Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00833/13.8BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/14/2014
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR
SUSPENSÃO EFICÁCIA DE ACTOS ADMINISTRATIVOS
Sumário:I-O Tribunal recorrido explicitou, de forma clara e sustentada, os fundamentos que inviabilizam a concessão da tutela pretendida;
I.1-por isso, a sentença concluiu pelo indeferimento do pedido do Requerente;
I.2-e, face ao juízo a adoptar nesta sede (cautelar), que terá sempre de ser um juízo indiciário, de verosimilhança e de probabilidade, sob pena de se estar a entrar no domínio da apreciação de mérito, ele mostra-se assertivo, face aos elementos ínsitos nos autos;
I.3-por outro lado, o apelo aos preceitos constitucionais também não passa de uma via desesperada de barrar uma iniciativa legislativa, emanada do poder legitimado para adoptar medidas de racionalidade dos serviços, mormente, numa conjuntura difícil como aquela que o país enfrenta.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local
Recorrido 1:Município da Anadia e Outro(s)...
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
STAL-Sindicato dos Trabalhadores da Administração Local e Regional requereu providência cautelar de suspensão da eficácia do acto administrativo, prévia à instauração de acção administrativa especial, contra:
Município de Anadia, Município de Aveiro, Município de Ílhavo, Município de Oliveira do Bairro, Município de São João da Madeira, Município de Sever do Vouga, Município de Vagos, e Município de Vale de Cambra, pedindo que seja decretada a providência, suspendendo-se a eficácia dos actos dos Requeridos que identificou.
Por sentença proferida pelo TAF de Aveiro foi decidido assim:
-declarar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do disposto no artigo 277º alínea e) do Código de Processo Civil, quanto ao Requerido Município de Vale de Cambra;
-indeferir a providência cautelar requerida.
Desta decisão vem interposto recurso.
Em alegação o Requerente concluiu o seguinte:
a) Não estando aqui em causa qualquer inconstitucionalidade formal, não estando aqui em crise, o processo de tramitação legislativa mas, sim, o processo de aplicação da lei, o que resulta dos autos é que os Requeridos procederam à aplicação da lei em causa sem terem cuidado dos procedimentos concernentes à audição dos trabalhadores e das estruturas que os representam, o que emana dos autos é o desrespeito na aplicação da lei dos procedimentos contidos no artigo 135º do RCTFP;
b) Não se pode sufragar a tese subjacente ao aresto recorrido segundo a qual, a preterição de procedimentos do artigo 135º, nº 2 do RCTFP, gerando um mero vício de anulabilidade, não merecer a dignidade da figura da evidência da procedência da pretensão formulada;
c) Tal tese encerra o perigo de esvaziamento do campo de aplicação das normas do artigo 135º, nº 2, do RCTFP e seria pouco conforme ao princípio constante dos artigos 267º, nº 5, da Constituição da República Portuguesa e 8º do Código do Procedimento Administrativo;
d) Tal tese representa ainda um divórcio do princípio da legalidade constante dos artigos 3º da CRP e 3º do CPA;
e) Ora, a comprovada inobservância dos procedimentos do artigo 135º nº 2 do RCTFP, pese embora a inexorabilidade da duração semanal e horária contida na lei aplicada, está longe de corresponder à preterição de uma mera formalidade não essencial;
f) No âmbito do contrato individual de trabalho e, portanto, da aplicação do Código do Trabalho, a violação de normas em tudo semelhantes às do artigo 135º do RCTFP, designadamente as do artigo 217º do CT constitui contra-ordenação grave (cfr. artigo 217º, nº 6, do CT);
g) A efectivação ou aplicação das leis, na maioria dos casos, não dispensa uma actividade intermediária da parte de entes públicos ou privados e até a alteração das normas do Código do Trabalho, sobre o regime da duração do trabalho obriga, naturalmente, a procedimentos por parte das entidades empregadoras no sentido de ajustar a realidade empresarial às novas regras;
h) Do mesmo modo a aplicação da Lei nº 68/2013, não pode passar sem a intermediação das entidades de direito público, pelas razões que de seguida se passam a explanar;
i) Pela necessidade de divulgação e informação aos trabalhadores da dita lei destinatários, dos novos deveres que passaram a enformar a relação jurídica de emprego público;
j) Pela necessidade de ajustar as normas da nova lei às diferentes realidades dos serviços concretos, nomeadamente antecipando ou adiantando o período de funcionamento dos serviços, iniciar as jornadas de trabalho mais cedo ou mais tarde, em quanto tempo, uma hora, meia hora, reduzir, se possível, os intervalos;
l) Decorrendo inexoravelmente do que se acaba de expor, que os actos que tenham como escopo a aplicação da lei em causa jamais se aplicariam de forma mecânica e decalcada, já que a mesma lei, limitou-se a alterar as normas do RCTFP referentes ao período de atendimento e período de duração semanal e diária do trabalho;
m) Só assim não seria se a lei em causa, o que só por hipótese académica se admitiria pelo resultado incaracterístico a que conduziria, determinasse o(s) horário(s) concreto(s) na(s) sua(s) modalidade(s), em que a duração semanal e diária passaria a ser observada;
n) Ou seja, pese embora a inexorabilidade do aumento da carga horária diária e semanal, impunha-se que aos visados, pela sua voz ou das estruturas que os representavam, tivessem oportunidade de sugerir a organização dessa carga horária da forma que melhor se compaginasse com as suas vidas e necessidades, entrando mais cedo, saindo mais tarde, reduzindo, se possível, intervalos evitando a precipitação de um horário muito diferente do até aí praticado;
o) Pelo que o aresto recorrido viola as normas do artigo 120º, nº 1, do CPTA, também por interpretação menos conforme das dos artigos 3º e 267º, nº 5 da CRP, 8º do CPTA, 135º, nº 2 do RCTFP, 1º e 10º da Lei nº 68/2013.
Termos em que deverá o presente recurso merecer provimento, revogando-se a sentença recorrida, cumprindo-se desta forma a lei e fazendo-se
JUSTIÇA
O Município de Vagos juntou contra-alegação, sem conclusões, terminando desta forma:
Termos em que e nos mais de Direito, mantendo a Sentença recorrida e não concedendo provimento ao recurso dela interposto far-se-á
J U S T I Ç A
O Município de Aveiro também ofereceu contra-alegação, concluindo que:
A.A Sentença recorrida decidiu bem, não tendo violado a alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA por interpretação menos conforme do n.º 2 do artigo 135.º do RCTFP, sequer violando as normas do artigo 3.º e n.º 5 do artigo 267.º da CRP, artigo 8.º do CPTA e artigos 1.º e 10.º da Lei n.º 68/2013.

Senão vejamos:
B.Não resulta evidente a procedência da pretensão a formular no processo principal, designadamente por não estar em causa a impugnação de ato manifestamente ilegal, para os efeitos da alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA.

C.Por um lado, a citada evidência (entendida no sentido de procedência da pretensão principal) não se apresenta aqui de tal forma notória, patente, de modo a não necessitar de qualquer indagação, quer de facto quer de direito, por parte do tribunal, com vista ao assentimento da convicção a formular, a qual deve ser dada de imediato pela mera alegação da manifesta ilegalidade do ato; e, mais, a procedência do processo principal não resulta, de forma notória, quer da PI do Recorrente, quer das alegações de recurso, sem uma interpretação aprofundada da realidade factual em presença. É entendimento unânime, tanto da doutrina como da jurisprudência, que a faculdade constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA, deve ser objeto duma aplicação restritiva, arraigada na demonstração inequívoca do preenchimento dos requisitos exigidos pelo citado preceito e diploma – o que não se verifica.

