Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00425/06.8BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/28/2022
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:REJEITAR AS NULIDADES DO ACÓRDÃO SUSCITADAS PELOS APELANTES
Sumário:-Haverá excesso de pronúncia sempre que o tribunal condene ou absolva num pedido não formulado, bem como quando conhece de pedido em excesso parcial ou qualitativo, mormente, quando, utilizando fundamentos admissíveis, aprecie dum pedido que é quantitativa ou qualitativamente distinto daquele que foi formulado pela parte, condenando em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
II- É entendimento pacífico que o julgamento da matéria de facto encontra-se sujeito a um regime de valores negativos - a saber, a deficiência, a obscuridade, ou a contradição da decisão ou a falta da sua motivação-, a que corresponde um modo diferente de controlo e de impugnação ( art.º 662.ºs 1 e 2 do CPC) não constituindo, por conseguinte, em norma, causa de nulidade do acórdão.
III- Os erros de julgamento da matéria de facto nunca, por nunca, constituem causa de nulidade do acórdão – cfr. Ac. TRC, de 20/01/2015, processo 2996/12. 0TBFIG.C1.
Sumário (elaborado pela relatora – artigo 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).
Recorrente:AA e Outro(s)...
Recorrido 1:FF e ARS NORTE
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Rejeição das nulidades arguidas.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I.RELATÓRIO
1.1. AA e mulher BB, por si e na qualidade de legais representantes de CC, Recorrentes nos autos supra identificados, notificados do acórdão proferido por este TCAN em 13/05/2022 e com o mesmo não se conformando, vêm interpor recurso para a Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do disposto no artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais (CPTA), assacando-lhe, para o que ora releva, nulidade «por violação do artigo 615º n. º 1 alíneas d) segunda parte e al. e) segunda parte e do Art. 5º n.º 1 e o Art. 607º n.º 3, n.º 4 e n.º 5 do CPC.»
1.2. Para o efeito, formulam as seguintes conclusões de recurso:
«1-Violaram-se os artigos 5º; o Art. 186º n.º 1, n.º 2 al a) e n.º 3; Art. 195 n.º 1 última parte; art. 552º n.º n.º 1 al. d); Art. 581º n.º 1; Art. 607º n.º 3 e n.º 5, Art. 614º, Art.615º n.º 1 al d) e e) todos do CPC; o art. 22º e o Art. 271º da Constituição da república Portuguesa, o art. 2º n.º 1 e n.º 2 e o art. 3º n.º 1 e n.º 2 e Art. 8º do Decreto - Lei n.º 48 051 de 21 de novembro de 1967; os artigos 483º n.º , 1 o art. 487º n.º 1 segunda parte; 493º n.º 2, Art. 499º Art. 500º n.º 1; 483º e 496º n.º 1 e n.º 3 e 497º n.º 1 Art.562º e ss 799 n.º 2 todos do CC; o despacho Nº ...11... 08 DE JULHO, Despacho nº ...7, a Lei nº 90/97, de 30 de Julho, a qual introduziu a seguinte nova redacção às alíneas c) e d) do artigo 142º; os princípios da gestão processual, do petitório/dispositivo, o da máxima celeridade dos actos, entre outros.
2-Porquando se arguiu a nulidade do acórdão que decretou a nulidade da sentença porque se decidiu pela deficiência na matéria de facto e se ampliou a mesma ao arrepio de normas expressas que impunham uma decisão diferente que não a de levar a matéria de facto, para os factos julgados como não provados, quando a natureza da prova por acordo das partes impõe que tal matéria de facto conste do manancial das provas julgadas como provadas,
3- Só se verifica tal vício quando existe falta absoluta de decisão, o que não ocorre na sentença do tribunal a quo, como no caso de decisão incompleta, insuficiente ou ilegal (1), mas ocorrerá outrossim, o que não ocorre nos autos, quando v.g. e em sede de resposta a pretenso ponto de facto controvertido se limita o Julgador a remeter para determinados documentos juntos aos autos, não individualizando porém a efectiva realidade factual que através dos mesmos considera provada, consubstanciando assim a apontada deficiência uma efectiva inexistência de elementos de facto reproduzidos/vertidos na resposta.
