Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00863/13.0BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/12/2015
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Mário Rebelo
Descritores:PAGAMENTO DA DÍVIDA EXEQUENDA AO ABRIGO DO DECRETO-LEI N.º 151-A/2013, DE 31 DE OUTUBRO
PAGAMENTO VOLUNTÁRIO
EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO E DA RECLAMAÇÃO
Sumário:1. O pagamento da dívida exequenda ao abrigo do Decreto-Lei n.º 151-A/2013, de 31 de Outubro, visando aproveitar as vantagens económicas que ele proporciona deve considerar-se pagamento «espontâneo».
2. E por isso, não pode ser repetido o que foi pago, ainda que o pagamento tenha sido efetuado na pendência de uma reclamação de despacho que indeferiu o pedido de declaração de prescrição.
3. Como se refere no nº 2 do art. 1º daquele diploma «O presente decreto -lei aplica-se a todas as dívidas referidas no número anterior, que sejam declaradas pelos contribuintes, ou pelos seus representantes, nos termos da lei, antes do ato do pagamento, ainda que desconhecidas da administração fiscal e da segurança social».
4. Estão em causa dívidas declaradas pelos contribuintes. Se o contribuinte entende não ter dívidas, não as declara, e este diploma não se lhe aplica. Mas se as declara, é porque as reconhece e pretende regularizá-las da forma mais económica, sem poder ignorar que «ubi commoda, ibi incommoda»
5. Para além disso, o objectivo de recuperação de receita era essencial. Ora se o legislador prossegue um objectivo de arrecadação de receita, para isso abdicando de parte dela mercê dos benefícios concedidos, parece não fazer sentido a compatibilização com instrumentos jurídicos que poderão subtrair o que arrecadou.
6. Paga a quantia exequenda e extinto o processo de execução fiscal, a reclamação fica sem objecto, devendo esta e o recurso serem extintos por inutilidade superveniente da lide.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:I... Soc. Imobiliária, S.A.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Julgado extinto o recurso por inutilidade superveniente da lide.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

Síntese do processado mais relevante.
Correu termos no Serviço de Finanças de Matosinhos 1 o processo de execução fiscal n.º 1821200001012754 contra I... – Sociedade Imobiliária SA para pagamento de dívidas de IVA referente ao período de 1998, no valor liquidado de € 6.864.117,17.

Foi requerida a declaração de prescrição da dívida.

Por despacho de 6/3/2013 o pedido foi indeferido. E ordenado o levantamento da suspensão legal do processo e expedição de carta precatória para o Serviço do Finanças Lisboa 8 para cumprimento do determinado no n.º 2 do art. 200 do CPPT, devendo ainda remeter-se, pelo melo mais expedito, cópia do titulo constitutivo da garantia para a concretização da citação da entidade garante.
Foi apresentada reclamação judicial contra este despacho.
Tendo a MMª juiz do TAF do Porto julgado totalmente improcedente a reclamação por sentença de 10/10/2013.


O recurso.
Inconformado com tal sentença, dela recorreu formulando alegações e concluindo como segue:
1. A douta Sentença recorrida, salvo o devido respeito, padece de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos dos artigos 615º nº 1 d) do CPC (redacção actual) e 125º nº 1 do CPPT, com as legais consequências.
ACRESCE QUE,
Quanto ao julgamento da matéria de facto
2. Diferentemente do que se afirma em 1. da matéria de facto provada, o Despacho aí mencionado não está datado de 06.03.2003, mas outrossim de 06.03.2013 - tal como resulta do teor de fls. 178 a 181 dos autos.

3. Diferentemente do que se afirma em 10. da matéria de facto provada, a Informação aí mencionada não está datada de 26.01.2004, mas outrossim de 26.03.2007 - tal como resulta do teor de fls. 113 do processo de execução fiscal apenso.

4. Diferentemente do que se afirma em 39. da matéria de facto provada, o Despacho aí mencionado não está datado de 06.03.2003, mas outrossim de 06.03.2013 - tal como resulta do teor de fls. 178 a 181 dos autos.

5. Diferentemente do que se afirma em 41. da matéria de facto provada, a providência cautelar de suspensão de eficácia de acto administrativo aí mencionada não foi interposta a 10.03.2013, mas outrossim de 18.03.2013 - tal como resulta dos autos de providência cautelar de suspensão de eficácia de acto administrativo nº 719/13.0BEPRT, apensos aos presentes autos de Reclamação Judicial.

Acresce que,

6. Para além da factualidade referida, e da demais elencada nas várias alíneas da matéria de facto assente, parece-nos relevante aditar a seguinte factualidade, porque alegada pela Recorrente, relevante para a decisão de mérito segundo as diferentes soluções plausíveis da questão de direito, e demonstrada pela prova produzida:

7. As liquidações adicionais de IVA e de JC exequendas reportam-se a facto tributário ocorrido em 11.12.1998, mais concretamente à escritura de venda de imóvel à I... - Sociedade Imobiliária, SA, celebrada naquela data - conforme se deduz do teor de fls 30 e 31 da cópia certificada do processo de execução fiscal apenso, resulta do relatório inspectivo cuja cópia foi junta à PI como doc. 13 e extrai-se da cópia da escritura aqui anexa como doc. 1;

8. As liquidações adicionais de IVA e JC exequendas no processo de execução fiscal aqui em questão advieram da negação do direito de dedução e reembolso do IVA peticionado pela Requerente com referência ao 4º trimestre de 1998 - matéria de facto que resulta do conteúdo do doc. 13 junto à PI e que não foi contestada pela AT;

9. No despacho de 06.03.2013, do 1º SF de Matosinhos, aqui reclamado, não foram explicitadas as razões de facto e de Direito, e operações de cálculo e apuramento, que terão conduzido ao valor, Euro 9.438.501,31, cujo pagamento foi aí exigido - conforme resulta do teor daquele despacho, junto de fls. 178 a 181 dos presentes autos;

10. Nem o 1º SF de Matosinhos, nem qualquer outra autoridade da AT, alguma vez notificaram ou de algum modo interpelaram previamente a Requerente para pagar o referido valor de Euro 9.438.501,31 - matéria de facto não contestada pela AT e que, além disso, se extrai da cópia certificada do processo de execução fiscal apenso;

11. O pedido de revisão oficiosa das liquidações exequendas apresentado em 10.09.2001 assentou em circunstâncias resultantes de documentos supervenientes - matéria de facto que resulta do conteúdo do doc. 15 junto à PI e que não foi contestada pela AT;

12. Esse pedido de revisão oficiosa foi apresentado dentro do prazo de 90 dias contado dos documentos supervenientes que o fundamentaram - as liquidações adicionais de IVA e JC efectuadas à Contimobe – Imobiliária de Castelo de Paiva, SA, por esta recebidos em 02.07.2001 - matéria de facto que resulta do conteúdo do doc. 16 junto à PI e que não foi contestada pela AT;
13. As liquidações adicionais efectuadas à Contimobe e por esta recebidas em 02.07.2001 decorreram de entendimento superveniente da AT, o qual veio considerar que a cessão de posição contratual à Recorrente estaria sujeita a IVA, fazendo então a AT as respectivas liquidações adicionais de IVA e JC à sociedade cedente dessa posição contratual - matéria de facto que resulta do conteúdo do doc. 18 junto à PI e que não foi contestada pela AT;

14. A Requerente, em 20.02.2012, pediu, junto do 1º SF de Matosinhos, informação sobre o estado deste pedido de revisão oficiosa, que nunca foi respondido - matéria de facto que resulta do conteúdo do doc. 17 junto à PI e que não foi contestada pela AT;

15. A Requerente apresentou duas Acções Administrativas Especiais, para impugnação de acto administrativo, a tramitar nas UO 4 e UO 3 do TAF do Porto, sob os processos nº 79/04.6BEPRT e 2442/05.6BEPRT, respectivamente - matéria de facto que resulta do conteúdo dos docs. 19 e 20 juntos à PI e que não foi contestada pela AT;

16. Em ambas as acções administrativas foram impugnados despachos que negaram o direito de dedução e reembolso do IVA peticionado pela Requerente relativamente ao 4º trimestre de 1998, do valor de Euro 6.679.649,05 (Esc. 1.339.149.400$00) - matéria de facto que resulta do conteúdo dos docs. 19 e 20 juntos à PI e que não foi contestada pela AT;

Acresce que,
17. Nos termos do artigo 611º do CPC, devem ser atendidos os seguintes factos jurídicos supervenientes à propositura desta Reclamação Judicial, mas já ocorridos à data da prolação da douta Sentença recorrida - e que esta deve atender “de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão”:

18. Por diversas vezes, a Recorrente requereu junto do 1º SF de Matosinhos a explicitação dos juros de mora que lhe foram exigidos, quanto à taxa, período e base de cálculo, o que lhe foi sucessivamente negado - cfr. documentos aqui juntos agregadamente como doc. 2;

19. No passado dia 16.05.2013, a C... foi citada, na qualidade de garante, no âmbito do processo de execução fiscal nº 1821200001012754, para, no prazo de 30 dias, pagar a quantia exequenda naquele processo de execução fiscal, Euro 9.438.501,31, sob pena de penhora e demais diligências processuais – cfr. doc. 3 aqui anexo;

20. Em 23.05.2013, a C... foi notificada, no âmbito do mesmo processo de execução fiscal nº 1821200001012754, do penhor legal, no valor de Euro 9.438.501,31, efectivado sobre o saldo de uma sua conta bancária – cfr. doc. 4 aqui anexo;

21. Em Agosto de 2013, por imposição da AT aquele penhor legal de conta bancária foi reforçado em Euro 2.359.625,33, ascendendo o penhor da mesma conta bancária, actualmente, ao total de Euro 11.798.126,64 - cfr. doc. 5 aqui anexo;
22. Em 17.06.2013 foi apresentada uma oposição à presente execução fiscal - cfr. doc. 6 aqui anexo, cujo teor se dá por reproduzido;

23. Em 30.09.2013, o 1º SF Matosinhos penhorou créditos da Recorrente - cfr. doc. 7 aqui anexo;

24. Em consulta de rotina à sua área reservada no Portal das Finanças, a Recorrente teve conhecimento de uma comunicação de penhora de bem imóvel (fracção autónoma) remetida pelo 1º SF de Matosinhos à Conservatória do Registo Predial do Porto em 02.10.2013 - cfr. doc. 8 aqui anexo;

POSTO ISTO,

QUANTO AO JULGAMENTO DE DIREITO

25. Reconheceu a douta Sentença recorrida a ocorrência de prejuízo irreparável e a perda de utilidade da presente Reclamação Judicial caso esta fosse judicialmente apreciada apenas depois da penhora e venda no processo de execução fiscal - pelo que sufragou a sua subida imediata a Juízo e o carácter urgente da presente Reclamação Judicial.

26. Na presente Reclamação Judicial foram suscitados vários vícios, designadamente a prescrição da dívida exequenda.
27. Tal como se deduz dos sinais dos autos, o órgão de execução fiscal entretanto remeteu a Juízo cópia certificada do processo de execução fiscal.

28. Contrariamente ao que se afirma na douta Sentença recorrida, não estava nem está em causa a subida do processo de execução fiscal conjuntamente com a presente reclamação judicial ou em separado.

29. O que estava e está em causa é o facto desta reclamação judicial não ter produzido efeito suspensivo do processo de execução fiscal.

30. Não se discute que as alterações legislativas preconizadas pela Lei nº 66-B/2012, de 31/12, passaram a estipular que a reclamação judicial deve ser processada por apenso ao processo de execução fiscal sempre que a reclamação judicial tenha subida imediata a Juízo.

31. Apesar da Lei nº 66-B/2012, de 31/12 (LOGE para 2013) ter alterado os artigos 97º nº 1 n) do CPPT e 101º d) da LGT, passando a mencionar que, nos casos de subida imediata da reclamação judicial, esta sobe em separado, e não nos próprios autos de execução fiscal,

32. essa lei é inaplicável in casu, já que o processo de execução fiscal, conforme factualidade provada, foi instaurado em 2000, constituindo a reclamação judicial, como é Jurisprudência unânime, mero incidente do processo de execução fiscal (artigos 103º nº 2 da LGT e 276º e ss. do CPPT).

33. Pelo que deve prevalecer a lei em vigor à data da instauração do processo de execução fiscal e não a lei em vigor à data da apresentação da reclamação judicial.

34. Com efeito, o processo judicial de execução fiscal é o “processo principal” no caso dos autos – do qual a reclamação judicial prevista nos artigos 276º e ss. constitui mero incidente.

35. Precisamente por isso é que a reclamação judicial é actualmente processada por apenso ou conjuntamente com o respectivo processo de execução fiscal, conforme tenha ou não tenha subida imediata a Juízo, respectivamente (cfr. artigos 101º d) da LGT e 97º nº 1 n) do CPPT, novas redacções).

36. Por apenso ou conjuntamente, a subida a Juízo da reclamação judicial acarreta, em qualquer circunstância, a necessária subida a Tribunal do respectivo processo judicial de execução fiscal.

37. A Reclamação Judicial prevista nos artigos 276º e ss. CPPT equivale à reclamação prevista no artigo 161º nº 5 do CPC (redacção anterior) - ou seja, equivale a uma reclamação, para o Juiz, dos actos dos funcionários da secretaria judicial.

38. Com efeito, representa apenas a consagração do direito dos particulares solicitarem a intervenção do Juiz em processo judicial de execução fiscal (cfr. artigos 103º da LGT e 2º nº 29º da Lei nº 41/98, que autorizou a aprovação e publicação da LGT).

39. O processo de execução fiscal tem natureza judicial (cfr. artigo 103º nº 1 da LGT), decorrendo sob um apertado controlo de legalidade do Tribunal, em que a intervenção da administração tributária está conformada à simples participação na realização do escopo judicial do processo de execução fiscal.

40. A apresentação da reclamação judicial não configura, por isso, a introdução de um novo processo em Juízo, uma vez que o processo de execução fiscal a que respeita, que já está pendente e do qual a reclamação é incidente, já constitui, ele próprio, um processo judicial.

41. Assim, os referidos artigos 101º d) da LGT e 97º nº 1 n) do CPPT, tal como o novo nº 3 do artigo 176º do CPPT (redacção da Lei nº 66-B/2012, de 31/12), entrados em vigor em 01.01.2013, são inaplicáveis ao caso da presente Reclamação Judicial, dado que, apesar desta ter sido apresentada depois de 01.01.2013, o respectivo processo de execução fiscal foi instaurado muito antes, em 2000.

Sem prescindir,

42. Mesmo que, por mera hipótese, se considere aplicável a nova lei, nem por isso se pode considerar que da subida imediata por apenso advém que a reclamação judicial não tem efeito suspensivo do processo de execução fiscal.

43. Com efeito, das ditas alterações legislativas preconizadas na Lei nº 66-B/2012, de 31/12 (LOGE 2013) não resulta que, nos casos de reclamação judicial urgente e com subida imediata a Juízo, o processo de execução fiscal deixa de estar suspenso.

44. Sendo certo que, tal como resulta da factualidade provada (cfr. 6. e 8. da matéria de facto assente), à data da apresentação da presente reclamação judicial estava pendente garantia (seguro-caução) prestada pela Reclamante, bastante e idónea ao cabal caucionamento do crédito tributário da Fazenda Pública.

45. E a nova lei não veio permitir que, em casos de reclamação judicial com subida imediata e carácter urgente, quando está pendente garantia prestada pelo contribuinte, o órgão de execução fiscal esteja legitimado a prosseguir com o processo de execução fiscal, acabando com a suspensão do processo de execução fiscal - tal como sucedeu in casu.

46. Com efeito, no caso do processo de execução fiscal aqui em questão, a presente reclamação judicial, indevidamente, não produziu efeito suspensivo do processo de execução fiscal, apesar da pendência da sobredita garantia, tendo o órgão de execução fiscal prosseguido com o processo de execução fiscal.
47. A não suspensão do processo de execução fiscal, em função da apresentação da presente Reclamação Judicial e da pendência de garantia, constitui violação da lei.

48. Com efeito, o processo de execução fiscal deveria ter sido oportunamente suspenso, por força do disposto, entre outros, nos artigos 52º nº 1 e 2 da LGT, 169º nº 1, 199º e 278º nº 3 do CPPT e 50º nº 2 do CPTA.

49. Disposições legais, estas, indevidamente omitidas pela douta Sentença recorrida - e que não foram objecto de alteração pela sobredita Lei nº 66-B/2012, de 31/12.

50. A questão da prescrição, suscitada na presente Reclamação Judicial, contende com a exigibilidade da dívida exequenda ou, dito de outro modo, com a legalidade da sua cobrança.

51. Sendo certo que a “reclamação judicial” prevista nos artigos 276º e ss. do CPPT, tal como resulta das respectivas disposições legais, configura um contencioso impugnatório de actos administrativos lesivos dos interesses dos contribuintes praticados pelo órgão de execução fiscal no processo de execução fiscal.

52. Assim, contrariamente ao decidido, tendo sido apresentada a presente Reclamação Judicial, e estando pendente seguro-caução, o processo de execução fiscal, nestas circunstâncias, deveria ter sido oportunamente suspenso - por força das sobreditas disposições legais.
53. O mesmo decorre do ofício-circulado nº 60.094, de 12.03.2013, do Exmo. Subdirector-Geral dos Impostos.

54. Sendo certo que, por força do princípio legal da boa-fé, os ofícios-circulados vinculam juridicamente a própria AT, nos termos dos artigos 68º-A nº 1 da LGT e 55º do CPPT.

Como se não bastasse,

55. A Recorrente apresentou também, dentro do prazo de reclamação graciosa, pedido de revisão oficiosa contra as liquidações exequendas.

56. Pedido de revisão oficiosa, esse, que também tem efeito suspensivo do processo de execução fiscal, nos termos dos referidos artigos 52º nº 1 e 2 da LGT e 169º nº 1 do CPPT.

57. om efeito, a Recorrente, em 10.09.2001, com fundamento em circunstâncias supervenientes, explicitadas e documentadas no respectivo requerimento (de revisão oficiosa) - dentro, pois, do prazo de reclamação graciosa, nos termos dos artigos 70º nº 4 do CPPT e 78º nº 1 da LGT -,

58. havia também apresentado pedido de revisão oficiosa, no qual solicitou expressamente a anulação da liquidação adicional de IVA e de JC exequendas no processo de execução fiscal em questão.
59. Este pedido de revisão oficiosa, com efeito, adveio da alteração superveniente das circunstâncias que rodearam as liquidações de IVA e JC exequendas, devidamente documentadas em documentos supervenientes, originários da AT, conforme resulta do seu teor - de modo que esse pedido de revisão oficiosa foi apresentado dentro do prazo de reclamação graciosa, nos termos dos artigos 70º nº 4 do CPPT e 78º nº 1 da LGT.

60. Sendo que a Recorrente nunca obteve qualquer resposta da AT quanto a esse pedido de revisão oficiosa (cfr. 40. in fine dos factos provados) - em violação do seu dever legal de decisão e apreciação (cfr. artigo 56º nº 1 da LGT).

61. Com efeito, nos termos dos artigos 156º nº 1 do CPC (redacção anterior) e 56º nº 1 da LGT, existia e existe um dever legal de decisão e apreciação de todos os pedidos dos contribuintes.

62. Aliás, perante a demora na apreciação desse pedido de revisão oficiosa, a Recorrente, em 20.02.2012, pediu, junto do 1º SF de Matosinhos, informação sobre o estado deste pedido de revisão oficiosa - que nunca foi respondido.

63. Este pedido de revisão oficiosa assenta em causa de pedir distinta daquela que esteve na base do processo de impugnação judicial nº IMP 130/01/11, onde igualmente se discutiu a legalidade das dívidas exequendas (cfr. 14. dos factos provados).
64. Assim, também o pedido de revisão oficiosa, juntamente com a pendência da referida garantia, justificavam a suspensão do processo de execução fiscal, nos termos dos referidos artigos 52º nº 1 e 2 da LGT e 169º nº 1 do CPPT - conforme é Doutrina e Jurisprudência unânimes, acima mencionadas.

65. A questão da legalidade das liquidações exequendas ainda não foi, pois, decidida pela improcedência, com trânsito em julgado.

66. Com efeito, a excepção peremptória do caso julgado só ocorre quando se repete a causa de pedir, tal como advém do disposto nos artigos 580º e 581º do CPC.

67. Para além de tudo isso, estava pendente, desde 26.01.2011 - muito antes, portanto, do trânsito em julgado, em 12.07.2012 (cfr. 28. dos factos provados) do processo de impugnação judicial nº IMP 130/01/11 - um pedido de declaração de prescrição da dívida exequenda apresentado pela Recorrente no processo de execução fiscal.

68. Sendo que no processo de impugnação judicial nº IMP 130/01/11 a questão da prescrição da dívida exequenda nunca foi suscitada.

69. Aquele pedido, apresentado em 26.01.2011, não havia sido respondido pela AT - o que, conjugado com a pendência de revisão oficiosa, também não respondida, justificou que, apesar do trânsito em julgado, em 12.07.2012, do referido processo de impugnação judicial nº IMP 130/01/11, a Recorrente não tivesse pago a dívida exequenda.

70. Pelo que a Recorrente, contrariamente ao decidido, não estava obrigada a pagar a dívida exequenda, tão pouco a requerer o pagamento em prestações ou a solicitar a dação em pagamento (artigo 189º nº 8 do CPPT), assim que transitou em julgado aquele processo de Impugnação Judicial.

71. Muito menos essa obrigatoriedade advinha do disposto no artigo 100º da LGT - que se reporta à AT e não ao contribuinte.

72. O mesmo se siga, mutatis mutandis, em relação às sobreditas duas Acções Administrativas Especiais, para impugnação de acto administrativo, a tramitar nas UO 4 e UO 3 do TAF do Porto, sob os processos nº 79/04.6BEPRT e 2442/05.6BEPRT, respectivamente.

73. A primeira, contra o despacho da DGI, de 30.10.2003, de indeferimento do pedido de reembolso de IVA em causa; a segunda, contra o despacho da DGI de 22.08.2005, que negou provimento a recurso hierárquico que havia sido interposto daquele despacho da DGI, de 30.10.2003.

74. Note-se que as liquidações adicionais de IVA e JC exequendas no processo de execução fiscal em questão advieram precisamente da negação do direito de dedução e reembolso de IVA peticionado pela Recorrente relativamente ao 4º trimestre de 1998.

75. Havendo, assim, uma ligação indissociável entre as liquidações de IVA e JC exequendas no processo de execução fiscal e o reconhecimento do direito de dedução e reembolso de IVA respeitante ao 4º trimestre de 1998.

76. Sendo certo que, conforme se afirma no douto Acórdão do STA, 2ª Secção, de 06.02.2013, Proc. 041/13, in www.dgsi.pt, a acção administrativa especial pode constituir uma das vias judiciais que, nos termos do 169º nº 1 do CPPT, suspende o processo de execução fiscal.

77. As referidas acções administrativas especiais, como se disse, têm por objecto, com diferente fundamentação, a anulação de despacho de indeferimento de pedido de reembolso de IVA relativo ao 4º trimestre de 1998 e a consequente condenação da AT a reconhecer que a aqui Recorrente tinha e tem direito de dedução e reembolso do valor de Euro 6.679.649,05 (Esc. 1.339.149.400$00) - precisamente o valor da liquidação adicional de IVA exequenda no processo de execução fiscal.

78. E foi precisamente a negação desse direito de dedução e reembolso de IVA que motivou essa mesma liquidação adicional de IVA - e, consequente e acessoriamente, a liquidação de JC igualmente exequenda.

79. Estas duas acções administrativas especiais têm fundamentos não coincidentes, inclusivamente em relação à Impugnação Judicial já transitada em julgado.

80. Deste modo, o sobredito processo de execução fiscal deveria ainda estar suspenso até trânsito em julgado das decisões judiciais a proferir sobre as referidas acções administrativas especiais, atenta a pendência do sobredito seguro-caução, nos termos dos artigos 52º nº 1 e 2 da LGT e 169º nº 1 do CPPT.

81. Sendo certo que todos estes meios de reacção ainda não foram decididos e assentam em fundamentos distintos daqueles que estiveram na base da sobredita impugnação judicial – como foi o caso da suscitada questão da prescrição da dívida exequenda.

82. Sendo certo que também aqueles outros meios de reacção devem fundamentar a suspensão do processo de execução fiscal, por força do disposto nos artigos 52º nº 1 e 2 da LGT e 169º nº 1 do CPPT.

83. A douta Sentença recorrida, ao indeferir a suspensão do processo de execução fiscal, omitiu indevidamente a pendência destes meios de reacção - pedido de revisão oficiosa e duas acções administrativas especiais - com a consequente violação das referidas disposições legais.

84. Para além disso, douta Sentença recorrida não teve em linha de conta que também a presente reclamação judicial tinha efeito suspensivo do processo de execução fiscal, por força das sobreditas disposições legais.

85. Com efeito, a douta Sentença omitiu, indevidamente, o efeito suspensivo (do respectivo processo de execução fiscal) que o artigo 278º nº 3 do CPPT atribui às reclamação judiciais (i) fundamentadas em prejuízo irreparável ou (ii) cujo efeito meramente devolutivo lhes retire utilidade - como era inequivocamente o caso da presente reclamação judicial.

86. Sendo certo que aquele artigo 278º do CPPT, conforme a respectiva epígrafe, respeita também ao efeito suspensivo (do processo de execução fiscal) produzido pela Reclamação Judicial.

87. O efeito suspensivo do processo de execução fiscal decorre do disposto nos nºs. 1 e 3 (a contrario) do artigo 278º do CPPT, e respectiva epígrafe, de cuja conjugação se extrai que, nas situações de “prejuízo irreparável”, ou de “perda de efeito útil”, a referida reclamação judicial tem efeito suspensivo do processo de execução fiscal - sendo certo que estava pendente garantia, como se provou.

