Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00582/06.3BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/23/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rosário Pais
Descritores:AMORTIZAÇÕES; OBRAS EM EDIFÍCIO ALHEIO; PERÍODO DE VIDA ÚTIL; ÓNUS PROBATÓRIO A CARGO DA AT;
Sumário:I - Os elementos do ativo imobilizado sujeitos a deperecimento podem ser objeto de reintegração (imóveis) e de amortização (elementos do ativo imobilizado incorpóreo), as quais são aceites como custos fiscais quando contabilizados como custos e perdas do exercício a que respeitam,

II - A quota anual de reintegração e de amortização calcula-se mediante aplicação aos valores relevantes do ativo imobilizado das taxas específicas fixadas na Tabela I ou das taxas genéricas mencionadas na Tabela II anexas ao Decreto Regulamentar 2/90 e, tratando-se de bens para os quais não estejam fixadas taxas de reintegração e de amortização naquelas tabelas, são aceites pela administração tributária as correspondentes ao período de utilidade esperada, determinado segundo um critério de razoabilidade.

III – Para afastar a quota de reintegração fundadamente adotada pelo sujeito passivo, a AT tem o ónus de demonstrar que a factualidade em que aquele se baseou na respetiva fixação não tem aderência à realidade e que é outra a quota adequada.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:R., SA
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

1. RELATÓRIO

1.1. A Fazenda Pública vem recorrer da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por R., S.A., contra a decisão de indeferimento do recurso hierárquico que visou as liquidações de IRC dos anos de 1999, 2000 e 2001.