4-Porquanto se argui a nulidade do acórdão que decidiu por excesso de pronúncia na matéria de facto julgada como provada, com a não fixação e a força do meio de prova documental, visto que mesmo a verificar-se uma insuficiência factual da alegada prova documental o Tribunal ad quem adquira para o sector da matéria de facto provada, o que não fez, aquilo que de pertinente para o enquadramento jurídico decorra da documentação apresentada, não se impondo sempre nos referidos casos a anulação da decisão de facto do tribunal a quo e/ou a repetição - parcial - do julgamento.
5-A Doutrina quer a Jurisprudência são claras no entendimento de que, alegado o facto essencial (a relação jurídica decorrente do estado de grávida seguida no âmbito da organização e funcionamento do Serviço Nacional de Saúde), nada impedirá que se remeta para os documentos… Ademais, a sentença sob recurso respeita o formalismo legal processual, quando se identifica os factos provados e os que considerou não provados e de seguida os fundamentou tal para proceder à sua análise jurídica que finalizou com a decisão, pelo que não falta qualquer fundamentação de facto e/ou de direito, na sentença que como se releva “Destaca-se que a convicção do julgador fundou-se numa certeza histórico-empírica de elevado grau de probabilidade, em resultado do êxito das diligências instrutórias realizadas, tendo sido concatenada cuidadosamente toda a prova produzida. Mais se destaca: toda a prova documental
junta aos autos foi cuidadosamente analisada, tendo alicerçado as posições vertidas nos relatórios da consulta de especialidade tal como é referido em cada um dos pontos do probatório. Assim, o Tribunal atendeu aos documentos para os quais remete o probatório, bem como às posições vertidas na perícia realizada nos autos e ainda à prova testemunhal produzida…”
6- E quando o que foi dado ou julgado como provado foi o conteúdo que está ínsito nos documentos e não os próprios documentos, como resulta da própria motivação, sendo certo que atento o elevado número de documentos e a sua extensão sempre, será de se aceitar a remissão para o teor ou conteúdo dos documentos, pois tal é imposto pelo próprio princípio da economia processual.
7-, Não se verifica a nulidade oficiosa por excesso de pronúncia do Sr. juiz a quo, consubstanciada nos pontos 33, 34 e 35 da matéria de facto julgada como prova, quando os autores/ co recorrentes não só alegaram devida e adequadamente, todos os factos relativos à causa de pedir na petição inicial e seu artigo 13º e consubstanciados nos factos “logo que primeira ecografia realizada no Hospital ..., em 2003/11/06, a analista Dr. DD escrevia no seu relatório “deve ser efectuado rastreio bioquímico do 1º trimestre em centro credenciado para o efeito de PAPP-A e 1. Líquido fetal proteico no ventre materno” e
8- E quando ainda se alegou que, c. f. r. artigo 19º que o aludido rastreio foi pedido e realizado na Genética Médico e diagnóstico Pré-Natal Prof. Doutor EE, em 2003/11/18, tendo-se escrito, por mero lapso de escrita que aqui se pede para se relevar, c.r. dr. Doc 6, conforme determinação e segundo protocolos do Serviço Nacional de Saúde, sendo que os autores apresentaram uma relação material controvertida em que demandaram solidariamente, por terem legitimidade para tanto o réu FF e a ARS NORTE.
9-E quando é certo que no âmbito da audiência prévia em que se lavrou o despacho saneador e se determinou o objecto da acção e os competentes temas de prova, nenhuma das partes presentes suscitou quaisquer irregularidades ou nulidades que influíssem no sentido da decisão final.
10-Nem mesmo interpôs qualquer recurso interlocutório, a conhecer junto com a decisão final. Pelo que seja o objecto da acção sejam os temas de prova, constituem caso julgado formal dentro do próprio processo.
11-Assim, mostra-se que houve acordo, entre todas as partes relativamente à fixação da matéria de facto materialmente controvertida, tal como configurada pelos autores/ co recorrentes e admitida tal matéria de facto por acordo, não pode o tribunal ad quem suscitar a questão em termos de nulidade oficiosa.
12- Nos presentes autos estamos perante prejuízos relevantes quer para os Autores/ co-recorrentes pais, quer para a AA e dirimem-se interesses de particular relevância social que contendem com responsabilidade civil extra contratual pelo risco em que não foram informados, nem esclarecidos os para em articulação com o médico assistente no Centro de Saúde de ..., extensão de ... e o Hospital ..., em ..., dependentes e sob a organização e funcionamento do Serviço Nacional de Saúde, na dependência orgânica do Administração Regional de Saúde Norte no que concerne à interrupção voluntária da gravidez.