88. Na douta Sentença recorrida reconhece-se expressamente a ocorrência daquele prejuízo irreparável e perda de efeito útil - com o consequente reconhecimento da urgência e subida imediata dos presentes autos a Juízo.
89. Esse efeito suspensivo é imprescindível para assegurar a tutela judicial efectiva dos direitos e interesses do contribuinte afectados por actos da administração tributária e, por isso, é exigido pelos artigos 20º nº 1 e 268º nº 4 da CRP.

90. Ou seja, contrariamente ao decidido, e tendo a conta a pendência de seguro-caução: (i) a presente reclamação judicial; (ii) a pendência do dito pedido de prescrição; (iii) a pendência do referido pedido de revisão oficiosa; (iv) e a pendência das duas acções administrativas referidas, justificavam plenamente a suspensão do processo de execução fiscal.

91. E semelhante entendimento em nada foi beliscado pelo disposto nos artigos 101º d) da LGT, 97º nº 1 n) e 176º nº 3 do CPPT, redacção da Lei nº 66-B/2012, de 31/12.

Sem prescindir,

92. Caso, por mera hipótese, se considerem aplicáveis in casu os artigos 101º d) da LGT e 97º nº 1 n) do CPPT, redacção de 2013,

93. a reclamação judicial deveria ter sido processada por apenso ou conjuntamente com o respectivo processo de execução fiscal, conforme tivesse ou não subida imediata a Juízo, respectivamente.

94. De facto, por apenso ou conjuntamente, a subida a Juízo da reclamação judicial acarreta, em qualquer circunstância, a necessária subida a Tribunal do respectivo processo judicial de execução fiscal – com a sua consequente suspensão.

95. Dado que a presente Reclamação Judicial teve subida imediata a Juízo, a mesma deveria ter sido processada “por apenso” ao processo de execução fiscal, e não “em separado” do processo de execução fiscal (cfr. artigos 101º d) da LGT e 97º nº 1 n) do CPPT, redacção de 2013).

96. Com efeito, quando a lei determina que um determinado processo deve ser processado por apenso a outro isso não significa que o processo principal possa ser processado em separado - processo principal, esse, que no caso era o processo de execução fiscal.

97. Ora, no caso, o processo de execução fiscal prosseguiu a sua tramitação em separado da presente reclamação judicial, conforme decorre da sobredita factualidade,

98. tendo sido apenas junta aos presentes autos de reclamação judicial cópia certificada do processo de execução fiscal (no estado à data em que essa cópia foi extraída, como é óbvio) - em clara violação, pois, do disposto nos referidos artigos 101º d) da LGT e 97º nº 1 n) do CPPT, na redacção da Lei nº 66-B/2012, de 31/12.

99. Com efeito, a presente Reclamação Judicial deveria ter sido tramitada por apenso ao processo de execução fiscal - o processo judicial principal, do qual a presente Reclamação Judicial constitui mero incidente.

100. O que não sucedeu, pelo que ocorreu uma nulidade processual, contrariamente ao entendimento propugnado na douta Sentença recorrida.

101. Assim, ao indeferir a arguida nulidade processual, por não suspensão do processo de execução fiscal nº 1821200001012754 em questão, e por não subida da presente Reclamação Judicial a Juízo em apenso ao processo judicial principal de execução fiscal, a douta Sentença recorrida, respeitosamente, incorreu em erro de julgamento, violando e omitindo as referidas disposições e princípios legais.

102. O processo de execução fiscal (o processo judicial principal), indevidamente, permanece na esfera do 1º SF de Matosinhos (órgão de execução fiscal), e este, ao invés de suspender o processo de execução fiscal, prossegue indevidamente com a tramitação daquele processo de execução fiscal nº 1821200001012754.

103. Sendo certo que dos artigos 101º d) da LGT e 97º nº 1 n) do CPPT, na redacção da Lei nº 66-B/2012, de 31/12, não resulta que a intenção legislativa terá sido acabar com a suspensão do processo de execução fiscal sempre que a reclamação judicial suba de imediato a Tribunal com carácter urgente - e deva, por isso, ser processada e subir por apenso ao processo de execução fiscal.
104. Com efeito, a subida por apenso significa apenas que a reclamação judicial é apensada ao processo de execução fiscal, com ele sendo assim remetida a Juízo.

105. A subida da Reclamação Judicial a Juízo “por apenso” ao processo de execução fiscal não significa, de maneira alguma, que essa subida possa ocorrer, como ocorreu, “em separado” do processo de execução fiscal.

106. Tão pouco que essa ilegalidade pode ser sanada ou regularizada, segundo considera a douta Sentença recorrida, mediante envio posterior ao Tribunal de cópia certificada do processo de execução fiscal - até porque este, como se denota da factualidade acima referida, teve ulterior desenvolvimento processual, promovido pelo órgão de execução fiscal, do total desconhecimento do Tribunal, apesar da sua natureza de processo judicial (cfr. artigo 103º nº 1 da LGT).

107. Não há qualquer disposição que preveja a subida em separado da reclamação judicial, relativamente ao respectivo processo de execução fiscal.

108. Foi de facto cometida uma nulidade processual, a qual é de conhecimento oficioso e tem os efeitos assinalados no artigo 19º do CPPT – a remessa dos presentes autos à 1ª Instância para aí serem ordenadas, ao abrigo do artigo 13º do CPPT, as diligências necessárias, a cumprir pelo órgão de execução fiscal, a fim serem supridas e sanadas as ditas irregularidades.

109. Atenta a natureza judicial do processo de execução fiscal (artigo 103º nº 1 do CPPT), o titular do processo é o Juiz e não o órgão de execução fiscal.

110. Isso significa que a competência última para a condução e tramitação concreta do processo de execução fiscal é do Tribunal, e não dos Serviços de Finanças (ou da AT em geral).

111. Assim, ao não remeter o processo de execução fiscal ao Tribunal, e ao não ter oportunamente suspendido o processo de execução fiscal, com o consequente prosseguimento do mesmo, designadamente para citação da entidade garante e para penhora adicional de vários activos da entidade garante e da Recorrente, o Serviço de Finanças passou a agir à revelia do Tribunal - de quem é a competência para a condução do processo de execução fiscal, pelo menos a partir do preciso momento em que foi apresentada a presente reclamação judicial.

112. Só o Tribunal pode ter a última palavra, designadamente quanto ao efeito suspensivo do processo de execução fiscal, decorrente da apresentação da sobredita reclamação judicial.

113. Entender o contrário significar negar ao contribuinte o acesso à justiça.

114. De modo que são inválidos, os actos tributários praticados pela AT no dito processo de execução fiscal, após a dedução da presente Reclamação Judicial - contrariamente ao entendimento da douta Sentença recorrida.

115. Pelo que, contrariamente ao decidido na douta Sentença recorrida, para além da suspensão do processo de execução fiscal, importava anular todos os actos tributários praticados no processo de execução fiscal posteriormente ao momento em que esse processo deveria ter sido suspenso, e, indevidamente, não o foi.

116. A falta do processo de execução fiscal é susceptível de influir na decisão da causa, constituindo essa falta, por isso, uma nulidade processual, com a consequente anulação dos termos subsequentes que dela dependam em absoluto (cfr. artigos 201º nº 1 e 2 do CPC, redacção anterior).

117. Sendo certo que o facto de ter sido remetida a Juízo cópia certificada do processo de execução fiscal nem por isso este deixou de ter os seus ulteriores desenvolvimentos processuais na esfera do órgão de execução fiscal, à total revelia do Tribunal e do carácter judicial daquele processo, e em absoluto desrespeito da obrigação legal de suspensão do mesmo - de modo que as irregularidades cometidas de modo nenhum podem ser consideradas sanadas ou supridas mediante a simples remessa a Juízo de uma “cópia certificada” do processo de execução fiscal.

118. Sendo certo que, atendo o disposto no artigo 8º nº 3 do CPTA, as entidades administrativas têm o dever de remeter ao tribunal, em tempo oportuno, o processo administrativo e demais documentos respeitantes à matéria do litígio, bem como o dever de dar conhecimento, ao longo do processo, de superveniências resultantes da sua actuação, para que a respectiva existência seja comunicada aos demais intervenientes processuais.

119. E se assim é no caso do processo administrativo, por maioria de razão no caso em que a autoridade administrativa tem na sua esfera um processo de natureza judicial.

120. In casu, o órgão de execução fiscal não remeteu o processo de execução fiscal a Juízo (mas apenas uma cópia certificada do mesmo, no estado em que este se encontrava à data em que a cópia foi retirada ….), tão pouco deu conta ao Tribunal das várias diligências de cobrança que posteriormente efectivou, como citações e penhoras adicionais de vários activos da entidade garante, a C... (penhora de conta bancária), e da Recorrente (penhora de créditos e de bem imóvel).

121. Apesar de apenas estar em causa a cobrança de uma dívida, desta estar devidamente garantida, e de ter sido apresentada reclamação judicial onde se discute a inexigibilidade da mesma, o 1º SF de Matosinhos prossegue com o processo de execução fiscal, em atropelo dos artigos 169º nº 1 e 199º do CPPT, 52º nº 1 e 2 da LGT e 50º nº 2 do CPTA.

122. Sendo certo que, nos termos dos artigos 52º nº 3 da LGT e 169º nº 8 do CPPT, o 1º SF de Matosinhos, com base em razões objectivas, poderia solicitar à Reclamante, aqui Recorrente, o reforço do seguro-caução.

123. Assim, ao não suspender o processo de execução fiscal, e ao não ter sido processada a presente reclamação judicial por apenso ao processo de execução fiscal - que na verdade não foi remetido a Juízo -, ocorreu a arguida nulidade processual, contrariamente ao entendimento da douta Sentença recorrida, que por isso padece de erro de julgamento e violação das referidas disposições legais.

Acresce que,

124. Em direito tributário, uma vez paga a divida exequenda, o processo de execução fiscal extingue-se em qualquer circunstância, independentemente da dívida ter sido paga espontânea, voluntária ou coercivamente (cfr. artigos 176º nº 1 a), 264º nº 1 e 269º do CPPT).

125. Isso é inequívoco e não foi alterado pela Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, que aditou àquele artigo 176º um novo nº 3.

126. Ainda que, por mera hipótese, em processo tributário seja aplicável o regime do CC, certo é que, nos termos do artigo 304º nº 2 do CC, não pode ser repetida uma prestação realizada em cumprimento de uma obrigação prescrita, ainda que efectuada com ignorância da prescrição.

127. E este regime, nos termos do mesmo preceito legal, “é aplicável a quaisquer formas de satisfação do direito prescrito, bem como ao seu reconhecimento ou à prestação de garantias”.

128. Ou seja, o cumprimento de uma obrigação prescrita, não dá, por causa da prescrição, direito ao devedor de ser restituído do valor que entregou, independentemente da forma de cumprimento dessa obrigação.

129. Com efeito, o pagamento voluntário, espontâneo ou coercivo da dívida exequenda e acrescido não impede a extinção do processo de execução fiscal, como é evidente e resulta dos referidos preceitos legais.

130. Constituindo o pagamento, tal como a prescrição, forma de extinção da obrigação tributária, não tem sentido falar-se daquela se for pago o tributo.

131. A continuação da execução fiscal, num contexto em que a dívida pode estar prescrita, permite prognosticar a ocorrência de prejuízos irreparáveis, ainda mais desnecessários por virtude da dívida estar garantida.

132. Realizada a venda dos bens penhorados, a eficácia real da sentença anulatória do acto reclamado, que implica a suspensão da execução, por se considerar prestada a garantia, ou a extinção da execução por prescrição, não conseguirá eliminar todos os prejuízos entretanto causados, incluindo neles a possível extinção da execução pelo pagamento - ou seja, prognostica-se a inutilidade do seu conhecimento após a venda, dado se ter esgotado o efeito pretendido com a reclamação, que é a suspensão da execução fiscal, e também há grande probabilidade de ocorrência de prejuízos de difícil reparação, caso se venha a demonstrar que a dívida está prescrita.

133. O pagamento da dívida exequenda, em virtude do prosseguimento do processo de execução fiscal retira irremediavelmente ao contribuinte a possibilidade de obter uma decisão judicial transitada em julgado quanto à questão da prescrição da dívida exequenda - por si legitimamente suscitada bem antes da improcedência do processo de impugnação judicial.

134. E nada naquele novo nº 3 do artigo 176º do CPPT permite pressupor que, sendo paga coercivamente a dívida exequenda, com a consequente extinção do processo de execução fiscal, ainda assim o contribuinte não fica impedido de ver apreciada a questão da prescrição da dívida exequenda.

135. De facto, aquele novo nº 3 deste artigo 176º do CPPT não refere, em lugar algum, que o pagamento da dívida exequenda, com a consequente extinção do crédito tributário, permite ainda assim que se continue a discutir a prescrição de um crédito tributário já anteriormente extinto por pagamento.

136. Prosseguindo o processo de execução fiscal em separado, como efectivamente prosseguiu, para pagamento da dívida exequenda (ou seja, não tendo sido suspenso, como deveria),

137. a presente Reclamação Judicial, contrariamente ao entendimento da douta Sentença recorrida, deixa de ter qualquer utilidade, na medida em que deixa de ser possível discutir a prescrição de um crédito tributário (causa de extinção desse crédito) quando esse crédito tributário já foi anteriormente extinto por pagamento – com o consequente prejuízo irreparável para o contribuinte.

138. Logo, e também por isso, este processo de Reclamação Judicial, contrariamente ao decidido, deveria ter oportunamente produzido efeito suspensivo do respectivo processo de execução fiscal.

139. Porquanto está em causa a necessidade de salvaguarda da garantia fundamental do direito de defesa e protecção jurisdicional efectiva, constitucionalmente assinalados ao contribuinte nos artigos 20º e 268º nº 4 da CRP (cfr. ainda o artigo 9º da LGT).

140. Sendo que os interesses da Fazenda Pública estavam amplamente assegurados através do sobredito seguro caução.
141. Sendo certo que, tal como resulta do disposto no artigo 278º do CPPT, designadamente da sua epígrafe, “subida imediata” da reclamação judicial equivale a “efeito suspensivo” do processo de execução fiscal.

142. Sendo certo que na presente Reclamação Judicial, tal como dela resulta, foi igualmente invocado o direito de suspensão do processo de execução fiscal, por força do disposto nos referidos artigos 52º nº 1 e 2 da LGT, 169º nº 1 e 278º nº 3 do CPPT – atenta a pendência da reclamação judicial e dos demais meios de defesa e reacção acima referidos, conjugados com a pendência da referida garantia.

143. O processo de execução fiscal, ao não permanecer suspenso, prosseguindo para pagamento da dívida exequenda (com a consequente extinção da execução fiscal), acarreta o prejuízo irreversível do direito do contribuinte à aludida suspensão do processo de execução fiscal - e, por via disso, prejudica-se irremediavelmente o seu direito de defesa e protecção jurisdicional (artigos 20º e 268º nº 4 da CRP), dado que naquela reclamação judicial o contribuinte clamou, também, pelo seu direito à suspensão do processo de execução fiscal.

144. Depois de extinto o processo de execução fiscal, por pagamento, não pode esse mesmo processo de execução fiscal “andar para trás” e ser retomado precisamente no momento em que deveria ter sido suspenso - e, indevidamente, não o foi.

145. Ou seja, naquela eventualidade, jamais será possível a plena reconstituição in natura da situação que existiria caso o processo de execução fiscal não tivesse indevidamente prosseguido para pagamento, com a sua consequente extinção.

146. De facto, se o contribuinte clama pela suspensão oportuna do processo de execução fiscal, nenhum interesse ou utilidade terá, depois do processo executivo ter prosseguido a sua tramitação até à sua extinção, que venha depois a ser reconhecido ao contribuinte que afinal este tinha direito àquela suspensão do processo de execução fiscal – o processo de execução fiscal não pode fazer “rewind”.

147. Estas razões para a efectiva suspensão do processo de execução fiscal, indevidamente, não foram atendidas na douta Sentença recorrida - que, também por isso, e salvo o devido respeito, incorreu em erro de julgamento.

148. De facto, prosseguindo o processo de execução fiscal para pagamento (ou seja, não sendo oportunamente suspenso), com a sua consequente extinção, fica prejudicada a utilidade da apreciação da presente Reclamação Judicial.

149. É por isso que, sob pena de lesão irreversível dos legítimos interesses do contribuinte expressos na presente Reclamação Judicial, de difícil, senão impossível, reparação, aquela deveria ter oportunamente produzido o correspondente efeito suspensivo do processo de execução fiscal (artigo 278º nº 1 e nº 3 do CPPT).

150. Atenta a impossibilidade de reconstituição in natura do status quo anteriormente existente e que deveria subsistir – a suspensão do processo de execução fiscal.

151. De facto, sem a suspensão do processo de execução fiscal, como a lei impõe nas sobreditas disposições legais, também os demais argumentos invocados na presente Reclamação Judicial cairão por terra - com a violação, irremediável, do referido direito fundamental de defesa e protecção jurisdicional efectiva do contribuinte (artigos 20º nº 1 e 268º nº 4 da CRP), contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo.

152. Com efeito, que interesse terá, nessa eventualidade – após pagamento e consequente extinção do processo de execução fiscal – aferir então se o mesmo processo de execução fiscal deveria ou não ter estado suspenso, por pendência meios de reacção contra as liquidações exequendas (pedido de revisão oficiosa da liquidação exequenda e duas acções administrativas especiais) ?

153. Ou que interesse terá, então, aferir, depois do processo de execução fiscal extinto, quais as concretas operações de cálculo e apuramento subjacentes ao valor cujo pagamento estava a ser a exigido e foi pago (para aferir se o valor exigido estará correcto) ?

154. Ou se o despacho reclamado, do 1º SF de Matosinhos, de 06.03.2013, padecia ou não de violação do artigo 200º nº 2 do CPPT ?
155. Ou se o despacho reclamado cumpriu ou não o clausulado do seguro-caução prestado ?

156. Ou se, antes do accionamento da garantia, o contribuinte deveria ter sido previamente notificado de despacho a ordenar o prosseguimento do processo de execução fiscal e a fixar o valor exigido ao contribuinte, devidamente explicitado e fundamentado, sob pena de violação dos deveres legais de notificação, colaboração e respeito pelo princípio da boa-fé ?

157. Neste segmento, a douta Sentença recorrida remete para o decidido em 1ª Instância no âmbito da providência cautelar apensa, com o nº 719/13.0BEPRT.

158. Ora, a prescrição, em direito tributário, diferentemente do que sucede em direito civil (cfr. artigo 303º do CC), é de conhecimento oficioso (artigo 175º do CPPT).

159. Com efeito, em processo tributário, a administração tributária e o Tribunal têm a obrigação de declarar a prescrição, ainda que não suscitada pelo contribuinte (cfr. artigo 175º do CPPT) – diferentemente, em direito e processo civil, a prescrição tem de ser suscitada pelo interessado, sob pena de não poder ser atendida pelo Tribunal (cfr. artigo 303º CC).

160. Os créditos tributários e os créditos civis também se diferenciam substancialmente atenta a diferente natureza de uns e outros: os primeiros são indisponíveis; os segundos são disponíveis pelos respectivos pelos titulares.

161. Por outro lado, em direito tributário jamais se diferenciam as prestações realizadas “espontaneamente” (cfr. artigo 304º nº 2 do CC) – atenta a natureza de direito público, em que o Estado goza de ius imperium e em que o contribuinte tem uma posição de subalternidade, ao contrário do que sucede nas relações de direito civil ou de direito privado comum, nas quais as partes estão numa posição paritária.

162. Nos termos do artigo 403º nº 2 do CC, a prestação só se considera espontânea “quando é livre de toda a coação”.

163. Sendo certo que, nos termos do nº 1 do mesmo preceito, não pode ser repetido (ou seja, não pode ser restituído) o que for prestado em cumprimento de uma obrigação natural – e o cumprimento de uma obrigação prescrita representa, com efeito, o cumprimento de uma obrigação natural.

164. Ora, em caso algum o cumprimento da obrigação de pagamento de imposto é feita “livre de toda a coação” – atenta precisamente a circunstância do crédito tributário ser dotado de interesse público, prevalecente sobre o interesse privado, e ser imediatamente executável uma vez transcorrido o respectivo prazo de pagamento voluntário, contrariamente ao que sucede em direito civil.
165. Daí que não faça sentido, em direito tributário, distinguir consoante o pagamento da dívida exequenda, em processo de execução fiscal, seja feito espontânea, voluntária ou coercivamente.

166. Com efeito, em direito tributário, uma vez paga a divida exequenda, o processo de execução fiscal extingue-se em qualquer circunstância, independentemente da dívida ter sido paga espontânea, voluntária ou coercivamente (cfr. artigos 176º nº 1 a), 264º nº 1 e 269º do CPPT).

167. Aliás, havendo previamente um processo de execução fiscal, no qual o devedor já foi necessariamente, por imposição legal, citado e ameaçado com a penhora de bens, caso não pagasse ou não se defendesse e/ou não prestasse garantia, não faz sentido pressupor a eventualidade de pode haver um qualquer pagamento espontâneo ou voluntário da dívida exequenda na pendência de um processo de execução fiscal.

168. Com efeito, nessas circunstâncias, é evidente que qualquer pagamento da dívida exequenda, a ocorrer, jamais será feito “livre de toda a coação” (cfr. artigo 402º nº 2 do CC).

169. Pelo que, repete-se, não tem cabimento distinguir, pelo menos no caso de pagamentos feitos na pendência de processo de execução fiscal, entre pagamentos espontâneos e pagamentos coercivos.

170. Estando pendente um processo de execução fiscal, não tem lógica colocar a hipótese do pagamento da dívida exequenda ser feito espontânea ou voluntariamente – inclusivamente, é mesmo duvidoso que tal possa suceder quando ainda não está pendente um processo de execução fiscal.

171. E o normativo legal do direito tributário não permite, em lugar algum, a repetição do indevido, ou seja, a restituição daquilo que tiver sido pago em cumprimento de uma obrigação prescrita, com ignorância ou não da prescrição.

172. Note-se, com efeito, que os artigos 304º nº 2 e 402º nº 2 do CC dirigem-se às obrigações e direitos civis, que nada têm que ver com os créditos tributários, créditos de direito público, de natureza e estrutura totalmente opostas, como se referiu.

173. Sendo certo, sem prescindir, que o disposto no artigo 255º nº 1 do CC reporta-se à coacção como um “receio de um mal de que o declarante foi ilicitamente ameaçado”.

174. Mais acrescentando o nº 3 do mesmo preceito que “não constitui coação a ameaça do exercício normal de um direito nem o simples temor reverencial”.

175. Ora, quando a AT prossegue com os processos de execução fiscal, naturalmente que o faz na convicção de que o direito lhe assiste.

176. Pelo que não tem sentido distinguir, em processo de execução fiscal, se o pagamento da dívida exequenda se traduziu numa “prestação espontânea” ou numa “prestação coerciva”.

177. Em processo de execução fiscal, o pagamento da dívida exequenda não é mais do que isso - o cumprimento da prestação do imposto - e tem uma única consequência: a extinção da dívida exequenda, com a consequente extinção do processo de execução fiscal.

178. Sendo certo que, na matéria, não se verifica qualquer lacuna no direito tributário – este regula na íntegra, e nos seus múltiplos aspectos, o pagamento e as consequências do pagamento da dívida exequenda, bem como o regime da prescrição dos créditos tributários.

179. Contudo, ainda que, por mera hipótese, se considerasse que haveria aqui uma lacuna no direito tributário, certo é que artigo 11º nº 4 da LGT proíbe a sua integração mediante a aplicação analógica de normas relativas a outros ramos de direito – sobretudo, de normas respeitantes a ramos de direito, como o direito civil ou direito privado comum, que nada têm que ver com o direito tributário, ramo do direito público.

180. E a prescrição constitui inequivocamente uma garantia dos contribuintes – abrangida, portanto, pelo princípio da legalidade e da reserva de lei da AR (cfr. artigos 103º nº 2 da CRP e 8º da LGT).

181. O mesmo se diga quanto às regras tributárias de cobrança do imposto (cfr. artigos 103º nº 3 da CRP e 8º da LGT).

182. Estando, por isso, vedado, por força do sobredito artigo 11º nº 4 da LGT, que em tais matérias pretensas lacunas sejam reguladas pela aplicação analógica de normas do direito civil.

183. Note-se que aqui está em causa a necessidade de salvaguarda da garantia fundamental do direito de defesa e protecção jurisdicional efectiva, constitucionalmente consagrados nos artigos 20º e 268º nº 4 da CRP (cfr. ainda o artigo 9º da LGT) - contrariamente ao entendimento da douta Sentença recorrida.

184. Ora, se o processo de execução fiscal não permanecer suspenso, e prosseguir para pagamento, com a consequente extinção daquele processo, prejudica-se indelével e irreversivelmente o direito do contribuinte à aludida suspensão do processo de execução fiscal - e, por via disso, prejudica-se irremediavelmente o seu direito de defesa e protecção jurisdicional (artigos 20º e 268º nº 4 da CRP), dado que naquela reclamação judicial clamou, também, pelo direito à suspensão do processo de execução fiscal.
185. O critério legal de decisão é o da utilidade da sentença de procedência na reclamação judicial, aferido pela (in)susceptibilidade da reintegração específica da esfera jurídica do Recorrente – e não pela (in)susceptibilidade de indemnização a posteriori.

186. Com efeito, a possibilidade de reconstituição in natura distingue-se da possibilidade de indemnização.

187. Sendo certo que, independentemente de ser quantificável o prejuízo pecuniário resultante da ilegal actuação administrativa, são sempre de reputar irreparáveis ou de difícil reparação as consequências que dela advenham.

188. Assim, contrariamente ao decidido, a não suspensão do processo de execução fiscal prejudica indelevelmente o direito de defesa e protecção jurisdicional efectiva do contribuinte, consagrado nos artigos 20º e 268º nº 4 da CRP.

Mais,

189. A douta Sentença recorrida incorre em contradição e consequente erro de julgamento quando, por um lado, reconhece a ocorrência de prejuízo irreparável e a perda de utilidade da presente Reclamação Judicial caso esta fosse apreciada apenas depois da penhora e venda no processo de execução fiscal (com a consequente subida imediata e carácter urgente da Reclamação Judicial),

190. e, por outro, recusa que a presente Reclamação Judicial produza efeito suspensivo do processo de execução fiscal.

