Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00150/18.7BEVIS
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/14/2020
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:CRIAÇÃO LÍQUIDA DE EMPREGO
Sumário:I-A quaestio iuris consiste em saber que modalidades da cessação do contrato de trabalho não são consideradas para a verificação da criação líquida de emprego;

I.1-as únicas modalidades apontadas, de forma taxativa ou exaustiva, pelo n.º 8 do artigo 3.º da Portaria n.º 106/2013, de 14 de março, são: (i) a invalidez, (ii) o falecimento, (iii) a reforma por velhice ou (iv) o despedimento com justa causa promovido pelo empregador, desde que a empresa comprove esse facto;

I.2-não se vislumbra como não será taxativa ou exaustiva esta enumeração; acrescentar outras causas de cessação do contrato de trabalho, como a denúncia, não tem na letra da lei o mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso;

I.3-o objeto da interpretação da lei corresponde à tarefa de descoberta de entre os possíveis sentidos da lei, o seu sentido prevalente ou decisivo;

I.4-é, pois, necessário proceder à interpretação da norma em causa, empreendimento cuja metodologia se extrai do artigo 9.º do Código Civil, segundo o qual a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, não podendo, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, presumindo-se, na fixação do sentido e alcance da lei, que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:INSTITUTO DO EMPREGO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL, IP
Recorrido 1:E., LDA
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
E., LDA, com sede na Estrada (…), (…), notificada da anulação administrativa da decisão de aprovação de apoio financeiro, instaurou acção para anulação de acto administrativo contra o INSTITUTO DO EMPREGO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL, IP- Delegação Regional do Centro, com sede na Av. (…) (…), peticionando a anulação dos actos administrativos que revogaram o deferimento do apoio nomeado como Medida Estímulo 2013, inclusive a devolução dos montantes pedidos; que se condene o IEFP, IP a reconhecer a situação jurídica subjectiva directamente decorrente das normas jurídico-administrativas decorrentes do Regulamento do apoio em apreço; que se reconheça o preenchimento das condições para benefício do mesmo apoio em decorrência do princípio fundamental constante do CPA, porque à luz da interpretação feita pela Entidade Administrativa, a sua decisão padece de irrazoabilidade e incompatibilidade com o Estado e os Princípios de Direito.
Por decisão proferida pelo TAF de Viseu foi julgada procedente a acção e anulados os actos impugnados, com as consequências legais.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, o IEFP formulou as seguintes conclusões:
A. Sentença recorrida, salvo o devido respeito que é muito, interpreta e aplica de forma incorreta o n.º 8 do artigo 3.º da Portaria n.º 106/2013, de 14 de março;
B. A Sentença recorrida aprecia incorretamente a fórmula de contabilização dos trabalhadores para os efeitos da criação líquida de emprego e para a sua manutenção;
C. Constitui requisito de atribuição do apoio financeiro a criação líquida de emprego (cfr. proémio e alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º da Portaria n.º 106/2013, de 14 de março);
D. A criação líquida de emprego consiste no registo, por banda da entidade empregadora, a partir da contratação e com periodicidade trimestral, de um número total de trabalhadores igual ou superior ao número de trabalhadores atingido por via do apoio (cfr. proémio e alínea b) do n.º 5 do mesmo artigo);
E. Para avaliar a criação e manutenção do nível de emprego não são contabilizados os trabalhadores que tenham cessado os respetivos contratos de trabalho por motivo de invalidez, de falecimento, de reforma por velhice ou de despedimento com justa causa promovido pelo empregador (cfr. n.º 8 do mesmo artigo);
F. Os únicos motivos apontados, de forma taxativa ou exaustiva, pelo n.º 8 do artigo 3.º da Portaria n.º 106/2013, de 14 de março, são: (i) a invalidez, (ii) o falecimento, (iii) a reforma por velhice ou (iv) o despedimento com justa causa promovido pelo empregador;
G. Acrescentar à norma a não contabilização de trabalhadores cujos contratos de trabalho cessem no âmbito de outras modalidades de cessação do contrato de trabalho, como a denúncia, não tem na letra da lei o mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso;
H. Nos termos do artigo 9.º do Código Civil, o pensamento legislativo terá, obrigatoriamente, que possuir um mínimo de correspondência verbal na letra da lei, independentemente da perfeição da sua expressão;
I. A presunção da consagração das soluções mais acertadas e da expressão em termos adequados do pensamento na determinação do sentido e alcance da lei, aponta inevitavelmente nesta direção;
J. Contrariamente ao vertido na Sentença recorrida, a cessação do contrato de trabalho por denúncia do trabalhador não é, ou pode não ser, uma situação totalmente alheia à vontade e disponibilidade da entidade empregadora;
K. Na verdade, esta, nas suas relações com o trabalhador, no decurso da execução do contrato de trabalho não raras vezes adota condutas que impelem este a proceder à denúncia do seu contrato de trabalho, razão pela qual esta situação não poderá ser enquadrada e equiparada às restantes;
L. O n.º 8 do artigo 3.º da Portaria n.º 106/2013, de 14 de março, interpretado no sentido da taxatividade ou exaustividade da enumeração tem na lei toda a correspondência verbal perfeitamente expressa;
M. O pensamento legislativo ou a intenção do legislador perfeitamente enunciada no preceito sub iudice, aumenta o grau de vinculação do intérprete ao elemento literal ou gramatical da interpretação;
N. A livre denúncia por trabalhador do contrato de trabalho não deve caber, pois, na enumeração do n.º 8 do artigo 3.º da Portaria n.º 106/2013, de 14 de março, porquanto, além de não ter qualquer correspondência verbal na norma, não se trata de situação alheia à vontade e disponibilidade da entidade empregadora;
O. Pelo menos a partir do dia 17 de maio de 2013 ou do dia 17 de junho de 2013, a Recorrida tinha conhecimento da denúncia do contrato pelo trabalhador;
P. Tendo este conhecimento, a Recorrida poderia e devia, durante o lapso temporal, correspondente ao prazo de aviso prévio, situado temporalmente antes das férias de Verão, envidar todos os esforços para preencher o posto de trabalho quando vagasse; Q. Ao invés, a Recorrida apenas em outubro de 2013, decorridos quatro ou cinco meses desde a comunicação do aviso prévio, contratou outro trabalhador;
R. Não ficou provado que nada faria prever que o trabalhador entregasse a sua carta, muito menos em período considerado de férias;
S. Trata-se, antes, de uma mera conjetura empreendida pela Sentença recorrida;
T. Impõe-se uma interpretação declarativa do n.º 8 do artigo 3.º da Portaria n.º 106/2013, de 14 de março, pois que apenas comporta um sentido, consubstanciado no pensamento legislativo que lhe subjaz;
U. O ato administrativo impugnado apenas se limitou a lançar mão dos poderes vinculados que resultam, designadamente, dos n.ºs 1, 3 e 4, todos do artigo 8.º da Portaria n.º 106/2013, de 14 de março, que, face a um incumprimento injustificado, conferem desde logo ao Recorrente o direito a decidir o incumprimento em causa e de impor à Recorrida a obrigação de devolução do apoio sob pena da respetiva cobrança coerciva;
V. Tendo sido praticado no exercício de poderes vinculados, o ato impugnado não pode enfermar de violação de qualquer princípio da atividade administrativa, por este vício ser inerente ao exercício de poderes discricionários;
W. O Recorrente atuou segundo o princípio da legalidade nas suas dimensões de conformidade e compatibilidade, a que aludem o n.º 2 do artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa e o artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo, fazendo cumprir o regime decorrente da Portaria n.º 106/2013, de 14 de março, não violando desse modo nenhum dos princípios apontados pela douta Sentença recorrida.