13- Nos presentes autos houve dúvidas entre os resultados da primeira ecografia e os resultados do exame de rastreio bioquímico que não foram ultrapassados em ordem a obter seguros motivos para prever que o nascituro virá a sofrer, de forma incurável, de doença grave ou malformação congénita, e for realizada nas primeiras 24 semanas de gravidez, comprovadas ecograficamente ou por outro meio adequado de acordo com as leges artis, excepcionando-se as situações de fetos inviáveis, caso em que a interrupção poderá ser praticada a todo o tempo;
14-Pelo que bem andou o Tribunal a quo, ao levar os pontos 33, 34 e 35º, à matéria de facto julgada como provada.
15-Pelo que vão arguidas e suscitadas duas nulidades de direito do acórdão revidendo, por violação do artigo 615º n. º 1 alíneas d) segunda parte e al. e) segunda parte e do Art. 5º n.º 1 e o Art. 607º n.º 3, n.º 4 e n.º 5 do CPC.»

1.3. Os apelados A..., S.A e ARSN, IP, contra-alegaram, mas não se pronunciaram sobre as nulidades impetradas pelos Recorrentes ao referido aresto.
1.4. O apelado FF, contra-alegou, sustentando, quanto à questão das nulidades que vêm assacadas ao acórdão recorrido, que as mesmas inexistem.
II. DE DIREITO
(i)Da nulidades previstas nas alíneas d) e e) do n.º1 do artigo 615.º do CPC.
2.1. As causas determinativas de nulidade das decisões judiciais encontram-se taxativamente elencadas no art.º 615º do CPC ex vi arts. 1º e 95º do CPTA e reportam-se a vícios formais da sentença em si mesma considerada, decorrente de na respetiva elaboração e/ou estruturação não terem sido respeitadas as normas processuais que regulam essa sua elaboração e/ou estruturação e/ou as que balizam os limites da decisão nela proferida (o campo de cognição do tribunal fixado pelas partes e de que era lícito ao último conhecer oficiosamente não foi respeitado, ficando a decisão aquém ou indo além desse campo de cognição), tratando-se, por isso, de defeitos de atividade ou de construção da própria decisão judicial em si mesma considerada, ou seja, reafirma-se, vícios formais que afetam essa decisão de per se ou os limites à sombra dos quais esta é proferida Cfr. Ac. TCAN, 07.01.2016, no processo 02279/11.5BEPRT;.
2.2.Diferentemente desses vícios são os erros de julgamento (error in iudicando), os quais contendem com vícios quanto ao julgamento da matéria de facto nela realizado ou à decisão de mérito nela proferida, decorrentes de o juiz ter incorrido numa distorção da realidade factual julgada provada e/ou não provada, em virtude da prova produzida impor julgamento de facto diverso do realizado pelo tribunal a quo (error facti) e/ou por ter incorrido em erro na aplicação do direito (error iuris).
Nos erros de julgamento assiste-se ou a uma deficiente análise crítica da prova produzida e/ou a uma deficiente enunciação e/ou interpretação dos institutos jurídicos aplicáveis aos factos provados e não provados, sendo que esses erros, por já não respeitarem a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença em si mesma considerada (vícios formais) ou aos limites à sombra dos quais aquela é proferida, não a inquinam de invalidade, mas sim de error in iudicando, atacáveis em via de recurso.
2.3. Entre as causas de nulidade da decisão judicial elencadas no art. 615º, n.º 1 do CPC, conta-se a omissão e o excesso de pronúncia (al. d)).
Trata-se de nulidade que se relaciona com o preceituado nos arts. 608º, n.º 2 do CPC e 95º, n.º 1 do CPTA, que impõe ao juiz a obrigação de resolver na sentença (despacho ou acórdão – arts. 613º, n.º 3 e 666º, n.º 1 do CPC) todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceto aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e que lhe veda a possibilidade de conhecer questões não suscitadas pelas partes, exceto se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Com efeito, devendo o tribunal conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos pelas partes com fundamento em todas as causas de pedir por elas invocadas para ancorar esses pedidos e de todas as exceções invocadas com vista a impedir, modificar ou extinguir o direito invocado pela sua contraparte e, bem assim, de todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou de exceção (desde que suscitada/arguida pelas partes, pelo que não integra nulidade da sentença a omissão de pronúncia quanto a exceção de conhecimento oficioso do tribunal, mas não arguida pelas partes e de que este não conheceu) cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão, constitui nulidade por omissão de pronúncia, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica diferentes da sentença, que as partes hajam invocado, uma vez que o juiz não se encontra sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5º, n.º 3 do CPC).
