Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00482/14.3BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/13/2018
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Pedro Vergueiro
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL. JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO. GERÊNCIA DE FACTO.
Sumário:
I) Ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 662º do C. Proc. Civil, incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.
II) A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr. objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr. arts. 260º nº 1 e 409º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais). O gerente/ administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação.
III) Sem prejuízo do referido em II), se o Oponente declara no procedimento ter exercido a gerência efectiva da devedora originária seria contrário aos princípios gerais e da experiência comum não extrair consequências dessa declaração. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:MSF
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
MSF, devidamente identificado nos autos, inconformado veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 13-09-2017, que julgou improcedente a pretensão pelo mesmo deduzida na presente instância de OPOSIÇÃO relacionada com a execução originariamente instaurada contra a sociedade “HPHPV, Lda., Sociedade em Liquidação”, e contra ele revertida, por dívidas relativas a IRC de 2005 e 2006, no valor de € 257.808,09.

Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 223-229), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(…)
a) O Recorrente sustentou, em sede de oposição judicial, a falta de prova da gerência de facto por parte da Autoridade Tributária, daí decorrendo o não cumprimento dos pressupostos da reversão.
b) O Tribunal a quo indeferiu totalmente a pretensão do Oponente por considerar que à Autoridade Tributária não se impunha outra atuação, pelo facto de o Oponente, em sede de audição prévia ao projeto de reversão, ter “admitido” a gerência de facto da primitiva executada.
c) Ainda que se conceba, para mero efeito de raciocínio, que a Autoridade Tributária se bastasse com a alegada assunção do exercício do cargo, sempre o Tribunal a quo, perante o invocado pelo Oponente, deveria ter relevado a inexistência de outros elementos de prova que sustentassem a efetiva gerência pelo Oponente, o que não sucedeu.
d) Assim, por esse motivo, o Recorrente considera que a sentença em recurso padece de erro de julgamento, que se consubstancia na errada apreciação e valoração dos factos relevantes à boa decisão da causa e consequente errónea aplicação da lei,
Porquanto,
e) Resulta do artigo 24º da LGT, que a responsabilidade é atribuída em função efetiva do cargo de gerência e se reporta ao período em que é exercida, posto que a responsabilização, a título subsidiário, dos gerentes não se basta com a mera nomeação jurídica, impondo antes um exercício efectivo, e de facto, do cargo social, no período a que se reporta o pressuposto da responsabilização.
f) Constitui jurisprudência assente que, para integrar o conceito de gerência efetiva, à Administração Tributária cabe provar, para além dessa gerência de direito, que o mesmo gerente tenha praticado, em nome e por conta da sociedade, concretos atos dos que normalmente são praticados por pessoas que exercem essa função, vinculando-a com essas intervenções.
g) Vale isto para dizer que a gerência de facto não se presume, sem mais, da gerência de direito,
h) E que o exercício dos poderes de facto deve ser inferido do global conjunto da prova que venha a ser recolhida, mediante recurso às regras da experiência comum, recaindo sobre a AT o ónus de demonstrar que o gerente de direito contra quem pretende reverter a execução fiscal, exerceu, de facto, tais funções.
i) Sucede que a AT nada provou, sustentando-se numa “admissão” de gerência de facto, o que, por si só, e no modesto entender do aqui Recorrente, não tem a força necessária para daí se retirar o efectivo exercício do cargo de gerente.
j) Ainda no tocante à alegada “admissão” do exercício do cargo, ínsita no ponto D. dos factos provados, não se compreende que a referência feita nesse ato possa ter mais relevância do que tudo o que foi alegado posteriormente, quer no próprio requerimento, em que o Oponente refere “(…) NÃO SE ENCONTRANDO REUNIDAS AS CONDIÇÕES LEGAIS PARA A REVERSÃO (…)”, quer em sede de oposição judicial apresentada pelo ora Recorrente.
k) O ora Recorrente apenas pretendia reportar a nomeação da gerência entre as datas aí referidas, isto é, entre 30.06.2006 e 13.06.2012, e não o exercício efectivo do cargo.
l) Como tal, estava vedado ao Tribunal a quo daí retirar qualquer ilação, muito menos a de que o Oponente admitiu a gerência!