D.Andou bem a Sentença ao ter decidido não ser evidente, para este juízo perfunctório (a que alude a alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA), a violação do disposto no n.º 2 do artigo 135.º do RCTFP, uma vez que e bem, levou em consideração dois aspetos: por um lado, que “o legislador em observação do disposto no artigo 56º da Constituição, aquando da proposta de Lei n.º 153/XII – que antecedeu a aprovação da Lei n.º 68/2013 – acionou os procedimentos previstos na Lei n.º 23/98, de 26 de maio, ouvindo as estruturas representativas” dos trabalhadores da Administração Pública e, por outro, “que o artigo 10.º da Lei n.º 68/2013, que sob a epígrafe “prevalência”, estatui que “O disposto no artigo 2.º tem natureza imperativa e prevalece sobre quaisquer leis especiais e instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho”.

E.Ora, a Sentença em crise procedeu a uma correta apreciação e aplicação das disposições legais aplicáveis à realidade factual em presença, concluindo pela inevitável ausência de evidência da alegada violação do n.º 2 do artigo 135.º do RCTFP, com o que não poderia ter deixado de não decretar a requerida providência (para além do demais) pela não verificação do pressuposto enunciado na alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA.

F.Assim foi porquanto, de facto, “(i) a alegação do Requerente não permitir face a cada um dos actos impugnados concluir pela evidente violação do artigo 135º n.2 do RCTFP, (ii) de se impor ao Tribunal uma avaliação sobre o âmbito de aplicação da Lei n.º 68/2013 e, bem assim, do alcance que a estatuição da prevalência (cfr. citado artigo 10º) teria sobre o próprio Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas e, também, (iii) da necessidade de uma aferição circunstanciada relativamente aos factos que antecederam cada um dos actos impugnados”.

G.Adensa a explanação supra a consideração de que os despachos em crise foram proferidos apenas em cumprimento da Lei 68/2013, adaptando-a ao universo dos trabalhadores da autarquia e dos serviços municipalizados. Efetivamente, o novo período normal de trabalho não foi introduzido pelos citados despachos, mas sim ex novo pela Lei 68/2013, ou seja, a alteração do horário de trabalho em questão não resultou da iniciativa do Requerido, ora Recorrido, antes de imposição legal, incontornável na sua aplicação tal como resulta do artigo 10.º dessa lei. De facto, a alteração do período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas resultou de uma norma de natureza imperativa, emanada do poder legislativo, de cujos contornos se retira a clara intenção do legislador de ajustar, de imediato e por força da mesma lei, todos os horários praticados pelos trabalhadores no âmbito do RCTFP e do Decreto-Lei n.º 259/98, 18.08 e de impor a observância e aplicação por toda a Administração Pública do período normal de trabalho estipulado pelo artigo 2.º da Lei n.º 68/2013. Diploma este que, por essas razões, sempre seria aplicável independentemente de qualquer despacho, pois que, de uma forma ou de outra, sempre os trabalhadores visados teriam de passar a cumprir o novo período normal de trabalho (8h/dia e 40h/semana).

H.Assim foi porquanto a aprovação da Lei n.º 68/2013 visou ampliar e uniformizar o horário de trabalho para todos os trabalhadores que exercem funções públicas. Com efeito, e de harmonia com o preâmbulo da Proposta de Lei n.º 153/XII/2.ª (a que veio a dar origem à L 68/2013), com o novo regime de duração do período normal de trabalho o Estado pretendeu prosseguir “dois eixos de acção prioritários”: (1) por um lado, estabelecer a aplicação de um mesmo período normal de trabalho a todos os trabalhadores que exercem funções públicas, independentemente da sua modalidade de emprego e da carreira em que se encontrem inseridos, permitindo, assim, corrigir, entre outros, os casos de flagrante injustiça e desigualdade em que trabalhadores que exercem as mesmas funções no mesmo local de trabalho se encontrem sujeitos a diferentes regimes de horário de trabalho; (2) e, por outro, “alcançar uma maior convergência entre os sectores público e privado, passando os trabalhadores do primeiro a estar sujeitos ao período normal de trabalho que há muito vem sendo praticado no segundo.

I.E fê-lo nos exatos termos do determinado no artigo 10.º da Lei n.º 68/2013, ou seja, de forma imperativa, e, com o propósito de impor a sua imediata e geral aplicação a todos os trabalhadores em funções públicas, atribuindo, inclusivamente, ao novo período normal de trabalho caráter prevalecente sobre quaisquer leis especiais e instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho.

J.Veja-se o que o Tribunal Constitucional, a este propósito, considerou no Acórdão n.º 794/2013: “A imperatividade de tal período normal de trabalho estatuída no artigo 10.º da Lei em apreço visa tão só garantir que os novos limites máximos se impõem, quer a leis especiais, quer a instrumentos de regulamentação coletiva do trabalho, desde que as primeiras e os segundos sejam anteriores à mesma Lei e prevejam uma duração do trabalho mais reduzida. Trata-se de uma solução destinada a garantir a eficácia imediata da alteração do período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas e que todos os trabalhadores fiquem colocados numa situação inicial de igualdade, a partir da qual, futuramente se poderão estabelecer as diferenciações que, em função dos diferentes sectores de atividade e pelos modos previstos nos regimes próprios aplicáveis, sejam considerados convenientes”.

K.Alega, ainda, o Recorrente que o Aresto “viola as normas do artigo 120º, nº 1, do CPTA, também por interpretação menos conforme das dos artigos 3º e 267º, nº 5 da CRP, 8º do CPTA, 135º, nº 2 do RCTFP, 1º e 10º da Lei nº 68/2013”. E, quanto a isto, diga-se, em bom rigor, que não se consegue perscrutar o sentido dessa violação e em que termos é que a mesma se concretiza, até porque o Recorrente se limita a aventá-la sem que minimamente a fundamente. De qualquer modo, atento tudo quanto se exarou, é de considerar que a sentença em questão não merece tal censura, porquanto consubstancia a exata interpretação e aplicação dos preceitos a considerar nesta sede cautelar.

L.Enfim, por tudo quanto antecede, temos que o presente recurso carece em absoluto de sustento, pois que a decisão recorrida preconiza a correta interpretação e aplicação do direito aos factos in casu.

Por estes motivos e pelos demais de Direito, deve o presente Recurso ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se Decisão proferida, com o que será feita JUSTIÇA!!
O MP, notificado ao abrigo do disposto no artº 146º/1 do CPTA, emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
A este respondeu o Recorrente, reiterando que a decisão deve ser revogada.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO
Na sentença foi fixada a seguinte factualidade:
A). No dia 29 de Agosto foi publicada a Lei nº 68/2013, que estabelece a duração do período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas.