191. Precisamente para salvaguardar a utilidade da presente Reclamação Judicial e evitar a ocorrência de prejuízo irreparável, é que o processo principal - o processo de execução fiscal - deveria ter sido suspenso.

192. Caso contrário, este processo de execução fiscal prossegue para penhora e venda, como efectivamente prosseguiu (vide supra), colocando em causa a utilidade da presente Reclamação Judicial.

193. Com efeito, e conforme decorre do disposto no artigo 278º do CPPT, à subida imediata da Reclamação Judicial a Juízo, com carácter urgente, está umbilicalmente associado um efeito suspensivo do processo de execução fiscal, sob pena de contradição interpretativa insanável - a Reclamação Judicial subiria de imediato a Tribunal, para ser apreciada antes da penhora e venda no processo de execução fiscal, mas este, paradoxalmente, prosseguiria a sua tramitação precisamente para penhora e venda, o que é inconciliável e não faz sentido.

194. Assim, contrariamente ao entendimento da douta Sentença recorrida, são ilegítimos os actos processuais que, posteriormente à apresentação da presente Reclamação Judicial, a AT continuou a praticar no processo de execução fiscal – designadamente a citação da entidade garante, a C... (emitente do sobredito seguro-caução), o subsequente acto tributário de constituição de penhor legal de saldo de conta bancária da C..., respectivo reforço e penhoras acima referidas.

Aliás,

195. Neste momento, a mesma dívida exequenda está duplamente garantida: (i) em função do referido seguro-caução, de Euro 9.438.501,31, que continua pendente; e (ii) em função do sobredito penhor de saldo de conta bancária, no valor total de Euro 11.798.126,64.

196. Com efeito, sendo a dívida exequenda de Euro 6.679.649,05, esta dívida está presentemente garantida no valor total de Euro 21.236.627,95 – extravasando em muito, pois, o valor da garantia legalmente determinado no artigo 199º nº 6 do CPPT.

197. Assim, a dívida exequenda está garantida em duplicado, sendo certo que a dívida exequenda não duplicou pelo facto de passarem a figurar dois executados no mesmo processo de execução fiscal.

198. Ou seja, o valor somado das garantias prestadas neste processo de execução fiscal extravasa em muito o valor da garantia legalmente consignado no artigo 199º nº 6 do CPPT, sendo claramente desproporcional em relação ao valor da dívida exequenda e acrescidos - em violação, pois, do artigo 217º do CPPT.

199. Como se não bastasse, numa relação de grupo económico, a sociedade mãe, em último termo, assume sempre a responsabilidade pelas dívidas das sociedades suas subsidiárias (cfr. artigos 491º e 501º do CSC).

200. Aliás, e como se não bastasse, em 17.06.2013 foi apresentada uma oposição à execução fiscal, que está pendente.

201. Sendo certo que naquela oposição à execução fiscal foram apresentados argumentos e meios de defesa que são comuns a ambos os condevedores, Recorrente e C... (cfr. artigo 514º nº 1 do Código Civil) - como resulta daquela oposição.

202. Assim, tendo sido apresentada uma Oposição à Execução Fiscal, e tendo sido prestadas garantias muito mais do que suficientes para a solvência da dívida exequenda e acrescidos, este processo de execução fiscal deveria estar suspenso, por força do disposto nos artigos 52º nº 1 e 2 da LGT, 169º nº 1 e nº 10 e 212º do CPPT.

203. Conforme constitui Jurisprudência e Doutrina unânimes, atento o regime legal geral da solidariedade passiva (artigo 512º nº 1 parte inicial do Código Civil), os efeitos dos actos praticados por qualquer dos devedores solidários estendem-se aos demais.

204. Com efeito, a apresentação da sobredita oposição à execução fiscal, na qual foram esgrimidos argumentos e meios de defesa comuns a ambos os condevedores, produz um efeito suspensivo do processo de execução fiscal extensível a ambos, atento o referido regime legal da solidariedade passiva.

205. Assim, contrariamente ao decidido, o processo de execução fiscal nº 1821200001012754 deve estar suspenso, inclusivamente em relação à aqui Recorrente - sendo, por isso, totalmente ilegal o prosseguimento do mesmo processo de execução fiscal, para penhora de créditos e imóveis à Recorrente, como efectivamente entretanto sucedeu.

206. E o Tribunal, titular do processo judicial de execução fiscal, não teve conhecimento desta factualidade superveniente precisamente porque o processo de execução fiscal, indevidamente, continuou a ser tramitado autonomamente, pelo órgão de execução fiscal, à revelia do Tribunal.

207. Assim, e contrariamente ao decidido, o processo de execução fiscal deve estar suspenso - aliás, há muito que deveria ter sido suspenso.

Acresce que,

208. Tal como resulta do requerimento de fls. 470 e ss., o pedido apresentado pela Recorrente, de informação do 1º SF de Matosinhos, no sentido de que a presente Reclamação Judicial tinha efeito suspensivo do processo de execução fiscal, para que aquele SF suspendesse efectivamente o processo de execução fiscal, constituiu um mero desenvolvimento da arguição e pedido de declaração de nulidade processual.

209. Por outro lado, não estava o Tribunal inibido, enquanto real e único titular do processo de execução fiscal, atenta a natureza judicial do mesmo (artigo 103º nº 1 da LGT), de formular essa comunicação junto do referido SF.

210. Ora, se o Tribunal o poderia fazer oficiosamente, conforme se deduz do disposto, entre outros, nos artigos 13º e 19º do CPPT, por maioria de razão nada impedia que o pudesse fazer a pedido do interessado - pedido, este, que era assim inteiramente legítimo.

211. O pedido em questão - de que o Tribunal comunicasse ao SF que este deveria considerar o processo de execução fiscal como suspenso - nada tem que ver com a circunstância do processo de Reclamação Judicial previsto nos artigos 276º e ss do CPPT admitir ou não, e em que medida, o articulado processual da Réplica.

212. Sendo certo, de todo modo, que a RFP defendeu-se por excepção, tal como resulta da sua contestação - designadamente, arguiu a excepção (peremptória) do caso julgado (cfr. artigo 487º nº 2 do CPC).

213. E que a Reclamante, aqui Recorrente, por força do direito ao contraditório, tinha direito de resposta (cfr. artigo 3º nº 3 do CPC).
214. Tendo-se limitado a Recorrente a responder às excepções arguidas pela RFP, bem como a arguir as sobreditas nulidades processuais, tal como resulta do dito requerimento de fls. 470 e ss..

215. Sendo que a faculdade de arguição das nulidades processuais, designadamente em processo de reclamação judicial previsto nos artigos 276º e ss. do CPPT, estava legitimada pelo disposto no artigo 201º do CPC (à data), ex vi do artigo 2º e) do CPPT.

216. Por outro lado, atentas nulidades processuais acima arguidas, não só o Tribunal podia como deveria ter informado o SF de que este deveria considerar o processo de execução fiscal como suspenso.

217. Assim, parece-nos que a douta Sentença recorrida, ao negar o pedido de informação do SF, e ao considerar como não escritos os pontos 21º a 93º do requerimento da Recorrente de fls. 470 e ss., incorreu, respeitosamente, em erro de julgamento e violação das referidas disposições legais.

ACRESCE QUE,

218. Contrariamente ao decidido, a dívida exequenda no processo de execução fiscal em anexo, relativa a IVA de 1998, está efectivamente prescrita.

Com efeito:
219. O facto tributário em questão, motivador das liquidações adicionais de IVA e JC exequendas, ocorreu em 11. 12.1998 - data da venda do imóvel à Recorrente.

220. Ora, à data do facto tributário estava em vigor o artigo 34º do CPT.

221. Este preceito não previa qualquer causa de suspensão do prazo de prescrição - outrossim, apenas previa causas de interrupção da prescrição.

222. A LGT entrou em vigor apenas em 01.01.1999 - ou seja, não estava em vigor à data do facto tributário (artigo 6º do DL 398/98, de 17/12).

223. Logo, e contrariamente ao entendimento da douta Sentença recorrida, as causas de suspensão do prazo de prescrição que passaram a estar previstas no artigo 49º nº 3 da LGT, redacção da Lei nº 100/99, de 26/7, são inaplicáveis ao caso.

224. Daí que, contrariamente ao entendimento da douta Sentença recorrida, a prestação de garantia em 2000, posteriormente reduzida em 2001, na pendência de reclamação graciosa, não conduziu à suspensão do prazo de prescrição até ao trânsito em julgado da decisão proferida na impugnação judicial,

225. porque à data do facto tributário, ocorrido em 1998, não estava legalmente prevista qualquer causa de suspensão do prazo de prescrição.

226. Contrariamente ao que se refere na douta Sentença recorrida, a Recorrente não afirmou, em 250 a 253 da PI, que a prestação de caução, conjugada com a pendência de reclamação e de impugnação judicial, suspendia o prazo de prescrição.

227. Com efeito, o que a Recorrente ali afirmou foi que, com a apresentação de reclamação graciosa ou impugnação judicial, e prestação de garantia, suspende-se o processo de execução fiscal emergente da liquidação contestada, até trânsito em julgado da decisão a proferir sobre a reclamação ou a impugnação (artigo 169º nº 1 do CPPT).

228. Por razões de segurança jurídica, protecção de confiança e das legítimas expectativas dos contribuintes, não é legalmente admissível a aplicação retroactiva de normas de direito material sobre garantias dos contribuintes, como é o caso do artigo 49º nº 3 da LGT, que veio inovadoramente prever casos de suspensão do prazo de prescrição - contrariamente ao que sucedia até 31.12.1998 (cfr. artigos 12º da LGT e 12º do CC, 103º nº 3 e 266º nº 2º da CRP).

229. Aquele artigo 49º nº 3 da LGT não se trata de mera norma de direito formal ou adjectivo, relativa ao processo ou procedimento tributário - e, por isso, não é passível de aplicação imediata (cfr. artigo 12º nº 3 da LGT a contrario).

230. Com efeito, aquele artigo 49º nº 3 da LGT, que inovadoramente veio instituir casos de suspensão do prazo de prescrição dos créditos tributários, porque relativo a garantias dos contribuintes, é norma abrangida pelo princípio da legalidade e tipicidade e concomitante reserva de lei da AR (artigos 8º e 55º da LGT, 103º nº 2 e 3, 165º nº 1 i) e 266º nº 2 da CRP).

231. Assim, o artigo 49º nº 3 da LGT, na interpretação segundo a qual o mesmo é aplicável na contagem do prazo de prescrição relativamente a factos tributários verificados antes da sua entrada em vigor, padece de inconstitucionalidade material, por violação dos referidos princípios da irretroactividade das leis tributárias, legalidade, tipicidade, segurança jurídica e protecção da confiança e legítimas expectativas dos contribuintes.

232. De facto, uma lei nova, inovadora, entrada em vigor em 01.01.1999, de direito material, que contende com garantias do contribuinte, não se pode aplicar a factos ocorridos anteriormente, sobretudo na falta de disposição transitória nesse sentido.

Por outro lado,

233. Atento o disposto no artigo 5º nº 1 do DL 398/98, de 17/12 - norma transitória especial -, e considerando o previsto no artigo 297º do CC, o prazo de prescrição, no caso, é de 8 anos (artigo 48º nº 1 da LGT, redacção aplicável), e conta-se desde 01.01.1999, data da entrada em vigor da LGT.

234. Contudo, e por força do acima referido - o facto tributário é de 1998, ocorrido antes da entrada em vigor da LGT -, não se aplicam as regras sobre interrupção e suspensão da prescrição que vieram a ser inovadoramente consagradas na LGT, em particular as relativas à suspensão da contagem do prazo de prescrição, já que o CPT não previa quaisquer causas de suspensão do prazo de prescrição.

235. Contrariamente ao entendimento da douta Sentença recorrida, porque o facto tributário é de 1998, não se aplica o regime da LGT “em bloco” - mas tão só o prazo de prescrição, mais curto, de 8 anos, que a LGT veio consagrar, por força da sobredita norma especial transitória - artigo 5º nº 1 do DL 398/98, de 17/12 -, compaginada com o artigo 297º do CC.

236. De facto, aquele artigo 5º nº 1 do DL 398/98, de 17/12, veio prever tão só que “Ao novo prazo de prescrição aplica-se o disposto no artigo 297º do Código Civil…” - dele não se podendo inferir, pois, a aplicação do novo regime da LGT, “em bloco”, a factos tributários ocorridos antes da sua entrada em vigor.

237. Efectivamente, o entendimento da douta Sentença recorrida, salvo o devido respeito, não tem base legal - o facto tributário é de 1998, anterior a 01.01.1999, e a LGT não previu a aplicação, “em bloco”, do regime legal da interrupção e suspensão da prescrição que a mesma veio inovadoramente consagrar no seu artigo 49º, em particular no seu nº 3, quanto ao novo regime da suspensão do prazo de prescrição.

238. Com efeito, nem o CPT, nem o CPCI, alguma vez tinham anteriormente previsto causas de suspensão do prazo de prescrição.

239. Outrossim, é aplicável in casu o regime do CPT, do qual não se pode extrair que o prazo de prescrição só se inicia com o trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo de impugnação judicial onde se discute a legalidade da liquidação exequenda.

240. Muito menos se pode extrair efeito interruptivo próprio e autónomo de todos e cada um dos factos abstractamente interruptivos previstos no nº 1 daquele artigo 34º do CPT que se sucederam no tempo, no sentido de relevar apenas o último ocorrido, e de que o início da prescrição só ocorre a partir do momento em que esse último finalizar.

241. A ratio legis da norma de encurtamento do prazo estabelecido na LGT, de 10 para 8 anos, assim como da norma remissiva constante do já citado artigo 5º nº 1 do Decreto-Lei nº 398/98, de 17/12, que nitidamente apontam no sentido da aplicação da norma da qual resulte mais rapidamente o decurso do prazo de prescrição, é contrária a uma aplicação conjugada de normas no sentido de estender o prazo de prescrição.

242. Exceptuando o prazo de prescrição, apenas pode ser aplicada uma das leis, ou a nova, ou a antiga, e não um “mix” de normas com o único fito de prolongar um prazo que o legislador entendeu expressamente encurtar desde a vigência do CPCI, passando pelo CPT e chegando à LGT - essa mistura de normas, com esse propósito, consubstancia uma violação dos princípios constitucionais da separação de poderes e do princípio da proibição da retroactividade das leis em matéria tributária.

243. Quer a norma que fixa o número de anos do prazo de prescrição, quer a norma que estabelece o momento do início da contagem, quer a norma que estabelece as causas da interrupção e suspensão da contagem, têm todas elas a mesma relevância e a mesma capacidade para interferir com as garantias dos contribuintes - a alteração do prazo de prescrição pode obter-se de várias formas, quer alargando o prazo de prescrição propriamente dito, quer aumentando as situações de interrupção ou suspensão.

Acresce que,

244. À luz do artigo 34º nº 3 do CPT, o facto interruptivo da prescrição primeiramente ocorrido no tempo foi a apresentação, no 1º SF de Matosinhos, em 28.01.2000, de reclamação graciosa contra as liquidações exequendas (cfr. 12. dos factos provados).

245. Assim, o prazo de prescrição, de 8 anos, interrompeu-se em 28.01.2000, tal como se afirma na douta Sentença recorrida.

246. Por conseguinte, e contrariamente ao entendimento da douta Sentença recorrida, o prazo de prescrição, de 8 anos, interrompeu-se e iniciou-se em 28.01.2000, tendo terminado em 28.01.2008.

247. Com efeito, contrariamente ao entendimento da douta Sentença recorrida, esse efeito interruptivo da prescrição, derivado da apresentação da reclamação graciosa, foi um efeito interruptivo instantâneo - e não duradouro, no sentido de que o prazo de prescrição só se iniciaria no final do processo de impugnação judicial que se lhe seguiu.

248. Com efeito, esse entendimento não tem base legal no CPT.

249. Aliás, também não tem base legal na LGT, designadamente no seu artigo 49º, pelo menos na redacção da Lei nº 100/99, de 29/7.

250. Contrariamente ao entendimento da douta Sentença recorrida, o alegado “efeito duradouro” da interrupção da prescrição não derivava do artigo 49º nº 2 da LGT, na redacção da Lei nº 100/99, de 29/7.

251. Dele não se pode extrair, com efeito, que o efeito interruptivo da prescrição “perdurasse” no tempo, no sentido de que o prazo só se reiniciaria na íntegra com o fim do processo de impugnação judicial.

252. Outrossim, daquele preceito resulta tão só que, caso o processo de reclamação (ou de impugnação) tivesse estado parado por mais de um ano por motivos inimputáveis ao contribuinte, o efeito interruptivo da prescrição cessaria, convertendo-se em mera suspensão do prazo de prescrição,

253. no sentido de que, ao invés do prazo de prescrição se reiniciar na íntegra a partir de 28.01.2000, o prazo de prescrição contar-se-ia desde o seu início, 01.01.1999, até 28.01.2000, somando-se todo o período decorrido desde a data em que se tivesse completado um ano de paragem do processo de reclamação.

254. Ou seja, nessa eventualidade o efeito interruptivo da prescrição, motivado pela apresentação da reclamação, cessaria, transmutando-se em efeito meramente suspensivo do prazo de prescrição.

255. Não significa, pois, aquele artigo 49º nº 2 da LGT, na dita redacção, que o efeito interruptivo da prescrição produziria um efeito duradouro, no sentido de que o prazo de prescrição se reiniciaria in totum apenas no final do processo de reclamação ou do processo de Impugnação Judicial que se lhe seguiu.

256. Outrossim, e segundo os artigos 34º nº 3 do CPT e 49º nº 2 da LGT, redacção da Lei nº 100/99, 26/7, o efeito interruptivo da prescrição cessava, convertendo-se em mera suspensão do prazo de prescrição, caso o processo que tivesse motivado essa interrupção tivesse estado parado por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte.

257. Nessa eventualidade, o prazo de prescrição contar-se-ia desde o início e até à data da autuação do respectivo processo, adicionando-se o período que decorresse a partir da data em que se completasse o ano de paragem.

258. Contrariamente ao decidido, o “efeito duradouro” na contagem da prescrição só ocorre nos casos de suspensão do prazo de prescrição, e não nos casos de interrupção da prescrição.

259. Sendo que as causas de interrupção da prescrição inutilizam todo o tempo anteriormente decorrido, enquanto as causas de suspensão da prescrição não - sendo, assim, umas e outras, substancialmente distintas (artigos 318º e 326º nº 1 do CC).

260. Com efeito, as causas interruptivas da prescrição são “instantâneas” (inutilizando o prazo anterior e iniciando novo prazo in totum) e as causas suspensivas são “duradouras” (provocando a suspensão do prazo, que não corre enquanto a causa suspensiva subsistir).

261. Por outro lado, se o legislador previu, em paralelo, causas de interrupção do prazo de prescrição e causas de suspensão do prazo de prescrição, não faz sentido que os efeitos práticos da ocorrência das causas de interrupção do prazo de prescrição equivalham, na prática, aos efeitos da ocorrência das causas de suspensão da prescrição - conduzindo à prorrogação ad aeternum do prazo de prescrição e, consequentemente, prejudicando a certeza e segurança jurídicas associadas à prescrição.

262. Aliás, só o entendimento do “efeito instantâneo” (e não “duradouro”) decorrente da ocorrência de uma causa de interrupção da prescrição faz sentido perante o disposto no artigo 49º nº 2 (redacção da Lei nº 100/99, 26/7) e 34º nº 3 in fine do CPT.

263. E só o entendimento do “efeito instantâneo” (e não “duradouro) decorrente da ocorrência de uma causa de interrupção da prescrição faz sentido perante a norma transitória do artigo 91º da Lei nº 53-A/2006, de 29/12.

Acresce que,

264. Como se referiu, é inaplicável, à prescrição dos créditos tributários, o regime do artigo 327º nº 1 do CC, segundo o qual o prazo de prescrição só se inicia quando transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo - consequência do entendimento segundo o qual a interrupção da prescrição tem um “efeito duradouro”, protelando o início da prescrição para o fim do processo no qual se discute a legalidade da liquidação, como se tratasse de uma causa de suspensão da prescrição, e não de interrupção.
265. Com efeito, a “importação”, para os créditos tributários, do regime do CC, em particular daquele artigo 327º nº 1 do CC, é legalmente inadmissível - porque o regime dos créditos civis não tem qualquer comparação, sequer afinidade, com o regime dos créditos tributários.

266. Importa considerar que em processo tributário e, em particular, em processo de execução fiscal, a suspensão deste, em caso de contestação da legalidade da liquidação ou da exigibilidade da dívida exequenda, depende da oportuna prestação de garantia idónea, conforme se deduz do disposto nos artigos 52º nº 1 e 2 da LGT, 169º nº 1 e 199º do CPPT.

267. De uma forma geral, essa garantia é prestada sem qualquer limite temporal e, por via de regra, é uma garantia “on first demand” – ou seja, o credor tributário fica com a faculdade de solicitar o pagamento integral, de imediato, à entidade garante, e esta a isso fica vinculada, renunciando ao benefício da excussão prévia do património do devedor garantido.

268. E assim ocorre por todo o tempo que durar o processo, que se pode arrastar por décadas.

269. Aqui se vê, portanto, a profunda diferença entre o regime legal da cobrança de créditos tributários e o regime legal da cobrança de créditos civis.

270. De facto, neste último caso, o credor civil, na esmagadora maioria das vezes não tem a seu favor qualquer garantia que caucione a boa cobrança do seu crédito.

271. Muito menos de uma garantia como a que dispõe a AT, equivalente ao valor em dívida, somado dos juros de mora vencidos e da totalidade das custas processuais, tudo acrescido em 25% da soma daqueles valores, cfr. artigo 199º nº 6 do CPPT – já para não falar na possibilidade legal da AT, em qualquer altura, poder solicitar reforços de garantia, cfr. artigos 52º nº 3 da LGT e 169º nº 8 do CPPT.

272. E esta diferença fundamental, entre o processo tributário e o processo civil, respeitantes, respectivamente, a direito público e direito privado comum, de natureza profundamente distintas,

273. não pode sufragar a interpretação de normas tributárias – designadamente em questões relacionadas com a interrupção dos prazos de prescrição – apelando a normas do Código Civil, como o artigo 327º nº 1 do CC, para sustentar erradamente que o prazo de prescrição só se inicia com o trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo no qual se contesta a dívida exequenda.

274. Artigo 327º nº 1 do CC, este, que nada tem que ver com o processo tributário, como se retira do seu teor: Se a interrupção (da prescrição) resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.”.

275. De facto, onde está a semelhança do processo de impugnação judicial, em direito e processo tributário, com a “citação, notificação ou acto equiparado, ou compromisso arbitral”, em direito processual civil ?

276. Aliás, a estrutura do processo civil (contencioso de plena jurisdição) será a de uma acção declarativa condenatória em que o credor civil interpõe acção contra o devedor civil, pedindo a condenação deste a pagar o crédito que sobre ele dispõe.

277. Só depois de obtida Sentença com trânsito em julgado é que o credor civil poderá interpor acção executiva contra o devedor civil.

278. Ao contrário do que sucede em processo tributário de impugnação judicial (contencioso de mera anulação), no qual é o devedor tributário quem deduz impugnação judicial contra a AT, visando a anulação do acto de liquidação por esta emitido.

279. Sendo que, no caso do processo tributário, uma vez decorrido o prazo de pagamento dessa liquidação, sem que esta haja sido paga, de imediato o credor tributário, a AT, interpõe processo de execução fiscal contra o devedor fiscal,

280. processo de execução fiscal, este, as mais das vezes instaurado antes mesmo da dedução da impugnação judicial, já que esta pode ser apresentado no prazo de 3 meses (anteriormente 90 dias) contado da data limite de pagamento, enquanto o processo de execução fiscal é instaurado de imediato, assim que transcorrida aquela data limite de pagamento.

281. É, assim, abissal, a diferença entre o “estatuto” do credor tributário e o “estatuto” do credor civil, a demandar regras de interrupção da prescrição totalmente distintas e específicas, o que se denota, também, porque o credor civil não tem a ser favor qualquer garantia durante todo o período em que durar o contencioso que o opõe ao devedor.

282. Logo, e para não ficar sujeito às vicissitudes inerentes ao tempo que durar esse mesmo contencioso, evitando a prescrição do seu crédito no decurso desse contencioso, o credor civil tem a seu favor o facto da prescrição só se iniciar a partir da data do trânsito em julgado do processo declarativo condenatório que o opõe ao devedor civil – até porque só então poderá interpor acção executiva contra o devedor cível.

283. Ao invés, em processo tributário, o credor tributário, uma vez ultrapassada a data limite de pagamento da liquidação, de imediato instaura processo de execução, muito antes de transitado em julgado o processo de impugnação judicial onde se discute a legalidade da liquidação exequenda,
284. tendo o credor tributário, ao contrário do credor civil, o poder legal de exigir e dispor desde logo, a seu favor, como condição de suspensão do processo de execução fiscal, de uma garantia, sem prazo e sem limite, as mais das vezes “on first demand”, que se mantém durante todo o período em que durar o contencioso tributário.

285. Sendo certo que a prescrição, em direito tributário, diferentemente do que sucede em direito civil (cfr. artigo 303º do CC), é de conhecimento oficioso (artigo 175º do CPPT).

286. Com efeito, em processo tributário a administração tributária e o Tribunal têm a obrigação de declarar a prescrição, ainda que não suscitada pelo contribuinte (cfr. artigo 175º do CPPT) – diferentemente, em direito e processo civil, a prescrição tem de ser suscitada pelo interessado, sob pena de não poder ser atendida pelo Tribunal (cfr. artigo 303º CC).

287. Os créditos tributários e os créditos civis também se diferenciam substancialmente atenta a diferente natureza de uns e outros: os primeiros são indisponíveis; os segundos são disponíveis pelos respectivos pelos titulares.