m) Não se encontrando, pois, demonstrada qualquer relação de relevo entre o Oponente, ora Recorrente, e a vida da sociedade, que permitisse concluir que aquele agiu com conhecimento da vida da sociedade, o Recorrente considera que ocorreu incorrecta apreciação e valoração dos factos provados nos pontos D. a H. da sentença.
n) Só o exercício, digamos, direto da gerência permite sustentar uma proximidade real com a vida da sociedade e só nele pode assentar a presunção de culpa e a responsabilidade subsidiária do gerente.
o) O Tribunal a quo apreciou livremente as provas, decidindo segundo a sua convicção acerca de cada facto. Porém, descurou o ónus da prova.
p) O Tribunal a quo produziu, pois, conclusão contrária à prova produzida, existindo incongruência lógica, ou contrária aos princípios gerais da experiência comum, porquanto a valoração das provas produzidas apontam claramente no sentido contrário ao acolhido na decisão.
q) Não tendo logrado a Administração Tributária demonstrar o exercício, de facto,
r) Tanto basta, e sem mais, para que se possa concluir pela ilegitimidade do opoente/Recorrido, por não se ter demonstrado um dos pressupostos de que depende a efectivação da responsabilidade subsidiária prevista no artigo 24°, n.°1 da LGT.
s) Considerando a realidade vertida no probatório e tendo presente o regime de responsabilidade aplicável, afigura-se-nos que os elementos presentes nos autos não permitem a conclusão de que o Recorrente foi gerente de facto da sociedade, nos termos apontados.
t) Devendo, por isso, o processo de execução fiscal ser extinto por falta de verificação dos pressupostos da reversão, motivo pelo qual não pode manter-se a decisão ora em recurso.
Termos em que deverá ser concedido provimento ao presente recurso, e, nessa conformidade, ordenar-se a anulação da sentença em apreço, por ilegal, substituindo-a por decisão que julgue extinta a execução revertida contra o ora Recorrente, considerando a inexistência de suporte legal que sustente a reversão contra o ora Recorrente.
Acordando nos termos ora propugnados, farão Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, a costumada JUSTIÇA.”
Não houve contra-alegações.
O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.
Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, em apreciar o invocado erro de julgamento ao nível da matéria de facto e em saber se o Recorrido exerceu a gerência efectiva ou de facto da sociedade originária devedora, no período em que para tal foi nomeado e em que nasceram as dívidas exequendas que subsistem nos autos de molde a poder ser responsabilizado pelo pagamento das mesmas.
3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
A. No Serviço de Finanças de PV, foram instaurados os processos de execução fiscal n.º 1872 2010 0100 2236 e apensos contra a sociedade HPHPV, Lda, para cobrança das dívidas relativas a IRC de 2005 e 2006, no valor de € 257.808,09 – cfr. fls. 91 do processo físico.
B. Em 23.12.2009, terminou o prazo de pagamento voluntário da dívida em causa relativa a IRC de 2005 e 2006 – cfr. fls. 96 do processo físico.
C. Em 28.03.2012, foi declarada a insolvência da sociedade HPHPV, Lda – cfr. fls. 21 do processo físico.
D. Em 20.09.2013, no âmbito do processo de execução fiscal em causa foi proferida “Informação” com o seguinte teor – cfr. fls. 21 do processo físico:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)
E. Em 20.09.2013, pelo Chefe do Serviço de Finanças de PV, foi proferido “Despacho” com o seguinte teor – cfr. fls. 22 do processo físico:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

F. O oponente pronunciou-se sobre o projecto de reversão em documento onde afirma que “(…) o requerente exerceu funções de gerente da primitiva executada desde 30/06/2006 até 13/06/2012 (…)” – cfr. fls. 98 do processo físico.
G. Em 28.10.2013, no âmbito do processo de execução fiscal em causa foi proferida “Informação” com o seguinte teor – cfr. fls. 74 e ss. do processo físico:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

H. Em 28.10.2013, pelo Chefe do Serviço de Finanças de PV, foi proferido “Despacho” com o seguinte teor – cfr. fls. 79 do processo físico:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Não se provaram quaisquer outros factos para além dos referidos com relevância para a decisão da causa.
Motivação
O Tribunal formou a sua convicção relativamente a cada um dos factos dados como provados tendo por base os documentos juntos aos autos, os quais não foram objecto de impugnação, bem como o posicionamento das partes, assumido nos respectivos articulados.