1.2. A Recorrente Fazenda Pública terminou as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões:

«I. A impugnação recorrida refere-se à correcção efectuada pela Administração Tributária (AT), por ter entendido que os custos incorridos com “Obras em Edifícios Alheios”, face à aplicação conjugada dos artºs 28º, 29º e 30º do CIRC e Decreto Regulamentar 2/90, de 12 de Janeiro, deveriam ter sido reintegrados com base numa taxa anual de 2% e não, como considerou a impugnante, à taxa de 10% calculada em função de um período de vida útil estimado em 10 anos.
II. A sentença sob recurso ao julgar procedente a impugnação deduzida, declarou a ilegalidade das liquidações adicionais de IRC com fundamento na violação, por parte da Administração Tributária, do disposto no n.º 2 do artigo 5.º do Decreto Regulamentar n.º 2/90.
III. Na sua fundamentação, a douta sentença ora recorrida considerou que a AT, ao proceder às correcções efectuadas, se limitou a impor a aplicação das taxas previstas nas tabelas anexas ao DR 2/90, sem emitir uma palavra sobre os elementos alegados pela impugnante,
IV. não tendo demonstrado, como se lhe impunha, que o período de vida por aquela fixado, não era o mais adequado à situação concreta em causa.
V. Entende a Fazenda Pública que, ao decidir como decidiu, a douta sentença fez errada aplicação do direito aos factos controvertidos.
Vejamos:
VI. A questão objecto do recurso consiste em saber se as reintegrações e amortizações efectuadas pela impugnante, tendo em conta o período de vida útil do bem por si fixado, com a consequente aplicação da taxa de 10%, pode ou não ser aceite como custo,
VII. ou seja, o “quid decidendum” estabelecer-se-á, ainda, tendo em consideração o conceito que importa igualmente relevar, que é o de “período de vida útil” do elemento a reintegrar ou amortizar.
VIII. Tomando por escopo a finalidade das amortizações e reintegrações, que ressalta do nº 1 do artº 28º do CIRC, haverá que dizer, com Freitas Pereira, que “elas são o processo contabilístico de distribuir, de forma racional e sistemática, o custo de um activo que se deprecia pelos diferentes exercícios abrangidos pela sua vida útil”.
IX. Enfatiza-se a sua importância imposta pela veracidade que devem traduzir as demonstrações financeiras, só tendo relevância os bens contabilizados no activo imobilizado, adquiridos para permanecerem na empresa durante vários anos, relevando não a sua natureza, mas a função que naquela lhes é atribuída,
X. nada obstando a que, independentemente das reintegrações incidirem, em regra em bens da propriedade da empresa, poderem ser objecto de bens de propriedade de outrem.
XI. Impõe o legislador fiscal regras para a definição do “período de vida útil” de um elemento do activo imobilizado durante o qual se reintegra ou amortiza totalmente o seu valor, de forma a impedir que os contribuintes o possam estabelecer em função da conveniência do seu efeito.
XII. Nesse sentido, o n.º 2 do artigo 5.º do Decreto Regulamentar n.º 2/90, veio estabelecer, para os bens que não tenham definidas, nas tabelas que lhe são anexas, taxas de reintegração e amortização [v.g. obras em edifícios alheios] a aplicação de taxas calculadas com base no período de utilidade esperada, o qual pode ser corrigido quando se considere ser inferior ao que objectivamente deveria ter sido estimado6.
6 Sublinhado nosso.
XIII. Na apreciação da situação em concreto, a Mma. Juiz “a quo” aceitou demasiado literalmente que o período de vida útil teria que ser fixado pela impugnante, por as taxas fixadas nas tabelas serem inaplicáveis.
XIV. Ora, da análise do probatório ressalta à evidência que o acto tributário cuja fundamentação se questiona, resulta dos factos elencados pela AT no relatório dos SIT e tendo por base elementos fornecidos pelos serviços da Câmara Municipal da Maia e da Conservatória do Registo Predial da Maia.
XV. Por seu lado, resulta igualmente fundamentado da análise efectuada em sede de recurso hierárquico que “os trabalhos realizados pela impugnante nesses dois anos, traduzem uma verdadeira construção de edifícios, com conclusão de edificações em curso e alteração e demolição de parte de trabalhos realizados e construção de novas áreas”.
XVI. Entende a Fazenda Pública que, estando em causa obras realizadas em edifício alheio, sem se encontrar pré definido o período de permanência da empresa nas instalações, e inexistindo contrato de arrendamento que o preveja, as reintegrações devem ser efectuadas em condições semelhantes às relativas a imóveis próprios.
XVII. E, fixando os factos pertinentes, não se diga, também, que a AT não emitiu uma palavra quanto à impossibilidade de remoção das benfeitorias, renúncia à respectiva indemnização e risco de eliminação do acesso à EN, cuja ponderação foi analisada na informação que serviu de base à decisão do recurso hierárquico, aí se referindo expressamente a flexibilidade da lei fiscal no tocante à eventualidade de serem efectuadas amortizações extraordinárias sempre que em causa estejam situações anormais que impliquem desvalorizações excepcionais nos elementos do activo imobilizado.
XVIII. Logo, contrariamente ao doutamente decidido, o que era indispensável provar, ónus que competia à impugnante, era a correcta definição do período de vida útil estimado, o que não fez.
XIX. Tendo decidido como decidiu, incorreu a douta sentença em erro de julgamento em matéria de direito, violando as disposições legais supra citadas.
Nestes termos,
Deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida, com as legais consequências.».

1.3. A Recorrida R., S.A. não apresentou contra-alegações.

1.4. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer com o seguinte teor:

«Entendemos que a pretensão da recorrente FP deve improceder totalmente.
A decisão recorrida fez uma correcta apreciação e valoração dos factos que analisa de forma exemplar e faz uma correcta interpretação dos preceitos legais que a fundamentam não sendo passível de qualquer reparo.
Para além disso a mesma não apresenta os vícios que lhe são apontados nas conclusões das alegações da Fazenda Pública.
Em nosso entender o M. Juiz “a quo” decidiu correcta e legalmente ao julgar a presente impugnação procedente, anulando as liquidações impugnadas.
Não havia modo senão de julgar a presente impugnação nos termos em que o foi.
A AT não logrou demonstrar que o período de vida útil fixado pela contribuinte não fosse o mais adequado ao caso em apreço.
E era à AT que tal competia.
A AT violou o disposto no n°2 do artigo 5° do Decreto Regulamentar 2/90.
As liquidações de IRC derrama e juros compensatórios dos anos de 1999 a 2001 não eram correctas e legais
O MP dá aqui por reproduzidos os fundamentos de facto e de direito invocados na douta sentença recorrida os quais damos aqui por reproduzidos por os considerarmos correctos.
Assim sendo o MP entende, como obvio é, que deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se na ordem jurídica a sentença recorrida.».

Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 657.º, n.º 4, do CPC, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de direito ao entender que incumbia à AT demonstrar que o período de vida útil das obras era superior ao considerado na contabilidade da Recorrida, ónus esse que não cumpriu.

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:

«Com relevância para a decisão da causa, considero provados os seguintes factos:
a). Na sequência de um procedimento interno de inspecção à impugnante efectuado pelos Serviços de Inspecção Tributária foram efectuadas correcções à matéria colectável desta, relativamente aos exercícios de 1999, 2000 e 2001.
b). A acção inspectiva referida em a) surgiu na sequência das correcções efectuadas ao exercício de 1998, cujo relatório de inspecção consta de fls. 44 a 58 dos autos e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
c). A Administração Tributária efectuou tais correcções aos elementos declarados pela impugnante com a seguinte fundamentação: “(...) Em 6-9-02 foi desenvolvida uma acção de inspecção, donde resultaram correcções ao exercício de 1998, em sede de IRC, que assentaram basicamente no facto da empresa ter reintegrado as Obras em Edifícios alheios – Construção do edifício da Loja da Maia durante um período de dez anos, obras estas consideradas pelos Serviços de Inspecção como uma componente do imobilizado e consequentemente reintegradas à taxa de 2%. Estas correcções encontram-se fundamentadas no relatório da inspecção datado de 6-9-02 nos pontos III-3 e VII-3 o qual se anexa. (...) Tendo em conta que a situação objecto de correcção no ano de 1998 se mantém para os anos de 1999, 2000, 2001 e 2002, propomos para estes exercícios as respectivas correcções que respeitam assim a custos incorridos com a edificação efectuada em 1997 e 1998 no edifício da Maia relevada em Fornecimentos e Serviços Externos - subconta “Conservação e Reparação” por contrapartida de “Acréscimos e Diferimentos” tendo por base um período de 10 anos, quando deveria ter sido registada na rubrica “Imobilizado Corpóreo”, e consequentemente reintegrada à taxa de 2% nos termos do nº 5 do art. 11 do Dec Lei 2/90, de 12-01 e art. 29º do CIRC.
Passam-se a indicar os cálculos dos valores corrigidos.
1999200020012002
Rubrica/exercício
a) Valor debitado169.083,52€169.083,52€169.083,52€169.083,52€
b)Valor fiscal33.816,7€33. 816, 7€33.816,7€33.816,7€
Valor da correcção a-b 135.266,82€135.266,82€135.266,82€135.266,82€