B). No dia 25.09.2013, o Presidente da Câmara de Anadia aprovou o seguinte “Mapa de Horário de Trabalho”, aplicável no Edifício Paços do Concelho” e na “Área do Município de Anadia (Serviços Externos)”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. – cfr. fls. 22 e 23 dos autos;
C). No dia 25.09.2013, pelo Presidente da Câmara de Aveiro, foi proferida a “Ordem de Serviço n.º 04/2013”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, da qual, sob a epígrafe “Alteração à duração do período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas”, consta, além do mais, o seguinte:
“Foi publicada a Lei n.º 68/2013, de 28 de Agosto, que estabelece, com efeitos a partir do dia 28 de setembro, que o período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas é de oito horas por dia e quarenta horas por semana, determinando, também, que os horários específicos devem ser adaptados ao período normal de trabalho de referência agora estabelecido.
Sem prejuízo de, posteriormente, proceder-se à alteração das Normas Internas sobre Horários da Câmara Municipal de Aveiro, aprovadas em reunião da Câmara de 30 de março de 2000, urge adotar as medidas necessárias à adaptação dos horários de trabalho, assegurando que, no próximo dia 28 de setembro, estejam criadas as condições para que os trabalhadores da Câmara Municipal de Aveiro cumpram o período normal de trabalho previsto pela Lei n.º 68/2013, de 29 de agosto.
Em face do exposto, determina-se o seguinte:
1- Que o horário rígido estabelecido no artigo 13º das citadas Normas, para os serviços de regime de funcionamento comum que encerram ao sábado, seja adaptado, à semelhança do estatuído pelo legislador, na alínea a), do n.º2, do artigo 17º do Decreto-Lei nº 259/98, de 18 de agosto, com a redação conferida pelo artigo 4º da Lei nº 68/2013, de 29 de agosto, para os trabalhadores nomeados, nos seguintes termos:
Período da manhã – das 9H00 às 13H00 horas
Período da tarde – das 14H00 às 18H00 horas
2 – Que sejam mantidas as plataformas fixas previstas, para os horários flexíveis – das 10H00 às 12H00 e das 14H30 às 16H30 – bem como o período de aferição semanal entre as 8H00 e as 20H00 devendo passar a ser cumprido o total de 40 horas por cada semana de trabalho;
3 – Que sejam ajustadas as jornadas contínuas para 7H30, nas quais se inclui um único período de descanso, de duração não superior a 30 minutos até ao limite de 5 horas seguidas de trabalho, devendo no final de cada jornada atual ser acrescentada uma hora de trabalho.
4 – Nos designados horários específicos, que se encontram a vigorar em alguns serviços, nomeadamente na Biblioteca Municipal e nos Museus, deve ser acrescentada uma hora de trabalho no final de cada período de trabalho que vem sendo actualmente praticado.
5 – Nos horários por turnos, deve ser acrescentada uma hora de trabalho no final de cada turno, exceto para os turnos que já são de oito horas, sendo que, nestes, deixa de existir a folga que resultava do acumular da hora a mais de cada turno face ao período normal diários de trabalho que então vigorava.
6- Que o Gabinete de Atendimento integrado mantenha o período de atendimento diário e semanal que vem sendo praticado, devendo contudo todos os restantes serviços da Autarquia, exceto os serviços que têm horários especiais já devidamente aprovados, estarem disponíveis para atendimento interno e externo, das 09H00 às 13H00 e das 14H00 às 18H00 de 2ª a 6ª feira.
7 – Que os trabalhadores em regime de isenção de horário mantenham o período de aferição semanal, devendo passar a ser cumprido o total de 40 horas. (…)” – cfr. fls. 24 e 25 dos autos;
D). Em 30.09.2013, o Presidente da Câmara de Ílhavo, proferiu “despacho”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual, consta, além do mais, o seguinte:
“(…) Determino:
Nos termos da alínea a) do n.º 2 do art. 68º da Lei n.º169/99 de 18 de Setembro e para cumprimento da Lei 68/2013, que:
a)Todos os trabalhadores passam a cumprir 40 horas semanais de trabalho;
b) Nestes termos passam a vigorar os seguintes horários fixos de acordo com a tabela seguinte:
Local de trabalho Actual Novo
Edifício Municipal e outros (…) 08.30horas às 17.30horas
07.45horas às 16.45
Armazéns gerais e outros (…) 08.00 às 17.00horas
Canil/ CROACI (…) 09.00 às 17.00 e sábado 8.00 às
13.00horas
c) Igualmente se procedem às alterações dos horários de trabalho nos serviços com atendimento ao público e de abertura ao fim de semana (…), aumentando o horário de trabalho do período da tarde em mais uma hora;
d) O presente despacho entra em vigor no próximo dia 01 de outubro de 2013;
(…)”– cfr. fls. 28 e 29 dos autos;
E). Em 26.09.2013, a Câmara Municipal de Oliveira do Bairro deliberou sobre “informação/ proposta pelo presidente da câmara – Lei nº 68/2013, de 29 de Agosto – Alteração do Regulamento Interno do Período de Funcionamento e Horário de Trabalho do Município de Oliveira do Bairro”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e, da qual consta, além do mais, o seguinte:
“(…) 1º - Ao abrigo da alínea a) do n.º7 do artigo 64º da Lei 169/99, de 18 de Setembro, (…), aprovar a alteração ao Regulamento Interno do Período de Funcionamento e Horário de Trabalho (RIPFHT) do Município de Oliveira do Bairro, (…);
2º - Tal como resulta do n.º1 do artigo 11º da Lei nº 68/2013, de 29 de agosto, os trabalhadores que vêm praticando horários de trabalho específicos e que pretendem manter a sua prática devem, no prazo de 3 dias após a divulgação da presente alteração regulamentar, indicar as horas de início e termo pretendidas para as respetivas prestações de trabalho, (…);
3º- Em cumprimento do estipulado no artigo 135º da Lei 59/2008, de 11 de setembro, …, a alteração de horário deverá ser comunicada a todos os trabalhadores que pratiquem horário rígido, (…)” – cfr. fls. 233 a 243 dos autos;
F). No dia 23.09.2013, o Presidente da Câmara de São João da Madeira aprovou o seguinte “Mapa de Horário de Trabalho”, aplicável no “Edifício dos Viveiros Municipais”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. – cfr. fls. 31 dos autos;
G). No dia 03.10.2013, o Presidente da Câmara de Sever do Vouga aprovou o seguinte “despacho”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e, do qual consta, além do mais, o seguinte:
“(…) Na sequência da publicação da Lei nº 68/2013, de 29 de Agosto, bem como, no uso da competência que me é conferida pela alínea a) do n.º2 do art. 35º da Lei nº 73/2013, de 12 de setembro, e no que se refere à duração normal de trabalho, determino o seguinte:
i. revogar todos os horários flexíveis aprovados;
ii. aprovar os seguintes horários de trabalho:
1.Para os funcionários externos dos serviços operacionais:
(…)
2. Para os funcionários internos, (…)
(…)
4. Os responsáveis pelos demais serviços deverão ajustar os horários praticados, de modo a cada trabalhador passe a laborar mais uma hora por dia, e, devem elaborar e entregar ao vereador do serviço uma proposta dos horários a praticar na sub-unidade flexível – CAE, Biblioteca e Piscina. (...). – cfr. fls. 32 dos autos;
H). No dia 27.09.2013, o Presidente da Câmara de Vagos aprovou o seguinte “despacho”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e, do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…) determino que o período de trabalho dos trabalhadores em funções públicas da Câmara Municipal de Vagos é de oito horas por dia e quarenta horas por semana, no período compreendido entre as 08.30 horas do período da manhã e as 17,30 horas do período da tarde, com uma pausa de uma hora para almoço. O presente despacho produz efeitos a partir do dia 28 de setembro de 2013, nos termos previstos na Lei nº 68/2013, de 29 de agosto.(…)”. – cfr. fls 33 dos autos;
I). Em 25.10.2013, o Presidente da Câmara de Vale de Cambra proferiu “despacho”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)Considerando, relativamente ao despacho de 28-9-2013, relativo ao horário de trabalho a praticar de acordo com o disposto na Lei 68/2013, que subsistem dúvidas que previamente à sua prolação, tivesse de ser observado o disposto no artigo 135º n.2 do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (…) revogo o despacho de 28-9-2013, do então Presidente da Câmara Municipal e, determino que se proceda à consultas a que alude o n.º2 do artigo 135º do RCTFP. (…)”. - cfr. fls. 273 dos autos;
DE DIREITO
É objecto de recurso a sentença proferida pelo TAF de Aveiro que indeferiu a providência de suspensão da eficácia dos actos administrativos em causa, com fundamento na não verificação dos pressupostos de concessão das providências cautelares.
