Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00806/12.8BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/15/2021
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Margarida Reis
Descritores:IMT; REQUERIMENTO DE RECONHECIMENTO DE ISENÇÃO; TEMPESTIVIDADE DO REQUERIMENTO; IPSS; PROMESSA DE AQUISIÇÃO E DE ALIENAÇÃO; TRADIÇÃO;
ART. 10.º CIMT; ART. 2.º CIMT
Sumário:Atendendo à lógica própria do CIMT, que tem por objeto não apenas a transmissão da propriedade, mas de todos os direitos correspondentes sobre os imóveis, elegendo no n.º 2 do art. 2.º como facto tributário também a transmissão da posse por efeito de contrato-promessa, o n.º 1 do art. 10.º daquele diploma tem de ser interpretado, à semelhança do que sucedia na vigência do art. 15.º do CIMSISD, como abrangendo também este ato transmissivo da posse, devendo por isso o requerimento de reconhecimento de isenção fiscal ser apresentado pelos interessados junto do serviço competente em momento anterior ao mesmo.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:A.
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I. RElatório

A Autoridade Tributária e Aduaneira, inconformada com o acórdão proferido em 2015-05-07 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, que julgou procedente a ação administrativa interposta por A., Instituição Privada de Solidariedade Social, tendo por objeto a decisão que indeferiu o pedido de reconhecimento de isenção de IMT, vem interpor o presente recurso.

A Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

CONCLUSÕES
Tudo visto, não podemos conformar-nos com o acórdão do tribunal a “quo”, que enferma de grosseiros erros de julgamento, por falta de fundamentação do decidido, e na interpretação e na aplicação do direito ao caso concreto, porquanto:
a) Não se aceita o fundamento/ decisão/conclusão de que no n.º 1 do artigo 10.º do CIMT apenas é exigida a apresentação do pedido de reconhecimento antes do ato ou contrato que origina a transmissão e sempre antes da liquidação.
b) Para ser concedida a isenção de IMT tem de se ter em conta norma de isenção, mas também as normas procedimentais que do respectivo código.
c) E destas normas ressalta a que determina que o acto translativo, para efeitos da respectiva isenção de IMT é, obviamente, o momento quando este ocorre.
d) A isenção afasta a tributação-regra - cfr. artigo 14.º, n.º 1 o EBF, portanto há que determinar o acto de tributação que se retende afastar, e portanto ter em conta a norma de incidência a imposto.
e) Os normativos, agora aplicáveis, já estavam consagrados no antigo Código do Imposto Municipal de Sisa, e para efeitos desse código relevava como acto transmissivo para efeitos fiscais, a respectiva posse do imóvel, fosse para efeitos de liquidação do imposto, fosse para efeitos de concessão de uma isenção - vide artigo o art. 2.º, do CIMSISD.
f) Encontramos abundante jurisprudência sobre o assunto, pelo que, a título, meramente, exemplificativo, referimos os seguintes: Acórdão do STA, de 13.05.2009 - Processo n.º 0234/09, Acórdão do STA, rec. n.º 1061/11, de 12-04-2012,
g) Face à jurisprudência citada, ter-se-á de entender que na lei fiscal a tradição da coisa se equipara a uma verdadeira transmissão de propriedade, para efeitos de incidência do Imposto de IMT, também se deverá entender tal acto ou facto tributário como acto transmissivo da propriedade para efeitos de concessão de isenção de IMT.
h) A lei fiscal ao deformar o conceito de transmissão tal qual ele é definido no direito privado, e ao considerar equiparado à transmissão o direito de propriedade, a outorga do contrato promessa de compra e venda, acompanhado da tradição do bem, e da transmissão da posse, tem de o fazer de forma plena e coerente, e consequentemente, tem de recepcionar tal deformação conceituai quer para efeitos de incidência de Sisa, quer para efeitos de apuramento das circunstancias que conduzem à concessão ou não da isenção do imposto em causa, seja sisa seja IMT.
i) Se a lei fiscal considera, na perspectiva do promitente-comprador, que a outorga do contrato promessa de compra e venda acompanhado da tradição da coisa se equipara a uma verdadeira transmissão, obrigando promitente comprador a liquidar o imposto sobre tal transmissão, também terá de considerar esse mesmo acto como transmissão, desta feita, para reconhecer a isenção.
j) Em conclusão, tendo, em 11.11.2011, sido requerida a isenção de IMT, e tendo a, então autora, por força da tradição, a posse do prédio aquando da celebração do contrato-promessa, em 08.02.2010, não cumpriu com o estatuído no n.º 1 do artigo 10.º do CIMT.
k) O acórdão ao ter anulado o acto que indeferiu este pedido de isenção, incorreu em erro de julgamento, pelo que,
l) Deve o presente recurso ser julgado procedente, e anular-se o presente acórdão.”
Termina pedindo:
Nestes termos e nos mais de Direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao prese te recurso, anulando-se o acórdão recorrido, e, por consequência, manter-se o despacho de indeferimento do pedido de isenção de IMT, por ser legal e conforme a lei aplicável”
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A Recorrida apresentou contra-alegações, nas quais conclui como se segue:

CONCLUSÕES:
1 - O acórdão recorrido não merece qualquer censura.
2 - A Administração Fiscal faz uma errada interpretação do n.º 1 do artigo 10.º do CIMT.
3 - O legislador não transpôs a ficção legal de transmissão prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo 2.º do CIMT para efeitos de isenções e do seu reconhecimento, nomeadamente a consignada na alínea e) do artigo 6.º do CIMT.
4 - Nos termos do n.º 1 do artigo 10.º do CIMT apenas é exigida a apresentação do pedido de reconhecimento antes do acto ou contrato que origina a transmissão e sempre antes da liquidação.
5 - O que a Recorrida fez.
6 - Em matéria de benefícios fiscais (onde se incluem as isenções) rege o princípio da legalidade, não sendo lícita a integração das normas tributárias que os determinam, devendo a interpretação cingir-se ao texto legal da própria norma.
7 - Não se compagina com uma visão unitária do sistema nem com uma interpretação unitária do mesmo a interpretação de que uma entidade isenta, previamente a um facto que não constitui ainda a aquisição, faça o pedido de reconhecimento dessa isenção.
8 - Não ocorre erro de julgamento.
Mantendo a decisão Recorrida, V. Exas. farão JUSTIÇA.”
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O Digno Magistrado do M.º Público junto deste Tribunal foi notificado nos termos e para os efeitos do artigo 146.º, n.º 1 do CPTA.
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Os vistos foram dispensados, com a prévia anuência dos Juízes-Adjuntos.
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Questões a decidir no recurso

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações de recurso.

Assim sendo, importa apreciar se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito, por incorreta interpretação do disposto no n.º 1 do art. 10.º do CIMT, que lhe é assacado pela Recorrente.