d). Com base nas correcções efectuadas, a Administração Tributária emitiu as liquidações adicionais nº 8310015527 (ano de 1999), no valor a pagar de € 61.698,73, nº 8310015526 (ano de 2000), no valor a pagar de € 54.736,43 e nº 8310015525 (ano de 2001), no valor a pagar de € 51.403,45, cuja data limites para pagamento voluntário ocorreu em 15 de Outubro de 2003.
e). A impugnante apresentou pedido de revisão da matéria colectável em 12/1/2004 -cfr. fls. 89/91 dos autos.
f). Por despacho de 14/1/2005, foi indeferido o pedido de revisão da matéria colectável - cfr. fls.114/122 dos autos.
g). A impugnante apresentou recurso hierárquico para o Ministro das Finanças da decisão de indeferimento do pedido de revisão da matéria colectável referida em e) - cfr. fls. 124/127 dos autos.
h). Tal recurso foi totalmente indeferido por decisão de 11 de Novembro de 2005, conforme consta da decisão de fls. 130/138 dos autos e cujo teor se dá por reproduzido e onde se escreveu designadamente o seguinte: “6. APRECIAÇÃO DO RECURSO HIERÁRQUICO PELA DSIRC – Relativamente ao assunto em apreço, é o seguinte o nosso parecer: “6.1. Não existem dúvidas de que as edificações foram efectuadas em propriedade alheia. Em 1997, era dono do prédio em questão, o senhor A.. Depois, através de escritura celebrada em 08.07.98, foi esse mesmo prédio vendido â firma designada “A. Limitada”, com sede na Ilha de Man. Também é pacífico que, no início do ano de 1997, data em que começaram os trabalhos de construção, que originaram os custos de reintegração ora em discussão, já existiam nesse local dois edifícios (também em fase de construção ou remodelação com as áreas respectivamente de 458 e 1272 m2), conforme Termo de Apreensão de Imóvel efectuado pelo 3º Juízo Cível da Comarca do Porto, do qual consta cópia no presente processo. No entanto, verifica-se que: - A grandeza das obras realizadas pelo sujeito passivo nesse ano de 1997, as quais se prolongaram até fins de 1998, foi de tal ordem que ascenderam à quantia de 1.690.835,20€, na antiga moeda 338.982.022$50.- E tanto assim foi que: - As áreas de edificação anteriormente referidas de 458 e 1272m2, foram aumentadas nesses dois anos em mais 2530 m2, ou seja, para mais do dobro da área que até então existia (conforme Projecto apresentado pelo Sr. A. na Câmara Municipal da Maia em 08.04.97 - Processo nº ..). Isto significa que: Os trabalhos realizados nesses dois anos, não se trataram de meras obras de reparação e/ou remodelação e restauro como parece fazer crer o sujeito passivo (vide exercício do direito de audição), mas de verdadeira construção de edifícios (conclusão das edificações que estavam em curso, com alterações e demolição de parte de trabalhos realizados e construção de novas áreas). Ora, nestes casos, é entendimento da Administração Fiscal que, a reintegração destas construções feitas em propriedade alheia, deverão ser efectuadas de acordo com as taxas previstas nas tabelas constantes em anexo ao Decreto - Regulamentar nº 2/90 de 12.01. Assim sendo, e na situação em análise, devia o sujeito passivo ter praticado anualmente uma taxa de reintegração de 2%, conforme o previsto no código 2015 - Tabela II (Taxas Genéricas), para Edifícios Comerciais e Adminsitrativos.6.2 Refere também o contribuinte que, “Os prédios, terreno e edifícios reformados, com mais de 25 anos, são propriedade alheia arrendada à R. desde 01.06.97, por um período de 10 anos, de acordo com o contrato celebrado com o antigo senhorio, sendo que, é este período de 10 anos que relevou para efeitos de imputação/amortização do custo total”. Quanto a esta afirmação, tem-se a referir que o relatório da inspecção tributária efectuada a este contribuinte refere a ....que, “.... A identidade desse senhorio nunca foi revelada, nunca tendo sido exibido o dito contrato, nem anexado ao direito de audição, comprovativo do período de 10 anos adoptado.': Para além desse aspecto também se refere no dito relatório que: “No ano objecto de fiscalização não se encontram relevadas nos elementos de escrita da empresa quaisquer rendas relativas ao imóvel em causa, pelo que, se existia um contrato anterior, onde constam as rendas?”. Para além destes aspectos, tem-se ainda a referir que, o sujeito passivo efectuou em 12.03.99, um contrato de promessa de arrendamento entre si próprio e a empresa já antes citada e designada A. Limitada, por um período de um ano, renovável sucessivamente por vários períodos. Nos termos da claúsula 14º, do mesmo contrato, a escritura notarial referente ao arrendamento do prédio em questão, deveria ser outorgada no prazo de 90 dias após a licença de utilização. Este facto, conforme refere o funcionário que efectuou a inspecção ao sujeito passivo, até ao final da mesma, ainda não tinha sido concretizado. (...) Quanto a este aspecto do arrendamento, considera a Administração Fiscal que: Se não estiver pré - definido o período de permanência da empresa nas referidas instalações e/ou o respectivo contrato de arrendamento for por um período limitado de tempo sucessivamente renovado como parece ser o presente caso (conforme clausula 5ª, então as obras realizadas, deverão ter tratamento idêntico àquele que teriam caso fossem feitas em imóvel próprio. Todavia, se ao longo do período de vida útil houver renúncia ao respectivo contrato de arrendamento, por razões devidamente válidas ou se ocorrerem determinadas causas que tornem inviável a utilização dos bens em referência quer sob o ponto de vista operacional, quer quanto á sua rentabilidade económica, poderão os sujeitos passivos, solicitar, nos termos do artigo 10º do Decreto - Regulamentar 2/90 anteriormente citado, a aceitação como custo fiscal das quotas de reintegração superiores (que corresponderão ao valor liquido contabilístico desses bens) às que resultam da aplicação das taxas fixadas nas tabelas anexas ao normativo em apreço. 