288. Note-se, com efeito, que a garantia oferecida pelo devedor, em processo tributário, não é “livremente” oferecida; não constitui uma “livre escolha ou opção” do devedor.

289. Outrossim, a prestação da garantia, em processo tributário, é imposta por lei, tal como resulta do disposto nos artigos 169º e 199º do CPPT, sob pena do processo de execução fiscal não ser suspenso e prosseguir para penhora e venda dos bens penhorados – contrariamente ao que sucede em direito e processo civil, em que a garantia é livremente oferecida pelo devedor.

290. Ora, se assim é, que justificação de fundo pode existir para que se interprete a lei tributária no sentido de que o prazo de prescrição, à semelhança do que sucede com os créditos civis, só se inicia com o trânsito em julgado do processo de impugnação judicial ?

291. Com efeito, que risco corre o credor tributário, quanto à efectivação da cobrança do seu crédito, se o contencioso se prolongar inusitadamente no tempo, quando dispõe, durante todo esse período, independentemente da sua duração, de uma garantia a seu favor, de valor mais do que bastante para solver o seu crédito ?

292. Aliás, essa garantia, à luz do artigo 183º-A do CPPT, jamais caduca em caso de paragem do processo de impugnação judicial por mais de um ano, mesmo quando essa paragem não é imputável ao contribuinte.

293. E não se contra-argumente que o credor tributário, contrariamente ao credor civil, fica manietado na efectivação da cobrança coerciva do seu crédito, por via da prossecução do processo de execução fiscal para pagamento, em virtude do devedor tributário apresentar garantia.

294. Com efeito, importa notar que, nos termos das sobreditas disposições legais, a prestação de garantia, só por si, não suspende o processo de execução fiscal – outrossim, é legalmente imperioso que, simultaneamente com a garantia prestada, tenha sido apresentada reclamação graciosa ou impugnação judicial contra a legalidade da liquidação exequenda, só para referir os meios processuais mais comuns.

295. Assim, o processo de execução fiscal fica suspenso (i) porque o devedor tributário prestou garantia e (ii) porque o devedor tributário apresentou reclamação graciosa ou impugnação judicial contra a liquidação exequenda.

296. Sendo certo que aquela garantia pode ser accionada, se mais nada obstar, uma vez findo o processo de reclamação graciosa ou o processo de impugnação judicial, em sentido desfavorável ao contribuinte,

297. de modo que, em rigor, o processo de execução fiscal fica suspenso, não na dependência da garantia prestada pelo contribuinte, mas na estrita dependência do processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial - no sentido de que o processo de execução fiscal prosseguirá imediatamente, mesmo havendo garantia, assim que o processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial findem.
298. Dito de outro modo, não é por causa da garantia prestada pelo contribuinte que o processo de execução fiscal não prossegue.

299. Outrossim, o processo de execução fiscal não prossegue porque ainda não ocorreu o trânsito em julgado da decisão definitiva sobre a legalidade ou exigibilidade da liquidação e da dívida exequenda, a aferir naquela reclamação graciosa, impugnação judicial, pedido de revisão oficiosa, oposição à execução fiscal, etc..

300. Ora, o tempo de duração destes meios de reacção, ou de qualquer outro processo onde se discuta a legalidade ou exigibilidade da liquidação ou dívida exequenda, não é claramente controlado pelo contribuinte – outrossim, é da responsabilidade das respectivas entidades decisoras.

301. Pelo que não pode o contribuinte estar sujeito a um entendimento segundo o qual o prazo de prescrição só se inicia com o trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo em que se discute a legalidade da dívida exequenda.

302. No âmbito civil, a prescrição tem sido tradicionalmente associada, pela Doutrina, à negligência no exercício de um determinado direito, que faria presumir que o respectivo titular pretenderia renunciar ao mesmo.

303. Todavia, no âmbito tributário, os créditos tributários são, por natureza, indisponíveis e, portanto, irrenunciáveis, não podendo a AT “conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias” (cfr. artigo 36º nº 2 e 3 da LGT).

304. Daqui se denota, também, a profunda diferença entre créditos tributários e créditos civis – estes são disponíveis, aqueles são totalmente indisponíveis.

305. O que tem uma importante consequência, igualmente fundamentadora da necessária diferença entre as regras da prescrição no caso dos créditos tributários e no caso dos créditos civis: se no caso dos créditos civis se pode admitir a inércia do credor em prover à sua cobrança efectiva, já o mesmo não pode suceder de forma alguma no caso dos créditos tributários.

306. Daí uma razão para a profunda diferença dos regimes legais da prescrição dos créditos civis e dos créditos tributários.

307. Como, aliás, se denota do acima referido: contrariamente ao credor civil, que tem de aguardar por uma decisão judicial condenatória do devedor, com trânsito em julgado, para poder executar, se quiser, o património do devedor cível,

308. o credor tributário beneficia, desde logo, da imediata instauração do processo de execução fiscal, por força da lei, e de forma totalmente irrenunciável, assim que transcorrido o prazo de pagamento voluntário da liquidação exequenda.
309. Destas diferenças fundamentais entre créditos civis e créditos tributários advém que os respectivos prazos de prescrição jamais se possam contar do mesmo modo – se no caso dos créditos civis se justifica que os prazos de prescrição só se iniciem no momento do trânsito em julgado da decisão que pôs termo à lide contra o devedor cível, já no caso dos créditos tributários, dado que a execução fiscal é de imediato instaurada, antes mesmo da impugnação judicial, nada justifica que a prescrição só se inicie com o trânsito em julgado da impugnação judicial.

310. E precisamente por isso é que, nos casos dos créditos tributários, diferentemente dos créditos civis, se justifica particular cuidado com a protecção da confiança e legítimas expectativas dos contribuintes, atenta aquela posição de autêntico ius imperium de que goza o credor tributário, considerada a natureza de interesse público desses mesmos créditos.

311. De facto, razões elementares de segurança jurídica justificam que o devedor tributário seja especialmente protegido contra o abuso da “posição dominante” do credor tributário, atenta a relação de direito público estabelecida entre as partes, contrariamente ao equilíbrio interpartes reinante na esfera das relações jurídico-civis, de direito privado comum.

312. E essas especiais necessidades de certeza e estabilidade em direito tributário, como condição de protecção da confiança e legítimas expectativas dos contribuintes, «não se compadecem com a cobrança de impostos cujos pressupostos, ou cujo vencimento, se situem em épocas muito remotas.» (cfr. Soares Martinez, in Direito Fiscal, 10.ª Ed., Almedina, 2003, p. 274).

313. Essa necessidade de segurança e estabilidade jurídica justifica-se, quer na necessidade de proteger a relação de confiança entre o contribuinte e o credor tributário, no sentido de que aquele não será mais incomodado com dívidas fiscais passado um determinado número de anos, minimamente razoável e proporcionado ao state of the art da tramitação procedimental e processual,

314. quer na esfera das relações que o contribuinte, por sua vez, estabelece com terceiros, designadamente com clientes, fornecedores, accionistas, etc., na medida em que o prolongamento indefinido da discussão da legalidade da dívida exequenda pode influir na confiança de todos aqueles que tenham relações económicas com o contribuinte, dado estar em questão uma potencial responsabilidade que se pode manter anos a fio - tanto mais gravosa, aliás, quanto mais demorado for o encerramento do contencioso em que se discute a legalidade da dívida exequenda, pelo decurso de juros de mora e de encargos com o processo, com advogados, com a garantia pendente, etc., etc..

315. Inclusivamente, no preâmbulo do DL 398/98, de 17/12, que aprovou a LGT, apontou-se para uma «maior segurança das relações entre a administração tributária e os contribuintes, a uniformização dos critérios de aplicação do direito tributário, de que depende a aplicação efectiva do princípio da igualdade, e a estabilidade e coerência do sistema tributário», bem como para «o encurtamento pontual ou genérico dos prazos de caducidade do direito de liquidação e de prescrição das obrigações tributárias».

316. De facto, a ratio legis que subjaz, designadamente, ao artigo 49º da LGT, jamais pode conduzir a interpretações como aquela segundo a qual o prazo de prescrição apenas se inicia com o trânsito em julgado da impugnação judicial – pois isso equivale a negar a ocorrência da prescrição, seja em que circunstância for.

317. No direito civil, porque “direito disponível”, a prescrição pode justificar-se pelo desinteresse ou negligência do credor cível na cobrança do seu crédito; já no direito tributário, porque “direito indisponível”, jamais a prescrição dos créditos tributários pode assentar em presunções de desinteresse ou inércia do credor tributário – por imperativo legal e de interesse e ordem pública.

318. De resto, essa especificidade do regime da prescrição do crédito tributário, relativamente ao regime civil, levou a que o mesmo beneficiasse sempre de consagração autónoma na legislação fiscal – desde o Código das Execuções Fiscais de 1913 até à LGT actualmente em vigor (cfr. Soares Martinez, op. cit., pp. 274-275).

319. Daí que, uma das consequências da vincada distinção entre os fundamentos e a normação da prescrição fiscal, relativamente à prescrição civil, aponte no sentido de que são inaplicáveis, em sede tributária, as normas do CC - mormente no que toca à interrupção do prazo prescricional - sob pena de violação do princípio da legalidade.

320. Aliás, a sobredita consagração legal do conhecimento oficioso da prescrição tributária (cfr. artigo 175º do CPPT) constitui um sinal inequívoco de que o interesse da segurança e certeza jurídica deve prevalecer sobre o interesse patrimonial do credor tributário.

321. Sendo certo que, por força do disposto no artigo 11º nº 4 da LGT, tratando-se de matérias abrangidas pelo princípio da legalidade – como é o caso da prescrição dos créditos tributários, uma das garantias dos contribuintes (cfr. artigos 103º nº 2 e 3 da CRP e 8º nº 1 e 2 a) da LGT) – está estritamente proibida a integração de quaisquer eventuais lacunas por apelo à aplicação analógica de outras normas, sejam elas quais forem.

322. E sendo certo que a LGT encerra em si todo o dispositivo normativo necessário e bastante para interpretar e aplicar, à luz das regras gerais de interpretação e aplicação das leis tributárias, os preceitos legais respeitantes à interpretação dos prazos de prescrição – à semelhança do que anteriormente sucedia com o CPT e com o CPCI.

323. Em suma, e por toda a ordem de razões, a prescrição, em direito tributário, tem de ter um prazo efectivo e esse prazo tem de ter um fim igualmente efectivo - não sendo legalmente admissível propugnar, por aplicação do normativo civil, no sentido de que o prazo de prescrição só se inicia com o trânsito em julgado da decisão do processo em que se discute a legalidade da dívida exequenda.

324. Com efeito, é desacertado e ilegal o entendimento segundo o qual o prazo de prescrição só se inicia com o trânsito em julgado da impugnação judicial deduzida contra as liquidações exequendas.

325. Com efeito, no momento em que se verifica esse trânsito, e a decisão é de improcedência, o contribuinte não tem outra solução senão pagar a dívida exequenda.

326. Ora, pagando a dívida, logicamente que deixa de se poder discutir a prescrição dessa mesma dívida, dado que o crédito tributário entretanto extinguiu-se por pagamento – já que pagamento e prescrição são duas formas paralelas de extinção do crédito tributário.

327. E então a questão é muito simples: o prazo de prescrição do crédito tributário só se inicia no momento em que o contribuinte vai pagar a dívida ?

328. É notório o desacerto deste entendimento, pois isso equivale a considerar que a prescrição dos créditos tributários jamais ocorre.

329. De facto, considerar que o prazo de prescrição só se inicia com o trânsito em julgado da decisão, quando a AT tem a seu favor uma garantia bancária, “on first demand”, com renúncia ao benefício da excussão prévia, sem prazo, equivalente a pagamento imediato,

330. significa entender que a prescrição, em direito tributário, jamais ocorre – pois o pagamento extingue o crédito tributário e, por via disso, extingue-se o processo de execução fiscal, pelo que o crédito tributário jamais pode prescrever.

331. Como pode então ser essa data - do trânsito em julgado – o momento a partir do qual se inicia o prazo de prescrição ?

332. É, assim, destituído de sensatez e de lógica preconizar um entendimento segundo o qual o prazo de prescrição só se inicia quando o contribuinte está coagido a pagar.

333. Com efeito, nesse entendimento, a prescrição dos créditos tributários jamais ocorre – ora, se assim é, mais valeria banir a prescrição dos créditos tributários da ordem jurídica, sendo certo, contudo, que a prescrição continua a constar das normas tributárias.

334. A prescrição dos créditos tributários constitui uma das garantias dos contribuintes, expressão da necessidade de segurança jurídica para os contribuintes e de protecção das suas legitimas e fundadas expectativas, ínsitas no ideário de Estado de Direito Democrático consagrado no artigo 2º da CRP.

335. O contribuinte não pode ser confrontado com a exigibilidade do crédito tributário apesar de decorridas décadas, quando os processos nos quais discutiu a legalidade das liquidações exequendas se arrastaram por todo esse tempo.

336. Com efeito, no entendimento segundo o qual a prescrição só se inicia com o trânsito em julgado da decisão da impugnação judicial deduzida contra a liquidação exequenda, a prescrição jamais ocorre, exceptuando os casos em que a AT se esquece do processo de execução fiscal, ou quando o devedor despareceu ou não tem património.

337. Ora, isso não se compadece com as referidas razões de protecção e segurança jurídica, associadas ao instituto da prescrição – que aliás se funda naquelas razões, evitando que os contribuintes venham a ser ad eternum confrontados com dívidas tributárias.

338. Aliás, no caso vertente a situação é tão mais gravosa quanto é certo que, à data dos factos, Dezembro de 1998, a interpretação do regime da interrupção da prescrição era muito diferente.

339. De facto, sempre se considerou, designadamente na esfera do CPCI e do CPT, que a interrupção da prescrição só ocorria por virtude do facto interruptivo primeiramente ocorrido no tempo, e ocorria a partir do preciso instante em que esse primeiro facto interruptivo fosse instaurado - e não a partir do momento em que o último facto interruptivo findasse.

340. Pelo que o contribuinte, à data dos factos, jamais poderia contar com um entendimento do qual decorre o prolongamento indefinido do prazo da prescrição, contrariamente à intenção do legislador, que foi efectivamente de encurtar sucessivamente o prazo de prescrição, de 20 para 10 e depois de 10 para 8 anos, em nome da celeridade, certeza e segurança jurídicas.

341. Isto, ao contrário do que sucede com a prescrição em situações de tutela de valores bem mais elevados, como o valor da vida e da integridade física – os crimes prescrevem, de facto, estando desde logo limitados a um máximo temporal de prazo prescricional, independentemente das sucessivas causas interruptivas e suspensivas da prescrição, equivalente ao respectivo prazo ordinário de prescrição acrescido de metade (cfr. artigo 121º nº 3 do CP).

342. Já os créditos tributários, numa total subversão da hierarquia de valores, jamais prescrevem, pela simples razão de que o prazo de prescrição só se iniciaria (!?) no momento em que o contribuinte estaria coagido a efectuar o pagamento do crédito cuja prescrição está em causa.
343. Contrariamente ao entendimento da douta Sentença recorrida, quer a Doutrina, quer a Jurisprudência, consideram que a eclosão de um facto interruptivo da prescrição produz um efeito instantaneamente interruptivo, e não duradouro (no sentido de que o prazo de prescrição não se inicia com a instauração do processo, mas apenas com a sua finalização).

344. A interpretação do regime da prescrição dos créditos tributários deve fazer-se à luz da lei em vigor à data dos factos, e segundo o regime legal especialmente previsto a esse propósito na lei tributária - a qual, repete-se, encerra em si todo o regime legal, necessário e bastante, para determinar a correcta interpretação e aplicação dos normativos sobre a prescrição em direito tributário,

345. como, aliás, sempre se considerou, na esfera do anterior CPCI e do CPT.

346. Assim, não é legalmente admissível sustentar, com base no artigo 327º nº 1 do CC, o sobredito “efeito duradouro” da interrupção da prescrição, para com isso propugnar, como na douta Sentença recorrida, que o prazo de prescrição só se inicia com o trânsito em julgado, em 2012, do processo de impugnação judicial.

Acresce que,

347. O processo de reclamação graciosa não esteve parado por mais de um ano, por facto não imputável ao contribuinte, conforme resulta de 13. dos factos provados.
348. De modo que não cessou o efeito interruptivo da prescrição motivado pela apresentação da reclamação graciosa - conforme se reconhece na douta Sentença recorrida.

349. Logo, e contrariamente ao decidido, não podem haver novas e posteriores interrupções do mesmo prazo de prescrição - porque nunca cessou o efeito interruptivo da prescrição decorrente da apresentação da reclamação graciosa.

350. Nos termos dos artigos 34º nº 3 do CPT e 49º nº 1 da LGT (redacção da Lei nº 100/99, 26/7), a instauração/citação para o processo de execução fiscal, a apresentação de impugnação judicial e o pedido de revisão oficiosa (no caso da LGT), constituíam, em abstracto, à semelhança da reclamação graciosa, factos interruptivos da prescrição.

351. Contudo, à data desses factos, ainda que, por mera hipótese, fosse aplicável o regime da LGT, já a prescrição se achava interrompida em consequência da apresentação de reclamação graciosa em 28.01.2000, como acima se referiu.

352. Com efeito, à data da instauração do processo de execução fiscal, à data de citação para o processo de execução fiscal, à data da apresentação da impugnação judicial e à data da apresentação do pedido de revisão oficiosa, não havia cessado o efeito interruptivo da prescrição decorrente da apresentação da reclamação graciosa, como se referiu.

353. Conforme é entendimento doutrinário e Jurisprudencial unânimes, quer à luz do CPT, quer à luz da LGT, redacção da Lei nº 100/99, 26/7, a prescrição interrompia-se uma única vez, com o facto tributário primeiramente ocorrido,

354. não sendo legalmente admissíveis as interrupções sucessivas do prazo de prescrição, por virtude da sucessão temporal de factos potencialmente interruptivos.

355. Pela simples razão de que não se podia interromper novamente um prazo de prescrição já anteriormente interrompido.

356. Pelas mesmas razões de certeza e segurança jurídica que presidiam ao instituto da prescrição, o STA entendeu repetidamente que apenas a primeira causa interruptiva tem relevância, não sendo legalmente admissíveis causas interruptivas sucessivas.

357. Só esse entendimento se compaginava com a intenção do legislador, de reduzir efectivamente o prazo de prescrição, para apenas 8 anos.

358. De modo que a consagração desta regra na letra da lei - no nº 3 do artigo 49º da LGT introduzido pela Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro - constitui apenas uma clarificação ou esclarecimento e não uma inovação.

359. De modo que a posterior citação para o processo de execução fiscal, a posterior Impugnação Judicial e o posterior pedido de revisão oficiosa, por esta ordem cronológica (cfr. factualidade provada), não voltaram a interromper a prescrição.

360. E daí que não se já legítimo o entendimento da douta Sentença recorrida segundo o qual o prazo de prescrição reiniciou-se na íntegra a partir do trânsito em julgado do processo de impugnação judicial que se seguiu ao processo de reclamação graciosa.

361. Perante a sucessão de factos abstractamente interruptivos da prescrição, está hoje assente, pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, que só são admissíveis interrupções sucessivas da prescrição, em virtude da sucessão temporal de factos interruptivos, se anteriormente cessar o efeito interruptivo da prescrição motivado pelo facto interruptivo precedente.

362. Isto, pela simples razão de que não é legalmente possível voltar a interromper o decurso de um prazo prescricional que, à data da ocorrência do novo facto abstractamente interruptivo, já se acha interrompido por um facto interruptivo anteriormente ocorrido no tempo.

363. No caso, não é legalmente admissível considerar que a posterior instauração da execução fiscal, citação para a mesma, instauração da impugnação judicial e pedido de revisão oficiosa, fizeram eclodir nova interrupção do prazo de prescrição – uma vez que este, à data daquelas ocorrências, já se achava interrompido pela anterior apresentação da reclamação graciosa, cujo efeito interruptivo não cessou.

364. Pela simples razão, sucessivamente reiterada na referida Jurisprudência, mas não só, de que é legalmente impossível interromper novamente um prazo prescricional que já foi anteriormente interrompido.

365. Aliás, mesmo fazendo apelo (indevido) ao regime do CC, deste não resulta a possibilidade legal de um mesmo prazo de prescrição ser sucessivamente interrompido no tempo, e por via disso sucessivamente reiniciado in totum – muito menos isso resulta do direito tributário.

366. A menos que, obviamente, cesse o efeito interruptivo motivado pelo facto tributário interruptivo precedente.

367. Com efeito, considera a Jurisprudência que a lei não prevê interrupções sucessivas da prescrição.

368. Em direito tributário (tão pouco em direito civil) não existe disposição equivalente, sequer aproximada, ao disposto no direito penal, no artigo 121º nº 2 do CP, segundo o qual “2 - Depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição.”.

369. Assim, era e é entendimento Jurisprudencial claramente dominante que a interrupção da prescrição ocorre única e exclusivamente por efeito do facto interruptivo da prescrição primeiramente ocorrido no tempo – e não, também, por efeito de todos e cada um dos factos interruptivos que lhe sucederem, designadamente num caso em que à reclamação graciosa sucede a interposição de impugnação judicial.

370. A Jurisprudência mais recente veio admitir a interrupção sucessiva da prescrição, mas desde que anteriormente cesse o efeito interruptivo motivado pelo facto interruptivo anteriormente ocorrido – só neste último caso faz sentido dar relevância interruptiva ao posterior facto interruptivo da prescrição, pois só nesse caso o anterior efeito interruptivo degenerou-se em efeito meramente suspensivo, com a consequente contagem da prescrição desde o seu início, como se a anterior interrupção nunca tivesse ocorrido.

371. O que não sucedeu in casu, dado que a sobredita reclamação graciosa não esteve parada por mais de um ano por facto inimputável ao contribuinte, de modo que o respectivo efeito interruptivo da prescrição nunca cessou - conforme, aliás, se reconhece na douta Sentença recorrida.

Acresce que,

372. Se o referido vale para a posterior instauração/citação para o processo de execução fiscal, e para a posterior impugnação judicial, por maioria de razão vale quanto à garantia prestada no processo de execução fiscal – a garantia prestada no processo de execução fiscal não voltou a interromper nem a suspender o decurso do prazo de prescrição, uma vez que este já se achava interrompido pela anterior reclamação graciosa, cujo efeito interruptivo nunca cessou.

373. Sendo certo, como acima se referiu, que na data do concreto facto tributário cuja prescrição está em discussão não estavam em vigor quaisquer causas de suspensão do prazo de prescrição.

374. A prestação de garantia (seguro-caução) não constitui uma faculdade ou livre opção do contribuinte, muito menos para “obstar à execução fiscal”.

375. Outrossim, a prestação de garantia constitui uma imposição/obrigação legal para que o contribuinte - que no exercício do seu direito de reclamação discordou da legalidade da liquidação exequenda - obtenha a suspensão do processo de execução fiscal (artigos 255º do CPT e 169º do CPPT).

376. Com efeito, e nos termos da letra da lei, o processo de execução fiscal só se suspende “desde que” seja prestada garantia.

377. De facto, não está na livre disponibilidade do contribuinte prestar ou não prestar garantia - a prestação de garantia, no caso de reclamação/impugnação contra a legalidade da liquidação, é uma imposição legal, sob pena do processo de execução fiscal, apesar dessa reclamação/impugnação, prosseguir os seus termos para penhora e venda de bens, até final.

378. Daí que não se possa afirmar, como na douta Sentença recorrida, que a garantia foi prestada “a pedido da reclamante” - aliás, essa factualidade não resulta da matéria de facto assente.

379. A prestação de garantia não constitui causa de interrupção nem de suspensão do prazo de prescrição - quer à luz do disposto no artigo 34º do CPT, quer à luz do disposto no artigo 49º da LGT, na redacção da Lei nº 100/99, 26/7 - nesse sentido, o douto Acórdão do Pleno da Secção de CT do STA, de 12.12.2012, Proc. 0828/11, in www.dgsi.pt, acima transcrito em parte.

380. No CPT não existia qualquer normativo quanto à suspensão do prazo de prescrição.

381. E, sob a alçada da LGT, redacção da Lei nº 100/99, 26/7, existia norma especial sobre a questão da suspensão do prazo de prescrição.

382. Era ela o artigo 49º nº 3 da LGT, cuja redacção era então a seguinte: “O prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento de prestação legalmente autorizadas, ou de reclamação, impugnação ou recurso.”.

383. Ainda que, por mera hipótese, o artigo 49º nº 3 da LGT (na redacção da Lei nº 100/99, 26/7) fosse aplicável ao caso, no que se não concede, do teor deste preceito não advém, conforme a Jurisprudência acima referida, que o prazo de prescrição se suspendia ou interrompia por motivo de prestação de garantia,

384. muito menos que o prazo prescricional se suspendia ou interrompia enquanto a impugnação judicial não fosse objecto de decisão transitada em julgado.

385. Se se considerasse que o prazo de prescrição estaria sempre suspenso enquanto estivesse pendente a impugnação judicial (até ao seu trânsito em julgado),

386. que utilidade ou sentido teria nº 2 do mesmo artigo 49º da LGT, na redacção da Lei nº 100/99, de 26/7, segundo o qual essa suspensão ocorre entre a data da instauração e a paragem do processo de impugnação por mais de um ano (por razão inimputável ao contribuinte) ?

387. Pelo que a douta Sentença recorrida padece de erro de julgamento e violação das sobreditas normas e princípios legais.

Acresce que,
388. A questão da prescrição é matéria de direito material, substantivo (e não meramente adjectivo ou processual), incluída no âmbito das garantias dos contribuintes.

389. Sobre as “garantias dos contribuintes” vigora o princípio da legalidade tributária (cfr. artigos 8º nº 1 e 2 a) da LGT, 103º nº 2 e nº 3, e 165º nº 1 i) da CRP).

390. O regime legal da prescrição não é um regime legal “sobre procedimento e processo”, ou seja, não é um regime legal adjectivo.