II. Fundamentação
II.1. Fundamentação de facto

Do acórdão prolatado em primeira instância, consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz:
“III - DOS FACTOS.
Factos com relevância para a apreciação do mérito da ação:
1.º - A Autora (A) é uma Instituição Privada de Solidariedade Social com estatuto de utilidade pública - cf.doc.1, junto com a petição inicial.
2.º - A A. em 08.02.2010 prometeu comprar, pelo preço de € 75.000,00, para funcionamento dos seus serviços, o prédio urbano inscrito na matriz sob o art.º 3018.º, da freguesia de (...), com o valor patrimonial de € 155.569,05 - cf. doc.2, junto com a petição inicial e depoimento das testemunhas J. e G..
3.º - Com a celebração do contrato promessa a A. entrou na posse desse prédio - cf. depoimento das testemunhas J. e G..
4.º - Após o que, nele levou a cabo obras de adaptação aos fins a que o destinou - cf. depoimento das testemunhas J. e G..
5.º - Nele instalou a sua sede, os seus serviços administrativos e os serviços de atendimento à comunidade - cf. depoimento das testemunhas J. e G..
6.º - Em 11.11.2011, previamente à celebração do contrato definitivo, a A. requereu, nos termos da alínea e) do art.6.º do respetivo Código, que lhe fosse reconhecido o direito à isenção de pagamento do IMT correspondente - cf.doc.3, junto com a petição inicial.
7.º - Pedido que foi indeferido pelo R. por despacho de 13.08.2012 - cf. teor de fls.1 do Processo Administrativo (PA) apenso a este processo físico.
8.º - A A. ainda não celebrou o contrato definitivo - cf. depoimento das testemunhas J. e G..
9.º - O indeferimento foi comunicado à A. por ofício da Direção de Finanças do Porto datado de 21.09.2012 e recebido em 24.09.2012.
10.º - Os fundamentos do indeferimento constam da informação dos serviços com o n.º 2122/2012 - cf.doc.4, junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por reproduzido integralmente para os legais efeitos.
11.º - Nos termos dessa informação o pedido de reconhecimento de isenção foi considerado intempestivo.
Factos não provados: com interesse para a decisão a proferir, inexistem.
Motivação: A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame crítico do acervo documental constante dos autos, nomeadamente do PA apenso e no depoimento das testemunhas J., presidente da A. à data dos factos e de G., funcionária da A. cerca de 20 (vinte) anos, ambos conhecedores da situação em apreço, que corroboraram a prova documental existente nos autos de forma séria, demonstrando um conhecimento direto dos factos que transmitiram a este Tribunal, nomeadamente que, a A. em 08.02.2010 prometeu comprar, pelo preço de € 75.000,00, para funcionamento dos seus serviços, o prédio urbano inscrito na matriz sob o art.3018.º, da freguesia de (...).
Afirmaram com certeza que com a celebração do contrato promessa a A. entrou na posse desse prédio, tendo nele efetuado obras de adaptação aos fins a que o destinou.
Mais referiram que nesse prédio a A. instalou a sua sede, os seus serviços administrativos e os serviços de atendimento à comunidade.
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II.2. Fundamentação de Direito

Importa apreciar se o acórdão recorrido padece do erro de julgamento de direito que lhe é imputado pela Recorrente.

Assim, entende a Recorrente que o acórdão em crise foi excessivamente parcimonioso na respetiva fundamentação, acabando por incorrer num erro de julgamento de direito, fazendo uma interpretação errada do disposto no n.º 1 do art. 10.º do CIMT, que no seu entender deve ser lido levando em conta que a tradição do imóvel deve ser considerada como uma verdadeira transmissão de propriedade, não só para efeitos de incidência do Imposto de IMT, como também para efeitos de concessão de isenção de IMT.

Vejamos então.
A Recorrida é uma Instituição Privada de Solidariedade Social, ou seja, uma instituição constituída, sem finalidade lucrativa, por iniciativa de particulares, com o propósito de dar expressão organizada ao dever moral de solidariedade e de justiça entre os indivíduos (cf. art. 1.º do DL 119/83, de 25/02, com alterações subsequentes).
Em 2010-02-08 prometeu comprar o prédio urbano inscrito na matriz sob o art.º 3018.º, da freguesia de (...) (cf. ponto 2, da fundamentação de facto), constando da cláusula 4.ª do contrato de promessa em causa que entraria “de imediato na posse do prédio podendo nele proceder às obras que entender”.

Com a celebração do contrato-promessa, tomou posse do prédio (cf. ponto 3, da fundamentação de facto), no qual fez obras de adaptação (cf. ponto 4, da fundamentação de facto), e onde instalou a sua sede, os seus serviços administrativos e os serviços de atendimento à comunidade (cf. ponto 5, da fundamentação de facto).

Em 2011-11-11, e antes ainda de ter celebrado o contrato de compra e venda prometido, requereu, nos termos da alínea e) do art. 6.º do respetivo Código, que lhe fosse reconhecido o direito à isenção de pagamento do IMT correspondente (cf. ponto 6, da fundamentação de facto), pedido esse que veio a ser indeferido por despacho datado de 2012-08-13, com fundamento na respetiva extemporaneidade (cf. ponto 7, da fundamentação de facto).

Da informação dos serviços com o n.º 2122/2012, que contém os fundamentos do ato de indeferimento da isenção, consta o seguinte:
(…)
2 - Verificada a informação disponível pelos serviços informáticos verifica-se que:
A liquidação do imposto do IMT feita pela Repartição de Finanças de (...), através do DUC nº 160011028697703, em 07.11.2011, no valor de € 10.111,99 foi anterior ao pedido de isenção.
No entanto, o imposto não foi pago e consequentemente, foi anulada a respetiva liquidação através da nota de cobrança com o n.º 2011 307326, cf. print em anexo.
Por consulta ao sistema informático, aplicação Modelo 11, verificou-se que a competente escritura de compra e venda ainda não foi outorgada;
Verificou-se ainda, conforme print que se junta, que a requerente tem a sua situação contributiva e tributária regularizada perante a Segurança Social e a Administração Tributária.

3 - Parecer

Compulsados os documentos carreados para o processo constata-se que ainda não foi feita nova liquidação do IMT e que a anterior foi anulada, ficando deste modo sem efeito

Verifica-se, ainda, através da análise da acta da Assembleia Geral extraordinária realizada em 12 de Setembro de 2011, que a requerente no exercício da sua actividade já ocupava o imóvel que prometeu comprar e objecto do presente pedido de isenção de IMT.

Ora, a lei enquadra no pressuposto de incidência objectiva de IMT a tradição de imóvel por parte do promitente adquirente, atribuindo-lhe o efeito translativo, conforme o disposto no artº 2º nº 2 alínea b) do CIMT.
O n.º 1 do art. 10º do CIMT dispõe que “As isenções são reconhecidas a requerimento dos interessados, a apresentar antes do acto ou contrato que originou a transmissão junto dos serviços competentes para a decisão, mas sempre antes da liquidação que seria de efectuar.”.

Assim, face ao dispositivo normativo que considera a tradição do imóvel como transmissão, o pedido para reconhecimento da isenção deveria ser anterior daquela, conforme o estabelecido no n.º 1 do art. 10.º do CIMT.
Temos, pois que o presente pedido de isenção é intempestivo, obstando ao seu deferimento, e a Administração Tributária deve actuar em obediência à lei e ao direito, Cf. art. 3.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) e 55.º da Lei Geral Tributária (LGT), não podendo decidir de outra forma.

Notificada a contribuinte por ofício n.º 1534 de 12-05.2012 para se pronunciar em sede de audição prévia sobre a proposta de indeferimento do presente pedido de isenção, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 60.º da LGT, veio aquela alegar má interpretação da lei por parte da Administração Tributária, porquanto no seu entender a tradição do imóvel previsto no art. 2.º n.º 2 a), a que a lei ficciona como transmissão e como tal sujeita a IMT, não tem acolhimento para efeitos de reconhecimento de isenções.

Com todo o respeito pelo alegado pela contribuinte, esta não traz nada de novo. Com efeito, o pedido de isenção tem obrigatoriamente de ser prévio ao acto ou contrato que titule a aquisição, assim como a factos que a lei ficcione como transmissão, como é o caso da tradição, conforme resulta de forma clara e inequívoca do disposto no n.º 1 do art. 10.º do CIMT, dependendo a eficácia desta decisão de reconhecimento prévia da competência do Sr. Director Geral da Administração Tributária (art. 10.º n.º 7 a) do CIMT).

Ora, o que se verificou foi que a requerente já utilizava o imóvel no exercício da sua actividade há algum tempo antes do pedido de isenção, pelo menos desde o dia 12 de Setembro de 2011 – data da acta da Assembleia Geral – pelo que se reitera a proposta de decisão de indeferimento do pedido com os fundamentos atrás expostos.
(…)
O ato de indeferimento do reconhecimento da isenção pretendida pela Recorrida funda-se assim na intempestividade do requerimento, por ali se ter entendido que “a lei enquadra no pressuposto de incidência objectiva de IMT a tradição de imóvel por parte do promitente adquirente, atribuindo-lhe o efeito translativo, conforme o disposto no artº 2º nº 2 alínea b) do CIMT”.

Atendendo a que, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 10.º do CIMT o requerimento deve ser apresentado “antes do acto ou contrato que originou a transmissão”, e a Recorrida apenas peticionou o reconhecimento da isenção em 2011-11-11, o prazo para o efeito estaria assim, na tese da Recorrente, há muito ultrapassado.

A Recorrida, por sua vez, entende que o n.º 1 do art. 10.º, no citado segmento, apenas se refere ao contrato de compra e venda, e que, atendendo a que o mesmo ainda não foi celebrado, o prazo para requerer o reconhecimento da isenção não estaria ainda ultrapassado.

O acórdão sob recurso deu razão à Recorrida, com a seguinte fundamentação:
(…)
Sucede que, no n.º 1 do art.10.º do CIMT apenas é exigida a apresentação do pedido de reconhecimento antes do ato ou contrato que origina a transmissão e sempre antes da liquidação.
O que a A. fez.
O pedido de reconhecimento de isenção de IMT apresentado pela A. quando apresentado encontrava-se em tempo.
O único fundamento do indeferimento em causa é a alegada intempestividade do pedido. Pelo que, determina-se a anulação do indeferimento do pedido de reconhecimento de isenção formulado pela A. por parte do R.
(…)

Vejamos.
O objeto da sujeição ao IMT não é o contrato que titula a aquisição, mas sim o efeito do mesmo, ou seja, a transmissão da propriedade ou dos direitos correspondentes sobre os imóveis (cf., neste sentido, PIRES, José Maria Fernandes – Lições de Impostos sobre o Património e o Selo. Coimbra: Almedina, 2010, pág. 153).

É por esse motivo que, de entre os vários factos tributários elencados no art. 2.º como estando sujeitos a imposto, se encontram não apenas as transmissões tituladas por contratos que têm como objeto e finalidade direta e principal a transmissão dos imóveis (como é o caso do contrato de compra e venda), mas também transmissões tituladas por contratos que não tendo por objeto ou finalidade principal essa transmissão, ainda assim a produzem como seu efeito colateral e necessário (caso, p. ex., das entradas com imóveis para a realização do capital social das sociedades comerciais), e ainda, as ficções legais de transmissões onerosas de imóveis para efeitos de IMT, de que é exemplo o contrato-promessa com tradição da posse (idem, págs. 155 a 157), como foi o caso nos presentes autos.

Ora, o que resulta do disposto no n.º 1 do art. 10.º do CIMT é que “As isenções são reconhecidas a requerimento dos interessados, a apresentar antes do acto ou contrato que originou a transmissão junto dos serviços competentes para a decisão, mas sempre antes da liquidação que seria de efectuar.” (destacado nosso), pelo que, não deixa de ter razão a Recorrida quando refere que quando o preceito alude expressamente ao “contrato que originou a transmissão”, e ainda que não distinguindo entre os contratos que têm por finalidade imediata a transmissão ou os que apenas indiretamente a originam, não se está a referir explicitamente às ficções jurídicas elencadas no art. 2.º do CIMT.

Sucede, no entanto, que o supracitado n.º 1 do art. 10.º do CIMT para além de se referir ao “contrato que originou a transmissão”, alude ainda expressamente ao ato que originou a transmissão, não podendo aqui deixar de se incluir o ato de tradição do imóvel na sequência da celebração do contrato-promessa de aquisição e de alienação previsto na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do CIMT, sob pena de se esvaziar por completo de sentido esta norma, que ficciona que a “transmissão” relevante para efeitos de tributação ocorre no momento da tradição, após a celebração do referido contrato-promessa.
Com efeito, e embora nestes casos a transmissão da propriedade propriamente dita apenas ocorra com a outorga do contrato de compra e venda, “a sujeição a imposto é antecipada para a data da entrega material do imóvel”, sendo esta uma das “manifestações de que o legislador do IMT (tal como o da Sisa, mas este com menor expressividade) não faz depender os efeitos fiscais da perfeição do conceito de transmissões para efeitos civis e dá relevo a um conceito económico de transmissão que é próprio do CIMT e não depende exclusivamente de qualquer outro conceito de transmissão, nomeadamente o de direito civil” (cf., neste sentido, PIRES, José Maria Fernandes – Lições de Impostos sobre o Património e o Selo. Coimbra: Almedina, 2010, pág. 268).

Este entendimento é, aliás, o único consentâneo com o disposto no n.º 1 do art. 22.º do CIMT, no qual se dispõe que “A liquidação do IMT precede o acto ou facto translativo dos bens” (destacado nosso) – repita-se, sob pena de, a entender-se de outro modo, ficar esvaziada de conteúdo a norma que elege como facto tributário a promessa de aquisição e de alienação, logo que verificada a tradição para o promitente adquirente [cf. alínea a) do n.º 2, do art. 2.º do CIMT] -, e com o disposto no n.º 1 do art. 36.º do mesmo diploma, nos termos do qual o IMT deve ser pago no próprio dia da liquidação ou no 1.º dia útil seguinte, a menos que a transmissão se opere por ato ou contrato celebrado no estrangeiro, caso em que o pagamento do imposto deve efetuar-se durante o mês seguinte, tal como resulta do n.º 2 do mesmo preceito.
É por esse motivo que as isenções que dependam de ato administrativo de reconhecimento, como é o caso, devem ser requeridas pelos interessados antes do ato que, para efeitos do CIMT, e dentro da sua lógica própria, originem a transmissão, sob pena de “impossibilidade de, posteriormente, vir a ser obtido o benefício, mesmo que se mostrem preenchidos os seus pressupostos de natureza substantiva”, à semelhança, aliás, do que sucedia na vigência do art. 15.º do CIMSISD (cf. neste sentido, MATEUS, J. Silvério e FREITAS, L. Corvelo de – Os Impostos sobre o Património Imobiliário. O Imposto de Selo. Lisboa: Engifisco, 2005, pág. 395), como alega corretamente a Recorrente.

Em face do exposto, conclui-se que o acórdão sob recurso fez uma interpretação errada do regime legal aplicável, padecendo do erro de julgamento de direito que lhe é assacado pela Recorrente, devendo por isso ser o presente recurso julgado procedente.
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No que diz respeito à responsabilidade pelas custas do presente Recurso, a mesma cabe à Recorrida, atendendo ao seu decaimento, na 1.ª instância, e no presente recurso [cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 1.º, do CPTA].
***
Conclusão:
Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva:

Atendendo à lógica própria do CIMT, que tem por objeto não apenas a transmissão da propriedade, mas de todos os direitos correspondentes sobre os imóveis, elegendo no n.º 2 do art. 2.º como facto tributário também a transmissão da posse por efeito de contrato-promessa, o n.º 1 do art. 10.º daquele diploma tem de ser interpretado, à semelhança do que sucedia na vigência do art. 15.º do CIMSISD, como abrangendo também este ato transmissivo da posse, devendo por isso o requerimento de reconhecimento de isenção fiscal ser apresentado pelos interessados junto do serviço competente em momento anterior ao mesmo.
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III. DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em em conceder provimento ao presente recurso, e em consequência revogar a sentença recorrida, julgando a ação administrativa especial em causa totalmente improcedente.
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Custas pela Recorrida, em ambas as instâncias.
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Porto, 15 de abril de 2021
Margarida Reis (relatora) – Maria do Rosário Pais (em substituição) – Paulo Moura.