O Recorrente assaca-lhe erro de direito por violação dos artºs 8º e 120º/1 do CPTA, 3º e 267º/5, da CRP, 135º/2, do RCTFP, 1º e 10º da Lei 68/2013, de 29 de Agosto.
Cremos que não lhe assiste razão.
Antes, porém, deixa-se aqui parcialmente transcrito o discurso jurídico fundamentador da decisão em crise:
“(…..)
… em face do alegado pelo Requerente, importa aferir se, em face dos actos ora impugnados, se verifica a “manifesta ilegalidade” nos termos e condições que supra se deixaram enunciados, por violação do disposto no artigo 135º n.2 do Regime de Contrato de Trabalho em Funções Públicas.
Preceitua o normativo em causa que “todas as alterações dos horários de trabalho devem ser fundamentadas e precedidas de consulta aos trabalhadores afectados, à comissão de trabalhadores ou, na sua falta, à comissão sindical ou intersindical ou aos delegados sindicais e ser afixadas no órgão ou serviço com antecedência de sete dias, ainda que vigore um regime de adaptabilidade.”
Ora, para a apreciação de tal vício o Tribunal tem de tomar em consideração dois aspectos, por um lado, que (i) o legislador em observação do disposto no artigo 56º da Constituição, aquando da proposta de Lei n.º 153/XII - que antecedeu a aprovação da Lei n.º 68/2013 - accionou os procedimentos decorrentes da Lei n.º 23/98, de 26 de maio, ouvindo as estruturas representativas; (ii) por outro, que o artigo 10º da Lei n.º 68/2013, sob a epígrafe “prevalência”, estatui que “O disposto no artigo 2.º tem natureza imperativa e prevalece sobre quaisquer leis especiais e instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho.”.
E, assim sendo, ponderando tal enquadramento jurídico, com a circunstância de (i) a alegação do Requerente não permitir face a cada um dos actos impugnados concluir pela evidente violação do artigo 135º n.2 do RCTFP, (ii) de se impor ao Tribunal uma avaliação sobre o âmbito de aplicação da Lei n.º 68/2013 e, bem assim, do alcance que a estatuição de prevalência (cfr. citado artigo 10º) teria sobre o próprio Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas e, também, (iii) da necessidade de uma aferição circunstanciada relativamente aos factos que antecederam cada um dos actos impugnados - o que não se compadece com a natureza de apreciação perfunctória associada a esta sede liminar -, o Tribunal decide não ser evidente ou manifesta, para este juízo perfunctório a que alude o artigo 120º n.1 alínea a) do CPTA, a violação do disposto no artigo 135º n.2 do RCTFP.
O Requerente, vem, ainda, sustentar o seu juízo de manifesta ilegalidade dos actos supendendos com base nas inconstitucionalidades que assaca aos mesmos, por “(…) violação dos princípios da proibição do retrocesso social, da segurança e da confiança legitimamente consideradas, princípios que se extraem da definição de Estado de Direito Democrático, consagrado no art. 2º da Constituição da República Portuguesa.”.
Todavia, uma vez que os actos em causa se esteiam na aplicação da Lei n.º 68/2013, à qual, em sede de fiscalização preventiva, foram imputadas as mesmas inconstitucionalidades que o Requerente imputa aos actos suspendendos, e, uma vez que, entretanto, o Tribunal Constitucional em 21.11.2013, proferiu Acórdão sobre tal pedido de fiscalização, importa atentar no teor do mesmo.
Assim, no que ora releva, escreve-se no mencionado Acórdão que:
“(…)D) Quanto à violação do princípio da proteção da confiança
19. No que respeita ao princípio da proteção da confiança, o Tribunal Constitucional tem sobre ele vindo a desenvolver uma jurisprudência constante e reiterada, tendo mesmo precisado os requisitos que devem verificar-se para que a tutela nele fundamentada seja possível. Escreveu-se, a este propósito, no Acórdão n.º 128/2009 (e com acolhimento nos Acórdãos n.º 188/2009, 3/2010 e 396/2011):
«Para que para haja lugar à tutela jurídico-constitucional da «confiança» é necessário, em primeiro lugar, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados «expectativas» de continuidade; depois, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade do «comportamento» estadual; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa.»
Pode admitir-se que um aumento do período normal de trabalho abrangendo universalmente o conjunto dos trabalhadores em funções públicas não cai facilmente na zona de previsibilidade de comportamento dos detentores do poder decisório. Aliás, a diminuição clara, no passado, da jornada normal de trabalho da função pública, consolidada, como argumentam os requerentes, ao longo dos últimos 25 anos, legitima uma expectativa consistente na manutenção, ao menos, de um período normal de trabalho de 35 horas semanais. Pode também admitir-se que essa expectativa fundou a tomada de opções e a formação de planos de vida assentes na continuidade dessa situação.
De acordo com esta linha de avaliação, o aumento agora introduzido, na medida em que contraria a normalidade anteriormente estabelecida pela atuação dos poderes públicos nesta matéria, frustra expectativas bem fundamentadas. E trata-se de um aumento relevante, passível de gerar ou acentuar dificuldades de manutenção de práticas vivenciais e de satisfação de necessidades dos cidadãos, nomeadamente, a conjugação lograda entre a vida privada e familiar e a vida laboral, ou o exercício de direitos fundamentais como a cultura, a liberdade de aprender e ensinar ou o livre desenvolvimento da personalidade.
Todavia, e em sentido inverso, pode, desde logo argumentar-se que a tutela constitucional da confiança, por sua natureza, não pode ser considerada entrave a qualquer alteração legislativa passível de frustrar expectativas legítimas e fundamentadas dos cidadãos. De facto, só poderá utilizar-se a ideia de proteção da confiança como parâmetro constitucional nas situações em que a sua violação contraria a própria ideia de Estado de Direito, de que aquela constitui um corolário.