391. Outrossim, contende directamente com os direitos e garantias substanciais dos contribuintes.

392. E as “garantias dos contribuintes” constituem, pois, um dos elementos essenciais do direito tributário.

393. É que, quer a prescrição, quer a caducidade do direito de liquidação, encontram a sua explicação em razões de certeza, de segurança e de paz jurídicas, quer para o Estado, quer para os cidadãos.

394. Assim, é ilegal apelar ao normativo do Código Civil para conformar o regime da prescrição em direito tributário – designadamente, para conferir aos factos interruptivos da prescrição um efeito simultaneamente instantâneo e duradouro, no sentido de que a prescrição só se inicia com o trânsito em julgado do processo de impugnação judicial.

395. De facto, estabelece o artigo 8º nº 1 da LGT que “Estão sujeitos ao princípio da legalidade tributária a incidência, a taxa, os benefícios fiscais, as garantias dos contribuintes, a definição dos crimes fiscais e o regime geral das contra-ordenações fiscais”.

396. Acrescentando o nº 2 a) do mesmo preceito que “Estão ainda sujeitos aos princípios da legalidade tributária a liquidação e cobrança dos tributos, incluindo os prazos de prescrição e caducidade”.

397. A prescrição é matéria que deve estar totalmente arredada do princípio da oportunidade ou da máxima arrecadação de receita tributária, em atropelo ou detrimento do princípio fundamental da legalidade – não podem critérios de ordem pragmática, motivados pela preocupação de perda de receita associada à prescrição, sobrepor-se a imperativos de legalidade na definição das regras aplicáveis, precisamente porque a matéria da prescrição contende com os domínios fundamentais das garantias dos contribuintes, da segurança jurídica e da protecção da confiança dos contribuintes.

Por outro lado,

398. Nesta sequência, importa trazer à colação a Lei de Autorização Legislativa nº 41/98, de 04/08 (alterada pela Lei nº 87-B/98, de 31/12, com carácter interpretativo, cfr. artigo 51º nº 5), ao abrigo da qual foi aprovada a Lei Geral Tributária, em particular o disposto nos seus artigos 1º e 2º nº 4), 6), 17), 18) e 29).

399. Nos termos do artigo 165º nº 2 da CRP, “As leis de autorização legislativa devem definir o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização”.

400. Sendo que, nos termos do artigo 112º nº 3 da CRP, as leis de autorização legislativa em matérias de reserva de competência da AR são “leis de valor reforçado”.

401. Ora, sucede que a sobredita Lei de Autorização Legislativa não autorizou o Governo a criar, inovadoramente, causas de suspensão do prazo de prescrição.

402. Não obstante, na LGT veio consagrar-se o artigo 49º nº 3 da LGT, onde se passaram a prever causas de suspensão do prazo de prescrição, nunca anteriormente previstas na lei tributária, designadamente no CPCI ou no CPT - as quais permitiriam sempre o alargamento do prazo de prescrição e não a sua efectiva redução, contrariamente à ratio e letra da respectiva Lei de Autorização Legislativa.

403. Por outro lado, e quanto aos pressupostos da interrupção do prazo de prescrição, aquela Lei de Autorização Legislativa apenas autorizou o Governo a alterá-los no sentido do encurtamento do prazo de prescrição, “de modo consentâneo com as possibilidades e o aumento de eficiência da Administração”.

404. Não permitindo, pois, reinterpretações do regime da interrupção da prescrição no sentido do alargamento do prazo de prescrição, contrariamente ao que foi a intenção confessa do legislador: a efectiva redução do prazo de prescrição, “de modo consentâneo com as possibilidades e o aumento de eficiência da Administração”.

405. Deste modo, são inaplicáveis in casu as causas de suspensão da prescrição que inovadoramente vieram a ser consagradas no artigo 49º nº 3 da LGT, aprovada pelo DL nº 398/98, de 17/12 - pois a sobredita Lei de Autorização Legislativa não autorizou o Governo a criar quaisquer causas de suspensão do prazo de prescrição, das quais sempre resultaria o alargamento do prazo de prescrição e não o seu encurtamento, contrariamente à intenção da Lei de Autorização Legislativa.

406. E o artigo 49º da LGT, na redacção da Lei nº 100/99, de 26/7, não pode ser interpretado e aplicado no sentido de que a interrupção da prescrição tem um “efeito duradouro”, no entendimento segundo o qual o início do curso do prazo prescricional só ocorre com o trânsito em julgado do último dos processos em que se discute a legalidade das liquidações exequendas - pois isso equivale ao alargamento do prazo de prescrição e não ao seu encurtamento, contrariamente à intenção da respectiva Lei de Autorização Legislativa.

407. Tão pouco pode ser interpretado no sentido de dever ser dada relevância interruptiva, própria e autónoma, a cada um dos factos interruptivos sucessivamente ocorridos no tempo.

408. De facto, semelhantes dimensões interpretativas equivalem, não ao encurtamento do prazo de prescrição, visado pelo legislador ordinário na referida lei de autorização legislativa, mas sim ao seu substancial alargamento - ou, talvez com maior propriedade, à impossibilidade da prescrição alguma vez ocorrer.

409. Sendo que, segundo a douta Sentença recorrida, por força da suspensão do prazo de prescrição ao abrigo do artigo 49º nº 3 da LGT (redacção da Lei nº 100/99, de 27/7), o prazo de prescrição, de 8 anos, apenas se iniciou com o trânsito em julgado da decisão proferida no processo de Impugnação Judicial, 12.07.2012,

410. pelo que, segundo a douta Sentença recorrida, só termina em 12.07.2020 - passados, pois, 22 anos do facto tributário, ocorrido em 1998.

411. Ora, semelhante conclusão não faz sentido se atentarmos ter sido propósito do legislador da LGT encurtar o prazo da prescrição, e não alargá-lo.

412. Com efeito, se se aplicasse, como deveria, o regime do CPT, com excepção apenas do prazo de prescrição (8 anos em vez de 10, por força dos artigos 5º nº 1 do DL 398/98, de 17/12, e 297º do CC), o prazo de prescrição teria ocorrido em 28.01.2010 - dado que o CPT não previa quaisquer causas de suspensão do prazo de prescrição.

413. Ora, se o legislador da nova lei (LGT) pretendeu um encurtamento do prazo de prescrição em relação ao prazo previsto na lei antiga (CPT), não pode a interpretação da lei resultar numa conclusão em que o prazo de prescrição, segundo a lei nova, é mais extenso, em 10 anos !!!, em relação ao prazo de prescrição segundo a lei antiga (CPT).

414. Aliás, daquela interpretação resulta que a prescrição dos créditos tributários, na prática, jamais ocorre – ao contrário da ratio legis da lei de autorização legislativa que subjaz à LGT, que foi precisamente no sentido inverso, ou seja, no sentido do efectivo encurtamento do prazo de prescrição.

415. Com efeito, daquela conjugação interpretativa resulta a circunstância, absurda e surreal, de que a prescrição só se inicia no momento em que o contribuinte não tem outra alternativa senão pagar a dívida exequenda – pelo que a prescrição dos créditos tributários, na prática, nunca ocorre.

416. E não se obste que o legislador da LGT reduziu o prazo de prescrição de 10 para 8 anos – formalmente, essa redução ocorreu; contudo, a interpretação segundo a qual todos os factos potencialmente interruptivos sucessivamente ocorridos no tempo interrompem sucessivamente a prescrição, adiando o seu início para o momento em que transitar em julgado a decisão do último desses processos, resulta que a prescrição, ao invés, e na prática, jamais se verifica.

417. Veja-se o caso concreto, violador das mais elementares regras de segurança jurídica e protecção da confiança e legítimas expectativas do contribuinte, que não pode ficar eternamente refém de dívidas tributárias para as quais está legalmente prevista a sua prescrição ao fim de 8 anos - sendo os factos tributários de 1998, na interpretação segundo a qual o curso do prazo prescricional só se iniciou no ano passado, a prescrição só ocorreria em 2020,

418. não fosse a circunstância do contribuinte estar agora coagido a pagar a dívida exequenda, dada a pendência de uma garantia que foi imediatamente accionada pela AT, acrescida das penhoras de activos acima mencionadas - pelo que a prescrição jamais pode ocorrer, já que o pagamento da dívida exequenda extingue o crédito tributário.

419. Com efeito, não faz qualquer sentido fazer coincidir o momento do início do curso do prazo prescricional com o momento em que o contribuinte fica obrigado a pagar a dívida exequenda - ambas as circunstâncias são incompatíveis entre si.

420. E seguramente que não foi esse o propósito do legislador da referida autorização legislativa – outrossim, foi intenção do legislador a efectiva redução do prazo de prescrição, compaginável “com as possibilidades e o aumento da eficiência da administração”.

421. Assim, o artigo 49º nº 1 e 2 da LGT, redacção da Lei nº 100/99, de 26 de Julho, na interpretação segundo a qual o prazo de prescrição só se inicia com o trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo impugnatório da liquidação, padece de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da legalidade, e de inconstitucionalidade orgânica, por violação da respectiva lei de autorização legislativa.

422. O mesmo artigo 49º da LGT, na redacção da Lei nº 100/99 de 26 de Julho, interpretado no sentido de que o prazo de prescrição interrompe-se sucessivamente no tempo, por virtude dos sucessivos factos interruptivos, independentemente dos anteriores terem ou não cessado o respectivo efeito interruptivo, padece também de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da legalidade e do princípio da proibição da retroactividade, e de inconstitucionalidade orgânica, por violação da respectiva lei de autorização legislativa e de reserva de lei da AR.

423. E tanto se pode alargar o prazo de prescrição aumentando o prazo, como “descobrindo” novas e sucessivas causas de interrupção e suspensão do mesmo - como acima se referiu.

424. Por sua vez, o artigo 49º nº 3 da LGT, redacção da Lei nº 100/99, de 26 de Julho, padece igualmente de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da legalidade, e de inconstitucionalidade orgânica, por violação da respectiva lei de autorização legislativa - já que esta não autorizou o Governo a, inovadoramente, criar causas de suspensão do prazo de prescrição, paralelamente às causas de interrupção da prescrição.

Por outro lado,

425. O entendimento segundo o qual a prescrição só se inicia com o trânsito em julgado (da decisão de improcedência da impugnação judicial deduzida contra as liquidações exequendas) viola os princípios constitucionais da certeza, segurança e paz jurídica, bem como os princípios constitucionais da protecção da confiança e legítimas expectativas dos contribuintes, ínsitos no princípio do Estado de Direito – o que constitui violação do primado do Estado de Direito Democrático, consagrado no artigo 2º da CRP.

426. Efectivamente, nesse entendimento, a prescrição jamais ocorreria.

427. Ou seja, o prazo de prescrição iniciar-se-ia num momento em que o contribuinte estaria forçado a pagar - o que não faz qualquer sentido, pois, como se disse, o pagamento da dívida tributária extingue o crédito tributário e, com isso, inviabiliza-se de imediato qualquer possibilidade de discussão da prescrição do mesmo.
428. Isto já para não falar na circunstância do contribuinte não poder ser prejudicado ou ficar com o ónus do atraso de anos na resolução final dos processos administrativos e judiciais.

429. De facto, não faz qualquer sentido um entendimento que conduz à conclusão de que a prescrição, actualmente de 8 anos, apenas se inicia num momento em que o processo de execução fiscal vai ser extinto, por pagamento voluntário ou coercivo, via execução da garantia pendente ou por meio da venda dos bens penhorados.

430. Nesse entendimento, de facto, a prescrição dos créditos tributários jamais ocorre, seja em que circunstância for – o que, obviamente, é sintomático da incorrecta interpretação da lei, já que esta prevê, efectivamente, a prescrição dos créditos tributários.

431. Se assim não se entender, então mais vale banir da lei, de uma vez por todas, o “artifício” da prescrição das dívidas tributárias, já que esta, na prática, e segundo semelhante entendimento, jamais ocorreria, ao contrário do que sucede, por exemplo, com os crimes de sangue, efectivamente sujeitos a “uma” prescrição que pode efectivamente suceder.

432. Acaso se preconize o entendimento de que o prazo de prescrição só se inicia quando o contribuinte, voluntária ou coercivamente, paga a dívida exequenda - o que sucede imediatamente após o trânsito em julgado desfavorável do meio de reacção que usou - constata-se uma lamentável inversão de valores: os valores fundamentais da vida ou da integridade física, afectados pelos denominados crimes de sangue, podem prescrever, de facto; os créditos tributários, na prática, jamais prescrevem.

433. Julgamos que esta asserção é sintomática do total desacerto de uma interpretação legislativa que preconize o início de um prazo de prescrição, de 8 anos, no momento em que o contribuinte fica compelido a pagar, voluntária ou coercivamente, por ter transitado em julgado a decisão que lhe foi desfavorável – pagamento, esse, que enterra desde logo a prescrição, pois é juridicamente impossível discutir a prescrição de um crédito tributário entretanto extinto por pagamento.

434. De facto, nesse entendimento, a prescrição só poderá ocorrer perante situações em que o devedor que, nas mais das vezes por meios artificiosos, não é, aparentemente, titular de quaisquer activos ou garantias passíveis de ressarcir a AT e que, por isso, sai beneficiado em relação ao contribuinte que, diligentemente, ofereceu à AT uma garantia, e que se sujeitou a um contencioso administrativo e judicial arrastado anos a fio.

435. Ora, assim sendo, como é de facto, então importa abolir de uma vez por todas a figura da prescrição das leis tributárias, pois só nelas figura “para inglês ver”.

436. Com a apresentação de reclamação graciosa ou impugnação judicial, e prestação de garantia, suspende-se o processo de execução fiscal emergente da liquidação contestada, até trânsito em julgado da decisão a proferir sobre a reclamação ou a impugnação (artigo 169º nº 1 do CPPT).

437. Se a decisão da reclamação ou da impugnação forem procedentes, a execução fiscal extingue-se por anulação da liquidação e a questão da prescrição, obviamente, não se coloca (artigos 176º nº 1 b) e 270º nº 1 do CPPT).

438. Contudo, se ocorrer o trânsito em julgado de decisão de improcedência da reclamação graciosa ou da impugnação judicial, isso acarreta necessariamente o pagamento imediato da liquidação exequenda (voluntário ou por execução da garantia entretanto prestada, ou da penhora entretanto efectuada), com a consequente extinção da execução fiscal (cfr. artigos 176º nº 1 a), 200º nº 2 e 269º do CPPT).

439. Assim sendo, e na interpretação do artigo 49º nº 1 da LGT aqui contestada, o prazo de prescrição só se reiniciaria no momento em que o contribuinte é forçado a pagar a liquidação exequenda.

440. Ora, uma vez paga a liquidação exequenda, e como acima se procurou evidenciar, a invocação da prescrição do crédito tributário entretanto extinto por pagamento deixa de ter qualquer utilidade.

441. De facto, o artigo 49º da LGT, na redacção da Lei nº 100/99 de 26 de Julho, interpretado no sentido de que o prazo de prescrição interrompe-se sucessivamente no tempo, por virtude dos sucessivos factos interruptivos, independentemente dos anteriores terem ou não cessado o respectivo efeito interruptivo, e que o prazo de prescrição só se inicia a partir do trânsito em julgado do último dos processos interruptivos, padece de inconstitucionalidade material por violação do artigo 266º nº 2 da CRP e por violação dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança e legítimas expectativas dos administrados, ínsitos no primado do Estado de Direito Democrático, consagrado no artigo 2º da CRP.

442. De facto, naquela dimensão interpretativa conferida ao artigo 49º da LGT, a prescrição jamais ocorreria – incrivelmente, a prescrição só agora se iniciaria num momento em que o contribuinte tem sobre si o “cutelo” do accionamento de uma garantia que foi forçado a prestar e, por isso, a eminência do pagamento da dívida – sendo que uma dívida paga extingue-se (por pagamento), o que retira qualquer utilidade à discussão posterior se essa dívida estaria ou não prescrita.

443. Com efeito, não pode a interpretação preconizada conduzir a uma solução prática em que a prescrição jamais ocorre, seja em que circunstância for – a isso se opõe o ideal de segurança jurídica e protecção da confiança que o próprio instituto da prescrição visa salvaguardar.

444. Não pode subsistir uma interpretação legal que conduza ao enterro, na prática, de um dos institutos fundamentais de garantia dos contribuintes, abrangido pelo princípio constitucional da legalidade, como é o caso da prescrição.

445. A constatação de que a prescrição tributária, na realidade, jamais ocorre, está em contraciclo com a evolução legislativa e mesmo com a vontade expressa do legislador, que tem sido no sentido do encurtamento sucessivo dos prazos de caducidade e prescrição – por imperativos de eficiência dos diferentes serviços, judiciais e extrajudiciais.

446. Efectivamente, o artigo 27º do CPCI estabelecia que o prazo de prescrição era de 20 anos; o CPT reduziu o prazo de prescrição para 10 anos; e a LGT veio encurtar esse mesmo prazo para 8 anos.

447. Contudo, e em total contraciclo com esta vontade expressa do legislador, fruto de uma interpretação deturpada da lei, verifica-se o inverso - a interpretação da LGT segundo a qual ocorre a interrupção sucessiva e autónoma da prescrição por virtude da sucessão temporal dos diferentes factos interruptivos previstos na lei, e de que, para além disso, o prazo de prescrição só se inicia quando o último desses “factos” termina (ou seja, quando o contribuinte é compelido a pagar), na prática inviabiliza a ocorrência da prescrição, seja em que circunstância for.

448. De facto, ao encurtar expressamente o prazo de prescrição para 8 anos, certamente que não foi propósito do legislador da LGT protelar desmesuradamente, senão impossibilitar de todo, a ocorrência da prescrição.

449. Repare-se no caso vertente: apesar de estarmos em 2013, e da dívida se reportar a 1998, o prazo prescricional, de 8 anos, só recentemente se teria iniciado.

450. Aliás, há muito que decorreu o próprio prazo legal de 10 anos relativamente aos factos – prazo, aquele, de arquivo dos documentos e registos contabilísticos (cfr. artigos 40º do Código Comercial e 115º nº 5 do CIRC).

451. O que pode colocar sérios problemas a muitos contribuintes que porventura sejam confrontados com cobranças de tributos num momento em que já não dispõem, nem têm obrigação de dispor, da respectiva documentação de suporte, designadamente dos respectivos recibos ou outros comprovativos de pagamento.

452. De facto, não pode o intérprete da lei chegar a soluções interpretativas totalmente desproporcionadas e injustificáveis, em violação clara dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança e legítimas expectativas dos contribuintes.

Acresce que,

453. Os impostos que o contribuinte suporta deveriam assegurar-lhe uma decisão definitiva dos processos de reclamação ou impugnação em tempo útil e razoável, por elementares razões de realização da Justiça, como aliás é imperativo Constitucional.

454. Ao considerar que o prazo de prescrição só se inicia com o trânsito em julgado da decisão da reclamação graciosa ou da impugnação judicial, permite-se o “desleixo” e a falta de empenhamento na celeridade que os órgãos decisores devem imprimir à tramitação dos processos, administrativos ou judiciais - em contravenção com as mais elementares regras de celeridade processual e do direito de todos os contribuintes e demais administrados a uma decisão célere e em tempo útil.

455. Com efeito, e por força do disposto no nº 4 do artigo 20º da CRP, “Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo”.

456. No mesmo sentido, o artigo 96º nº 1 do CPPT, segundo o qual “O processo judicial tributário tem por função a tutela plena, efectiva e em tempo útil dos direitos e interesses legalmente protegidos em matéria tributária”.

457. Aliás, e segundo o artigo 96º nº 2 do CPPT, “Para cumprir em tempo útil a função que lhe é cometida pelo número anterior, o processo judicial tributário não deve ter duração acumulada superior a dois anos contados entre a data da respectiva instauração e a da decisão proferida em 1.ª instância que lhe ponha termo.”.
458. Ora, considerar que a prescrição só se inicia com o trânsito em julgado da decisão que indeferiu a reclamação graciosa ou a impugnação judicial, isso significa, na prática, que o prazo de prescrição deixa de constituir o leitmotiv que pressionaria as autoridades responsáveis pela condução dos processos à eficiência e celeridade processual na tramitação dos mesmos, tendo por objectivo a obtenção de uma decisão final em tempo razoável e útil, à qual todos os administrados têm direito, por força da nossa Lei Fundamental.

459. Efectivamente, assim sendo não há qualquer pressão no sentido da decisão final dos litígios jurídico-tributários, ficando o contribuinte, eternamente, refém de uma dívida fiscal com dezenas e dezenas de anos e com o agravamento financeiro decorrente da morosidade na resolução do litígio – designadamente, ao nível do empolamento dos juros de mora e dos encargos financeiros que entretanto foi suportando com a garantia que foi obrigado a prestar para suspender o processo de execução fiscal, ou ao nível dos prejuízos associados à apreensão e consequente imobilização de bens penhorados durante anos a fio.

460. Note-se que chegou a ser proferida Sentença no sobredito processo de impugnação judicial, em 1ª Instância, que veio a ser anulada pelo STA, por falta de pronúncia, com a consequente obrigatoriedade de prolação de nova Sentença – conforme resulta da factualidade constante do ponto 15. da matéria de facto assente.

461. Desde o CPCI (artigo 27º), em vigor desde Julho de 1963, passando pelo CPT (artigo 34º nº 3) e até à LGT (artigo 49º nº 2, até à sua revogação pela Lei nº 53-A/2006, de 29/12, a partir de 01.01.2007, a qual, constituindo mais uma machadada nas garantias dos contribuintes, veio escancarar a porta ao desleixo na tramitação e decisão processual),

462. o legislador sempre considerou que a interrupção da prescrição (efeito maior) se transmutava em mero efeito suspensivo (efeito menor) no caso do processo que produzisse o efeito interruptivo estivesse parado por mais de um ano, por facto não imputável ao contribuinte.

463. Assim pretendeu sempre o legislador, durante quase meio século, que os processos não estivessem parados por mais de um ano, por razões inimputáveis ao contribuinte.

464. Com efeito, assim se visava garantir que a controvérsia sobre a legalidade ou exigibilidade da dívida exequenda fosse decidida num prazo razoável, obstando a que a paragem do processo por motivos não imputáveis ao devedor pudesse determinar a manutenção sine die da execução fiscal, com todos os encargos e prejuízos inerentes.

465. E, note-se, esta vontade de celeridade processual do legislador, e de obtenção de uma decisão final em tempo útil, subsistia à data dos factos relevantes em apreço, todos eles verificados antes da Lei nº 53-A/2006, de 29/12.

466. Mais uma razão, por isso, para não podermos aceitar que o prazo de prescrição só se inicia com o trânsito em julgado da decisão que pôs termo ao processo onde se discutiu a legalidade da dívida exequenda.

467. Da conjugação do disposto no nº do artigo 48º da LGT, que passou a consagrar um prazo de prescrição mais curto, de 8 anos, com os artigos 5º nº 1 do DL nº 398/98, de 17/12, que aprovou a LGT, e 297º nº 1 do CC,

468. resulta que, da aplicação da nova lei (a LGT), não pode extrair-se uma interpretação normativa no sentido do alargamento do prazo de prescrição – não foi essa, inequivocamente, a vontade do legislador, muito menos da respectiva lei de autorização legislativa.

469. Assim, o artigo 49º da LGT, na redacção da Lei nº 100/99 de 26 de Julho, interpretado no sentido de que o prazo de prescrição interrompe-se sucessivamente no tempo, por virtude dos sucessivos factos interruptivos, independentemente dos anteriores terem ou não cessado o respectivo efeito interruptivo, e que o prazo de prescrição só se inicia a partir do trânsito em julgado do último dos processos interruptivos, padece, pois, também de inconstitucionalidade material por violação do direito à obtenção de uma decisão em prazo razoável e mediante um processo equitativo, consagrado no nº 4 do artigo 20º da CRP.

Acresce que,

470. Só com o aditamento de um novo nº 4 ao artigo 49º da LGT, por meio do artigo 89º da Lei nº 53-A/2006, de 29/12 - entrado em vigor em 01.01.2007, conforme o respectivo artigo 163º,

471. é que o legislador, inovadoramente, veio considerar que o prazo de prescrição legal se suspende enquanto não houver decisão transitada em julgado, no caso de impugnação judicial.

472. Se já fosse esta a interpretação a retirar da anterior redacção do nº 3 do artigo 49º da LGT, certamente que o legislador não teria aditado este novo nº 4.

473. Ora, é manifesto que esta nova lei é inaplicável ao caso, de ocorrência claramente anterior a 01.01.2007 - por força dos sobreditos princípios fundamentais da legalidade e irretroactividade das normas fiscais (cfr. artigos 12º da LGT, 12º do CC e 103º nº 2 e 3 da CRP).

474. Sendo certo que o artigo 49º da LGT deve ser interpretado com a redação em vigor à data dos factos – sendo legalmente inadmissível, por força do princípio fundamental da proibição da retroactividade fiscal, consagrado no artigo 103º nº 3 da CRP, interpretar e aplicar aquele preceito segundo a redacção que lhe foi conferida apenas pela Lei nº 53-A/2006, de 29/12, entrada em vigor apenas em 01.01.2007, muito depois, portanto, dos factos em discussão.

475. Com efeito, conferir àquele preceito legal, na dita redacção da Lei nº 100/99, de 26 de Julho, um sentido que apenas veio a ser consagrado no texto da lei pela Lei nº 53-A/2006, de 29/12, viola a proibição da retroactividade em questões de garantias dos contribuintes (artigo 103º nº 3 da CRP).

476. Daí que o artigo 49º da LGT, redacção da Lei nº 100/99, de 26 de Julho, interpretado no sentido de que o prazo de prescrição só se inicia com o trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo em que se discute a legalidade da dívida exequenda - ou seja, interpretado segundo a letra de lei que lhe foi conferida apenas pela Lei nº 53-A/2006, de 29/12 - padece de inconstitucionalidade material por violação do princípio da proibição da retroactividade em matéria fiscal, consagrado no artigo 103º nº 3 da CRP.