6.3. Relativamente ao facto relacionado com a decisão tomada sobre a reclamação do exercício de 1998, temos a referir o seguinte: A decisão firmada, é relativa a um acto administrativo concreto referente ao exercício de 1998. Não obstante, o assunto ser o mesmo e se referir ao mesmo sujeito passivo, este não vincula a Administração Fiscal para os actos administrativos posteriores (1999, 2000 e 2001), ora em análise, caso se verifique, salvo melhor opinião, que a decisão antes tomada não foi a mais adequada. De acordo com o antes exposto, e ao contrário do que refere o sujeito passivo, não se assistiu no presente caso a qualquer violação da Lei.(...)”.
i). A presente impugnação foi instaurada em 7/3/2006 - cfr. fls. 2 dos autos.
j) Por volta de 1998, a impugnante iniciou um processo de desenvolvimento e expansão que a levou a arrendar um edifício localizado na Estrada Nacional 14, no sentido Porto - Braga, ao km (…) (na Maia), com vista à instalação do primeiro hipermercado de electrodomésticos em Portugal.
k). Tal edifício havia sido adquirido pelo então gerente da impugnante, A., ao administrador da massa falida da sociedade denominada P., Lda, em 27/12/1996.
l). Em 30 de Maio de 1997, foi celebrado entre o referido A. e a impugnante um contrato – promessa de arrendamento comercial “do prédio urbano sito na Estrada Nacional 14, Km 7, concelho da Maia, composto por um terreno para construção c/ área aproximada de catorze mil metros quadrados e dois edifícios c/ áreas cobertas de 458 m2 e 1272 m2, em construção, (...)”, “pelo período inicial de dez anos com inicio em 01/06/97 e termo em 31/05/2007” – cfr. doc. junto com a p. i., sob o nº 17, junto a fls. 159/160 dos autos.
m). Por se tratar de um edifício industrial, a impugnante teve de realizar no arrendado obras de remodelação, restauro e ampliação para o fim a que se destinava.
n). Foi a impugnante que suportou todos os custos inerentes a tais obras e que ascenderam a 1.690.835,20 euros.
o). Por escritura pública celebrada em 8/7/1998, a propriedade dos referidos imóveis foi transmitida pelo A. para a sociedade denominada A., Ltda.
p). Em 12/3/1999, a sociedade A., Lda celebrou com a impugnante um novo contrato promessa de arrendamento das fracções e do “prédio urbano edificado e ainda em legalização camarária, implantado no terreno sito no Lugar (…), (...) melhor identificadas no art. 3º do contrato junto a fls. 59 a 65 dos autos e cujo teor se dá por reproduzido.
q). Em 18/7/2000, entre a sociedade A., Lda (como senhoria) e a impugnante (como inquilina) foi celebrado o contrato de arrendamento junto a fls. 180 a 184 e cujo teor se dá por reproduzido (correspondente ao doc. junto com a p. 1. sob o nº 24).
r). Na claúsula 10º do contrato de arrendamento referido em q), ficou estipulado que “se houver lugar a termo de arrendamento, a segunda outorgante [lá impugnante] entregará os arrendados devolutas as pessoas e bens e em bom estado, não podendo levar consigo as instalações eléctricas e outros melhoramentos e benfeitorias que entretanto tenha feito para o fim em vista, não podendo exigir qualquer indemnização a esse título, à qual, desde já, renuncia”.
s). Desde 1998 até hoje, a impugnante tem instalado nesse arrendado, a sua sede, escritórios, armazém e uma loja de venda ao público de electrodomésticos.
t). Até hoje não foi possível celebrar escritura pública correspondente ao contrato de arrendamento em causa devido ao facto de a senhoria não possuir a respectiva licença de ocupação a emitir pela Câmara Municipal da Maia.
u). Dá-se por reproduzido o teor dos ofícios da Junta Autónoma de Estradas juntos como doc. nº 20 e nº 23 e da Câmara Municipal da Maia juntos como doc. nº 21 e nº 22 – cfr. 171/179 dos autos.
v). Por oficio datado de 10/2/2004, o Instituto de Estradas de Portugal informou “que o acesso existente às instalações da R. poderá ser mantido enquanto decorre o estudo do alargamento da via em causa, uma vez que ainda não há uma estimativa sobre o alargamento real que será feito na zona. No entanto, sabe-se que o alargamento vai existir e que futuramente o acesso se vai processar exclusivamente pela via camarária” – cfr. fls. 192 dos autos.
w). A impugnante sabe que, a qualquer momento, se pode ver confrontada com a situação de não poder ter acesso à Estrada Nacional 14 e a entrada para as suas instalações ter de ser efectuada por vias secundárias.
x). A ocorrência de tal situação acarretará maiores dificuldades de acesso às instalações da impugnante, com a inerente perda de clientela e os prejuízos daí decorrentes.
y). Relativamente aos juros compensatórios, no ponto 20 das liquidações impugnadas apenas é referido o art. 80º do CIRC e o respectivo montante a pagar.
Factos não provados:
Não se provaram outros factos, além dos supra referidos.
Motivação da decisão de facto:
A decisão sobre a matéria de facto baseou-se na análise da prova documental produzida nos autos, conjugada com o depoimento das testemunhas inquiridas, as quais revelaram conhecimento pessoal e directo dos factos e depuseram de forma credível e ainda na posição assumida pelas partes nos seus articulados.».