Ora, no presente caso, deve ter-se em consideração que a tendência para a laboralização do regime dos trabalhadores da Administração Pública, fortemente acentuada, a partir de 2008, com a adoção, como regime-regra, do contrato de trabalho em funções públicas (disciplinado por um diploma – o RCTFP – próximo do Contrato de Trabalho), permite afirmar que não seria totalmente imprevisível uma alteração como a ora em causa do período normal de trabalho.
20. Já foi referido que um dos objetivos do novo regime da duração do trabalho é a convergência com o regime vigente nesse mesmo domínio no âmbito do Código do Trabalho (artigo 203.º). Como se refere na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 153/XII:
«[E]sta alteração que agora se preconiza [do período normal de trabalho de trinta e cinco para quarenta horas semanais tem] em vista alcançar uma maior convergência entre os setores público e privado, passando os trabalhadores do primeiro a estar sujeitos ao período normal de trabalho que há muito vem sendo praticado no segundo.»
Nessa medida, a Lei n.º 68/2013 é apresentada como “mais uma etapa” do “processo de laboralização da função pública”, no âmbito do qual tem sido reconhecida “a convergência entre o regime laboral privado e as regras do trabalho público, em termos de flexibilidade da parte do trabalhador e condicionalismos do empregador” (cfr. supra o n.º 11).
(…)
Ora, uma laborização, também nesta matéria da duração do trabalho, da função pública não defronta, em princípio, obstáculos constitucionais. O objetivo, declarado, de convergência, gradual e tendencial, entre o regime laboral dos trabalhadores do setor privado e do setor público é um propósito admissível no atual quadro jurídico-constitucional, pelo menos no que respeita a boa parte das matérias disciplinadas pelo regime jurídico do emprego público, de que não se exclui a duração do tempo de trabalho. Daí não se poder falar de justificada expectativa de manutenção do statu quo.
21. A este aspeto acresce que, mercê da conexão entre horário de trabalho e trabalho extraordinário (“aquele que é prestado fora do horário de trabalho”, segundo a definição do artigo 158.º, n.º 1, do RCTFP; cfr. também o artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 259/98), o aumento do período normal de trabalho tem normalmente um impacto positivo sobre os custos associados ao trabalho e, por essa via, à redução da despesa pública. Nessa perspetiva, e considerando as sucessivas medidas de contenção de tais custos que têm vindo a ser adotadas ao longo dos últimos anos, desde 2010 a 2013, não causa surpresa que, também por esta via, se procure contribuir para o equilíbrio orçamental e a consequente sustentabilidade do nível de despesa pública corrente.
22. Estas duas ordens de razões excluem que se esteja perante uma situação de confiança digna de tutela, já que as expectativas de continuidade eventualmente existentes não se mostram suficientemente fundadas em razões consistentes, tendo em conta a evolução legislativa e das condições laborais dos trabalhadores da Administração Pública registadas nos últimos anos.
Com efeito, contrariamente ao alegado pelos dois grupos de requerentes, o aumento do período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas, equiparando-o àquele que já vigorava para os trabalhadores do sector privado, não constitui uma medida “inesperada”; ao invés, mostra-se consequente com o conjunto de reformas legislativas da Administração Pública que têm vindo a ser adotadas ao longo dos últimos anos.
23. Mas, mesmo que assim não se entendesse, haveria que ter em conta que só é inadmissível a frustração da confiança quando ela não seja justificada pela salvaguarda de um interesse público que deva considerar-se prevalecente. Só poderá afirmar-se estarmos perante uma desproteção da confiança constitucionalmente desconforme, caso o Tribunal Constitucional entenda que as razões que fundamentam as normas questionadas não são suficientes para justificar a alteração do comportamento do legislador em relação ao rumo que até aqui podia ser considerado como previsível.
Neste quadro, a determinação da violação do parâmetro jurídico constitucional da proteção da confiança dependerá necessariamente da ponderação valorativa que se faça entre os direitos e valores em conflito. Como se escreveu no Acórdão n.º 304/2001:
«Haverá, assim, que proceder a um justo balanceamento entre a proteção das expectativas dos cidadãos decorrentes do princípio do Estado de direito democrático e a liberdade constitutiva e conformadora do legislador, também ele democraticamente legitimado, legislador ao qual, inequivocamente, há que reconhecer a legitimidade (senão mesmo o dever) de tentar adequar as soluções jurídicas às realidades existentes, consagrando as mais acertadas e razoáveis, ainda que elas impliquem que sejam “tocadas” relações ou situações que, até então, eram regidas de outra sorte.»
Ora, não poderá deixar de assinalar-se que a medida de aumento do período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas visa a salvaguarda de interesses públicos relevantes.
Desde logo, como se menciona na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 153/XII (cfr. supra o n.º 11), na medida em que proporciona um alargamento dos horários de funcionamento e atendimento ao público dos serviços da administração, o que não poderá deixar de considerar-se como um efeito positivo, não só a nível individual, para cada utente, como em termos globais, para a sociedade.
Há também que destacar que as normas impugnadas se apresentam como parte de um «pacote de medidas» de contenção de despesa pública que constam da Sétima Revisão do Programa de Ajustamento para Portugal constante do Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de Política Económica, assinado em 2011 (cfr. Relatório da Sétima Avaliação, disponível somente em versão inglesa, em http://ec.europa.eu/economy_finance/publications/occasional_paper/2013/pdf/ocp153_en.pdf.
Tais medidas visam a diminuição da massa salarial do setor público através de restrições ao emprego e a redução da remuneração do trabalho extraordinário e de compensações. Efetivamente, afirma-se no Relatório citado que “uma redução adicional do emprego público e compensações está previsto através da transformação do esquema de Mobilidade Especial num programa de requalificação, da convergência das regras laborais dos setores público e privado – especialmente através do aumento de 35 para 40 horas do período normal de trabalho do setor público – e de um corte nas prestações acessórias”.
Deste modo, resulta claro que um dos principais propósitos das medidas aprovadas pelas normas questionadas é uma certa flexibilização do regime laboral dos trabalhadores em funções públicas, tendo também em vista a contenção salarial e a redução de custos associados à prestação de trabalho fora do período normal. E, em face da situação de crise económico-financeira, é de atribuir grande peso valorativo a esses objetivos de redução da remuneração do trabalho extraordinário e de contenção salarial, associados ao aumento do período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas.
E, atento o exposto, sempre se poderia concluir que, na presente situação, os interesses públicos a salvaguardar, não só estão claramente identificados, como são indiscutivelmente de grande relevo.
Assim, ainda que não se ignore a intensidade do sacrifício causado aos trabalhadores em funções públicas, devido à mutação legislativa, no que respeita à delimitação do período normal de trabalho, a verdade é que, a existirem expectativas legítimas relativamente ao regime anteriormente em vigor, ainda assim não resulta evidente que a tutela das mesmas devesse prevalecer sobre a proteção dos interesses públicos que estão na base da alteração legislativa operada mediante a Lei n.º 68/2013, pelo que, também sob o ponto de vista deste teste, não se mostra procedente a violação do princípio da proteção da confiança.
(…)
F) Quanto à violação do direito à retribuição
25. Os dois grupos de requerentes alegam, por último, que o aumento da duração do período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas operado pela Lei n.º 68/2013, de 29 de agosto, implica uma violação do direito à retribuição.