«»
3.2. DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, agora, entrar na análise do recurso jurisdicional “sub judice”, sendo que a questão sucitada pelo Recorrente resume-se, em suma, em em saber se o mesmo exerceu a gerência efectiva ou de facto da sociedade originária devedora, no período em que para tal foi nomeado e em que nasceram as dívidas exequendas que subsistem nos autos de molde a poder ser responsabilizado pelo pagamento das mesmas.
Na sentença recorrida, foi entendido que resulta do teor do despacho de reversão - e da informação em que o mesmo assenta - que a execução fiscal reverteu contra o oponente, além do mais, em função do exercício do cargo de gerente da sociedade a partir de 30-06-2006 assumido pelo oponente em sede de exercício do direito de audição, sendo ainda ponderado que a AT se valeu da admissão feita pelo oponente aquando do exercício do direito de audição, concluindo que “… assentando o despacho de reversão na admissão do exercício da gerência por parte do oponente naquele período, e comportando o mesmo o término do prazo legal de pagamento das dívidas em causa (2009), não se impunha à Administração Tributária qualquer outra prova desse exercício. …”.
Nesta matéria, “é pacífica a jurisprudência que a responsabilidade subsidiária dos gerentes é regulada pela lei em vigor na data da verificação dos factos tributários geradores dessa responsabilidade, e não pela lei em vigor na data do despacho de reversão nem ao tempo do decurso do prazo de pagamento voluntário dos tributos (v. acórdãos do Pleno da SCT do STA de 7/7/2010 e de 24/3/2010, nos recursos n.ºs 945/09 e 58/09, e da SCT do STA de 28/9/2006 e de 11/1/2006, nos recursos n.ºs 488/06 e 717/05, respectivamente)” - Ac. do S.T.A. de 29-06-2011, Proc. nº 0368/11, www.dgsi.pt.
Ora, sendo as dívidas exequendas provenientes de dívidas de IRC de 2005 e 2006, ganha particular acuidade o art. 24º nº 1 da LGT, sendo que o citado normativo dispõe que:
1- Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.
Ora, em função da inclusão na disposição apontada das expressões “exerçam, ainda que somente de facto, funções” e “período de exercício do seu cargo”, não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções.
Assim, desde logo se vê que a responsabilidade subsidiária depende, antes de mais, do efectivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto.
Pois bem, e tal como se aponta no Ac. do S.T.A. de 02-03-2011, Proc. nº 0944/10, www.dgsi.pt, “… Na verdade, há presunções legais e presunções judiciais (arts. 350.º e 351.º do CC). As presunções legais são as que estão previstas na própria lei. As presunções judiciais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos». (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 486; Em sentido idêntico, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 215-216, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 289.).
De facto, não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.
No entanto, como se refere no acórdão deste STA de 10/12/2008, no recurso n.º 861/08, «o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.
E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pela revertida e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido. (Sobre esta «certeza» a que conduz a prova, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 191-192.).
Mas, se o Tribunal chegar a esta conclusão, será com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal.
Isto é, se o Tribunal fizer tal juízo, será com base numa presunção judicial e não com base numa presunção legal.»
Todavia, ainda que não seja possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de gerente que a revertida tinha não se pode presumir a gerência de facto, é possível efectuar tal presunção se o Tribunal, à face das regras da experiência, entender que há uma forte probabilidade de esse exercício da gerência de facto ter ocorrido.
Mas, por outro lado, na ponderação da adequação ou não de uma tal presunção em cada caso concreto, nunca há num processo judicial apenas a ter em conta o facto de a revertida ter a qualidade de direito, pois há necessariamente outros elementos que, abstractamente, podem influir esse juízo de facto, como, por exemplo, o que as partes alegaram ou não e a prova que apresentaram ou deixaram de apresentar.
Posto isto e voltando ao caso em apreço, na sentença recorrida e ainda que sem o referir expressamente, a Mma. Juíza “a quo” apreciou a questão da presunção judicial.
Com efeito, refere que a Administração Fiscal não alegou nem provou factos que indiciem o exercício da gerência de facto.
Daqui resulta que a sentença apreciou a prova em termos de presunção judicial, concluindo pela não gerência de facto.