Nesse sentido, veja-se o recente acórdão do STA Cfr. Ac. do STA de 16/09/2020, Proc. 371/09.3BEAVR, disponível em www.dgsi,pt; no qual se expendeu que “II - Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões (que não as meras "razões" ou "argumentos") que devesse apreciar (seja por que foram alegadas pelas partes, seja por que são de conhecimento oficioso, nos termos da lei)”, ou veja-se o que se sumariou em acórdão deste TCAN Cfr. Ac. do TCA Norte, , 1ª Secção – Contencioso Administrativo, Processo nº 32/17.0BEVIS, in www.dgsi.pt: no qual se escreveu que “ II- A nulidade de sentença, por omissão de pronúncia [art. 615º nº 1 d) do CPC], é um vício que ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre essas questões com relevância para a decisão de mérito, sendo que só têm dignidade de questões as pretensões processuais formuladas pelas partes ao tribunal e não os argumentos por elas usados em defesa das mesmas, não estando o tribunal vinculado a apreciar todos os argumentos utilizados pelas partes.”
Inversamente, o conhecimento de pedido, causa de pedir ou de exceção não arguidos pelas partes e que não era lícito ao tribunal conhecer oficiosamente, configura nulidade por excesso de pronúncia.
A invalidade da decisão por omissão ou excesso de pronúncia consubstancia uma decorrência do princípio do dispositivo, segundo o qual, na sua dimensão tradicional, “o processo é coisa ou negócio das partes”, é “uma luta, um duelo entre as partes, que apenas tem de decorrer segundo certas normas”, cumprindo ao juiz arbitrar “a pugna, controlando a observância dessas normas e assinalando e proclamando o resultado”, princípio esse de que entre outras consequências, decorre que cabe ao autor instaurar a ação (art. 3º do CPC) e, através do pedido e da causa de pedir que invoque na petição inicial para ancorar a pretensão de tutela judiciária que formula (pedido), delimitar subjetiva (quanto às partes) e objetivamente (quanto ao pedido e à causa de pedir) a relação jurídica material controvertida submetida a julgamento e, assim, circunscrever o thema decidendum Cfr. Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, págs. 373 e 374; do tribunal, tema esse que é ainda delimitado objetivamente pela defesa que o réu venha a apresentar na contestação a título de exceções, com vista a extinguir, impedir ou modificar o direito que o autor pretende exercer (exceções perentórias) e das contra- exceções que o autor venha a opor a essas exceções invocadas pelo réu na contestação para extinguir, impedir ou modificar o efeito jurídico que o réu pretende extrair da exceção que opôs ao direito que o autor pretende exercer no processo, mas é, também, uma decorrência do princípio do contraditório, o qual, na sua atual dimensão positiva, proíbe a prolação de decisões surpresa (art.º 3º, n.º 3 do CPC), ao postergar a indefesa e ao reconhecer às partes o direito de conduzirem ativamente o processo e de contribuírem positivamente para a decisão a ser nele proferidaDo mesmo modo, apenas o conhecimento pelo tribunal de questões não suscitadas pelas partes nos seus articulados e de que aquele não possa conhecer oficiosamente, determina a invalidade da sentença por excesso de pronúncia.
2.4. Por sua vez, nos termos da alínea e) do n.º1 do artigo 615.º do CPC é nula a sentença quando «O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido».
Como refere ALBERTO DOS REIS Cfr. Código de Processo Civil Anotado, V Vol., pág. 67/68, o juiz «Também não pode condenar em objeto diverso do que se pediu, isto é, não pode modificar a qualidade do pedido. Se o autor pediu que o réu fosse condenado a pagar determinada quantia, não pode o juiz condená-lo a entregar coisa certa; se o autor pediu a entrega de coisa certa, não pode a sentença condenar o réu a prestar um facto; se o pedido respeita à entrega de uma casa, não pode o juiz condenar o réu a entregar um prédio rústico, ou a entregar casa diferente daquela que o autor pediu; se o autor pediu a prestação de determinado facto (a construção dum muro, por hipótese), não pode a sentença condenar na prestação doutro facto (na abertura duma mina, por exemplo).»