E, na verdade, não pode negar-se existir, efetivamente, uma óbvia diminuição do salário/hora com implicações no que respeita à remuneração do trabalho extraordinário, o que, aliás, constitui objetivo declarado do Governo, no âmbito das medidas de redução de despesa pública, como já se evidenciou (cfr. supra o n.º 23). Ou seja, se para os trabalhadores em funções públicas a tempo inteiro a quantia em dinheiro recebida mensalmente não deverá sofrer alterações, a redução do salário/hora terá, porém, consequências reais no que respeita às quantias recebidas como contrapartida do trabalho extraordinário, uma vez que este tem por base de cálculo o valor do salário/hora, que sofrerá uma redução de cerca de 14%, segundo cálculo dos requerentes.
Estes alegam ainda que a diminuição do salário/hora afetará igualmente o salário nominal dos trabalhadores em tempo parcial que mantiverem, por necessidades de serviço, o horário atual.
Todavia, é de duvidar que assim seja. Na verdade, nos termos do artigo 145.º do RCTFP, “do contrato a tempo parcial deve constar a indicação do período normal de trabalho diário e semanal com referência comparativa ao trabalho a tempo completo”. Ou seja, o trabalho a tempo parcial é sempre concebido como uma fração ou percentagem do período normal de trabalho a tempo inteiro, pelo que parece mais razoável concluir que, face às alterações legislativas ora em causa, o que deverá ocorrer é um aumento do período normal de trabalho diário e semanal dos trabalhadores a tempo parcial, em proporção do aumento estabelecido para os trabalhadores em funções públicas a tempo completo. Não deverá haver, por isso, redução do salário nominal dos trabalhadores a tempo parcial, mas sim um incremento das horas de trabalho, à semelhança dos restantes trabalhadores. A diminuição salarial no que respeita ao salário/hora não deverá assim refletir-se nas quantias efetivamente auferidas por aqueles trabalhadores.
26. O Tribunal Constitucional tem-se pronunciado, repetidamente, sobre a questão do direito à retribuição, em particular no que respeita aos trabalhadores da Administração Pública. A esse propósito, tem, em primeiro lugar, chamado a atenção para o facto de não constar da Constituição qualquer regra que estabeleça a se, de forma direta e autónoma, uma garantia de irredutibilidade dos salários, inscrevendo-se tal regra no direito infraconstitucional (no RCTFP, artigo 89.º, alínea d), e no Código do Trabalho, artigo 129.º, n.º 1, alínea d)). Mais ainda, tem-se insistido na ideia de que a regra da irredutibilidade dos salários não é absoluta, nem na relação laboral comum, em que a diminuição pode estar prevista na lei ou em instrumento de regulação coletiva do trabalho, nem na relação de emprego público, em que se admite que a lei possa prever reduções (artigo 89.º, alínea d) do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas). O que se proíbe, em termos absolutos, é apenas que as entidades empregadoras, públicas ou privadas, diminuam injustificadamente o quantitativo da retribuição, sem adequado suporte normativo.
A este propósito, pode ler-se no Acórdão n.º 396/2011:
«Inexistindo qualquer regra, com valor constitucional, de direta proibição da diminuição das remunerações e não sendo essa garantia inferível do direito fundamental à retribuição, é de concluir que só por parâmetros valorativos decorrentes de princípios constitucionais, em particular os da confiança e da igualdade, pode ser apreciada a conformidade constitucional das soluções normativas em causa.»
E esta orientação foi confirmada no Acórdão n.º 187/2013, no qual se sustentou:
« Não há razões para afastar este entendimento, expresso no acórdão n.º 396/2011, quanto à não atribuição de estatuto jusfundamental ao direito à irredutibilidade de prestação, nem como direito autónomo, materialmente constitucional, nem como uma dimensão primária do direito fundamental à justa retribuição consagrado na alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º, da Constituição.»
Ora, não parecem descortinar-se razões para se divergir desta linha jurisprudencial, no presente caso. Tanto mais quanto a diminuição salarial em causa, apesar de existente, não se traduz numa redução real dos meios colocados à disposição do trabalhador para satisfazer as necessidades materiais, tanto próprias como da sua família, uma vez que a quantia pecuniária recebida se mantém a mesma.
Não se ignora que o aumento do período normal de trabalho diário poderá originar despesas adicionais para os trabalhadores (relacionadas com transportes, com o cuidado de ascendentes ou descendentes, etc.), mas, em todo o caso, há que ter presente que o grande prejuízo que as normas impugnadas lhes trazem é de tempo: tempo disponível para si mesmos, para as suas famílias e para o exercício de um conjunto de direitos fundamentais consagrados na Constituição (direito ao livre desenvolvimento da personalidade, liberdade de criação e fruição cultural, liberdade religiosa, liberdade de aprender e ensinar, liberdade de associação, entre outros), que se reconduzem a dimensões importantes da vida.
A perda salarial real limita-se, assim, à remuneração do trabalho suplementar. Como a remuneração deste tipo de trabalho tem por base a remuneração horária do período normal de trabalho, é óbvio que as alterações legislativas ora introduzidas, ao comportarem uma redução nominal dos salários, provocarão uma redução das quantias recebidas como contrapartida das horas extraordinárias.
Este facto não pode deixar de ser valorado pelo Tribunal Constitucional, tendo, além do mais, em conta as reduções salariais efetivas que o universo dos trabalhadores em funções públicas tem sofrido nos últimos anos, em virtude da necessidade de consolidação orçamental no âmbito do programa de assistência financeira. Não pode, igualmente, deixar de se tomar em conta a obrigatoriedade de prestação de trabalho extraordinário, à luz do disposto no artigo 26.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 259/98 e do artigo 159.º do RCTFP.
Contudo, e quanto à redução da remuneração pelo trabalho extraordinário, afirmou este Tribunal no Acórdão n.º 187/2013:
« [P]or sua própria natureza, apesar de ser tido como um suplemento remuneratório e de corresponder à contrapartida do trabalho efetuado, o acréscimo pecuniário devido pela prestação de trabalho extraordinário não assume, contrariamente ao que sucede com os subsídios de férias e de Natal, o caráter de habitualidade ou regularidade que tipicamente caracteriza a prestação retributiva, em sentido técnico-jurídico. [...]
Não integrando o pagamento do trabalho extraordinário, pelo menos de forma direta e necessária, o conceito qualitativo de retribuição, é de afastar, desde logo, a invocada garantia constitucional da irredutibilidade do salário como parâmetro constitucional pertinente à aferição da validade da medida legislativa, ora questionada, que opera a redução dos coeficientes para o respetivo cálculo.
Por outro lado, [...] a remuneração proporcionada pelo trabalho suplementar (é) de natureza variável e não prognosticável, porque dependente de decisões gestionárias da esfera exclusiva do empregador.»
Nestes termos, não é decisiva, no sentido da inconstitucionalidade, a diminuição das quantias efetivamente recebidas como remuneração do trabalho extraordinário. Desde logo, não sendo aplicável, nos termos da citada jurisprudência constitucional, a garantia da irredutibilidade do salário, não poderá ser este o fundamento de qualquer julgamento de desconformidade com a Constituição.
III. Decisão
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide não declarar a inconstitucionalidade das normas dos artigos 2.º, em articulação com o artigo 10.º, 3.º, 4.º e 11.º, todos da Lei n.º 68/2013, de 29 de agosto. (…)”
Posto isto, louvando-se o Tribunal no entendimento supra exposto, a cuja fundamentação se adere, julga o Tribunal não ser manifesta a ilegalidade dos actos suspendendos, por violação do artigo 59º n.1 da CRP e, dos princípios constitucionalmente consagrados da justa retribuição, da proibição de retrocesso social, da certeza e segurança jurídica.
Em suma, sendo patente que a pretensão formulada pelo Requerente, não se enquadra nas três situações enunciadas naquele artigo 120º n.1 alínea a) do CPTA, não é, pois, passível de um “juízo de evidência” que consinta o decretamento da providência à luz do mesmo.
Acresce ainda, da análise das alíneas b) e c) do n.1 do artigo 120º do CPTA - que se referem a providências de natureza conservatória e antecipatória, respectivamente - evidencia-se ser a “aparência de bom direito”, critério igualmente relevante à apreciação de decretamento da providência, todavia, já não por si só, mas acompanhado de um outro requisito: - o “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízo de difícil reparação”.
Conclui-se, assim, que o legislador enunciou os critérios a observar no decretamento das providências requeridas, os quais revestem uma intensidade e ponderação diversa, consoante o tipo de providência que esteja em causa. É que, como se disse, se a providência possuir carácter conservatório, basta, para além de outros requisitos, que não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão a formular; porém, na hipótese de se tratar de uma providência antecipatória tem de haver um razoável grau de probabilidade de procedência da pretensão principal (artigo 120º, n. 1, alíneas b) e c) do CPTA). Ora, atento o pedido formulado pelo Requerente, o Tribunal enquadrou, desde logo, a providência requerida no âmbito do artigo 120º n.1 alínea b) do CPTA, ou seja, como sendo uma providência cautelar, de natureza conservatória.
E, sendo assim, impera apreciar se se encontram, ou não, reunidos os pressupostos cumulativos de que depende o decretamento da providência requerida, a saber: (a) “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízo de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal” e (b) “não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito”.
Importa, pois, avaliar se ocorre fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízo de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal”.
Alega o Requerente que o substancial aumento das cargas horárias…acarreta para representados do Requerente prejuízos incalculáveis de difícil senão impossível reparação”. É que, prossegue, “a prática de novos horários, … afecta os planos de vida dos trabalhadores, …, afecta grosseiramente a organização da sua vida pessoal e familiar, priva-os de uma maior disponibilidade para angariarem outros proventos fora do horário de trabalho, potencia um substancial aumento de encargos, sobretudo inerentes à assistência de membros dos respectivos agregados (…)”.
Por sua vez, os Requeridos impugnam tal alegação de “fundado receio de constituição de situação de facto consumado”, sustentando que o Requerente não alega, de modo concreto e consubstanciado, nem prova os danos que a execução dos actos em causa provocará na sua esfera jurídica.
Vejamos.
O âmbito do requisito “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízo de difícil reparação” - o denominado “periculum in mora” - tem vindo a ser considerado, referem o Prof. Mário Aroso de Almeida e o Conselheiro Carlos Cadilha, como: “(…) no fundado receio de que, quando o processo principal chegue ao fim e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar a resposta adequada às situações jurídicas envolvidas no litígio, seja porque (a) a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil; seja, pelo menos, porque (b) essa evolução conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis. (…) Significa isto que o juízo sobre o risco dessa ocorrência deve ser sustentado numa apreciação das circunstâncias específicas de cada caso, baseada na análise de factos concretos, que permitam a um terceiro imparcial concluir que a situação de risco é efectiva, e não uma mera conjectura, de verificação apenas eventual.”vd. “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Livraria Almedina, 3ª ed. revista, 2010, pág. 804.
Em rigor, o prejuízo de difícil reparação ocorre quer quando a reintegração fáctica se revela difícil, quer no caso de se perspectivar a existência de prejuízos ao longo do tempo que não serão integralmente reparados pela reposição da legalidade. Ora, para a consideração da existência de “periculum in mora” cabe ao Requerente alegar factos concretizadores da existência do direito que se arroga, competindo-lhe, pois, a respectiva prova.
Nesse sentido: - “I. As providências cautelares não visam evitar a produção de todo e qualquer tipo de prejuízo, mas apenas daquele que pela sua natureza e magnitude seja de impossível ou de difícil reparação para os interesses que o requerente cautelar quer assegurar no processo principal; II. É ao requerente cautelar que incumbe o ónus de alegar e provar, sumariamente, os factos concretos configuradores desse tipo de prejuízo, bem como do seu entrosamento etiológico, de modo a permitir ao julgador fazer um juízo de prognose que lhe legitime uma conclusão positiva sobre o nexo de causalidade; III. Nem as alegações do requerente, nem a credibilidade deste ou a razoabilidade daquelas, são meios de prova. Quando a lei exige prova sumária, está a exigir meios de prova, e não a dispensá-los, apenas impõe ao julgador cautelar uma atitude complacente quanto à sua natureza e quantidade.” – cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, proferido no Proc. n.º 00816/10.0BEPRT, de 08.07.2011.
De facto, da análise do requerimento inicial não resulta que o Requerente haja sequer alegado de forma concreta quais os danos que cada um dos seus representados sofreria com a manutenção do acto suspendendo. Na verdade, tendo optado por uma alegação genérica de “afectação dos planos de vida” desconhece o Tribunal (i) quais os representados que têm filhos, ou não; (ii) quais os representados que têm de prestar cuidados de assistência a familiares, ou não; (iii) quais os representados que exercem outras funções fora do horário de trabalho, ou não; (iv) e quais aqueles representados que não se enquadram em qualquer destas situações.
Acrescente-se que, impendendo sobre o Requerente o ónus da prova dos factos capazes de demonstrar que, com o não decretamento da providência requerida, existe o “fundado receio de situação de facto consumado ou de prejuízo de difícil reparação”, tal prova não foi, in casu, feita. Nem se diga que poderia o Requerente vir a produzi-la no decurso do presente processo cautelar, visto que, decorre do disposto no artigo 114º n.3 alínea g) do CPTA, que compete ao Requerente, no requerimento inicial “especificar, de forma articulada, os fundamentos do pedido, oferecendo prova sumária da respectiva existência”, já que esta é a solução que se afigura mais compatível com a “lógica de celeridade” que subjacente à tramitação urgente dos processos cautelares.
Evidencia-se, portanto, que a providência requerida pelo Requerente, não preenche o pressuposto do “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízo de difícil reparação”.
Destarte, visto que a providência cautelar aqui peticionada pelo Requerente não reúne os pressupostos de que depende a sua concessão, não pode a mesma ser decretada.
…….”
X
É inequívoco que estamos perante uma providência cautelar conservatória, que está intimamente ligada aos autos principais, sendo nestes que a pretensão do requerente irá ser analisada e decidida com a profundidade necessária, tratando-se, em sede cautelar, apenas de assegurar a utilidade da sentença que aí venha a ser proferida mediante a adopção de medidas urgentes baseadas necessariamente numa apreciação sumária e perfunctória do caso.
Daí que ao julgador de um processo cautelar em que é solicitada uma providência conservatória se imponha que proceda a uma apreciação sucinta e sumária das ilegalidades apontadas pelo requerente cautelar ao acto impugnado ou a impugnar com o objectivo de constatar se ocorre a sua manifesta ilegalidade, não lhe competindo analisar e apurar com exaustão se as ilegalidades imputadas ao acto impugnado ocorrem ou não.
Assim e quanto à al. a) do nº 1 do artº 120º do CPTA, o que há a fazer é apreciar se elas são flagrantes, ostensivas, evidentes, como a este respeito, escrevem Mário Aroso de Almeida e Carlos A. F. Cadilha, em Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2005/ 603; no mesmo sentido cfr. Fernanda Maçãs, em As Medidas Cautelares, Reforma do Contencioso Administrativo - O Debate Universitário, vol. I/ 462 e ac. do STA de 16/03/2006, rec. 0141/06, entre outros.
E neste tipo de situações (de ilegalidades evidentes) o seu decretamento é quase automático na medida em que assenta em requisitos objectivos, baseando-se num critério de evidência, que incorpora, em simultâneo, a salvaguarda do interesse público (sob a forma do princípio da legalidade - a Administração não deve praticar tais actos -) e a tutela dos interesses privados (o particular tem direito a que a sua situação seja legalmente apreciada e conformada).
Já quanto à alínea b) do citado normativo, permite-se que a providência cautelar conservatória seja concedida caso haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal (
periculum in mora) e não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a existência de circunstâncias que obstem ao conhecimento de mérito (fumus non malus juris).
Nesta análise, o requisito do
fumus non malus iuris -alínea b)- não é tão exigente como na alínea a), não impondo um juízo de certeza sobre o bom ou mau direito, sendo suficiente a formulação de um juízo de aparência do bom direito.
E através do requisito do
periculum in mora, pretendeu-se impedir que durante a pendência da acção principal a situação de facto se altere e se consolide de forma a que a sentença nela proferida, sendo favorável, se esvazie de eficácia prática.
Ou seja, se se verificarem os demais requisitos para a concessão da providência cautelar, a mesma terá de ser concedida, como refere Aroso de Almeida, em “O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, 4ª ed., págs. 299/300 “
desde que os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que, se for recusada, se tornará depois impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade - é este o sentido a atribuir à expressão facto consumado”.
Igualmente deverá ser concedida sempre que se preveja esta impossibilidade de reintegração devido à demora do processo principal, quando os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação no caso da providência ser recusada e isto, quer porque, a reintegração no plano dos factos se perspectiva difícil, seja porque, pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar, total ou parcialmente.
Daí que, como observa Vieira de Andrade, em Justiça Administrativa, 8ª ed./348 “
o julgador deverá fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por entretanto se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dele deveria beneficiar, que obstem à reintegração específica da sua esfera jurídica”.
A prova, ainda que sumária, quer do fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado, quer da produção de prejuízos de difícil reparação, pertencem naturalmente ao requerente da providência - artº 342º/1 do Código Civil.
Na hipótese sub judice o Tribunal afastou a aplicação ao caso da alínea a) do citado artº 120º, isto é, considerou que, de modo algum, se pode apelidar de manifestamente ilegal o acto impugnado ou a impugnar no processo principal.
Da leitura desta peça processual decorre ainda que o senhor Juiz fundamentou, concisa, mas suficientemente, o seu entendimento jurídico, de modo a concluir pela não verificação do requisito do
fumus boni iuris, cuja existência era absolutamente essencial ao deferimento da requerida providência, bem como do periculum in mora, ou seja, pela inexistência de fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado.
Relativamente à produção de prejuízos de difícil reparação, o Requerente limitou-se a afirmar que os seus associados, decidindo as suas vidas no pressuposto de um determinado horário de trabalho, ficarão agora privados de uma maior disponibilidade para angariar outros proventos, e potencia um substancial aumento de encargos com a assistência aos filhos em creches e estabelecimentos similares.
As referidas alegações, para a consecução do fim visado careciam de específica individualização, com a demonstração dos prejuízos e a prova de fundado receio de ocorrência do efeito de facto consumado, em cada caso concreto, o que não sucedeu.
Ora, como bem observou o senhor juiz, não resulta que o Requerente haja sequer alegado de forma concreta quais os danos que cada um dos seus representados sofreria com a manutenção do acto suspendendo. Tendo optado por uma alegação genérica de “afectação dos planos de vida” desconhece o Tribunal quais os representados que têm filhos, ou não; quais os representados que têm de prestar cuidados de assistência a familiares, ou não; quais os representados que exercem outras funções fora do horário de trabalho, ou não; e quais aqueles representados que não se enquadram em qualquer destas situações.
Por outro lado, o apelo aos preceitos constitucionais também não passa de uma via desesperada de barrar uma iniciativa legislativa, emanada do poder legitimado para adoptar medidas de racionalidade dos serviços, mormente numa conjuntura difícil como aquela que o país enfrenta.
Dito de outro modo, o Tribunal a quo explicitou, de forma clara e sustentada, os fundamentos que inviabilizam a concessão da tutela cautelar.
Em suma:
-os requisitos para o decretamento de uma providência cautelar são, em termos muito simplistas, os seguintes - artº 120º do CPTA: que haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal (periculum in mora); que não seja manifesta a falta de fundamentação da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito (fumus boni juris); que da ponderação dos interesses públicos e privados em presença decorra que os danos resultantes da concessão da providência não se mostram superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, ou que, sendo superiores, possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências (proporcionalidade e adequação da providência);
-a verificação destes requisitos tem que ser cumulativa;
-o
fumus boni juris pode ter uma formulação positiva e uma formulação negativa. Na formulação positiva é preciso acreditar na probabilidade de êxito do recurso principal. Tem de se verificar uma aparência de que o recorrente ostenta, de facto, o direito que considera lesado pela actuação administrativa; na formulação negativa basta que o recurso principal não apareça à primeira vista desprovido de fundamento;
-a alínea b) do nº 1 do artº 120º do CPTA satisfaz-se, no que a este segmento importa, com uma formulação negativa, nos termos da qual basta que «não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular» pelo requerente no processo principal «ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito» para que uma providência conservatória possa ser concedida. Consagra-se, deste modo, o que já foi qualificado como um
fumus non malus iuris: não é necessário um prejuízo de probabilidade quanto ao êxito do processo principal, basta que não seja evidente a improcedência da pretensão de fundo do requerente ou a falta do preenchimento de pressupostos dos quais dependa a própria obtenção de uma pronúncia sobre o mérito da causa;
-ocorre uma situação de facto consumado previsto no artº 120º/1/b) do CPTA quando, a não ser deferida a providência, o estado de coisas que a acção quer influenciar fique inutilizada
ex ante;
-por seu turno, danos de difícil reparação são aqueles cuja reintegração no planos dos factos se perspectiva difícil, seja por que pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente;

-a sentença recorrida decidiu pelo indeferimento do pedido cautelar deduzido pelo Requerente;
-e, face ao juízo a adoptar nesta sede cautelar, que terá sempre de ser um juízo indiciário, de verosimilhança e de probabilidade, sob pena de se estar a entrar no domínio da apreciação de mérito, ele mostra-se assertivo, face aos elementos insertos nos autos.
Improcedem, pois, as conclusões da alegação.
DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Sem custas, por delas estar isento o Recorrente.
Notifique e D.N.
Porto, 14/03/2014
Ass.: Fernanda Brandão
Ass.: João Sousa
Ass.: Maria do Céu Neves