Termos em que, e pelo que suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se, em consequência, a Sentença recorrida, pela interpretação dada ao n.º 8 do artigo 3.º da Portaria n.º 106/2013, de 14 de março, com as legais consequências e, dessa forma será feita, em nome do povo,
JUSTIÇA!
A Autora juntou contra-alegações, concluindo:
1. O recurso apresentado vem interposto de decisão que julgou “a presente ação administrativa totalmente procedente, anulando os atos impugnados, com as devidas consequências legais.”
2. A recorrente apresentou recurso porque entendeu grosso modo que a decisão proferida interpretou e aplicou “de forma incorreta o n.º 8 do artigo 3.º da Portaria n.º 106/2013, de 14 de março, que procede à criação da medida de apoio ao emprego «Estímulo 2013», que promove a contratação e a formação profissional de desempregados e que revoga a Portaria n.º 45/2012, de 13 de fevereiro, e, em consequência, aprecia incorretamente a fórmula de contabilização dos trabalhadores para os efeitos da criação líquida de emprego e para a sua manutenção.”
3. Assim, o cerne da questão reside em saber interpretar quais as consequências da cessação de um contrato de trabalho por livre e espontânea denúncia por um trabalhador face à Portaria n.º 106/2013, de 14 de Março.
4. Ora, a livre denúncia do contrato de trabalho por um trabalhador, situação cujo controlo escapa totalmente à entidade empregadora, tem necessariamente de ser contemplada e abrangida pelo n.º 8 do art. 3º da Portaria em referência, por ambas as situações terem um denominador comum: circunstâncias especiais que justificam a não manutenção do número de trabalhadores pelo facto de se tratar de situação alheia à vontade e disponibilidade da entidade empregador.
5. Só esta interpretação poderá consubstanciar uma interpretação consentânea com o art. 9º do Cciv, e sobretudo com os princípios fundamentais consagrados na Constituição que regem todo o nosso sistema.
6. Assim, assiste plena razão à sentença quando afirma: “(...) não deverão restar dúvidas que o elemento teleológico subjacente às exceções é o mesmo, ou seja, circunstâncias especiais que justificam tal não manutenção do número de trabalhadores. Se assim é, a livre denúncia por trabalhador do contrato de trabalho também deve caber nesta enumeração, visto tratar-se de situação alheia à vontade e disponibilidade da entidade empregadora, ainda que por aplicação analógica.”
7. Face ao exposto, dúvidas não há que a sentença recorrida nenhuma censura merece, que não pode até deixar de louvar-se, quer pela sua lucidez, quer pelo rigor técnico-jurídico.
8. Na verdade, a sentença posta em crise não infringiu qualquer norma legal, nem padece de qualquer erro de julgamento, não merecendo, deste modo, qualquer reparo.
9. Pelo que, deve o recurso ser julgado improcedente por não provado, mantendo-se na íntegra a sentença recorrida.
Nestes termos e nos melhores de direito, deve o recurso interposto ser julgado improcedente por não provado e ser integralmente confirmada a decisão da 1ª instância.
Assim se fazendo
JUSTIÇA!
O MP, notificado ao abrigo do disposto no artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na sentença foi fixada a seguinte factualidade:
1.A autora cumprindo todos os requisitos necessários ao programa de Apoio financeiro conhecido como Medida Estímulo 2013, viu a sua candidatura aprovada.
2. Sucede que em 04-03-2017 foi notificada da revogação da decisão de aprovação e da qual beneficiou.
3. Concluindo pela não criação líquida de emprego por parte da Autora, o IEFP, IP, notificação para que esta devolvesse quantias pagas por este mesmo Instituto.
4. Sucede que a Autora não incumpriu os requisitos a que está obrigada para beneficiar do Programa, mas antes foi vítima de uma circunstância que lhe é completamente alheia.
5. De facto, sem que nada o fizesse prever, em Julho de 2013, um dos trabalhadores da Autora apresentou carta com denúncia livre do contrato.
6. E por este facto, a Autora deixou, involuntariamente, de cumprir os requisitos exigíveis a esse Programa.
7. Após interpelação para audiência prévia, foi esta mesma situação explicada, tendo em tempo muito curto sido substituído o trabalhador denunciante.
8. E mais cedo não foi dado que se trata de profissão especializada e se encontravam a decorrer os meses de Julho a Agosto, meses conhecidos como de férias, o que dificultou o preenchimento da vaga.
9. Porém, o IEFP, IP, ao arrepio do edifício jurídico-administrativo, ignorando todos os princípios que lhe estão subjacentes, optou pela estrita aplicação da lei;
10. O que se veio a revelar como uma decisão não razoável e injusta.
11. Entende o dito Instituto que a livre denúncia do contrato de trabalho não integra a lista do diploma Portaria 106/2013 de 11 de Março,
12. E não procurando sequer a razão teleológica do normativo, mantém a sua posição! 13. Ora, se atentarmos no art. 8.º desse diploma, facilmente se entende que estão nele configuradas excepções que são completamente alheias à entidade beneficiária, como o é a presente situação!
14. E que por tal, deveria socorrer-se de uma interpretação teleológica e analógica da lei, não desaguando em solução desrazoável, ilegal e incompatível com o Direito,
15. Como aconteceu!
16. Ao contrário do que mandam os ensinamentos jurídicos, o dito Instituto fez tábua rasa do princípio da razoabilidade,
17. Aplicando apenas a letra da lei,
18. Desprezando todos os sacrifícios impostos ao particular,
19. E sem sequer prosseguir qualquer interesse público porque assim que possível, e em tempo diminuto face à realidade, o número de empregados foi reposto!