Sem prescindir, por cautela de patrocínio,

477. Depois da apresentação da reclamação graciosa, em 12.07.2000 ocorreu a instauração e citação da Recorrente para o processo de execução fiscal (cfr. 4. e 5. da factualidade provada).
478. A citação para o processo de execução fiscal não figurava no elenco dos factos interruptivos previstos no nº 3 do artigo 34º da LGT – tão só aí figurava a instauração do processo de execução fiscal.

479. Aquele facto - citação para o processo de execução fiscal - passou a figurar no elenco dos factos interruptivos do artigo 49º nº 1 da LGT (redacção da Lei nº 100/99, 26/7).

480. Seja como for, conforme factualidade constante de 8. e 9. dos factos provados, o processo de execução fiscal esteve parado por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte.

481. Com efeito, dessa factualidade resulta que, em 06.04.2001, a Recorrente apresentou no 1º SF de Matosinhos, no âmbito do processo de execução fiscal, uma acta adicional emitida pela C..., reduzindo o seguro-caução para Esc. 1.892.249.620$00, e só em 26.03.2004 é que o 1º SF de Matosinhos proferiu despacho a suspender o processo de execução fiscal.

482. Dessa factualidade resulta, pois, que o processo de execução fiscal esteve parado entre Abril de 2001 e Março de 2004, por motivos não imputáveis ao contribuinte, não tendo sido praticado qualquer acto processual nesse interregno temporal (entre 06.04.2001 e 26.03.2004 - tal como se extrai, aliás, do teor de fls. 110 a 113 do processo de execução fiscal junto aos autos.

483. E, contrariamente ao entendimento da douta Sentença recorrida, esta paragem do processo de execução fiscal por mais de um ano, por motivo inimputável ao contribuinte, deve relevar no cômputo da prescrição, por força do disposto no artigo 34º nº 3 do CPT.

484. Com efeito, o facto de o contribuinte ter reduzido a garantia em 2001, isso não significava “automaticamente” que o processo de execução fiscal ficasse suspenso - essa suspensão teria obviamente de ser decretada pelo órgão de execução fiscal, a quem competia a condução da tramitação do processo de execução fiscal.

485. Com efeito, aquela redução da garantia ficou obviamente na dependência da aceitação do órgão de execução fiscal.

486. Ora, como o órgão de execução fiscal aceitou essa redução da garantia apenas em 2004, passados 3 anos, com o consequente decretamento da suspensão do processo de execução fiscal apenas em 2004, é óbvio que o processo de execução fiscal, indevidamente, esteve parado por mais de um ano por razões imputáveis ao órgão de execução fiscal, e não por razões imputáveis ao contribuinte.

487. O que tem as consequências previstas no artigo 34º nº 3 do CPT, depois reiteradas no artigo 49º nº 2 da LGT, redacção da Lei nº 100/99, 26/7: contagem de prazo de prescrição, de 8 anos, desde o seu início, 01.01.1999, até Julho de 2000 (cfr. 4. dos factos provados), somando-se todo o tempo decorrido desde 06.04.2002.
488. Com efeito, antes do processo de execução fiscal ter ficado suspenso por causa da garantia que o contribuinte for forçado a prestar, o mesmo processo de execução fiscal esteve efectivamente parado por mais de um ano por motivo não imputável ao contribuinte.

489. É isso que se extrai da factualidade provada em 8. e 9. da matéria de facto assente, pelo que a douta Sentença recorrida, ao afirmar que o processo de execução fiscal não esteve parado por mais de um ano por motivo inimputável ao contribuinte padece de erro de julgamento.

490. Assim, caso, por mera hipótese, devesse ser considerado que a instauração ou a citação para o processo de execução fiscal voltou a interromper (novamente) o curso do prazo de prescrição, de 8 anos, ainda assim este prazo de prescrição já decorreu.

491. Com efeito, deveria ser contado o prazo de prescrição decorrido entre 01.01.1999 e Julho de 2000, ao qual deveria ser adicionado o tempo decorrido desde 06.04.2002.

492. Sendo pois, inequívoco, já ter decorrido aquele prazo de prescrição de 8 anos, ainda que, por mera hipótese, se considerasse que a instauração ou a citação para o processo de execução fiscal interrompeu novamente o prazo de prescrição - que já havia sido anteriormente interrompido pela apresentação da reclamação graciosa.

Ainda sem prescindir,
493. Em 03.07.2001 foi apresentada impugnação judicial contra as liquidações exequendas (cfr. factualidade provada em 14. dos factos assentes).

494. A qual, segundo foi dado por provado em 31. dos factos assentes, não esteve parada por mais de um ano.

495. E transitou em julgado em 12.07.2012, segundo se afirma em 28. dos factos provados.

496. Ora, ainda que, por mera hipótese, se considerasse que o prazo de prescrição voltou a ser interrompido, pela terceira vez (!?), em virtude da apresentação da Impugnação Judicial, ainda assim o dito prazo de prescrição teria decorrido.

497. À data da apresentação da Impugnação Judicial, 03.07.2001, dispunha então o artigo 49º nº 3 da LGT, na redacção da Lei nº 100/99, de 26/7: “O prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou de reclamação, impugnação ou recurso.”.

498. Ora, como constituíam Doutrina e Jurisprudência unânimes à data (vide supra; cfr. doc. 9 em anexo), aquele preceito legal, naquela redacção, deveria ser interpretado no sentido de que a suspensão do prazo de prescrição estava dependente da suspensão do processo de execução fiscal - como, aliás, resulta do seu teor.
499. E, não, no sentido de que o prazo de prescrição estaria suspenso durante todo o período de pendência do processo de Impugnação Judicial.

500. Com efeito, o artigo 49º nº 3 da LGT, na redacção da Lei nº 100/99, de 26/7, nunca foi interpretado pela Doutrina e Jurisprudência no sentido de que, em caso de apresentação de Impugnação Judicial, o prazo de prescrição só se iniciava no momento do trânsito em julgado do mesmo.

501. Sendo certo que o processo de execução fiscal, como acima se referiu e ficou provado, esteve parado por mais de um ano, por facto não imputável ao contribuinte.

502. Com efeito, não pode o artigo 49º nº 2 e 3 da LGT, na redacção da Lei nº 100/99, de 26/7, ser interpretado no sentido que a suspensão do prazo de prescrição, por suspensão do processo de execução fiscal, subsiste inclusivamente quando o processo esteve parado por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte.

503. E o contribuinte que presta garantia e obtém a suspensão do processo de execução fiscal não pode ser prejudicado em relação àquele que é igualmente alvo de processo de execução fiscal mas não presta qualquer garantia nem tem património penhorável - o primeiro, garantindo junto do Estado o pagamento da dívida exequenda, seria prejudicado com a suspensão do prazo de prescrição, enquanto o segundo, não dando qualquer garantia ao Estado, seria beneficiado com o decurso do prazo de prescrição, o que não tem sentido.

504. Não pode ter sido essa a intenção do legislador, tendo em conta que, nos termos do artigo 9º nº 3 do CC, ex vi do artigo 11º da LGT, “Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”.

505. Conforme era entendimento Doutrinal e Jurisprudencial unânimes, a suspensão do prazo de prescrição prevista no artigo 49º nº 3 da LGT, na redacção da Lei nº 100/99, de 26/7, estava subordinada à não paragem do processo por mais de um ano, por motivo não imputável ao contribuinte, prevista no nº 2 do mesmo artigo 49º da LGT.

506. Assim, e porque o processo de execução fiscal, como se disse e provou, esteve parado por mais de um ano, por facto não imputável ao contribuinte, o prazo de prescrição apenas se suspendeu, nos termos do artigo 49º nº 3 da LGT (redacção da Lei nº 100/99, de 26/7), entre 12.07.2000, data da citação para o processo de execução fiscal, e 06.04.2002, data em que se completou um ano de paragem do processo de execução fiscal por motivo não imputável ao contribuinte.

507. Logo, ainda que, por mera hipótese, se considerasse que Impugnação Judicial voltou a interromper o decurso do prazo de prescrição, ainda assim o prazo de prescrição teria decorrido.
508. Com efeito, tendo a Impugnação Judicial sido apresentada em 03.07.2001, com a consequente interrupção, nessa data, do prazo de prescrição, nos termos do artigo 34º nº 3 do CPT e 49º nº 1 da LGT, cujo decurso esteve suspenso até 06.04.2002, nos termos do artigo 49º nº 3 da LGT (redacção da Lei nº 100/99, de 26/7), nos termos referidos,

509. ainda assim o prazo de prescrição, de 8 anos, teria decorrido, uma vez que já decorreram mais de 8 anos contados de 06.04.2002 (completaram-se em 06.04.2010), data em que se perfez um ano de paragem do processo de execução fiscal por motivos não imputáveis ao contribuinte.

Ainda sem prescindir,

510. Provou-se igualmente, em 40. da factualidade provada, que em 10.09.2001, “a reclamante apresentou pedido de revisão oficiosa da liquidação do IVA, sobre o qual a administração não se pronunciou”.

511. Ou seja, esse pedido de revisão oficiosa ficou parado no tempo, há mais de 12 anos (!!!), por motivo não imputável ao contribuinte, o que teria também as consequências supra referidas.

512. Nos termos do artigo 49º nº 1 da LGT, na redacção então em vigor - ou seja, na redacção da Lei nº 100/99, 26/7 - o pedido de revisão oficiosa constituía, em abstracto, facto interruptivo da prescrição (embora o artigo 34º nº 3 do CPT não o tivesse elegido como facto interruptivo da prescrição).

513. Ora, ainda que, por mera hipótese, se considerasse que esse pedido de revisão oficiosa voltou a interromper, pela 4ª vez (!?), o curso do prazo de prescrição, ainda assim o prazo de prescrição, de 8 anos, teria decorrido.

514. Com efeito, fruto daquela paragem do pedido de revisão oficiosa, o prazo de prescrição contar-se-ia desde o seu início, 01.01.1999, até 10.09.2001, somando-se o tempo decorrido desde 10.09.2002.

515. Pelo que, mesmo nessa hipótese, o prazo de prescrição, de 8 anos, há muito que se completou.

516. Sendo certo que, contrariamente ao entendimento da douta Sentença recorrida, nos termos do artigo 56º nº 1 da LGT a AT está legalmente obrigada a pronunciar-se sobre todos os assuntos da sua competência que lhe sejam apresentados pelos contribuintes por quaisquer meios previstos na lei.

517. Com efeito, contrariamente ao entendimento da douta Sentença recorrida, embora o contribuinte pudesse reagir judicialmente contra o indeferimento tácito daquele pedido de revisão oficiosa, nada na lei o obrigava a fazê-lo - outrossim, era uma faculdade que lhe assistia, de apresentar, se assim entendesse, Impugnação Judicial ou Recurso Hierárquico contra o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa.

518. Como se referiu, quem estava legalmente obrigado a agir, mais concretamente a decidir, era precisamente a AT, por imperativo legal.

519. Pelo que, contrariamente ao entendimento da douta Sentença recorrida, não é minimamente imputável ao contribuinte a circunstância, provada, daquele pedido de revisão oficiosa, decorridos mais de 12 anos, nunca ter merecido qualquer pronúncia da AT - a entidade legalmente competente para a sua apreciação.

Acresce que,

520. Sobre a matéria em apreço, junta-se douto Parecer do Prof. Jorge Miranda (cfr. doc. 10).

ACRESCE QUE,

521. Como se denota da factualidade provada em 1. dos factos provados, e conforme decorre da factualidade acima referida, a Recorrente não foi notificada das operações de cálculo e apuramento que terão conduzido à fixação, em Euro 9.438.501,31, do valor cujo pagamento foi exigido à Recorrente - coincidente com o limite máximo do capital garantido por meio do sobredito seguro-caução.
522. A douta Sentença recorrida violou os artigos 36º nº 1 e 2 do CPPT, 77º nº 1, 2 e 6 da LGT e 268º nº 3 da CRP,

523. dos quais advém que aquele valor de Euro 9.438.501,31, exigido à Recorrente, deveria ter sido devidamente explicitado, quanto às operações de cálculo e apuramento que lhe estarão subjacentes, designadamente quanto à forma como foram aí incluídos e calculados os juros de mora, em termos de prazo de cálculo, taxa aplicada e base de cálculo desses juros - o que não sucedeu.

524. Com a consequente inexequibilidade e inexigibilidade da dívida exequenda em relação à Recorrente – por ineficácia jurídica (cfr. artigos 77º nº 6 da LGT, 36º nº 1 do CPPT e 268º nº 3 da CRP).

525. Aliás, conforme factualidade acima referida, a Recorrente já por diversas vezes que requereu, junto do 1º SF de Matosinhos, a explicitação dos juros de mora que lhe foram exigidos, quanto à taxa, período e base de cálculo, o que lhe foi sucessivamente negado.

526. Com efeito, sendo a dívida exequenda de Esc. 1.376.131.937$00 (Euro 6.864.117,16), e computando os juros de mora que legalmente seriam devidos, nunca o valor a pagar poderia ser, por uma incrível coincidência, correspondente exactamente o valor máximo da garantia (seguro-caução).

527. Importa considerar que, nos termos do seguro-caução, o quantum da responsabilidade assumida pela Recorrente tem o limite máximo de Euro 9.438.501,31 – e, não, que a responsabilidade da Recorrente corresponde exactamente àquele valor de Euro 9.438.501,31.

528. Não estando a Recorrente obviamente obrigada a pagar mais do que for legalmente devido, nem sendo minimamente legítimo exigir-se-lhe o pagamento de mais do que está legalmente estabelecido.

529. E sucede que se desconhecem, porque não foram explicitadas, as operações de cálculo e apuramento que terão conduzido ao valor cujo pagamento foi exigido à Recorrente – particularmente quanto aos juros de mora e às custas que foram exigidas.

530. Em consequente prejuízo do direito de defesa e tutela jurisdicional do contribuinte, constitucionalmente consagrado nos artigos 20º e 268º nº 4 da CRP.

531. Com efeito, o contribuinte tem o direito de perceber de que forma foi apurado o valor cujo pagamento lhe foi exigido (cfr. artigos 36º nº 1 e 2 do CPPT, 77º nº 1 e 2 da LGT e 268º nº 3 da CRP).

532. Sendo certo que, contrariamente ao pressuposto na douta Sentença recorrida, a explicitação daquele valor de Euro 9.438.501,31 não constava nem das liquidações exequendas nem da citação para o processo de execução fiscal, conforme resulta dos sinais dos autos.

533. Sendo que os artigos 36º nº 1 e 2 do CPPT, 266º nº 2 e 268º nº 3 da CRP, 59º e 77º nº 1 e nº 6 da LGT, 6º-A e 7º do CPA, impõem à AT deveres legais de notificação, fundamentação, colaboração e respeito pelo princípio da boa-fé - logo, impunham que, antes do accionamento da garantia, fosse previamente notificada a Recorrente o despacho a ordenar o prosseguimento do processo de execução fiscal e a fixar o valor exigido, devidamente explicitado e fundamentado, com as operações de cálculo e apuramento que conduziram ao valor cujo pagamento foi exigido.

534. Com efeito, a notificação dos actos tributários lesivos do contribuinte traduz-se num direito fundamental constitucional dos contribuintes e constitui uma condição de eficácia jurídica e de oponibilidade dos mesmos em relação aos contribuintes lesados por esses mesmos actos tributários.

535. Isso constitui uma condição de salvaguarda do direito de defesa e protecção jurisdicional efectiva do contribuinte (artigos 9º da LGT, 20º e 268º nº 4 CRP).

536. Tal como resulta da factualidade provada, em relação à exigência daquele valor de Euro 9.438.501,31, tudo se passou directamente entre o 1º SF de Matosinhos e a C..., à revelia e sem conhecimento prévio da Recorrente, não fosse a circunstância da C... ter informado a Recorrente do que estava a ocorrer – e do 1º SF de Matosinhos, tão só a posteriori, ter notificado a Recorrente do despacho proferido em 06.03.2013.

537. Ainda assim, este despacho do 1º SF de Matosinhos não continha, nem contém, a mínima explicitação das operações de cálculo e apuramento subjacentes ao valor, Euro 9.438.501,31, cujo pagamento foi exigido – particularmente importante, atenta a sua magnitude - em desrespeito das mais elementares garantias do contribuinte e em violação, entre outras, das sobreditas disposições legais.

538. Pelo que a douta Sentença recorrida, respeitosamente, padece de erro de julgamento e violação das referidas disposições legais.

ACRESCE QUE

539. Conforme se alegou na PI, o despacho do 1º SF de Matosinhos aqui reclamado padece de errónea interpretação e aplicação do artigo 200º nº 2 do CPPT, já que este se reporta às situações de pagamento em prestações, o que não era o caso.

540. Salvo o devido respeito, a douta Sentença padece de erro de julgamento.

541. Com efeito, contrariamente ao que afirma este douto aresto, aquele artigo 200º nº 2 do CPPT não “estabelece as consequências para quem não prestou garantia nos termos do artº 199º do CPPT, no caso incumprimento do executado”.
542. Sendo certo que, no caso, a Recorrente prestou garantia (seguro-caução), conforme 6. e 8. dos factos provados.

543. Aquele normativo, conforme resulta do seu teor, aplica-se nos casos em que, estando em curso um plano de pagamento em prestações (para cujo efeito o devedor foi obrigado a prestar garantia, cfr. artigo 199º do CPPT), o devedor falta ao pagamento dessas mesmas prestações.

544. Ora, no caso, e tal como resulta da factualidade provada, não esta em curso qualquer plano de pagamento em prestações.

545. Pela que a douta Sentença recorrida, respeitosamente, interpretou e aplicou erradamente o disposto naquele artigo 200º nº 2 do CPPT.

ACRESCE QUE,

546. Conforme se alegou na PI, o despacho reclamado não cumpriu o clausulado do seguro-caução prestado, segundo o qual o mesmo só poderia ser accionado no caso de a Recorrente faltar ao cumprimento das suas obrigações - tal como, aliás, resulta da factualidade provada em 6. da matéria de facto assente.

547. Com efeito, segundo essa factualidade, só era legítimo o accionamento do seguro-caução se a Recorrente previamente faltasse ao cumprimento das suas obrigações - ou seja, a responsabilidade assegurada pela entidade garante, por meio do seguro-caução em questão, era uma responsabilidade subsidiária em relação à Recorrente.

548. Ora, sucede que, tal como se extrai dos sinais dos autos, nunca a Recorrente havia sido previamente interpelada para pagar a referida quantia de Euro 9.438.501,31.

549. Pelo que não era legítima a exigência, à C..., do pagamento daquele valor, coincidente com o limite máximo assegurado por meio do seguro-caução em questão.

550. Contrariamente ao entendimento da douta Sentença recorrida, a AT, beneficiária do seguro-caução, estava obrigada a respeitar o clausulado do seguro-caução.

551. Se assim não fosse, a AT poderia por exemplo solicitar o pagamento do triplo do valor assegurado, o que seria seguramente ilegítimo - o seguro caução foi apresentado pela Recorrente e foi aceite pela AT, pelo que o respectivo clausulado deve ser respeitado pela AT (pacta sunt servanda, cfr. artigo 406º do CC).

552. Sendo certo, como se disse e foi dado por provado, que nos termos do clausulado do seguro-caução, o mesmo só poderia ser accionado contra a entidade garante caso a devedora originária, aqui Recorrente, incumprisse com a sua obrigação de pagamento da quantia cujo pagamento foi exigido à entidade garante, Euro 9.438.501,31.
553. Ora, sucede que a Recorrente nunca foi previamente notificada ou interpelada para pagar esta quantia de Euro 9.438.501,31 - conforme decorre dos sinais dos autos.

554. Pelo que, relativamente àquele valor de Euro 9.438.501,31, não se pode considerar que a Recorrente entrou em mora ou falta de cumprimento das suas obrigações fiscais (artigos 804º nº 1 e 805º nº 1 do CC).

555. Com efeito, nunca o 1º SF de Matosinhos, nem qualquer outra autoridade da AT, alguma vez notificaram ou de algum modo interpelaram a Recorrente para o pagar, antes da interpelação dirigida à C... – pelo que, concretamente em relação àquele valor, não se pode considerar que a Recorrente entrou em mora ou falta de cumprimento das suas obrigações fiscais.

556. De modo que, por força do clausulado do seguro-caução, oportunamente apresentado e aceite pela AT, é ilegal a exigibilidade imediata daquela quantia à entidade garante, a C... - sem prévia interpelação da aqui Recorrente e sem prévia excussão do património desta.

557. Com efeito, a C... não se obrigou como pagador principal, como acima se referiu e resulta do clausulado do seguro-caução.

558. É que o seguro-caução em causa afirma expressamente: “… responsabilizando-se a Seguradora dentro desta garantia por fazer a entrega de quaisquer importâncias que se tornem necessárias, até àquele limite, se a I... – Sociedade Imobiliária, SA, faltando ao cumprimento das suas obrigações, com elas não entrar em devido tempo”.

559. Em suma, atento o clausulado do seguro-caução, aceite pela AT, a responsabilidade da C... é meramente subsidiária – como, aliás, acima se assinalou.

560. Que a AT tem naturalmente de respeitar, contrariamente ao entendimento da douta Sentença recorrida.

561. Pelo que a douta Sentença recorrida, salvo o devido respeito, incorreu em erro de julgamento e violação das referidas disposições legais.

ACRESCE QUE,

562. Alegou ainda a Recorrente, na PI, que o referido despacho de 06.03.2013, do 1º SF Matosinhos, aqui reclamado, violou os artigos 36º nº 1 do CPPT, 266º nº 2 e 268º nº 3 da CRP, 59º e 77º nº 6 da LGT, 6º-A e 7º do CPA, dos quais advinham deveres legais de notificação e colaboração com os contribuintes, e o respeito pelo princípio da boa-fé,

563. os quais impunham que o contribuinte, antes do accionamento da garantia, deveria ter sido previamente notificado de despacho a ordenar o prosseguimento do processo de execução fiscal e a fixar o valor exigido ao contribuinte, devidamente explicitado e fundamentado.

564. Com efeito, em desrespeito dos direitos e interesses legalmente protegidos do contribuinte e em violação dos deveres jurídicos de colaboração, informação e notificação (cfr. artigos 55º, 56º, 59º e 67º da LGT, 4º, 7º e 9º do CPA, 266º nº 1 e 268º nº 1 da CRP), a AT, com o despacho reclamado, ordenou o prosseguimento do processo de execução fiscal sem prévia notificação do mesmo ao contribuinte.

565. Contrapõe a douta Sentença recorrida que, apesar do ofício que comunicou aquele Despacho não ter indicado os meios e prazos de reacção à disposição do contribuinte, em violação do artigo 36º nº 2 do CPPT, isso é irrelevante, tendo a notificação sido validamente efectuada já que o contribuinte usou tempestivamente do meio de reacção previsto na lei - a presente Reclamação Judicial,

566. acrescentando que a AT não estava obrigada a notificar o contribuinte do montante exacto da dívida, após trânsito em julgado, podendo o contribuinte, nos termos do artigo 189º nº 8 do CPPT, requerer o pagamento em prestações e solicitar os esclarecimentos necessários sobre o montante exacto da dívida.

567. Ora, como se referiu, não era isso que estava em questão.

568. Com efeito, não estava em causa a falta de notificação dos meios e prazos de reacção, tão pouco se a AT estava ou não obrigada a notificar o contribuinte do montante exacto da dívida.

569. O que estava em crise é que a AT ordenou o prosseguimento do processo de execução fiscal, com accionamento da garantia, sem sequer previamente notificar a Recorrente do despacho que assim ordenou.

570. De facto, não estava nem está em causa, contrariamente ao pressuposto na douta Sentença recorrida, que a AT estivesse obrigada a notificar ou citar novamente o contribuinte para este efectuar o pagamento, antes de ordenar o prosseguimento do processo de execução.

571. Com efeito, o contribuinte já anteriormente havia sido notificado das liquidações e citado para o processo de execução fiscal.

572. O que estava em questão era que a AT ordenou o prosseguimento do processo de execução fiscal, com accionamento da garantia, sem sequer previamente notificar a Recorrente do despacho que assim ordenou.

573. Sendo certo que, nos termos das sobreditas disposições legais, o contribuinte tem o direito de ser notificado de todos os actos e decisões lesivas dos seus interesses.

574. Com efeito, por força do disposto nos artigos 36º nº 1 do CPPT, 266º nº 2 e 268º nº 3 da CRP, 59º e 77º nº 6 da LGT, 6º-A e 7º do CPA, a AT é titular dos deveres legais de notificação e colaboração com os contribuintes, devendo ainda respeitar o princípio da boa-fé.

575. Por via disso, e contrariamente ao decidido, a Recorrente deveria ter sido previamente notificada, pela AT, do despacho a ordenar o prosseguimento do processo de execução fiscal e a fixar o valor exigido ao contribuinte, devidamente explicitado e fundamentado, antes de ordenado o levantamento da suspensão do processo de execução fiscal e o prosseguimento deste para acionamento do seguro-caução.

576. Assim, a douta Sentença recorrida, respeitosamente, padece de erro de julgamento e violação das referidas disposições legais.

FINALMENTE,

577. A douta Sentença recorrida determinou que o valor da acção é de Euro 9.438.501,35.

578. Ora, sucede que o valor atribuído à presente Reclamação Judicial deve ser, outrossim, de Euro 5.000,00, coincidente com a alçada da 1ª Instância dos Tribunais Judiciais.

579. Tendo em conta que se está perante uma Reclamação Judicial, é isso que resulta do disposto no artigo 97º-A nº 2 in fine do CPPT, conjugado com a Jurisprudência firmada pelo STA, designadamente nos Acórdãos da 2ª Secção, de 12.12.2012, Proc. 01299/12, e de 15.02.2012, Proc. 99/2012, ambos in www.dgsi.pt.

580. Com efeito, a presente espécie processual não se enquadra em qualquer das alíneas a) a d) do nº 1 do artigo 97º-A do CPPT.

581. Pelo que a douta Sentença recorrida, salvo o devido respeito, interpretou e aplicou erroneamente o disposto nos artigos 306º do CPC e 97º-A do CPPT.