Como este Tribunal já afirmou em acórdão de 28/2/2007, no recurso n.º 1132/06, proferido em Pleno da Secção de Contencioso Tributário, «As presunções influenciam o regime do ónus probatório.
Em regra, é a quem invoca um direito que cabe provar os factos seus constitutivos. Mas, se o onerado com a obrigação de prova beneficia de uma presunção legal, inverte-se o ónus. É o que decorre dos artigos 342.º n.º 1, 350.º n.º 1 e 344.º n.º 1 do Código Civil.
Também aqui o que vale para a presunção legal não serve para a judicial. E a razão é a que já se viu: o ónus da prova é atribuído pela lei, o que não acontece com a presunção judicial. Quem está onerado com a obrigação de fazer a prova fica desonerado se o facto se provar mediante presunção judicial; mas sem que caiba falar, aqui, de inversão do ónus.
(…) Quando, em casos como os tratados pelos arestos aqui em apreciação, a Fazenda Pública pretende efectivar a responsabilidade subsidiária do gerente, exigindo o cumprimento coercivo da obrigação na execução fiscal inicialmente instaurada contra a originária devedora, deve, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, provar os factos que legitimam tal exigência.
Mas, no regime do artigo 13.º do CPT, porque beneficia da presunção legal de que o gerente agiu culposamente, não tem que provar essa culpa.
Ainda assim, nada a dispensa de provar os demais factos, designadamente, que o revertido geriu a sociedade principal devedora.
Deste modo, provada que seja a gerência de direito, contínua a caber-lhe provar que à designação correspondeu o efectivo exercício da função, posto que a lei se não basta, para responsabilizar o gerente, com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização.
Este efectivo exercício pode o juiz inferi-lo do conjunto da prova, usando as regras da experiência, fazendo juízos de probabilidade, etc.
Mas não pode retirá-lo, mecanicamente, do facto de o revertido ter sido designado gerente, na falta de presunção legal.
A regra do artigo 346.º do Código Civil, segundo a qual «à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos», sendo então «a questão decidida contra a parte onerada com a prova», não tem o significado que parece atribuir-lhe o acórdão recorrido.
Aplicada ao caso, tem este alcance: se a Fazenda Pública produzir prova sobre a gerência e o revertido lograr provar factos que suscitem dúvida sobre o facto, este deve dar-se por não provado. Mas a regra não se aplica se a Fazenda não produzir qualquer prova.» …”.
Perante o que fica exposto, e que traduz o real enquadramento da matéria em apreço, é ponto assente que compete à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, o que significa que deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência.
Aliás, como se aponta no Ac. do S.T.A. (Pleno) de 16-10-2013, Proc. nº 0458/13, www.dgsi.pt, onde se ponderou que: “… De acordo com o disposto no nº 1 do art. 23º da LGT, a responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal, sendo o despacho que a ordena (despacho de reversão) o acto que dá início ao procedimento para efectivação da responsabilidade subsidiária.
E sendo um acto administrativo tributário, aquele despacho está sujeito a fundamentação, dado até o princípio constitucional da fundamentação expressa e acessível dos actos administrativos (nº 3 do art. 268º da CRP) densificado, no caso, no nº 4 do art. 23º e nº 1 do art. 77º da LGT. Daí que, enquanto acto administrativo tributário, o despacho de reversão deva incluir, além da indicação das normas legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido, por forma a permitir-lhe o eventual exercício esclarecido do direito de defesa (citado nº 1 do art. 77º da LGT), também a «declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação» - cfr. nº 4 do art. 23º da LGT. (De acordo com o disposto neste nº 4 do art. 23º da LGT «A reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação».)
Ora, são pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária, a inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, dos responsáveis solidários e seus sucessores (nº 2 do art. 23º da LGT e nº 2 do art. 153º do CPPT), bem como o exercício efectivo do cargo nos períodos relevantes de verificação do facto constitutivo da dívida tributária ou do prazo legal de pagamento ou entrega desta (nº 1 do art. 24º da LGT).
Daí que a fundamentação formal do despacho de reversão se baste com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada (citado nº 4 do art. 23º da LGT).
Não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido.