20. Porque o objectivo hegemónico deste programa foi cumprido – duas novas contratações.
21. O IEFP, IP desrespeitou além do princípio da razoabilidade, a adequação, a necessidade e a proporcionalidade estrita na presente situação,
22.Já que apenas atentou na estrita aplicação da lei, reiterámos,
23.desprezando os princípios basilares e alicerçais que fundamento até a portaria aplicada.
DE DIREITO
Está posta em causa a sentença que acolheu a leitura da Autora.
Na óptica do Recorrente, que não questiona a factualidade apurada, esta incorreu em erro de julgamento, dada a interpretação efetuada ao nº 8 do artigo 3º da Portaria nº 106/2013, de 14 de março.
Cremos que lhe assiste razão.
Antes, atente-se no seu discurso fundamentador:
A Autora E., Lda, peticiona nos presentes autos que se anulem os atos administrativos que revogaram o deferimento do apoio nomeada como Medida Estímulo 2013, inclusive o pedido de devolução dos montantes peticionados; que se condene o IEFP, IP a reconhecer a situação jurídica subjetiva diretamente decorrente das normas jurídico-administrativas decorrentes do Regulamento do apoio em apreço; que se reconheça o preenchimento das condições para benefício do apoio porque em apreço princípio fundamental constante do CPA porque à luz da interpretação feita pela entidade administrativa a sua decisão padece de irrazoabilidade e incompatibilidade com o Estado e Princípios de Direito.
Vejamos então:
Como resulta da matéria provada, a Autora foi beneficiária da Medida Estímulo 2013, medida a atribuição de apoio financeiro.
E isto porque cumpriu todos os vetores necessários à atribuição do mesmo, beneficiando parcialmente da medida, já que esta era realizada em forma de salários.
Em 04-03-2017 foi notificada de processos de revogação total da decisão de aprovação referente ao programa em apreço, de onde constava a indicação para devolução da quantia de € 3492,00 (três mil e quatrocentos e noventa e dois euros) e € 4190,40 (quatro mil cento e noventa euros e quarenta cêntimos), respetivamente.
Concluiu o IEFP, I.P. que não se havia procedido à criação líquida de emprego no último mês do 1.º trimestre a partir do mês de contratação, designadamente, por serem 13 os trabalhadores, quando o mínimo para cumprimento dos requisitos seriam 14 trabalhadores.
Ora, conforme a Autora, ocorreu uma denúncia livre do contrato de trabalho por um dos trabalhadores, facto este que a Autora não tinha como prever ou sequer contestar ou sanar de forma alguma.
E de onde retirou e reiterou o IEFP, IP a anulação administrativa da decisão de aprovação ao apoio da Medida Estímulo 2013, para os processos objeto da presente ação.
E isto porque no entendimento da Ré, a denúncia livre do contrato de trabalho pelo trabalhador, não consta das exceções definidas no n.º 8 do art. 3.º da Portaria n.º 106/2013 de 11 de março.
Apesar da entidade administrativa confirmar que ocorreu a saída do trabalhador por livre iniciativa daquele, conforme comprovado pela A., sem que a entidade patronal, aqui A., nada pudesse fazer ou prever tal situação.
Veio o IEFP, IP alegar, depois de invocada a norma e os princípios de Direito, que as exceções previstas no artigo acima indicado (n.º 8 do art. 3.º da Portaria n.º 106/2013 de 11 de março) são as situações em que os trabalhadores cessem o contrato de trabalho por motivo de invalidez, de falecimento, de reforma por velhice ou de despedimento com justa causa promovido pelo empregador. Não contemplando expressamente tal dispositivo legal a denúncia livre do trabalhador e por tal não aplicável à situação concreta.
A Portaria n.º 106/2013, de 11 de março, procede à criação da medida de apoio ao emprego «Estímulo 2013», que promove a contratação e a formação profissional de desempregados e revoga a Portaria n.º 45/2012, de 13 de fevereiro.
Para o que interessa, dispõe a menciona Portaria, o seguinte:
Artigo 3.º - Requisitos de atribuição
1 - São requisitos de atribuição do apoio financeiro: a) A celebração de contrato de trabalho, a tempo completo ou a tempo parcial, com desempregado inscrito em centro de emprego ou centro de emprego e formação profissional, de acordo com o previsto no número seguinte; b) A criação líquida de emprego.
2 - Para efeitos da alínea a) do número anterior, o contrato de trabalho deve ser celebrado com desempregado inscrito em centro de emprego ou centro de emprego e formação profissional: a) Há pelo menos 6 meses consecutivos; b) Há pelo menos 3 meses consecutivos, desde que não tenha concluído o ensino básico ou que tenha 45 anos ou mais ou que seja responsável por família monoparental ou cujo cônjuge se encontre igualmente em situação de desemprego; c) Que não tenha estado inscrito na segurança social como trabalhador de determinada entidade ou como trabalhador independente nos 12 meses que precedem a data da candidatura à Medida, nem tenha estado a estudar durante esse mesmo período.
3 - Para efeitos do disposto no n.º 2: a) São equiparadas a desempregado as pessoas inscritas no centro de emprego ou centro de emprego e formação profissional como trabalhadores com contrato de trabalho suspenso com fundamento no não pagamento pontual da retribuição; b) O tempo de inscrição não é prejudicado pela frequência de estágio profissional, formação profissional ou outra medida ativa de emprego, com exceção das medidas de apoio direto à contratação ou que visem a criação do próprio emprego.
4 - Para efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1, o contrato de trabalho pode ser celebrado sem termo ou a termo certo, por prazo igual ou superior a seis meses, designadamente ao abrigo da parte final da alínea b) do n.º 4 do artigo 140.º do Código do Trabalho.
5 - Para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1, considera-se que há criação líquida de emprego quando: a) O empregador atingir por via do apoio um número total de trabalhadores superior à média mais baixa dos trabalhadores registados nos quatro, seis ou 12 meses que precedem a data da apresentação da candidatura; b) O empregador registar, a partir da contratação e com periodicidade trimestral, um número total de trabalhadores igual ou superior ao número de trabalhadores atingido por via do apoio.
6 - A obrigação referida na alínea b) do número anterior deve ser mantida pelo menos durante o período de duração do apoio financeiro.
7 - Os contratos de trabalho celebrados pelas empresas referidas no n.º 3 do artigo 2.º podem ser apoiados ao abrigo da Medida, mesmo não se verificando o disposto na alínea a) do n.º 5.
8 - Para efeitos de aplicação da alínea b) do n.º 5 e do n.º 6 do presente artigo, não são contabilizados os trabalhadores que tenham cessado os respetivos contratos de trabalhos por motivo de invalidez, de falecimento, de reforma por velhice ou de despedimento com justa causa promovido pelo empregador, desde que a empresa comprove esse facto.
9 - Nos casos previstos no n.º 9 do artigo 5.º, durante a suspensão do apoio, suspende-se, também, a obrigação de manutenção do nível de emprego prevista na alínea b) do n.º 5 do presente artigo.
10 - O empregador tem direito a um prémio de conversão, estando obrigado a cumprir o disposto na alínea b) do n.º 5 e no n.º 6 do presente artigo, em caso de conversão de contrato de trabalho a termo certo, anteriormente abrangido pela Medida Estímulo 2012 ou pela presente Medida, em contrato de trabalho sem termo, por acordo celebrado entre empregador e trabalhador.
11 - O empregador não pode contratar, ao abrigo da Medida, mais de 25 trabalhadores através de contrato de trabalho a termo certo, em cada ano civil, não existindo limite ao número de contratações em caso de celebração de contrato de trabalho sem termo. Artigo 5.º - Apoio financeiro
1 - O empregador que celebre contrato de trabalho ao abrigo da Medida tem direito a um apoio financeiro durante o período máximo de seis meses, no caso de celebração de contrato de trabalho a termo certo, ou de dezoito meses, no caso de celebração de contrato de trabalho inicialmente sem termo.
2 - O apoio financeiro concedido ao abrigo da presente Medida corresponde a 50% da retribuição mensal do trabalhador.
3 - O apoio financeiro corresponde a 60% da retribuição mensal do trabalhador no caso de celebração de contrato de trabalho com desempregado inscrito em centro de emprego ou centro de emprego e formação profissional, que se encontre numa das seguintes situações: a) Inscrito como desempregado no centro de emprego ou centro de emprego e formação profissional há pelo menos 12 meses consecutivos; b) Beneficiário do Rendimento Social de Inserção; c) Pessoa com deficiência ou incapacidade; d) Idade igual ou inferior a 25 anos; e) Idade igual ou superior a 50 anos; f) Trabalhadora com um nível de habilitações inferior ao 3.º ciclo do ensino básico; g) Trabalhador que seja do sexo menos representado em setores de atividade que tradicionalmente empregam uma maioria de pessoas do mesmo sexo.
4 - Para efeitos da presente Medida entende-se por retribuição mensal o valor pago pelo empregador ao trabalhador e relevante para efeitos de incidência da taxa contributiva devida à Segurança Social.
5 - Os apoios previstos nos n.ºs 2 e 3 deste artigo não podem ultrapassar os montantes de uma vez o valor do indexante dos apoios sociais (IAS) por mês, no caso de contratos a termo certo, e de 1,3 vezes o valor do IAS por mês, no caso de contratos celebrados inicialmente sem termo.
6 - No caso de celebração de contrato de trabalho a tempo parcial os apoios referidos no número anterior são reduzidos proporcionalmente, tendo por base um período normal de trabalho de 40 horas semanais.
7 - O prémio de conversão referido no n.º 10 do artigo 3.º corresponde a nove meses de apoio idêntico ao previsto no n.º 2 ou n.º 3, ao qual se aplica o limite máximo mensal de uma vez o valor do IAS.
8 - O empregador que beneficie do prémio de conversão está dispensado da obrigação prevista no artigo 4.º.
9 - O apoio previsto neste artigo suspende-se nos casos de suspensão do contrato de trabalho, designadamente por motivo de maternidade ou situação de doença, sendo retomado se o contrato ainda se mantiver em vigor após o período de suspensão. Artigo 8.º - Incumprimento e restituição dos apoios
1 - O incumprimento, por parte do empregador, das obrigações relativas à atribuição dos apoios financeiros concedidos no âmbito da presente portaria implica a imediata cessação dos mesmos e a restituição, total ou parcial, dos montantes já recebidos, sem prejuízo do exercício do direito de queixa por eventuais indícios da prática do crime de fraude na obtenção de subsídio de natureza pública.
2 - O apoio financeiro cessa, devendo o empregador restituir proporcionalmente o apoio financeiro recebido, quando se verifique alguma das seguintes situações: a) O trabalhador abrangido pela Medida promova a denúncia do contrato de trabalho; b) O empregador e o trabalhador abrangido pela Medida façam cessar o contrato de trabalho por acordo; c) Incumprimento do requisito previsto na alínea b) do n.º 5 do artigo 3.º, sem prejuízo do disposto no n.º 9 do mesmo artigo;
3 - O empregador deve restituir a totalidade do apoio financeiro respeitante ao trabalhador em relação ao qual se verifique uma das seguintes situações: a) Despedimento coletivo, por extinção de posto de trabalho ou por inadaptação, bem como despedimento por facto imputável ao trabalhador que seja declarado ilícito ou cessação do contrato de trabalho durante o período experimental por iniciativa do empregador, efetuados durante o período de duração do apoio; b) Resolução lícita de contrato de trabalho pelo trabalhador; c) Incumprimento das obrigações previstas no artigo 4.º, sem prejuízo do disposto no n.º 8 do artigo 5.º.
4 - O IEFP, I.P. deve notificar o empregador da decisão que põe termo à atribuição do apoio financeiro, indicando a data em que deixa de existir fundamento para a respetiva atribuição, assim como o montante que deverá ser restituído.
5 - A restituição deve ser efetuada no prazo de 60 dias consecutivos, contados a partir da notificação referida no número anterior, sob pena de pagamento de juros de mora à taxa legal em vigor.
Ora, no artigo 3.º da Portaria n.º 106/2013, de 14 de março estabelece-se os requisitos de atribuição de apoios financeiros e esclarece, em que circunstâncias se considera existir criação líquida de emprego.
Ainda nos termos do artigo 3.º n.º 5, alínea b) da Portaria n.º 106/2013, de 14 de março, considera-se que há criação líquida de emprego sempre que o empregador registe “com periodicidade trimestral, um número total de trabalhadores igual ou superior ao número de trabalhadores atingido por via do apoio.”
Nos termos do n.º 6 do artigo 3.º da Portaria n.º 106/2013, de 14 de março aquela obrigação “(…) deve ser mantida pelo menos durante o período de duração do apoio financeiro.”
Nos termos do n.º 1 do artigo 8º da Portaria, o pagamento do apoio fica sujeito à verificação da manutenção dos requisitos necessários à sua atribuição.
De acordo com o definido no artigo 8º da Portaria n.º 106/2013, de 14 de março, e ao abrigo do ponto 12.1.1 do correspondente Regulamento, o incumprimento, por parte da entidade empregadora, das obrigações relativas à atribuição dos apoios financeiros concedidos no âmbito da Medida considerada, pode implicar a imediata cessação de todos os apoios e a restituição do montante já recebido.
Nos termos do disposto no nº 2 do artigo 8º, da Portaria n.º 106/2013, de 14 de março, bem como, pelo estipulado na alínea c) do ponto 12.1.2 do Regulamento aplicável, o incumprimento da manutenção do nível de emprego, consubstancia a cessação do apoio financeiro concedido e a consequente restituição proporcional desse apoio.
Porém, considerou a Entidade demandada que no âmbito dos processos em análise, o incumprimento da obrigação de manutenção do nível de emprego, verificou-se ab initio, isto é, ocorreu no primeiro trimestre de vigência e, por ter ocorrido no primeiro trimestre (último mês), originou a anulação da decisão de aprovação, pelo que o Autor se constituiu no dever de restituir a totalidade do apoio financeiro recebido.
Ora, como resulta dos autos, ocorreu a saída do trabalhador Jorge Lourenço, por livre iniciativa daquele, conforme comprovado pela A., sem que a entidade patronal, aqui A., nada pudesse fazer ou prever tal situação.
Veio o IEFP- IP alegar, depois de invocada a norma e os princípios de Direito, que as exceções previstas no artigo acima indicado (n.º 8 do art. 3.º da Portaria n.º 106/2013 de 11 de março) são as situações em que os trabalhadores cessem o contrato de trabalho por motivo de invalidez, de falecimento, de reforma por velhice ou de despedimento com justa causa promovido pelo empregador.
Ou seja, quer a realidade fáctica da denúncia livre do trabalhador, quer o apelo às normas e princípios legais, conforme enunciadas na reclamação apresentada e para a qual aqui se remete (Doc.6) não colheram junto da entidade decisora.
É certo que não se contempla expressamente no diploma em apreço, a livre denúncia do contrato de trabalho pelo trabalhador, como exceção. Mas deverá entender-se que essa enumeração é taxativa?
Ora, não deverão restar dúvidas que o elemento teleológico subjacente às exceções é o mesmo, ou seja, circunstâncias especiais que justificam tal não manutenção do número de trabalhadores.
Se assim é, a livre denúncia por trabalhador do contrato de trabalho também deve caber nesta enumeração, visto tratar-se de situação alheia à vontade e disponibilidade da entidade empregadora, ainda que por aplicação analógica.
Na realidade, nada faria prever que o trabalhador entregasse a sua carta, muito menos em período considerado de férias, em 17 de julho de 2013, que dificultou o processo de recrutamento de novo trabalhador.
Tendo sido constatado e admitido pelo IEFP que ocorreu nova contratação em outubro do ano em apreço, provando-se assim que não foi má fé da A. para obtenção dos apoios.
Na realidade, como alega a Autora, necessitava de ter aquele número de trabalhadores ao seu serviço o que levou a que diligenciasse por procura ativa de novo funcionário.
Conforme é sabido, e resulta da experiência comum, nesta época entre julho e setembro, é difícil contratar funcionários porque como época privilegiada de férias que é, difícil se torna que alguém responda a anúncios e que as respostas preencham os requisitos necessários à função.
O certo é que dois meses depois a A. tinha, pós época de férias, novo funcionário, o que leva a concluir que não pretendeu obter apoios indevidos, cumprindo nos demais trimestres.
Ora, não há dúvidas em como a Administração Pública se rege por princípios, muitos deles corretores, dos dispositivos legais que, inevitavelmente, não contemplam todas as possibilidades fácticas, e até de procurar o elemento teleológico subjacente às exceções do preceito legal em causa que sempre remete para circunstâncias especiais que justificam a não manutenção do número de trabalhadores, circunstâncias que são alheias à vontade da entidade contratante, como é o caso.
Ora, apelando aos princípios estruturais do Estado do Direito e ao edifício da legislação administrativa e atendendo ao circunstancialismo fáctico já descrito na petição inicial, designadamente, a involuntariedade da situação e o período temporal, (agosto, setembro) em apreço, a nova contratação ocorreu logo em outubro.
A aplicação do n.º 8 do artigo 3.º da Portaria n.º 106/2013, na interpretação taxativa violaria o princípio da proporcionalidade, da justiça, a teleologia da norma e a obrigatoriedade da rejeição por parte da Administração de aplicação de soluções desrazoáveis e incompatíveis com o Direito; da obrigatoriedade de aplicar critérios de justiça e razoabilidade,
Devendo-se, para tal, a administração adotar os comportamentos adequados aos fins a prosseguir, mas atendendo a que: a lesão de posições jurídicas dos administrados tem de revelar-se adequada à prossecução do interesse público visado (respeitando a adequação); a lesão tem de ser proporcional e justa em relação ao benefício alcançado para o interesse público (relação custo/benefício);
E finalmente, a lesão das posições jurídicas tem de se mostrar necessária ou exigível (necessidade), respeitando o princípio da proporcionalidade, nas suas vertentes.
Assim sendo assiste razão à autora, devendo ser anulados os atos impugnados, por violação dos supra identificados princípios que norteiam a atividade administrativa.
X
Constitui entendimento unívoco da doutrina e obteve consagração legal o de que o objecto do recurso jurisdicional se encontra delimitado pelas conclusões extraídas da motivação, por parte do recorrente, não podendo o tribunal ad quem conhecer de matéria que nelas não tiver sido versada, com ressalva óbvia, dos casos que imponham o seu conhecimento oficioso.
Assim, vejamos:
Como bem refere a sentença recorrida, “(...) considerou a Entidade demandada que no âmbito dos processos em análise, o incumprimento da obrigação de manutenção do nível de emprego, verificou-se ab initio, isto é, ocorreu no primeiro trimestre de vigência e, por ter ocorrido no primeiro trimestre (último mês), originou a anulação da decisão de aprovação, pelo que o Autor se constituiu no dever de restituir a totalidade do apoio financeiro recebido. Ora, como resulta dos autos, ocorreu a saída do trabalhador Jorge Lourenço, por livre iniciativa daquele, conforme comprovado pela A., sem que a entidade patronal, aqui A., nada pudesse fazer ou prever tal situação. Veio o IEFP- IP alegar, depois de invocada a norma e os princípios de Direito, que as exceções previstas no artigo acima indicado (n.º 8 do art. 3.º da Portaria n.º 106/2013 de 11 de março) são as situações em que os trabalhadores cessem o contrato de trabalho por motivo de invalidez, de falecimento, de reforma por velhice ou de despedimento com justa causa promovido pelo empregador.