3.2. DE DIREITO

A Recorrente imputa erro de julgamento de direito à sentença objeto deste recurso, por ter entendido que impende sobre a Recorrente o ónus de provar que o período de vida útil das obras em causa nestes autos era superior ao que aquela fez constar na sua contabilidade.

Vejamos, antes do mais, a fundamentação de direito acolhida pelo Tribunal a quo :
«A principal questão a decidir nos autos é a de saber se, relativamente aos exercícios de 1999, 2000 e 2001, o valor gasto com as obras no edifício de que a impugnante era (e ainda é) arrendatária deviam ser objecto de reintegrações e amortizações à taxa anual de 10%, como considerou a impugnante, ou à taxa de 2%, como entendeu a Administração Tributária.
No caso vertente, a impugnante considerou que as obras por si efectuadas em edifício alheio eram susceptíveis de reintegração, não lhe aplicando o método das “quotas constantes mas, antes, taxas de reintegração calculadas com base no correspondente período de utilidade esperada (de 10 anos).
Inicialmente, a Administração Tributária não aceitou a contabilização efectuada pela impugnante, por considerar que se tratava de obras de construção (conclusão de edifícios em curso, com alterações e demolição de parte de trabalhos realizados e construção de novas áreas) e não de obras em edifícios alheios (cfr. relatório de inspecção) e, como tal, entendeu, que o valor reintegrável do imóvel correspondia ao respectivo valor de construção, aplicando-lhe a Tabela II - Taxas Genéricas, código 2015, (e uma taxa de reintegração de 2%).
Posteriormente, em sede de decisão do recurso hierárquico, inverteu a sua posição a esse respeito e considerou não existirem dúvidas de que as edificações foram efectuadas em propriedade alheia.
Porém, apesar disso, manteve as liquidações impugnadas, em síntese, por considerar que os trabalhos realizados nesses dois anos, não se trataram de meras obras de reparação e/ou remodelação (...) mas de verdadeira construção de edifícios (conclusão das edificações que estavam em curso, com alterações e demolição de parte de trabalhos re[a]lizados e construção de novas áreas) e, nesses casos, ser entendimento da Administração Fiscal que a reintegração dessas construções feita em propriedade alheia, deverá ser efectuada de acordo com as taxas previstas no anexo ao DR nº 2/90, de 20/, ou seja, na situação em análise, a uma taxa de reintegração de 2%.

Vejamos.
De acordo com o art. 28º, nº 1 do CIRC são aceites como custo as reintegrações e amortizações de elementos do activo sujeitos a perecimento, considerando-se como tais os elementos do activo imobilizado que com carácter repetitivo, sofrerem perdas de valor resultantes da sua utilização, do decurso do tempo, do progresso técnico ou de quaisquer outras causa.”
Por outro lado, estabelece o artº 29º, nº-1 do mesmo diploma legal que “o cálculo das reintegrações e amortizações do exercício far-se-á, em regra, pelo método das quotas constantes”.
E para efeitos de aplicação do método das quotas constantes, “a quota anual de reintegração e amortização que pode ser aceite como custo do exercício determina-se aplicando as taxas de reintegração e amortização, definidas no decreto regulamentar que estabelece o respectivo regime aos seguintes valores ... (art.º 30º, nº 1 do referido diploma legal).
O diploma regulamentar a que se refere o art. 30º, nº 1 é o Decreto Regulamentar nº 2/90, de 12 de Janeiro.
Preceitua o art. 5º deste diploma:
“1- No caso de utilização do método das quotas constantes, a quota anual de reintegração e amortização que pode ser aceite como custo do exercício determina-se aplicando aos valores mencionados no nº 1 do artigo 2º as taxas anexas ao presente diploma, (...).
2- Exceptuam-se do disposto no número anterior os seguintes casos, em que as taxas de reintegração e amortização são calculadas com base no correspondente período de utilidade esperada, o qual pode ser corrigido quando se considere que é inferior ao que objectivamente deveria ter sido estimado:
a) (...)
(...)
d) Obras em edifícios alheios.
(...)
5- Para efeitos de reintegração e amortização consideram-se:
a) Grandes reparações e beneficiações - (...)
b) Obras em edifícios alheios - as que, tendo sido realizadas em edifícios de propriedade alheia e não sendo de manutenção, reparação ou conservação, ainda que de carácter plurianual, não dêem origem a elementos removíveis ou, dando-o, estes percam então a sua função instrumental.”
Ora, estando assente que estamos perante obras em edifício alheio o período de vida útil teria que ser fixado pela impugnante, por as taxas fixadas nas tabelas serem inaplicáveis (cfr. art. 5º, nº 2 do citado DR).
A AT competia averiguar se o período útil fixado pela impugnante era (ou não) o mais adequado face às circunstâncias concretas e se os motivos alegados por aquela justificavam tal fixação.
Porém, a AT limitou-se a impor a aplicação das taxas previstas nas tabelas anexas ao DR 2/90, com o único argumento de que se tratava de verdadeiras construções em edifícios; sobre os elementos alegados pela impugnante que contribuiram para a fixação de um período útil de 10 anos (v.g. prazos dos contratos de arrendamento celebrados, fixação de cláusulas quanto à não remoção das benfeitorias e renúncia à respectiva indemnização risco de ser eliminado o acesso às instalações pela EN 14 e a importância de tal acesso para a impugnante), a AT não emitiu uma palavra.
Em suma, a AT não demonstrou que o período de vida útil (10 anos) fixado pela impugnante não era o mais adequado à situação concreta em causa, como se lhe impunha, para proceder às correcções efectuadas.
Assim sendo, conclui-se pela ilegalidade das liquidações impugnadas, A anulação da liquidação do imposto implica a anulação dos respectivos juros compensatórios, pelo que fica prejudicado o conhecimento do vício de falta de fundamentação de tais juros.».
Ora, desde já adiantamos que, em face da factualidade provada nos autos e não impugnada no presente recurso, a sentença recorrida deve ser mantida, que, de resto, invocou e aplicou adequadamente as normas pertinentes.