É que, como se exara no acórdão de 31/10/2012, da Secção do Contencioso Tributário deste STA, processo nº 0580/12, «não … parece, porém, … que seja necessário que do despacho de reversão constem os factos concretamente identificados nos quais a Administração tributária fundamenta a sua convicção relativa ao efectivo exercício de funções, pois que em causa não está uma acusação em matéria sancionatória e persistindo dúvida acerca do efectivo exercício de funções o “non liquet” não poderá deixar de ser valorado contra a Administração fiscal, que invoca o direito a responsabilizar o gerente, pois que inexiste presunção legal no sentido de que o gerente de direito exerça de facto as suas funções, daí que não possa seriamente defender-se que a não invocação no despacho de reversão de tais factos possa comprometer a defesa do responsável subsidiário» (No mesmo sentido ver também o acórdão de 23/1/2013, processo nº 0953/12.) sendo que, em caso de discordância, o revertido sempre poderá exercer o direito de defesa mediante dedução de oposição onde, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova aplicáveis às distintas situações das previsões legais (i) incumbe à AT comprovar a alegação de exercício efectivo do cargo e a culpa do revertido na insuficiência do património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado para a satisfação da dívida tributária, quando esta se tenha constituído no período de exercício do cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado após aquele exercício (al. a) do nº 1 do art. 24º da LGT); (ii) incumbe ao revertido comprovar que não lhe é imputável a falta de pagamento pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo (al. b) do nº 1 do art. 24º da LGT). …”.
Ora, como se colhe do aresto agora descrito, não se impõe que constem do despacho de reversão os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido, o que significa que, no caso de reacção do visado (leia-se oposição), a AT terá então, no desenvolvimento do processo, de afirmar esses elementos no sentido de se desembaraçar do ónus que a lei lhe comete da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, estando aqui em destaque o efectivo exercício da gerência.
Com este pano de fundo, tem de dizer-se que sobre a presente questão, envolvendo o aqui Recorrente, estando em causa o mesmo imposto, factos e ilações de facto em tudo idênticos, sendo também as conclusões de recurso essencialmente idênticas, já este Tribunal Central Administrativo Norte se pronunciou, no Acórdão de 23.11.2017, proferido no processo nº 468/14.8BEPRT, ao que se crê ainda inédito, sendo que por semelhança ao caso sub judice e por economia de meios, visando a interpretação e aplicação uniforme do direito (cfr. artigo 8.º n.º 3 do CC), acolhemos a argumentação jurídica aduzida no mencionado aresto.
“…
Ali se explanou, “…. independentemente de se considerar tal declaração como uma confissão em sentido técnico jurídico ou não, a verdade é que a assunção de gerência no período em crise foi manifestada pelo próprio, em documento por si assinado e contra o qual não foi arguido qualquer vício de vontade, nem negada a sua autoria.
Em vistas disso, tal declaração não pode deixar de ter efeitos na convicção do tribunal, mais que não seja como uma presunção natural, e merecer a devida atenção na prova dos factos que lhe respeitam, precisamente a gerência efectiva da sociedade devedora originária sem que daí resulte alguma incongruência lógica, ou contrária aos princípios gerais de experiência comum (Conclusão p), bem pelo contrário.
De resto, embora o Recorrente afirme nas alegações (fls. 214 verso) [nos presentes autos folhas 242] ter negado a gerência em oposição judicial[ O texto da alegação é o seguinte: “Como já aqui se referiu, não é lícito inferir da assinatura de documento a gerência de facto, quando é o próprio que, em oposição judicial, a nega”], relendo a douta petição inicial não se encontra qualquer alegação relativa à falta de gerência efetiva da devedora originária.
Tão pouco defende não ter capacidade (ou legitimidade) para a declaração que efetuou. Sustenta que a AT não logrou demonstrar o exercício da gerência de facto, falhando assim um dos pressupostos de que depende a efectivação da responsabilidade subsidiária prevista no art. 24º/1 LGT, esquecendo que a fundamentação formal do despacho de reversão basta-se com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada, como infra melhor se esclarece.
Ora, tudo conjugado, apenas podemos concluir que não aceitar a declaração do próprio quanto à gerência que diz ter exercido é que nos pareceria decididamente contrário aos princípios gerais e da experiência comum, além de ilógico.