Ou seja, quer a realidade fáctica da denúncia livre do trabalhador, quer o apelo às normas e princípios legais, conforme enunciadas na reclamação apresentada e para a qual aqui se remete (...) não colheram junto da entidade decisora.
Começa por considerar a sentença recorrida para fundamentar o seu dispositivo que “é certo que não se contempla expressamente no diploma em apreço, a livre denúncia do contrato de trabalho pelo trabalhador, como exceção” para, em seguida questionar se se deverá entender que essa enumeração é taxativa.
Ora, constitui requisito de atribuição do apoio financeiro a criação líquida de emprego (cfr. proémio e alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º da Portaria n.º 106/2013, de 14 de março), que consiste no registo, por banda da entidade empregadora, a partir da contratação e com periodicidade trimestral, de um número total de trabalhadores igual ou superior ao número de trabalhadores atingido por via do apoio (cfr. proémio e alínea b) do n.º 5 do mesmo artigo), mantido, pelo menos, durante o período de duração do apoio financeiro (cfr. n.º 6 do mesmo artigo), não sendo contabilizados os trabalhadores que tenham cessado os respetivos contratos de trabalho por motivo de invalidez, de falecimento, de reforma por velhice ou de despedimento com justa causa promovido pelo empregador, desde que a empresa comprove esse facto (cfr. n.º 8 do mesmo artigo).
A quaestio iuris consiste em saber que modalidades da cessação do contrato de trabalho não são consideradas para a verificação da criação líquida de emprego.
As únicas modalidades apontadas, de forma taxativa ou exaustiva, pelo n.º 8 do artigo 3.º da Portaria n.º 106/2013, de 14 de março, são: (i) a invalidez, (ii) o falecimento, (iii) a reforma por velhice ou (iv) o despedimento com justa causa promovido pelo empregador, desde que a empresa comprove esse facto. Note-se que, no tocante ao despedimento com justa causa promovido pelo empregador, não basta que o trabalhador haja sido despedido com justa causa, é fundamental que a entidade empregadora comprove o facto.
Não se vislumbra como não será taxativa ou exaustiva esta enumeração das modalidades de cessação do contrato de trabalho. Acrescentar outras causas de cessação do contrato de trabalho, como a denúncia, não tem na letra da lei o mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
O objeto da interpretação da lei corresponde à tarefa de descoberta de entre os possíveis sentidos da lei, o seu sentido prevalente ou decisivo.
É, pois, mister proceder à interpretação da norma em causa, empreendimento cuja metodologia se extrai do artigo 9.º do Código Civil, segundo o qual a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, não podendo, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, presumindo-se, na fixação do sentido e alcance da lei, que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
A letra da lei, isto é, o elemento literal da interpretação constitui, simultaneamente, o ponto de partida e o ponto de chegada da interpretação normativa. Nos termos deste artigo, o pensamento legislativo terá, obrigatoriamente, que possuir um mínimo de correspondência verbal na letra da lei, independentemente da perfeição da sua expressão.
A presunção da consagração das soluções mais acertadas e da expressão em termos adequados do pensamento na determinação do sentido e alcance da lei, aponta inevitavelmente para a taxatividade.
Prossegue a sentença recorrida, sustentando que “(...) não deverão restar dúvidas que o elemento teleológico subjacente às exceções é o mesmo, ou seja, circunstâncias especiais que justificam tal não manutenção do número de trabalhadores. Se assim é, a livre denúncia por trabalhador do contrato de trabalho também deve caber nesta enumeração, visto tratar-se de situação alheia à vontade e disponibilidade da entidade empregadora, ainda que por aplicação analógica.”
Contrariamente ao vertido na sentença, a cessação do contrato de trabalho por denúncia do trabalhador não é, ou pode não ser, uma situação totalmente alheia à vontade e disponibilidade da entidade empregadora. Na verdade, esta, nas suas relações com o trabalhador, no decurso da execução do contrato de trabalho não raras vezes adopta condutas que impelem este a proceder à denúncia do seu contrato de trabalho, razão pela qual esta situação não poderá ser enquadrada e equiparada às restantes, cujo controlo escapa totalmente à entidade empregadora.
O Tribunal a quo parece, por um lado, chamar à colação o subelemento teleológico integrado no elemento lógico da interpretação e, quiçá, ter como resultado interpretativo uma interpretação extensiva da norma e, por outro, abandonar o exercício interpretativo e preconizar a aplicação analógica, recorrendo, porventura, à analogia iuris, já que não identifica a norma integrativa. O n.º 8 do artigo 3.º da Portaria n.º 106/2013, de 14 de março, interpretado no sentido da taxatividade ou exaustividade da enumeração tem, salvo melhor opinião, na lei, toda a correspondência verbal perfeitamente expressa. Atentando na letra da lei, antolha-se que ela expressa de forma inequívoca o pensamento que presidiu à sua elaboração, e que o seu sentido e conteúdo são, exactamente, o que as suas palavras significam.
A interpretação do preceito, levada a cabo pelo Recorrente, afigura-se perfeitamente plausível em face da sua letra, já que possui um grau de correspondência verbal muito superior àquele que é exigido pelo n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil. Estando o pensamento legislativo ou a intenção do legislador perfeitamente enunciada no preceito sub iudice, aumenta o grau de vinculação do intérprete ao elemento literal ou gramatical da interpretação.
Efectivamente temos para nós que a interpretação feita pela sentença recorrida enfatiza, de uma forma quase obsessiva, a sua força argumentativa na vertente primordial da ratio legis, menosprezando completamente o elemento literal da interpretação; e, assim, mostra-se incapaz de demonstrar como captou o elemento teleológico da interpretação.
Contrariamente ao plasmado na sentença, “(...) a livre denúncia por trabalhador do contrato de trabalho não deve caber, pois, na enumeração do n.º 8 do artigo 3.º da Portaria n.º 106/2013, de 14 de março, porquanto, além de não ter qualquer correspondência verbal na norma, não se trata de situação alheia à vontade e disponibilidade da entidade empregadora.
É que, a ratio legis captada pela decisão recorrida que a norma alegadamente serviria, não encontra na sua letra um mínimo de correspondência verbal, atenta a exaustividade das circunstâncias excepcionais nela contidas. A denúncia, enquanto modalidade da cessação do contrato de trabalho pode engendrar algum influxo pela entidade empregadora, ao passo que as outras modalidades elencadas no preceito escapam totalmente à sua influência.
A denúncia pelo trabalhador, enquanto modalidade da cessação do Contrato de Trabalho, prevista na alínea h) do artigo 340.º e no artigo 400.º e seguintes do Código do Trabalho, impõe que esta seja comunicada à entidade empregadora (aqui Recorrida), sob a forma escrita, com a antecedência mínima de 30 ou 60 dias, conforme tenha, respectivamente, até dois anos ou mais de dois anos de antiguidade (cfr. n.º 1 do artigo 400.º do Código do Trabalho).
Ora se, como diz a Recorrida, a descida do nível de emprego se deveu à rescisão do contrato de trabalho pelo trabalhador, Jorge Manuel Soares Lourenço, com efeitos a partir do dia 17/07/2013 (cfr. n.ºs 11 e 25 do probatório), pelo menos a partir do dia 17 de maio de 2013 ou do dia 17 de junho de 2013, a Recorrida tinha conhecimento de tal denúncia. Tendo este conhecimento, poderia e devia, durante o lapso temporal, correspondente ao prazo de aviso prévio, situado temporalmente antes das férias de Verão, envidar todos os esforços para preencher o posto de trabalho quando vagasse. Ora, a Recorrida apenas, em outubro de 2013, decorridos quatro ou cinco meses desde a comunicação do aviso prévio, contratou outro trabalhador. Tão-pouco se antolha, como diz a sentença, que “(...) nada faria prever que o trabalhador entregasse a sua carta, muito menos em período considerado de férias, em 17 de julho de 2013, o que dificultou o processo de recrutamento de novo trabalhador.” Como é óbvio, o trabalhador entregou a sua carta em data anterior: 17 de maio ou 17 de junho, já que, segundo a Recorrida, a denúncia produziu efeitos a 17 de julho de 2013. Além disso, não ficou provado que nada faria prever que o trabalhador entregasse a sua carta, muito menos em período considerado de férias. Trata-se, antes, de uma mera conjetura empreendida pela sentença recorrida.
Se a aqui Recorrida, como alega, tinha necessidade do preenchimento do posto de trabalho vago em virtude da denúncia, deveria esforçar-se por contratar novo trabalhador, mesmo a termo certo ou incerto para acorrer às suas necessidades laborais. A Recorrida não demonstrou que se tenha esforçado nesse sentido. Ao contrário do que refere a sentença, o Recorrente não acusou a Recorrida de pretender beneficiar indevidamente dos apoios financeiros. O único fundamento para a anulação administrativa dos actos de aprovação das candidaturas foi a falta de criação líquida de emprego.
A sentença não terá acreditado muito no resultado da interpretação extensiva, pois que nem sequer convocou nenhum dos argumentos ou raciocínios subjacentes a essa tipologia interpretativa: o argumento de identidade de razão (argumento a pari) e o argumento de maioria de razão (argumento a fortiori).
Impõe-se, pois, uma interpretação declarativa do n.º 8 do artigo 3.º da Portaria n.º 106/2013, de 14 de março, pois que apenas comporta um sentido, consubstanciado no pensamento legislativo que lhe subjaz - lê-se nas alegações e aqui corrobora-se.
Em seguida, a sentença recorrida parece empreender uma operação de interpretação correctiva da norma, considerando assistir razão à Recorrida, devendo ser anulados os actos impugnados, por violação dos princípios da proporcionalidade, da justiça, da razoabilidade e da teleologia da norma, que norteiam a actividade administrativa. Fundamenta esta conclusão no seguinte: “(...) não há dúvidas em como a Administração Pública se rege por princípios, muitos deles corretores, dos dispositivos legais que, inevitavelmente, não contemplam todas as possibilidades fácticas, e até de procurar o elemento teleológico subjacente às exceções do preceito legal em causa que sempre remete para circunstâncias especiais que justificam a não manutenção do número de trabalhadores, circunstâncias que são alheias à vontade da entidade contratante, como é o caso. Ora, apelando aos princípios estruturais do Estado do Direito e ao edifício da legislação administrativa e atendendo ao circunstancialismo fáctico já descrito na petição inicial, designadamente, a involuntariedade da situação e o período temporal, (agosto, setembro) em apreço, a nova contratação ocorreu logo em outubro. A aplicação do n.º 8 do artigo 3.º da Portaria n.º 106/2013, na interpretação taxativa violaria o princípio da proporcionalidade, da justiça, a teleologia da norma e a obrigatoriedade da rejeição por parte da Administração de aplicação de soluções desrazoáveis e incompatíveis com o Direito; da obrigatoriedade de aplicar critérios de justiça e razoabilidade,
Devendo-se, para tal, a administração adotar os comportamentos adequados aos fins a prosseguir, mas atendendo a que a lesão de posições jurídicas dos administrados tem de revelar-se adequada à prossecução do interesse público visado (respeitando a adequação); a lesão tem de ser proporcional e justa em relação ao benefício alcançado para o interesse público (relação custo/benefício); e finalmente, a lesão das posições jurídicas tem de se mostrar necessária ou exigível (necessidade), respeitando o princípio da proporcionalidade, nas suas vertentes.
Como bem aduz, o acto impugnado ao anular administrativamente o acto de concessão do apoio financeiro concedido e ao determinar a devolução do respetivo montante, apenas se limitou a lançar mão dos poderes vinculados que resultam, designadamente, dos n.ºs 1, 3 e 4, todos do artigo 8.º da Portaria n.º 106/2013, de 14 de março, que, face a um incumprimento injustificado, conferem, desde logo, ao aqui Recorrente o direito a decidir o incumprimento em causa e de impor à Recorrida a obrigação de devolução do apoio sob pena da respetiva cobrança coerciva.
Afirmou já a este propósito o Supremo Tribunal Administrativo: “A previsão de que, “no caso de incumprimento injustificado”, o beneficiário do apoio deveria devolver “a importância concedida” tinha natureza sancionatória e conduzia a que a Administração, verificado aquele pressuposto, exigisse, em termos estritamente vinculados, o reembolso da totalidade do que prestara. Tendo sido praticado no exercício de poderes vinculados, o acto que ordenou esse reembolso total não pode enfermar de violação do princípio da proporcionalidade, por este vício ser inerente ao exercício de poderes discricionários.
Não restam dúvidas em como o Recorrente actuou segundo o princípio da legalidade nas suas dimensões de conformidade e compatibilidade, a que aludem o n.º 2 do artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa e o artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo, fazendo cumprir o regime decorrente da Portaria 106/2013, de 14 de março, não violando, desse modo, quaisquer dos princípios apontados pela sentença em crise.