Decorre do exposto, por conseguinte, que a cominação de nulidade da sentença por alegada infração ao disposto na al. e) do n.º 1 do art. 615.º do CPC visa sancionar a infração ao dever que impende sobre o tribunal de, na sua pronúncia, se conter nos limites do pedido (cfr. art. 609.º do CPC), constituindo uma decorrência dos princípios da necessidade do pedido (cfr. art. 3.º, n.º 1, do CPC) e da vinculação do juiz ao pedido (congruência ou correspondência entre decisão e pedido - arts. 608.º, n.º 2 in fine e 609.º do CPC) e deriva da imposição ao julgador da obrigação de, na decisão a proferir, observar aquilo que é o petitório da ação.
2.4.Sumariando, haverá excesso de pronúncia sempre que o tribunal condene ou absolva num pedido não formulado, bem como quando conhece de pedido em excesso parcial ou qualitativo, mormente, quando, utilizando fundamentos admissíveis, aprecie dum pedido que é quantitativa ou qualitativamente distinto daquele que foi formulado pela parte, condenando em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
2.5.Partindo desta premissas, salvo o devido respeito por diferente opinião, cremos que o acórdão recorrido não padece das nulidades que lhe são assacadas pelos Apelantes, desde logo, porque as razões em que se estribam, a procederem, são aptas a configurar erro de julgamento sobre a matéria de facto e não vícios formais do acórdão recorrido.
Vejamos.
2.6.Os Recorrentes, pese embora a falta de limpidez ou clareza no modo como expõem as razões pelas quais entendem que o acórdão recorrido padece das nulidades que lhe apontam, mas que consideramos ainda assim termos apreendido corretamente, começam por defender que o acórdão recorrido é nulo porque decidiu pela deficiência na matéria de facto julgada pela 1.ª Instância e ampliou a mesma ao arrepio de normas expressas que impunham uma decisão diferente, pelo que não podia ter decidido levar para os factos não provados matéria que devia constar dos factos provados, uma vez que a natureza da prova por acordo das partes impunha que tal matéria de facto constasse do manancial das provas julgadas como provadas.
Mais sustentam que o acórdão recorrido é nulo com fundamento em excesso de pronuncia, por ter levado aos factos assentes matéria em relação à qual se verifica uma insuficiência da alegada prova documental.
Alegam ainda que em relação aos pontos 33, 34 e 35 da matéria de facto julgada como provada pelo Tribunal de 1.ª Instância, essa matéria se encontrava corretamente decidida por aquele tribunal, razão pela qual se não verificava a decidida «a nulidade oficiosa por excesso de pronúncia do Sr. juiz a quo» que foi determinada por este Tribunal ad quem.
2.7.Aqui chegados, reafirma-se que analisados os vícios que os Apelantes apontam ao acórdão recorrido e que, na sua perspetiva, constituem causa determinativa de nulidade do acórdão, nomeadamente por excesso de pronúncia, que esses fundamentos se reconduzem a um eventual erro de julgamento da matéria de facto.
2.8.Na verdade, é entendimento pacífico que o julgamento da matéria de facto encontra-se sujeito a um regime de valores negativos - a saber, a deficiência, a obscuridade, ou a contradição da decisão ou a falta da sua motivação-, a que corresponde um modo diferente de controlo e de impugnação ( art.º 662.ºs 1 e 2 do CPC) não constituindo, por conseguinte, em norma, causa de nulidade do acórdão, não faltando, aliás, quem advogue que os erros de julgamento da matéria de facto nunca, por nunca, constituem causa de nulidade do acórdão – cfr. Ac. TRC, de 20/01/2015, processo 2996/12. 0TBFIG.C1, in base de dados da dgsi.
2.9. Porque assim é, incorrendo os Apelantes no recorrente vício traduzido na circunstância de confundirem erros de julgamento ( a que se reconduz a sua alegação) e causas determinativas de nulidade – vícios formais taxativamente enunciados no artigo 615.º, n.º1 do CPC- impõe-se concluir pela improcedência das apontadas nulidades.
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III. DECISÃO
Pelo exposto, os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte acordam em rejeitar as nulidades do acórdão suscitadas pelos Apelantes e, em consequência, mantêm o acórdão antes proferido em 13/05/2022 nos seus precisos termos.
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Custas pelos Apelantes (art.º 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.
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Porto, 28 de outubro de 2022
Helena Ribeiro
Nuno Coutinho
Ricardo de Oliveira e Sousa