Os restantes factos alegados no requerimento referem-se à prossecução de um processo de impugnação judicial que ainda não foi decidido, à insolvência da primitiva executada, à arrecadação de “avultado montante” com a venda dos bens e à nulidade da notificação que deveria ter sido efectuada ao Administrador da Insolvência.
Esta alegação não tem aptidão para extinguir ou modificar os efeitos da declaração de gerência, são meras questões de direito. E o facto de não estar definido com precisão o montante a pagar pelo responsável subsidiário não impede a reversão da execução, como resulta do disposto no art.º 23º/3 da LGT.
Diz o Recorrente na conclusão j) que “...Não se compreende que a referência feita nesse acto [direito de audição] possa ter mais relevância do que tudo o que foi alegado em sede de oposição judicial apresentada pelo ora Recorrente” e que “Não existe normativo legal que sustente a gerência por confissão” (conclusão l), depreendendo-se que considera a declaração inválida, mas não adianta porquê nem qual o vício que lhe subjaz.
Ora a prova de que o revertido exerceu a gerência de facto recai sobre quem pretende exercer o direito à reversão, como resulta do disposto no art. 74º/1 LGT e 342º/1 do Código Civil. O mesmo é dizer que tal prova recai sobre a AT que não pode limitar-se a extrair da gerência de direito qualquer presunção de gerência efectiva, pelo menos depois do acórdão do Pleno da Secção do CT do STA n.º 01132/06 de 28-02-2007[ Em cujo sumário se lê I - No regime do Código de Processo Tributário relativo à responsabilidade subsidiária do gerente pela dívida fiscal da sociedade, a única presunção legal de que beneficia a Fazenda Pública respeita à culpa pela insuficiência do património social.
II - Não existe presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efectivo exercício da função, na ausência de contraprova ou de prova em contrário.
III - A presunção judicial, diferentemente da legal, não implica a inversão do ónus da prova.
IV - Competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência.
V - Sendo possível ao julgador extrair, do conjunto dos factos provados, esse efectivo exercício, tal só pode resultar da convicção formada a partir do exame crítico das provas, que não da aplicação mecânica de uma inexistente presunção legal.].
Mas de acordo com a doutrina do STA, a fundamentação formal do despacho de reversão basta-se com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada (nº 4 do art. 23º da LGT) não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido[ Ac. do Pleno da Secção do CT do STA n.º 0458/13 de 16-10-2013 in http://www.dgsi.pt/ ].
O que significa que, no caso de reação do visado, isto é, no caso de negar a gerência efectiva da sociedade, a AT terá então (na contestação) de avançar com esses elementos no sentido de se desembaraçar do ónus que a lei lhe comete da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, em especial o efectivo exercício da gerência[ Ac. do TCAN n.º 01210/07.5BEPRT de 30-04-2014 (Relator: Pedro Nuno Pinto Vergueiro): II) A fundamentação formal do despacho de reversão basta-se com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada (nº 4 do art. 23º da LGT) não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido.
III) Assim, não se impõe que constem do despacho de reversão os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido, o que significa que, no caso de reacção do visado, a AT terá então (na contestação à oposição) de avançar com esses elementos no sentido de se desembaraçar do ónus que a lei lhe comete da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, estando aqui em destaque o efectivo exercício da gerência.].
No caso dos autos não só não foi alegado qualquer vício da vontade na declaração como na petição inicial o Oponente não pôs em causa tal declaração nem negou a gerência efectiva da devedora originária. Limitou-se a alegar que a AT não provou a gerência efectiva do Oponente (“...sem invocar um único facto demonstrativo do exercício efectivo da gerência” – art.º 29º da pi), aparentemente ignorando a sua própria declaração sobre a matéria.
Nestas circunstâncias, improcedendo todas as conclusões de recurso, a sentença recorrida deverá ser confirmada.”
Perante a bondade do que fica exposto e tendo presente que os argumentos esgrimidos pelas partes nada aportam de novo em termos da análise efectuada, não se vislumbra qualquer razão para divergir do decidido, o que significa que fazendo a transposição para o presente recurso, também aqui naufragam todas as conclusões, sendo de lhe negar provimento.
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4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.
Custas pelo Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe assiste.
Notifique-se. D.N..
Porto, 13 de Setembro de 2018
Ass. Pedro Vergueiro
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos