Acontece, porém, que este depoimento - conforme é expressamente dito na fundamentação fáctica judicial - não foi considerado, por não ter sido credível, segundo a convicção formada pela Sr.ª Juíza que presidiu à audiência de julgamento.
Esta desconsideração de depoimento, conjugada com a experiência comum, em casos como o dos autos - não é credível que uma caixa intacta de papelão, com cerca de 30X60 cms., esteja durante uma hora e meia numa auto estrada e nenhum utente tenha alertado as autoridades desse facto e perigosidade.
Ora foi esta conjugação de elementos que importou a fixação deste concreto facto.
Mostrar-se-á correcta esta conclusão?!
Ouvida a prova testemunhal, na sua integralidade, inexistindo razões objectivas - nem sequer alegadas, em sede recursiva - que nos levem a inverter a convicção judicial referente ao depoimento da testemunha EE --- amigo/namorado da A. - que passou por ali, viu a caixa intacta, nada disse e retorna ao local, depois do acidente, além da inconsistência dos depoimentos quanto ao facto da caixa após o acidente ter ficado destruída com o embate da viatura da A.- tese da A. Depoimentos contraditórios das testemunhas FF, este muito credível (na óptica da julgadora) e que assistiu ao acidente - caixa intacta - e HH - caixa destruída, espalmada. - com o facto de ter sido retirada após o acidente, intacta, para fora da faixa de rodagem, pela testemunha FF - cujo depoimento se mostra totalmente credível -, entendemos manter a factualidade questionada e vertida no referido ponto 14 do probatório.
Aliás, importa, reforçando a desconsideração do depoimento de EE, referir que o seu depoimento se mostra totalmente contraditório quanto à caixa, supostamente existente na via, aquando do acidente.
Na verdade, o depoimento assertivo, coerente e expresso sem dúvidas da testemunha FF - a primeira pessoa a aparecer no local, após o acidente - que não presenciou - é peremptório ao dizer que ele mesmo retirou, com os braços abertos, a caixa de papelão da faixa de rodagem do lado esquerdo, intacta, "feita" e a colocou na berma.
A ser assim ... o que se aceita como tendo sido a realidade ... como poderia EE ver depois a caixa desfeita, por ter sido pisada, esmagada completamente, destruída pelo veículo???!!!
O seu depoimento, nesta parte, apenas "alinha" com o depoimento da condutora, sua amiga/namorada e que se mostrou muito "titubeante"!
Convenhamos, pois, que esta "história" se mostra mal contada, conjugada com o facto de ali ter passado, meia hora antes e ter visto, na faixa do lado direito - que na esquerda donde foi retida pelo indicado FF - a caixa no mesmo local!!
Concluindo, acompanhamos a convicção da Sr.ª Juíza do TAF do Porto quanto à seriedade do depoimento da testemunha EE e que assim é completamente desvalorizado.
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Quanto às als. a ) e c) dos factos considerados como não provados - cfr. conclusão G das alegações.
Concretizando, quanto à alínea a), onde consta que "Na sequência do acidente, o ..-..-QD sofreu os seguintes danos: afetação das longarinas, afetação do chassis, afetação da direção e suspensão da frente do lado esquerdo, afetação da suspensão traseira esquerda." e quanto à alínea c) - "O valor de mercado do ..-..-QD ascendia a 3.400,00€", a decisão recorrida, justificando a conclusão de que considerava que esta concreta matéria não se mostrava provada, entendeu que, pese embora dos depoimentos prestados, a participação da GNR, fotos juntas com a pi e a comprovada dinâmica do acidente, conjugadas com a experiência comum, o veículo da A. sofreu danos nas partes visíveis nas fotografias, não foi efectuada prova suficientemente credível quanto aos factos descritos de a) a c) da factualidade não provada, nomeadamente, apesar da A. ter dito que vendeu o veículo, salvado, por 200,00€, na medida em que lhe disseram que "não valia a pena" a sua reparação, não juntou qualquer documento referente a proposta de reparação e seu custo, pelo que, perante essa ausência de prova, o TAF do Porto entendeu que tal matéria ficou duvidosa e daí ser considerada não provada.
Partilhamos a mesma dúvida, depois de ouvirmos, atentamente, o seu depoimento.
Pese embora as considerações acerca da habitual avaliação de veículos - avaliação Eurotax - competia à A. documentar minimamente essa avaliação, sendo que as característica únicas de um veículo vendido por 200,00 €, impunham esse cuidado mínimo que não foi efectivado; o depoimento da A., pela sua inconsistência, sem outros elementos - sejam documentais, sejam testemunhais, como o amigo a quem comprou o carro e lhe disse que não valia a pena a reparação - não impõem diferente resposta.
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Quanto à matéria de direito
Nesta parte, a sentença apresentou a seguinte fundamentação - que aqui se reproduz, na medida em que com ela se concorda e nos dispensa de considerações repetitivas e desnecessárias, sendo que, da mesma resulta que a Ré/Recorrida conseguiu elidir a presunção de ilicitude e culpa que sobre si recaía:
Está em causa, nos presentes autos, a responsabilidade civil da R. enquanto concessionária das A...3 sendo, portanto, aplicável o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro nos termos do qual existe dever de indemnizar sempre que o R., por ação ou omissão ilícita e com culpa, cause danos, devendo assim reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (cfr. art.ºs 3º e 7º).
A Lei n.º 24/2007 de 18 de julho define os direitos dos utentes nas vias rodoviárias classificadas como autoestradas concessionadas, itinerários principais e itinerários complementares
É o seguinte o teor do seu art.º 12º:
“1- Nas autoestradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respetiva causa diga respeito a:
(...) a) Objetos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem; (...)
Este diploma legal estabeleceu uma inversão do ónus da prova, fazendo recair o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança sobre a concessionária quando, como sucede no caso sub judice, estiver em causa acidente rodoviário em autoestradas, causado pela presença de objetos na via.
No caso sub judice, em face da matéria factual que se julgou provada em 14., não é possível dirigir um juízo de censura à R. por não ter atuado quando devia atuar de modo a garantir, naquelas circunstâncias, que o acidente não ocorresse isto é, que aquele objeto não se encontrasse na via de circulação automóvel.
Com efeito, provando-se, como se provou, que o objeto foi libertado nos momentos que antecederam o acidente, não podia exigir-se uma atuação (impossível) da R. no sentido de impedir o acidente, estando assim ilidida a sua presunção de culpa.
A responsabilidade civil em que assenta a pretensão da A., não é objetiva, não prescinde da culpa.
Inexistindo culpa, inexiste o dever de indemnizar a que conduz a verificação cumulativa de todos os pressupostos da responsabilidade civil supra sumariamente enunciados.
Impondo-se assim a improcedência do pedido".
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Revertendo agora para a análise/decisão do recurso nesta sede, após enunciação da sentença recorrida, tendo nós mantido o ponto 14 da factualidade provada, nada a acrescentar, senão, concluir pela negação de provimento do recurso, e manutenção da sentença recorrida.


III
DECISÃO

Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em negar provimento do recurso e assim manter a sentença recorrida.
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Custas pela recorrente.
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Notifique-se.
DN.

Porto, 15 de Julho de 2022

Antero Salvador
Helena Ribeiro
Nuno Coutinho