Começando pelo regime jurídico das reintegrações e amortizações para efeitos de IRC, estabelecido no Decreto Regulamentar nº 2/90, 12 janeiro, temos que: (i) os elementos do ativo imobilizado sujeitos a deperecimento podem ser objeto de reintegração (imóveis) e de amortização (elementos do ativo imobilizado incorpóreo) (cfr. artigo 1.º, n.º 1); (ii) as reintegrações e amortizações são aceites como custos fiscais quando contabilizados como custos e perdas do exercício a que respeitam (cfr. artigo 1.º, n.º 3); (iii)
as taxas de reintegração e de amortização quantificam o deperecimento do bem reintegrável e amortizável durante o período de utilidade esperada, correspondente àquele em que desempenha regularmente a função que justifica a sua utilização; (iv) a quota anual de reintegração e de amortização calcula-se mediante aplicação aos valores relevantes do ativo imobilizado das taxas específicas fixadas na Tabela I ou das taxas genéricas mencionadas na Tabela II anexas ao Decreto Regulamentar (
cfr. artigo 5.º, n.º 1); (v) tratando-se de bens para os quais não estejam fixadas taxas de reintegração e de amortização naquelas tabelas, são aceites pela administração tributária as correspondentes ao período de utilidade esperada, determinado segundo um critério de razoabilidade (cfr. artigo 5.º, n.º 3).
No plano dos factos temos que, pese embora a Recorrida não tenha provado, no procedimento inspetivo, a existência de contrato promessa de arrendamento nem a celebração do contrato prometido, que constituíam a base da sua convicção quanto ao tempo de utilidade esperada do imóvel onde foram realizadas as obras, o certo é que efetuou tal prova neste processo judicial, como se pode constar pela factualidade vertida nos pontos l), p), q) e t) dos factos provados.
Dali resulta que em 30 de Maio de 1997, foi celebrado entre A. e a Recorrida um contrato – promessa de arrendamento comercial “do prédio urbano sito na Estrada Nacional 14, Km (…), concelho da Maia, composto por um terreno para construção c/ área aproximada de catorze mil metros quadrados e dois edifícios c/ áreas cobertas de 458 m2 e 1272 m2, em construção, (...)”, “pelo período inicial de dez anos com inicio em 01/06/97 e termo em 31/05/2007” ; em 12/3/1999, a sociedade A., Lda, celebrou com a impugnante um novo contrato promessa de arrendamento das frações e do “prédio urbano edificado e ainda em legalização camarária, implantado no terreno sito no Lugar (…); em 18/7/2000, entre a sociedade A., Lda (como senhoria) e a Recorrida (como inquilina) foi celebrado o contrato de arrendamento junto a fls. 180 a 184.
Para além disto, resulta ainda dos pontos v), w) e x) do probatório que a Recorrida crê, fundadamente, que o acesso direto do seu estabelecimento à estrada nacional poderá ser eliminado, o que acarretará perda de clientela e prejuízos.

Dúvidas não subsistem, pois, em como está justificado e demonstrado o pressuposto de que a Recorrida partiu para fixar a taxa de reintegração em 10%, a qual deve ser mantida por não estar provada nos autos qualquer factualidade que evidencie ser outra, designadamente a defendida pela AT, a mais adequada.

Nesta conformidade, impõe-se concluir, como na sentença recorrida, que a AT não cumpriu o ónus probatório a seu cargo, demonstrando que a taxa de reintegração das obras aqui em causa deve ser de 2%, conforme propôs, por não se verificarem os pressupostos em que assentou a decisão da Recorrida de as reintegrar à taxa de 10%.

Isto posto e sem mais delongas, importa concluir que o presente recurso não merece provimento, devendo ser mantida a sentença recorrida.

4. DECISÃO

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.
*
Custas a cargo da Recorrente, que sai vencida neste recurso, nos termos do artigo 527.º, n.º 1 e 2 do CPC.
*
Porto, 23 de junho de 2021

Maria do Rosário Pais - Relatora
Tiago Afonso Lopes de Miranda - 1.º Adjunto
Ana Patrocínio - 2.ª Adjunta