“A questão da violação do princípio da proporcionalidade da decisão impugnada judicialmente, tendo em conta que a mesma foi proferida no âmbito do exercício do poder vinculado, foi apreciada de acordo com o entendimento deste STA, citando-se a propósito o Acórdão de 30/1/2002, proferido no rec. 048163, segundo o qual “tendo sido praticado no exercício de poderes vinculados, o ato que ordenou esse reembolso total não pode enfermar de violação do princípio da proporcionalidade, por este vício ser inerente ao exercício de poderes discricionários”.
A violação do princípio da proporcionalidade, como limite à actividade discricionária da administração que é, apenas pode relevar quando esteja em causa a prática destes actos e não quando está em causa um acto vinculado. Como se refere no Acórdão do STA, proc. 089/04, de 29/06/2005, III - Os princípios da justiça e da proporcionalidade constituem limites impostos por lei à discricionariedade da Administração, pelo que só têm autonomia e relevam juridicamente no âmbito do exercício de poderes discricionários. No caso em apreço nos autos estamos perante um ato vinculado. Se não se encontra cumprido o contrato outorgado não restava outra alternativa à Entidade Demandada a não ser a rescisão do mesmo.
Acresce que os actos administrativos impugnados foram prolatados no âmbito do exercício de poderes estritamente vinculados, sendo as sanções pelo não acatamento das condições impostas pela Medida “Estímulo 2013” fixadas normativamente.
Assim, se tem de concluir que este não está ferido dos vícios de violação de lei, pois a decisão tomada, foi a única legalmente possível.
Em Suma:
-a sentença recorrida interpreta e aplica de forma menos correta o n.º 8 do artigo 3.º da Portaria106/2013, de 14 de março;
-e aprecia de forma infeliz a fórmula de contabilização dos trabalhadores para os efeitos da criação líquida de emprego e para a sua manutenção;
-constitui requisito de atribuição do apoio financeiro a criação líquida de emprego;
-esta criação líquida de emprego consiste no registo, por parte da entidade empregadora, a partir da contratação e com periodicidade trimestral, de um número total de trabalhadores igual ou superior ao número de trabalhadores atingido por via do apoio;
-e para avaliar a criação e manutenção do nível de emprego não são contabilizados os trabalhadores que tenham cessado os respetivos contratos de trabalho por motivo de invalidez, de falecimento, de reforma por velhice ou de despedimento com justa causa promovido pelo empregador;
-os únicos motivos apontados, de forma taxativa ou exaustiva, pelo n.º 8 do artigo 3.º da Portaria 106/2013, de 14 de março, são: (i) a invalidez, (ii) o falecimento, (iii) a reforma por velhice ou (iv) o despedimento com justa causa promovido pelo empregador;
-acrescentar à norma a não contabilização de trabalhadores cujos contratos de trabalho cessem no âmbito de outras modalidades de cessação do contrato de trabalho, como a denúncia, não encontra na letra da lei o mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso;
-nos termos do artigo 9.º do Código Civil, o pensamento legislativo terá, obrigatoriamente, que possuir um mínimo de correspondência verbal na letra da lei, independentemente da perfeição da sua expressão;
-o pensamento legislativo ou a intenção do legislador perfeitamente enunciada no preceito sub iudice, aumenta o grau de vinculação do intérprete ao elemento literal ou gramatical da interpretação;
-durante o lapso temporal correspondente ao prazo de aviso prévio, situado temporalmente antes das férias de Verão, podia e devia a Sociedade envidar todos os esforços para preencher o posto de trabalho quando vagasse;
-ao invés, a Recorrida apenas em outubro de 2013, decorridos quatro ou cinco meses desde a comunicação do aviso prévio, contratou outro trabalhador;
-não ficou provado que nada faria prever que o trabalhador entregasse a sua carta, muito menos em período considerado de férias;
-trata-se, antes, de uma mera conjetura empreendida pela sentença sob recurso;
-tendo sido praticado no exercício de poderes vinculados, o acto impugnado não pode enfermar de violação de qualquer princípio da actividade administrativa, por este vício ser inerente ao exercício de poderes discricionários;
A interpretação avançada pelo Tribunal não encontra um mínimo de apoio na letra da lei; ora, onde o Legislador não legisla, não deve o Intérprete legislar, não podendo ser tomado em conta o pensamento legislativo que não recolha na letra da lei um mínimo de correspondência textual (artº 9º/2 do Código Civil).
Segundo este preceito, relativo à interpretação da lei, não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”; assim, mesmo quando o intérprete se socorre de elementos externos, o sentido só poderá valer se for possível estabelecer alguma relação entre ele e o texto que se pretende interpretar”- ensina o Professor João Baptista Machado, em Introdução ao Direito Legitimador, 1983-189.
E refere José Lebre de Freitas, em BMJ 333º-18 “A mens legislatoris só deverá ser tida em conta como elemento determinante da interpretação da lei quando tenha o mínimo de correspondência no seu texto e no seu espírito”.
É que, como é sabido, na interpretação de uma norma jurídica, isto é, na tarefa de fixar o sentido e o alcance com que ela deve valer, intervêm, para além do elemento gramatical (o texto, a letra da lei), elementos lógicos, que a doutrina subdivide em elementos de ordem histórica, racional ou teleológica e sistemática.
O elemento teleológico consiste na razão de ser da lei (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao elaborar a norma, “o conhecimento deste fim sobretudo quando acompanhado do conhecimento das circunstâncias (políticas, sociais, económicas, morais, etc.) em que a norma foi elaborada ou da conjuntura político-económico-social que motivou a “decisão” legislativa (occasio legis) constitui um subsídio da maior importância para determinar o sentido da norma. Basta lembrar que o esclarecimento da ratio legis nos revela a “valoração” ou ponderação dos diversos interesses que a norma regula e, portanto, o peso relativo desses interesses, a opção entre eles traduzida pela solução que a norma exprime. Sem esquecer ainda que, pela descoberta daquela “racionalidade” que (por vezes inconscientemente) inspirou o legislador na fixação de certo regime jurídico particular, o intérprete se apodera de um ponto de referência que ao mesmo tempo o habilita a definir o exacto alcance da norma e a discriminar outras situações típicas com o mesmo ou com diferente recorte” - escreveu o Prof. Baptista Machado, em ob. cit., págs. 182/183. A ratio legis revela, portanto, a valoração ou ponderação dos diversos interesses que a norma jurídica disciplina.
In casu todo esse balanço foi ponderado pelo Legislador.
Procedem, assim, todas as conclusões da, aliás, bem estruturada peça processual da Apelante.
DECISÃO
Termos em que se concede provimento ao recurso, revogando-se a sentença e julgando-se improcedente a acção.
Custas pela Recorrida.
Notifique e DN.
Porto, 14/02/2020


Fernanda Brandão
Hélder Vieira
Helena Canelas