582. Já que o valor da presente Reclamação Judicial deve ser fixado no valor da alçada dos Tribunais Judiciais de 1ª Instância.

EM SUMA,

583. Respeitosamente, a douta Sentença recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia; incorreu em erro no julgamento da matéria de facto; interpretou, aplicou e omitiu erroneamente as ditas normas e princípios legais, verificando-se as sobreditas inconstitucionalidades normativas.


Nestes termos, nos melhores de Direito e com o douto suprimento de V. Exas., concedendo provimento ao presente recurso e, consequentemente, reconhecendo a nulidade da douta Sentença recorrida, o erro no julgamento da matéria de facto, o erro no julgamento da matéria de Direito, julgando e verificando as sobreditas inconstitucionalidades normativas, com a consequente anulação do despacho aqui reclamado e o reconhecimento da prescrição da dívida exequenda, V. Exas. farão, como sempre, inteira JUSTIÇA.

CONTRA ALEGAÇÕES.
Não houve.


PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
A Exma. PGA junto deste TCAN emitiu esclarecido parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.

DISPENSA DE VISTOS.
Com dispensa de vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr. artigo 657º/4 CPC e artigo 278º/5 do CPPT), o mesmo é submetido à Secção do Contencioso Tributário para julgamento do recurso.

II QUESTÕES A APRECIAR.
As questões que se impõe apreciar neste recurso, delimitadas pelas conclusões formuladas, conforme dispõem os artºs 635º/4 e 639º CPC «ex vi» do artº 281º CPPT, resumem-se em saber se a sentença padece de nulidade por omissão de pronúncia, e apreciar se enferma de erro de julgamento quer de direito quer de facto.

Mas porque entretanto ocorreu o pagamento da dívida exequenda, há que indagar os seus efeitos na tramitação deste recurso.

III a) FUNDAMENTOS DE FACTO.

A sentença fixou os seguintes factos provados:
1. A reclamante, em 11.03.2013, foi notificada através do oficio n.º 3957/1821-31 do 1:º Serviço de Matosinhos do despacho de 06.03.2003, (fls. 178 a 181 dos autos);
2. A C... Companhia de Seguros S.A, foi citado, através do mandado para citação, datado de 06.03.2013, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 1821200001012754, para proceder ao pagamento da quantia de € 9 438 501,31, no prazo de 30 dias (fls. 207 dos autos);
3. A Administração Tributária procedeu á liquidação adicional de IVA, relativa a 1998, no valor de 1 339 149 400$00 (€ 6 679 649,05), e respetivos juros compensatórios no valor de 36 982 537$00 (€184 463,12] com data limite de pagamento em 31.10.1999 (fls 30 e 31 do Processo de Execução Fiscal –PEF- apenso aos autos);
4. A execução fiscal n.º 1821200001012754 foi instaurada em 05.07.2000 (Fls.1 do PEF);
5. A executada foi citada no PEF em 12.07.2000 para proceder ao pagamento da dívida exequenda, no valor de 6 864 117,16 e acrescidos (fls. 71 do PEF);
6. Em 27.07.2000, prestou do 1:º Serviço de Matosinhos, um seguro caução, com apólice n.º 800830/09/2213 da C..., Companhia de Seguros de Créditos, S.A. no valor de 2 769 530 561$00 (€ 13 814 360,20) o qual foi reduzido para 1 892 249 620$00 (9 438 501,31) “(…) que se destinada a garantir as responsabilidades que à I… – Sociedade Imobiliária, S.A vier a competir nas obrigações assumidas em consequência da Suspensão do Processo de Execução Fiscal n.º 1821200001012754, responsabilizando-se a seguradora dentro desta garantia por fazer a entrega de qualquer importâncias que se tornem necessárias até aquele limite se a I... – Sociedade Imobiliária, S.A., , falhando ao cumprimento das suas obrigações, com elas não entrar em devido tempo.(…)” fls. 209 e 217 dos autos e 83 do 87 do PEF);
7. Em 28.03.2001, foi proferido despacho, pelo Chefe de Repartição, para no prazo de 15 dias, o executado prestar caução, no valor de 1 892 249 620$00 e consequente levantamento da anteriormente prestada (100 do PEF);
8. Em 06.04.2001, a executada apresentou uma acta adicional, emitida pela C..., Companhia de Seguros de Créditos, S.A, na qual reduzia o seguro-caução para o valor de 1 892 249 620$00 (fls. 111 do PEF);
9. Em 26.03.2004, proferida o despacho pelo Chefe de Finanças de Matosinhos, no qual consta “ (…) Face à informação supra, e verificando-se a prestação da competente garantia, suspenda-se a execução, nos termos do n.ºs 1 e 2 do art.º 52.º da LGT e n.º1 do art.º 169.º do C.P.P.T., até decisão do pleito.
Averbamentos necessários.” (…) fls. 113 do PEF conforme se dá por integralmente por reproduzido;
10. Da informação, de 26.01.2004, que suporta o despacho consta “ Cumpre-me a obrigação de informar que a executada apresentou, em 28/07/2000, um seguro de caução, o qual consta de fls.82 a 86 e redução do mesmo, a fls.102 e 103, permanecendo pelo valor de € 9 438 501,32, para efeitos de suspensão da execução em face da impugnação 18210010300017.6 fls. 113 do PEF conforme se dá por integralmente por reproduzido;
11. O despacho de 26.03.2004, do Chefe de Finanças de Matosinhos, não foi notificado á executada;
12. Em 28.01.2000 foi interposta pela ora, reclamante, a reclamação graciosa a qual foi indeferida em 11.06.2001 (fls. 624 a 637 e 763 a 769 dos autos);
13. A reclamação graciosa não esteve parada por período superior a um ano;
14. Em 03.07.2001, a impugnante interpôs impugnação judicial do indeferimento da reclamação graciosa e relativa a liquidação adicional de IVA, que correu termos no Tribunal Tributário de 1ª instância do Porto, sob o n.º 130/01/11;
15. Por decisão 15.05.2003, do Tribunal foi improcedente, a qual pelo acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27.10.2004 foi anulada e ordenada a baixa dos autos ao 1.ª instância, a fim de ser proferida nova sentença (Cf. certidão de 04.10.2013 inserta nos autos);
16. Em 09.01.2006 foi proferida nova decisão, a qual foi objeto de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo o qual pelo acórdão de 11.04.2007, foi negado provimento (Cf. certidão de 04.10.2013);
17. Em 12.07.2007, foi proferido pelo STA, acórdão onde indeferia as nulidades arguidas pela impugnante (Cf. certidão de 04.10.2013).
18. Em 30.07.2007 pela ora reclamante, foi efetuado novo requerimento arguindo nulidade e pedia a reforma do acórdão de 11.04.2007, tendo pelo acórdão do STA de 17.10.2007, sido indeferido (Cf. certidão de 04.10.2013).
19. Em 30.07.2007 foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, o qual por decisão sumária de 11.03.2008 decidiu não tomar conhecimento do objeto de recurso interposto (Cf. certidão de 04.10.2013);
20. Em 04.04,2008 a reclamante reclamou para Conferência a qual pelo acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 283/2008 de 15.05.2008, foi indeferida a reclamação (Cf. certidão de 04.10.2013);
21. Em 31.07.2007, foi interposto recurso para o STA, com base na oposição de acórdãos, tendo pelo acórdão de 04.06.2009, decidido não haver oposição de acórdãos (Cf. certidão de 04.10.2013);
22. Em 23.07.2009, a reclamante reclamou para a Conferência a qual pelo acórdão do STA, de 07.10.2009, indeferiu a reclamação e confirmou o despacho reclamado (Cf. certidão de 04.10.2013);
23. Em 26.10.2009, a ora, reclamante interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, o qual por decisão sumária de 25.01.2010, decidiu não tomar conhecimento do objeto de recurso na parte em que é interposto ao abrigo da alínea f) do n,º1 do art.º 70.º do Lei do Tribunal Constitucional e negar provimento ao recurso na parte interposto ao abrigo da alínea d) do mesmo preceito legal. (Cf. certidão de 04.10.2013);
24. Em 05.11.2007, a reclamante veio arguir nulidade e requerer a reforma do acórdão de 17.10.2007, que pelo acórdão do STA, de 24.03.2010, foi indeferido (Cf. certidão de 04.10.2013);
25. A reclamante recorreu para a formação Plenário do STA, sobre oposição de recursos de 17.10.2007 e 24.03.2010, tendo por acórdão de 14.12.2011, decidido não haver oposição de acórdãos (Cf. certidão de 04.10.2013);
26. Em 05.11.2007, a reclamante interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, arguindo nulidades processuais dos acórdão de 11.04.2007 e 12.07.2007, o qual por decisão sumária de 09.05.2012, daquele Tribunal, entendeu não pode conhecer o objeto de recurso (Cf. certidão de 04.10.2013);
27. Em 29.05.2012, a reclamante reclamou para Conferência a qual pelo acórdão do Tribunal Constitucional, de 27.06.2012, foi indeferida a reclamação (Cf. certidão de 04.10.2013);
28. A impugnação judicial n.º 130/01/11, transitou em julgado em 12.07.2012, após o trânsito em julgado do acórdão do Tribunal Constitucional, em 27.06.2012 (Cf. certidão de 04.10.2013);
29. Em 25.02.2013, a reclamante requereu a reforma a conta no processo n.º 130/01/1, o qual em 27.02.2013, foi dado provimento parcial (Cf. certidão de 04.10.2013);
30. Em 19.03.2013, foi interposto recurso para o STA, da decisão que não julgou reformar a conta encontrando os autos para subida ao STA (Cf. certidão de 04.10.2013);
31. O processo de impugnação não esteve parado por período superior a um ano.
32. Em 20.05.2009, e no âmbito do PEF, a reclamante requereu a caducidade da garantia prestada, a qual foi indeferida por despacho de 05.08.2009, (fls. 144 dos PEF);
33. Do despacho de indeferimento da declaração da caducidade foi interposto reclamação n.º 1816/09.8 BEPRT, nos termos do art.º 276.º do CPPT, a qual veio a ser decidido em 30.09.2009, a mesma fundava em prejuízo irreparável, na qual o tribunal absteve-se de conhecer de mérito (fls. 247 a 255 do PEF);
34. Da sentença proferida em 30.09.2009, foi interposto recurso para o STA, o qual por acórdão de 13.01.2010 ordenou a baixa ao tribunal de 1ª instância para conhecer do mérito (fls. 296 a 303 do PEF);
35. Em 24.12.2012, foi proferida a sentença na reclamação n.º 1816/09.8 BEPRT, a qual foi improcedente a reclamação e manteve a garantia prestada (fls. 489 a 498 do PEF);
36. Da sentença proferida em 24.12.2012, foi interposto recurso para o TCAN, o qual por acórdão de 11.10.2012, manteve a decisão recorrida e negou provimento ao recurso (fls. 567 a 580 dos PEF);
37. Em 26.01.2011, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 1821200001012754, a reclamante apresentou um pedido de declaração de prescrição da dívida exequenda (fls. 703 a 712 do PEF);
38. Em 20.02.2012, não tendo a reclamante obtido resposta ao pedido insistiu na declaração da prescrição da dívida exequenda (fls. 760 a 764 do PEF);
39. Por despacho de 06.03.2003, do 1:º Serviço de Matosinhos constante de fls. 181 do autos que aqui se dá por integralmente por reproduzido e de fls. 786 a 788 do PEF, considerou que a dívida não se encontrava prescrita;
40. Em 10.09.2001, a reclamante apresentou pedido de revisão oficiosa da liquidação do IVA, sobre o qual a administração não se pronunciou;
41. Em 10.03.2013, foi interposto o processo de suspensão de eficácia do ato n.º 719/13.0 BEPRT, da qual a presente reclamação é ação principal.

No que respeita à motivação da decisão de facto, a sentença registou o seguinte:
Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados no teor dos documentos constante dos autos, dos documentos constante do processo executivo apenso aos autos.
E ainda em factos de conhecimento oficioso, e constantes do processo de impugnação que correu termos no Tribunal Tributário de 1ª instância do Porto, sob o n.º 130/01/11 e, que se encontra neste tribunal do qual foi extraída certidão em 04.10.2013, de várias peças do processo e incorporada nos presentes autos, nos termos do n.º 2 do art.º 412.º do CPC.
Quanto aos factos não provados, consta o seguinte:
Não resultam provados ou não provados outros factos com interesse para decisão.

Por despacho de 8/1/2014 a MMª juiz «a quo» procedeu à correcção da sentença, nos termos do art. 614º/2 do CPC, nos seguintes termos:

«A I... -Sociedade Imobiliária, S.A, interpôs recurso da decisão proferida em 10.10.2013, à qual aponta determinadas imprecisões na matéria de facto assente.
Nos termos do n.° 2 e 3 do art.° 614° do CPC, é permitido ao Tribunal proceder a correções, derivadas de “... erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer outras inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto (...)“ podendo ser corrigida por simples despacho, antes do recurso subir.
Com efeito verifica-se imprecisões na matéria de facto assente, que importa corrigir de imediato, nos termos do n.° 2 do art.° 614° do CPC.
Onde se lê:
(...) “2.2. MATÉRIA DE FACTO
Pelos documentos juntos aos autos, não impugnados com relevância para o caso, considero provados os seguintes factos:
1. A reclamante, em 11.03.2013, foi notificada através do oficio n.°
3957/1821-31 do 1° Serviço de Matosinhos do despacho de 06.03.2003, (fls. 178 a 181 dos autos);

2.(...)
39. Por despacho de 06.03.2003, do 1° Serviço de Matosinhos constante de fls. 181 do autos que aqui se dá por integralmente por reproduzido e de fls. 786 a 788 do PEF, considerou que a dívida não se encontrava prescrita;
40.(...)
41. Em 10.03.2013, foi interposto o processo de suspensão de eficácia do ato n.° 719/13.0 BEPRT, da qual a presente reclamação é ação principal.

Deve ler:
(...) “2.2. MATÉRIA DE FACTO
Pelos documentos juntos aos autos, não impugnados com relevância para o caso, considero provados os seguintes factos:
1. A reclamante, em 11.03.2013, foi notificada através do oficio n.°
3957/1821-31 do 1° Serviço de Matosinhos do despacho de 06.03.2013, (fls. 178 a 181 dos autos);

2.(...)
39. Por despacho de 06.03.2013, do 1° Serviço de Matosinhos constante de fls. 181 do autos que aqui se dá por integralmente por reproduzido e de fls. 786 a 788 do PEF, considerou que a dívida não se encontrava prescrita;
40.(...)
41. Em 18.03.2013, foi interposto o processo de suspensão de eficácia do ato n.° 719/13.0 BEPRT, da qual a presente reclamação é ação principal.
(…)»

III b) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Para decidir a questão prévia que consiste em saber se o recurso deve ou não ser apreciado, não obstante a extinção da execução fiscal pelo pagamento, aditamos à matéria de facto provada os seguintes factos:

42. O pagamento da dívida exequenda foi efectuado em 20/12/2013 (fls. 1998).
43. A guia de pagamento foi emitida em nome de I.... Mas este foi suportado por S... Investimentos, SGPS através de dois cheques sacados sobre o BPI: cheque n.º 03987992 no valor de € 1.679.649,06 e cheque n.º 03987991 no valor de € 5.000.000,00, ambos datados de 20/12/2013 (fls. 1934 e 1935).
44. Efectuado o pagamento da dívida exequenda, o respectivo processo de execução fiscal foi declarado extinto (fls. 1830)

Posto isto, vejamos então o destino deste recurso.

Efetuado o pagamento da quantia exequenda e determinada a extinção da execução, devemos indagar, como questão prévia, se os presentes autos devem prosseguir para apreciação do recurso interposto da sentença ou se deve ser ordenada a extinção por inutilidade superveniente da lide, por extinção do seu objecto.

A recorrente entende que os autos devem prosseguir porque não houve pagamento voluntário da dívida exequenda. E muito menos espontâneo, uma vez que estava de todo impossibilitada de fazer qualquer pagamento, por ter a sua única conta bancária penhorada, terem sido penhorados os créditos e imóveis que detinha, além da execução coerciva da garantia que prestou no processo de execução fiscal (seguro caução).

Sinteticamente, os seus argumentos são os seguintes:
Estava ostensivamente coagido ao pagamento da dívida, pelo que este pagamento não foi espontâneo ou voluntário. Viu-se, diz «… a sociedade mãe do Grupo, a S... Investimentos, SGPS, SA, compelida e coagida a pagar a dívida exequenda em 20/12/2013, ao abrigo do regime do RERD, aprovado pelo DL 151-A/2013, de 31/10.» (artigo 20º e 41º do requerimento de fls. 1858)
Tece depois considerações respeitantes à diferença entre pagamento voluntário e pagamento espontâneo, sustentadas em doutrina e jurisprudência sobre a matéria.
2º Invoca a violação de caso julgado formado pelo ac. de 30/10/2013 proferido no procº n.º 719/13.6BEPRT deste TCA caso se considere haver extinção da presente instância por inutilidade superveniente da lide decorrente do pagamento da quantia exequenda.
3º E defende que enquanto o acto reclamado não for anulado, não há fundamento para a extinção da presente instância por inutilidade superveniente da lide. Contrariamente ao processo de oposição à execução fiscal, que é um processo direcionado à extinção do processo de execução fiscal, a reclamação judicial tem por objecto a anulação do acto reclamado, e não a extinção da execução fiscal.
4º Em abono da tese de que não deve ser ordenada a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, invoca ainda o disposto no n.º 3 do art. 176º do CPPT. À luz deste preceito, mantém inteira utilidade da apreciação da presente lide, na medida em que se for declarada a prescrição da dívida exequenda, nos termos da sobredita jurisprudência e Doutrina, haverá lugar à devolução do imposto pago.
5º Acresce que a reclamação judicial tem por objecto vários vícios do dito despacho do órgão de execução fiscal de 6/3/2013 para além da questão do indeferimento do pedido de declaração de prescrição, pelo que se a reclamação judicial for julgada procedente, o despacho será anulado, recaindo sobre a ATA o dever de reconstituir, imediata e plenamente, a situação jurídica que existia se o acto anulado não tivesse sido praticado.
6º Por fim, defende que considerar o inverso daquilo que as sucessivas instâncias têm sistematicamente considerado no caso em apreço, constituiria um sério abalo à segurança jurídica, ao dever de protecção de confiança e legítimas expectivas jurídicas, ínsitos no primado do Estado de Direito Democrático, para além da violação do direito de defesa e protecção jurisdicional efectiva.
7º Sugere a baixa dos autos à lª Instância, para que nessa sede seja alargada a matéria de facto provada, a fim de aferir sobre as diversas circunstâncias factuais, acima elencadas, que podem ser relevantes (segundo as várias soluções plausíveis de Direito) para a decisão de mérito acerca da extinção da Instância por inutilidade superveniente da lide. Por estarem em causa circunstâncias supervenientes, importa salvaguardar que o contribuinte não seja gravemente prejudicado pela supressão de um grau de Jurisdição.

Apreciando.
Antes de iniciarmos a apreciação desta questão, deve ficar claro que embora a recorrente defenda nesta instância, no requerimento de fls. 1858 e segs. que não obstante o pagamento da quantia exequenda os autos devem prosseguir para apreciação da questão da prescrição, já defendeu exactamente o contrário…nestes mesmos autos.

Fê-lo na petição inicial em vários artigos, quando defendia a necessidade de se suspender o processo de execução fiscal, de que destacamos:
Art. 285 (também 294 e 295): Com efeito, se a dívida exequenda for paga, antes da decisão, com trânsito em julgado acerca da prescrição da dívida exequenda, esta questão cai pela base, retirando-se inelutavelmente ao contribuinte a possibilidade de a ver apreciada.
Art. 299º: «Ora, em caso de pagamento da dívida exequenda, a questão da prescrição é “enterrada”, sem qualquer apreciação pelo Tribunal, ficando o contribuinte irremediavelmente coarctado no seu direito de defesa e acesso aos Tribunais, tendo por fim obter a tutela jurisdicional efectiva e definitiva sobre a questão da prescrição por si suscitada».
Art. 327 a 333: (327) Caso se execute efectivamente a garantia, ou seja, caso se efectue o pagamento exigido, sem previamente se aguardar pelo trânsito em julgado da decisão a proferir acerca da prescrição da obrigação tributária, o SF de Matosinhos inutilizará, na prática, a ocorrência da prescrição (328) forçando o contribuinte a pagar uma dívida prescrita, sem que este facto extintivo da obrigação possa ser jurisdicionalmente apreciado, e sem que o contribuinte tenha qualquer possibilidade de reaver o que pagou. (329) Com efeito, a questão da prescrição “morre” após pagamento da dívida exequenda, designadamente por meio de execução da garantia pendente, e consequente extinção da extinção da execução fiscal, nos termos dos artigos 176º n.º 1 a), 261º n.º 1 e 269º do CPPT (330). É que, uma vez pago o crédito tributário exequendo, voluntária ou coercivamente, esse mesmo crédito extingue-se (por pagamento), tornando-se, a partir daí, legalmente inútil e legalmente impossível discutir a eventual prescrição desse mesmo crédito tributário. (331) Com efeito, uma vez extinto o crédito, por pagamento, deixa de ser possível discutir a sua eventual prescrição. (332) que, repete-se, na eventualidade de o crédito se encontrar efectivamente escrito, o contribuinte jamais poderá reaver o que pagou (333) Com efeito, nos termos do artigo 304 n.º 2 do CC, não pode ser repetida uma prestação realizada em cumprimento de uma obrigação prescrita, ainda que efectuada com ignorância da prescrição (e continua, citando até jurisprudência no sentido defendido na petição inicial).
Art. 404 a 409: Se a referida ordem de pagamento for concretizada, o processo de execução fiscal extinguir-se-á pelo pagamento da dívida exequenda (405) Uma vez extinto o processo de execução fiscal, deixará de ter qualquer utilidade apreciar desta reclamação judicial, quer quanto à questão da prescrição, (406) quer quanto à questão de aferir se o processo de execução de execução fiscal. Invés do decidido, deveria, outrossim, estar suspenso, pelas sobreditas razões, ou se o despacho padece ou não das referidas ilegalidades (407) Com efeito, uma vez extinto o processo de execução fiscal, por virtude da concretização do pagamento exigido pelo 1º SF de Matosinhos, a presente reclamação judicial (e os concretos argumentos nela aduzidos), deixarão de ter qualquer utilidade.(409) De facto, que interesse terá, nessa eventualidade – pagamento e consequente extinção do processo de execução fiscal – aferir então se a dívida estava ou não prescrita ?»
E quando o ERFP na sua resposta alegou, entre o mais, haver abundante jurisprudência que entende que a dívida prescrita, cobrada em execução fiscal por qualquer diligência do órgão de execução, terá de ser restituída ao executado, apenas se considerando como cumprimento de obrigação natural o pagamento voluntário (arts 73 e segs.. da resposta), a reclamante, sob o pretexto de responder às exceções deduzidas pelo ERFP, disse no articulado de fls. 470 e segs. - arts 75, 77, 78, 79 e segs- (75) Por outro lado, não pode a RFP invocar, na sua Resposta, que o crédito tributário indevidamente cobrado, por prescrição, seria devolvido ao contribuinte (77) Por Jurisprudência que entende que a dívida prescrita, cobrada em execução fiscal por qualquer diligência do órgão de execução, terá de ser restituída ao executado” (78) Muito pelo contrário, uma vez paga a dívida exequenda, esta extingue-se – depois disso, nenhum sentido ou utilidade terá discutir se a dívida estaria prescrita, já que a prescrição é uma causa de extinção da dívida e esta, então, já anteriormente estaria extinta por pagamento (79) É precisamente isso que entende a Jurisprudência e a Doutrina:» (citando nos artigos seguintes vasta jurisprudência sobre a matéria em abono da tese que sustenta).

E quanto à possibilidade de aplicação do artigo 176º/3 do CPPT escreveu, em nota de rodapé «Sendo altamente discutível que o novo artigo 176º n.º 3 do CPPT, aditado pela Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, seja aplicável a um processo de execução fiscal instaurado muito antes da sua entrada em vigor, 01.01.2013, e ainda mais discutível que o mesmo abranja situações como a dos autos» (fls. 491).

Não ficam por aqui os argumentos expendidos em abono da tese contrária à que agora defende.

Com efeito, na douta sentença foram declarados não escritos os pontos n.º 21 a 93º deste articulado de fls. 470 a 499, de que a recorrente discorda (ars. 294 e segs..) e por isso poderia não fazer sentido trazê-los, agora, à luz.

Só que tais argumentos foram reiterados, e aprofundados até, nas doutas alegações de recurso (arts. 183 a 199, 209 a 264, discorrendo nos artigos 236 e segs.. acerca da falta de sentido em distinguir no direito tributário consoante o pagamento da dívida exequenda, em processo de execução fiscal, seja feito espontânea, voluntária ou coercivamente (art. 240) atenta a natureza pública do crédito tributário, prevalecente sobre o interesse privado)
(conclusões 41, 124 a 131, 133 a 137, 144, 148, 152 a 156, 160 a 183)

Quer dizer, enquanto não se procedeu ao pagamento da quantia exequenda, interessava sustentar a tese de que uma vez pago tributo já não era possível discutir a prescrição da dívida pelo que se impunha a necessidade de suspensão da execução. Este era um objectivo essencial, pelo que se mobilizaram todos os argumentos nesse sentido.

Mas quando, depois de efectuado pagamento a dívida exequenda, a suspensão da execução perdeu oportunidade, interessava agora defender outra posição que justificasse a apreciação da prescrição depois da extinção do processo de execução fiscal, não se guardando de lançar mão de uma argumentação completamente oposta na defesa de uma posição que antes combateu.

Não desconhecemos que o advogado tem o dever de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente (art. 92º/2 do EOA). Mas a defesa desses interesses deve conter-se no respeito das regras deontológicas, como resulta do mesmo preceito, e outros que o EOA prescreve, de que salientamos os art.ºs 83º e 84 do mesmo EOA.

Para a hipótese de terem sido violadas regras profissionais, deverá remeter-se à Ordem dos Advogados certidão das peças processuais para os fins tidos por convenientes.

Posto isto, retomamos a questão central que nos ocupa.
Isto é, sabendo-se que houve pagamento da dívida exequenda e que este acarretou a extinção da execução fiscal instaurada contra a recorrente, a primeira e decisiva questão que importa dissecar é saber se esse pagamento se deve considerar espontâneo, ou meramente voluntário, pondo de parte a hipótese de pagamento coercivo que se nos afigura de todo afastado, tendo em conta a noção legal que esta modalidade de pagamento encontra na lei (art. 261 a 362º CPPT).
Não sendo coercivo, todo o pagamento é voluntário (art. 264 do CPPT).
Mas nem todo o pagamento voluntário é pagamento espontâneo, assinalando-se significativa diferença entre estas duas modalidades de cumprimento das obrigações.

A doutrina e a jurisprudência desenharam esta distinção a propósito dos pagamentos efectuados numa execução que prossegue não obstante ter decorrido o prazo prescricional e são praticados actos tendentes a concretizar o objectivo de cobrança coerciva (como a citação, a penhora, ou a preparação para a venda - exemplos dado por Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado, III, 2011, pp. 290). Nestas situações, o contribuinte para evitar as consequências lesivas desses actos, procede ao pagamento.
Mas este pagamento é realizado sob pressão. Poderá ser voluntário, mas não é espontâneo.

E sendo pagamento «não espontâneo», poderá haver lugar à repetição do indevido, nos termos dos arts. 304º/2 e 403º do Código Civil.

Nestas situações, quando o pagamento da dívida prescrita é «não espontâneo», o devedor cumpre uma obrigação civil e não uma obrigação natural (art. 402º do Código Civil). Por tal razão, a extinção da execução não preclude o direito de o executado ver apreciada a prescrição da dívida.

A reclamante obteve a extinção da execução por força do pagamento realizado ao abrigo RER aprovado pelo Decreto - Lei n.º 151-A/2013, de 31/10.
Pagou sob «pressão», ou espontaneamente?
As vantagens financeiras oferecidas naquele diploma «pressionaram» o contribuinte a pagar, ou aliciaram-no?

Parece-nos claro que este pagamento deverá considerar-se livre de toda e qualquer coação na medida em que foi feito com a mira no aproveitamento das vantagens concedidas naquele diploma, designadamente as previstas no seu art. 2º.

A situação não é, por isso, totalmente comparável aos pagamentos efectuados apenas para evitar a continuação da tramitação de um processo cuja obrigação se considera prescrita, e que o STA tem entendido constituir um pagamento «não espontâneo».

No caso dos autos, tendo o pagamento sido feito com obtenção de vantagens financeiras, a questão coloca-se numa perspectiva radicalmente diferente.

É certo que a par das vantagens financeiras obtidas, também se deve ter visado a extinção da execução com todas as consequências inerentes. Mas a diferença está em que o pagamento não foi efectuado apenas para afastar «restrições» de cariz coactivo – ainda que lícitas – mas sim para beneficiar de vantagens patrimoniais que embolsou.

Não há igualdade possível entre o pagamento de uma obrigação prescrita para evitar o prosseguimento da execução, e o pagamento da mesma obrigação feito para obter vantagens, ou minimizar encargos.

Há uma diferença qualitativa na motivação subjacente às duas modalidades de pagamento que não é pequena. No primeiro caso, o contribuinte está a pôr termo a uma agressão patrimonial indevida, no segundo está a agir motivado pela maximização de vantagens.
No primeiro caso está a pagar pressionado pela forma ilícita de actuação da ATA, fazendo-o por isso de modo «não espontâneo», no segundo, adere livremente às vantagens legais que prefigura e colhe, realizando por isso um pagamento voluntário e espontâneo.

(E não deixa de ser espontâneo mesmo que ainda persista a penhora de dois imóveis. O despacho do Exmo. Chefe do Serviço de Finanças de Matosinhos -1, de 17/1/2014, ordenou o levantamento de todas as penhoras efectuadas pelo que subsistindo o seu incumprimento, o mesmo não pode ser apreciado na reclamação e muito menos neste recurso)

Tão pouco altera os dados da questão o facto de o pagamento não ter sido suportado pela recorrente. O pagamento efectuado por terceiro conduz à extinção da execução se não for requerida a sub rogação ao órgão de execução fiscal (art.º 91 e 92º do CPPT) antes do pagamento (art. 41º LGT).

Nestas circunstâncias, não se vislumbram quaisquer repercussões na marcha da execução, ou na espontaneidade do pagamento pelo facto de este ter sido suportado por terceiro. São as vantagens alcançadas com a adesão ao RER que relevam para a «espontaneidade» do pagamento e não o facto deste ter sido – ou não - suportado por terceiro, sem sub rogação.

Mas além do pagamento vantajoso da obrigação revelar um modo de cumprimento «espontâneo», devemos levar em linha de conta o objectivo subjacente do diploma em questão.
O Decreto - Lei n.º Decreto-Lei n.º 151-A/2013, de 31 de Outubro, não menciona expressamente que o pagamento ao abrigo do seu regime preclude o direito de questionar a dívida. Porém, a leitura do seu preâmbulo parece apontar nesse sentido.

Com efeito, depois de assinalar os objectivos de intensificar e reforçar medidas de combate à fraude e evasão fiscal, antes da implementação de tais medidas o legislador propõe-se «…uma intervenção extraordinária e rigorosa do Governo que confira aos contribuintes uma derradeira oportunidade de regularizar a sua situação tributária e contributiva, e que permita recuperar uma parte significativa das dívidas de natureza fiscal e à segurança social.» (sublinhado nosso).

O diploma a dirige-se às dívidas declaradas e não a meras «situações» passivas tributárias. Oferece ao contribuinte uma forma vantajosa de regularizar as suas dívidas e não protelar uma discussão acerca de tal situação.

De facto, como se refere no art. 1º/2 daquele diploma «O presente decreto -lei aplica-se a todas as dívidas referidas no número anterior, que sejam declaradas pelos contribuintes, ou pelos seus representantes, nos termos da lei, antes do ato do pagamento, ainda que desconhecidas da administração fiscal e da segurança social».

Estão em causa dívidas declaradas pelos contribuintes. Se o contribuinte entende não ter dívidas, não as declara, e este diploma não se lhe aplica. Mas se as declara, é porque as reconhece e pretende regularizá-las da forma mais económica, sem poder ignorar que «ubi commoda, ibi incommoda».

Para além disso, o objectivo de recuperação de receita era essencial. Ora se o legislador prossegue um objectivo de arrecadação de receita, para isso abdicando de parte dela mercê dos benefícios concedidos, parece não fazer sentido a compatibilização com instrumentos jurídicos que poderão subtrair o que arrecadou.

Defende também que enquanto o acto reclamado não for anulado, não há fundamento para a extinção da presente instância por inutilidade superveniente da lide, porque contrariamente ao processo de oposição à execução fiscal, que é um processo direcionado à extinção do processo de execução fiscal, a reclamação judicial tem por objecto a anulação do acto reclamado.

Concordamos com esta conclusão quando ela se insere no contexto em que a jurisprudência coloca a distinção entre pagamento voluntário e pagamento espontâneo de uma obrigação prescrita. É uma conclusão válida apenas para as hipóteses de pagamento voluntário «não espontâneo» de obrigação prescrita, e não para as hipóteses de pagamento espontâneo do mesmo tipo de obrigação, pela simples razão de que neste caso não há lugar à repetição do «indevido».

Não havendo lugar à repetição do indevido, a extinção da execução por força do disposto no art. 264º/1 do CPPT, faz perder o objecto da reclamação, ficando definitivamente assente que a mesma não prossegue contra o reclamante.

E se não prossegue contra o reclamante, parece claro que não têm de ser apreciados os fundamentos da reclamação, por tal actividade ser inútil (cfr. neste sentido o ac. do STA n.º 0969/07 de 09-04-2008, Relator: PIMENTA DO VALE, e ac. do STA n.º 01323/14
de 10-12-2014 Relator: DULCE NETO III - A reclamação prevista nos arts. 276º e segs. do CPPT, como meio processual intrinsecamente associado ao processo de execução fiscal, pressupõe a pendência do respectivo processo executivo).

Não ignoramos a doutrina do douto ac. do STA n.º 01498/12 de 23-01-2013 (Relator: ISABEL MARQUES DA SILVA) com o seguinte sumário: I - O pedido, na reclamação de acto do órgão da execução fiscal, é o de anulação do acto reclamado por ilegalidade deste, e não o de extinção da execução (como na oposição à execução fiscal).
II - Por isso, enquanto o acto reclamado se mantiver na ordem jurídica - ou seja, salvo nos casos em que venha a ser revogado ou anulado – não pode concluir-se com acerto que a reclamação que o tem por objecto se tornou supervenientemente inútil em razão da extinção da execução fiscal.
III - Impõe-se, pois, o conhecimento do mérito da reclamação, não obstante a execução fiscal na qual foi praticado o acto reclamado tenha sido entretanto extinta.

Mas deve notar-se que a questão subjacente ao caso apreciado resultava do pagamento da obrigação exequenda que o contribuinte considerava prescrita, tendo-o feito para evitar o acionamento da garantia prestada e, como alegou «Não houve cumprimento espontâneo da obrigação, porquanto o pagamento, apenas, foi efectuado para obstar a que a garantia bancária fosse accionada…»

Foi neste contexto que o douto acórdão decidiu. E fê-lo na linha de outros doutos arestos do mesmo STA que nesse sentido vem entendendo (cfr. o ac. do STA n.º 0912/13 de 10-07-2013 Sumário II - A situação em que, no n.º 2 do art. 304.º do CC se proíbe a restituição da quantia com que foi paga obrigação tributária prescrita é a do pagamento espontâneo.
III - Ainda que a obrigação tributária esteja prescrita, não pode considerar-se pagamento espontâneo o pagamento que, apesar de voluntário, tenha sido efectuado para obviar à iminente prossecução da execução e à prática de um acto lesivo, uma vez que o n.º 2 do art. 403.º do CC refere que «a prestação considera-se espontânea quando é livre de toda a coacção».
IV - Se o pagamento não puder considerar-se espontâneo, mantém utilidade o conhecimento da questão da prescrição da dívida exequenda, uma vez que o executado poderá obter a restituição do montante pago».

As situações fáticas que subjazem à doutrina explicitada naqueles acórdãos não é igual à que nos ocupa, pelo que deles não podemos retirar as conclusões que a recorrente sustenta.

Foi também para acomodar a posição doutrinária e jurisprudencial que o legislador introduziu o n.º 3 do art. Art. 176 do CPPT (na redação da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12) , de onde fica claro, em «letra de lei», que o pagamento da quantia exequenda e do acrescido (art. 176º/1) não prejudica o controlo jurisdicional da actividade do órgão de execução fiscal, nos termos legais, caso se mantenha a utilidade da apreciação da lide.
Caso se mantenha a utilidade da apreciação da lide…

Ora a lide só mantem utilidade se houver algum efeito útil que da sua continuidade possa ser extraído, como é o caso já assinalado de pagamento «não espontâneo» de obrigação prescrita, e bem assim noutras situações sumariadas no ac. do TCAN 00911/13.3BEBRG de 12-12-2014 (Relator: Vital Lopes) 1. Não ocorre inutilidade superveniente da lide de oposição, ainda que a execução fiscal venha a ser declarada extinta por pagamento, nos seguintes casos:
a) Quando a oposição à execução fiscal tenha por objecto a impugnação do acto de liquidação, designadamente quando o oponente vise imputar àquele acto uma ilegalidade abstracta (alínea a) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT) e quando a lei não assegura meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação;
b) Quando o pagamento da dívida seja efectuado pelo responsável subsidiário para beneficiar da isenção de custas e multa, nos termos do art.º23.º, n.º5 da LGT, e a oposição se mostre o meio processual adequado para defesa dos seus direitos, sendo tal o caso quando pretenda discutir a legalidade da reversão.

Porém, no caso de pagamento espontâneo de obrigação prescrita não há utilidade na apreciação da lide. Precisamente porque não há qualquer efeito prático que com ela se possa alcançar.

Por não haver qualquer efeito prático que se possa alcançar com a continuação da lide, todos os vícios imputados ao despacho reclamado de 6/3/2013 perdem a sua utilidade, uma vez que por força do pagamento espontâneo da dívida exequenda, e a extinção da execução, os vícios do despacho do órgão de execução fiscal perderam o seu objecto, porque eram dirigidos à prossecução da execução.

E não vemos que, neste caso, a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide constitua um sério abalo à segurança jurídica, ao dever de protecção de confiança e legítimas expectivas jurídicas, ínsitos no primado do Estado de Direito Democrático, para além da violação do direito de defesa e protecção jurisdicional efectiva.

É que não há nenhuma legítima expectativa em repetir o pagamento espontâneo de uma obrigação prescrita, antes pelo contrário (art. 304º/2 e 403º/1 do Código Civil), como bem sustentou a recorrente (antes de ser paga a quantia exequenda). Razão por que também não se descortina qualquer violação aos princípios ínsitos no primado do Estado de Direito Democrático, para além da violação do direito de defesa e protecção jurisdicional efectiva. E nem remotamente nos parece decorrer violação do dever de protecção da confiança. Esta, como se sabe, para ser digna de proteção jurídica, não pode apenas ser uma confiança «subjectiva», psicológica, antes deve ser uma confiança «legítima» no sentido de ser conforme ao direito, alicerçada em actos concludentes para um destinatário normal e de onde seja razoável ancorar a invocada confiança (cfr. ac. do STA n.º 01188/02 de 18-06-2003).

Também nos parece estar afastada qualquer violação do caso julgado formado pelo ac. de 30/10/2013 proferido no procº n.º 719/13.6BEPRT na hipótese de extinção da presente instância por inutilidade superveniente da lide decorrente do pagamento da quantia exequenda

No processo em referência, este TCAN apreciando o recurso da sentença que indeferiu a providência cautelar a favor do obrigado tributário (a ora recorrente) fundamentou o seguinte:

«…Com vista a obstar ao prosseguimento da execução fiscal e ao acionamento da referida garantia, a executada veio requerer a providência cautelar de suspensão de eficácia de tal acto, alegando, no essencial, que a dívida se encontra prescrita e a execução devia estar suspensa (por estarem pendentes outros meios processuais, nomeadamente acções administrativas especiais e pedido de revisão oficiosa) e que a não concessão de tal providência lhe acarretaria prejuízos irreparáveis, que indica, e referindo ainda que desse despacho iria apresentar reclamação judicial nos termos do artigo 276º e seguintes (processo principal), como veio efectivamente a fazer.
A Meritíssima Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto depois de considerar
não existir erro na forma de processo e que não se verificavam os pressupostos para
a concessão da providência nos termos do artigo 120º, nº 1, alínea a) e nº 6 do
CPTA, indeferiu a requerida providência por entender que não se verificava o
requisito do periculum in mora previsto no artigo 120°, n° 1, alínea b) do CPTA.

A recorrente começa por se insurgir contra a sentença recorrida, invocando que esta incorreu em erro de julgamento ao entender que não estavam preenchidos os pressupostos previstos no artigo 120º, n° 6 do CPTA para ser deferida a providência cautelar requerida.
Vejamos.
Na sentença recorrida foi entendido que no processo principal (reclamação judicial) não estava apenas em causa o pagamento de uma quantia, porquanto estava em causa a ilegalidade do despacho que não declarou prescritas as dívidas e a apreciação de vários vícios de carácter formal.
A recorrente discorda do assim decidido porque entende que estão integralmente verificados os pressupostos do disposto no artigo 120º, n° 6 do CPTA, já que, por um lado, o que está fundamentalmente em causa é tão só o pagamento da quantia exequenda (sem carácter sancionatório) no processo de execução fiscal em causa e, por outro, está pendente garantia prestada nos termos das leis tributárias.
Com o devido respeito, não concordamos com a recorrente.
Preceitua o artigo 120º, n° 6 do CPTA que “quando no processo principal esteja apenas em causa o pagamento da quantia certa, sem natureza sancionatória, as providências cautelares são adoptadas, independentemente da verificação dos requisitos previstos no n° 1, se tiver sido prestada garantia por uma das formas previstas na lei tributária.”
Está previsto nesta norma uma medida cautelar de suspensão de eficácia do acto administrativo que imponha o pagamento de uma quantia certa, sem natureza sancionatória, independentemente da verificação dos requisitos previstos no n° 1 dessa norma.
Ora, segundo a melhor doutrina, a suspensão de eficácia de acto administrativo que imponha o pagamento de quantia certa, sem natureza sancionatória prevista no artigo 120º, nº 6 do CPTA está prevista, no contencioso tributário, no artigo 169° do CPPT, em que se prevê o regime de suspensão da execução fiscal.- cf. Jorge Lopes de Sousa, ob. cit., pág. 613.
Portanto, existindo um regime especial, não é aplicável à suspensão da eficácia de actos de liquidação de dívidas cobradas através de processo de execução fiscal o disposto no n° 6 do artigo 147° do CPPT e no n° 6 do artigo 120º do CPTA.
De todo o modo, o que está em causa na reclamação judicial é (também) a (in)eficácia dessa mesma garantia em assegurar o pagamento da obrigação tributária em virtude do decurso do prazo de prescrição desta; ou seja, esgotando-se o prazo de prescrição da divida de nada adianta esta estar garantida, porque o credor fica impossibilitado de a cobrar, pelo que não se nos afigura que o interesse da recorrida esteja salvaguardado com a garantia prestada nos autos.
Face ao que vimos de dizer, não padece a sentença recorrida do erro de julgamento que lhe vem imputado na parte em que considerou que não se verificavam os pressupostos previstos no artigo 120º, n° 6 do CPTA, improcedendo, consequentemente, o recurso nesta parte.
Não se verificando a situação prevista no n° 6 do artigo 120° do CPTA, e não questionando a recorrente o decidido quanto à não concessão da providência nos termos do artigo 120°, n°1, alínea a) do CPTA, para que o pedido de suspensão de eficácia possa ser deferido, e tratando-se de uma providência conservatória, depende da verificação de todos os requisitos previstos no artigo 120º, n° 1, alínea b) e do nº 2 do CPTA, sendo que a inverificação de um deles implica o indeferimento da providência.
Assim, a concessão da providência depende do preenchimento dos seguintes requisitos;
(i) existência do periculum in mora, ou seja a existência de indícios de que uma intervenção cautelar é necessária para impedir a consumação de situações lesivas que, de outro modo, resultariam da mora do processo; (ii) do fummus non malus iuris, ou seja, que não seja evidente a improcedência de fundo da pretensão deduzida no processo principal; (iii) emergência, na ponderação dos vários interesses em presença, de interesses contrapostos ao do requerente, que sejam mais dignos de tutela do que aqueles que a providência pretende salvaguardar.
A sentença recorrida indeferiu a pretensão da recorrente à suspensão da eficácia do
acto por considerar, em síntese, que não se verificava uma situação do periculum in
mora, porquanto ainda que fosse obtido o pagamento da divida exequenda mediante
o accionamento da garantia, a recorrente tinha, por um lado, direito ao reembolso
da quantia executada, acrescida de juros e eventual indemnização e, por outro lado, a extinção da execução fiscal por força desse pagamento não obstava à apreciação
jurisdicional da questão da prescrição da dívida e demais vícios alegados (artigo 176°,
n° 3 do CPPT).

Diga-se, desde já, que o assim decidido merece a nossa concordância.
O periculum in mora corresponde ao fundado receio de que, quando o processo principal chegue ao fim e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar resposta adequada às situações jurídicas envolvidas no litígio, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil, seja porque essa evolução conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis (Mário Aroso de Almeida e Carlos Fernandes Cadilhe, Comentários ao CPTA, pág. 804).
Ora, a melhor doutrina tem entendido que a situação em que no artigo 304º, n° 2 do CC se proíbe o reembolso da quantia utilizada no pagamento de obrigação prescrita é apenas a do pagamento espontâneo - assim, Jorge Lopes de Sousa, in CPPT, ob. cit., volume III, pág. 290.
Como aí refere este autor “Devem distinguir-se os conceitos de “pagamento voluntário” e de “pagamento espontâneo”, pois, desde logo, não coincide o significado natural destas expressões na linguagem corrente, apontando esta última expressão para situações em que o pagamento é efectuado por exclusiva iniciativa do devedor, de moto próprio, sem incitamento derivado de qualquer causa externa. O “pagamento espontâneo” será, na linguagem corrente, uma modalidade de “pagamento voluntário”, mas será manifestamente inadequado falar em pagamento espontâneo quando ele, por exemplo, é efectuado na iminência da venda, para obstar à sua concretização. (....) De qualquer modo, mesmo que se entenda que aquele conceito de espontaneidade utilizado no art. 403º, n° 2 do CC apenas se reporta a coacção ilícita, não poderá deixar de entender-se que integra este conceito a prática de actos de execução fiscal depois de decorrido o prazo de prescrição, pois a prescrição, no processo de execução fiscal é do conhecimento oficioso, nos termos do art. 175° do CPPT e, por isso, decorrem desta norma deveres legais para a administração tributária de declarar a prescrição e de se abster da prática de actos executivos, deveres cuja omissão constitui facto ilícito, à face do conceito de ilicitude aplicável em matéria de actos de gestão pública, que é dado no art. 6° do DL n° 48051, de 21 -11-1967 e no art. 9° do RRCEE, aprovado pela lei n° 67/2007, de 31 de Dezembro”.
Por conseguinte, o prosseguimento indevido da execução fiscal pela administração tributária constitui facto ilícito, consubstanciando um acto gerador de responsabilidade civil extracontratual, pelo que a recorrente poderá obter o reembolso da quantia que indevidamente lhe seja cobrada através de uma acção de indemnização, sem prejuízo de a administração tributária ter o dever de restituir à executada essa quantia, em obediência ao princípio da legalidade porque deve pautar a sua actuação (artigo 266°, nº 2 da CRP e 55º da LGT).
Por outro lado, o tacto de a execução fiscal ser extinta em virtude do pagamento da obrigação tributária mediante o accionamento da garantia bancária (artigo 176°, n° 1 do CPPT) também não obsta a que a questão da prescrição e as demais questões invocadas nó processo principal, nomeadamente as atinentes à suspensão da própria execução fiscal, sejam apreciadas pelo tribunal e a recorrente veja satisfeitas as suas pretensões.
De acordo com o disposto no artigo 176º, n° 3 do CPPT, a extinção do processo de execução fiscal por pagamento da quantia exequenda e acrescido não prejudica o controlo jurisdicional da actividade do órgão da execução fiscal, nos termos legais, caso se mantenha a utilidade da apreciação da lide.
Ora, tendo sido intentada reclamação judicial do acto aqui em causa com vista à sua anulação, não se vê que a extinção da execução em virtude do pagamento que vier a ser obtido com o acionamento da garantia bancária torne supervenientemente inútil o conhecimento da lide.
Como se deixou dito no acórdão do STA de 23/1/2013, no Processo 01489/12 “É que as reclamações judiciais de actos praticados pelo órgão de execução fiscal podem ter por objecto qualquer acto lesivo praticado no âmbito da execução, inclusivamente aqueles que lhes ponham termo (cfr. o n.° 2 do artigo 103.° da Lei Geral Tributária e o artigo 275° do Código de Procedimento e de Processo Tributário). O critério de recorribilidade do acto é, de acordo com a directriz constitucional - artigo 268.° n.° 4 da Constituição da República - o da sua lesividade e não qualquer outro. E o pedido na reclamação é o de anulação do acto reclamado, por ilegalidade deste, e não o de extinção da execução (como paradigmaticamente sucede na oposição à execução fiscal). Dai que, enquanto o acto se mantiver na ordem jurídica - ou seja, salvo nos casos em que venha a ser revogado ou anulado - não pode concluir-se com acerto que a reclamação que o tem por objecto se tornou supervenientemente inútil ».

Como vemos claramente na fundamentação deste douto acórdão, apenas foi ponderada a modalidade de pagamento «não espontânea» através do acionamento da garantia bancária. Na altura, a recorrente não tinha procedido ao pagamento ao abrigo do RER, pelo que essa possibilidade não foi tida em conta nem podia ter sido, pois o acórdão foi proferido em 30/10/2013 e o Decreto - Lei n.º 151-A/2013 só foi publicado no dia seguinte.

Não há, portanto, qualquer identidade entre a questão que nos ocupa e a que foi apreciada e decidida naquele douto aresto. Não há identidade nem no pedido nem na causa de pedir, e por isso não há violação de caso julgado (art. 580 e 581º do CPC)

Por último, não vemos necessidade de ordenar a remessa dos autos à lª Instância, tendo em vista alargar a matéria de facto provada, a fim de aferir sobre as diversas circunstâncias factuais alegadas. A questão nuclear centra-se em torno da questão de saber se o pagamento efectuado ao abrigo do disposto no Decreto - Lei n.º 151-A/2013, de 31/10 foi espontâneo ou «não espontâneo» e se o legislador visou, de algum modo, a possibilidade de continuar a discutir a existência da dívida. Isso é um conhecimento que decorre da própria natureza vantajosa da adesão àquele RER, e do conteúdo do seu preâmbulo, pelo que não se nos afigura necessária determinar a ampliação da matéria de facto provada.

De todo o exposto devemos concluir que o pagamento da quantia exequenda foi espontâneo, acarretou a extinção da execução fiscal instaurada contra a recorrente e que o legislador não pretendeu continuar a discussão acerca da dívida.

Daí que a extinção da execução faz perder o objecto da reclamação, tornando supervenientemente inútil a apreciação do recurso (art. 277º/1,e) do CPC).

IV DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em julgar extinto este recurso por inutilidade superveniente da lide.

Extraia certidão da petição inicial, do articulado de fls. 470 e segs.., das alegações e conclusões deste recurso, deste acórdão e remeta à Ordem dos Advogados para os fins tidos por convenientes.

Custas pela recorrente.


Porto, 12 de Fevereiro de 2015.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina Bento
Ass. Pedro Vergueiro