Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01253/15.5BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/03/2019
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO; CESSÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL; LEI DOS COMPROMISSOS; JUROS DE MORA
Sumário:
1 – Nos termos do artº 640º, nº 2, alínea a) do CPC “sob pena de imediata rejeição do recurso”, deve o Recorrente “indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
2 - Em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida.
3 - Nos termos do artigo 424.º, n.º 1, do Código Civil, “No contrato com prestações recíprocas, qualquer das partes tem a faculdade de transmitir a terceiro a sua posição contratual, desde que o outro contraente, antes ou depois da celebração do contrato, consinta na transmissão”.
4 – Os pagamentos por parte de entidades públicas, serão nulos, por violação da Lei dos Compromissos, se não estiverem orçamentalmente previstos, o que não invalida que, nos termos do n.º 4 do artigo 5.º da Lei dos Compromissos (LCPA) que o efeito anulatório não possa ser afastado por decisão judicial ou arbitral, quando, ponderados os interesses públicos e privados em presença e a gravidade da ofensa geradora do vício do ato procedimental em causa, a anulação do contrato ou da obrigação se revele desproporcionada ou contrária à boa-fé.
5 - No que concerne aos juros, tendo a decisão recorrida admitido contornar nos termos do nº 4 do Artº 5º da LCPA “o efeito anulatório adveniente do incumprimento do aludido requisito formal superveniente”, naturalmente que não faria sentido a aplicação de juros anteriormente “à validação” do compromisso, pois que só com a decisão judicial se consolidou a obrigação de pagamento. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Município de VNG
Recorrido 1:PCS, Lda.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Conceder parcial provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
O Município de VNG, no âmbito da Ação Administrativa Comum, intentada pela PCS, Lda., tendente ao pagamento de um conjunto discriminado de faturas relativas a serviços prestados de vigilância à “Gn...” de quem o Município assumiu a correspondente posição contratual, inconformado com a Sentença proferida em 29 de outubro de 2018, no TAF do Porto, através da qual a ação foi julgada procedente, veio interpor recurso da referida decisão.
Formula a aqui Recorrente/Município nas suas alegações de recurso, apresentadas em 31 de janeiro de 2019, as seguintes conclusões:
A - A prova carreada para os autos, seja documental ou testemunhal, impõe resposta diferente aos pontos 11º, 12º, 13º e 15º da matéria dada como assente, que por isso deve ser alterada;
B - Resulta da prova que o recorrente sempre informou a recorrida que o pagamento da dívida proveniente da Gn... estaria dependente da resolução de questões jurídicas pendentes, pese embora a vontade existente de a liquidar;
C - Embora soubesse desses problemas jurídicos, a recorrida assinou o acordo de cessão de posição contratual, no qual nada se diz quanto ao pagamento ou transmissão da dívida anterior;
D - Neste contexto, a recorrida não podia razoavelmente esperar que o acordo de cessão de dívida englobasse a dívida da Gn...;
E - A cessão de posição contratual valia apenas para futuro e abrangia apenas a atividade da recorrida, ficando de fora as dívidas então existentes;
F - O recorrente pagou à recorrida todos os serviços que esta lhe prestou, antes e depois da cessão da posição contratual;
G - É unanimemente aceite que a obrigação de pagamento à recorrida é nula, por violação da Lei dos Compromissos;
H - No âmbito do processo de liquidação da Gn... o recorrente assumiu todos os compromissos que haviam sido legalmente contraídos e não poderia nunca assumir compromissos nulos;
I - Sendo a obrigação nula não poderia ser transmitida por via negocial, tanto mais que a Lei impedia a recorrida de a exigir sob qualquer forma;
J - A falta de número de compromisso não é uma mera irregularidade formal, é um requisito de validade do contrato;
L - Nos termos do art. 9º, nº 2, da Lei dos Compromissos a recorrida tinha também obrigação de fiscalizar o cumprimento desta obrigação legal;
M - Esta obrigação não era de difícil cumprimento, tanto mais que a recorrida é uma empresa de grande dimensão e de estrutura altamente profissional;
N - A nulidade não decorre da atuação do recorrente mas sim da Gn... e também da recorrida, que omitiu o seu dever de fiscalização;
O - O recorrente sempre agiu de boa-fé perante a recorrida, só não pagando a obrigação existente porque a lei o impede e não por vontade própria;
P - Não houve um comportamento do recorrente - ou da Gn... - visando induzir a recorrida em erro quanto ao cumprimento da Lei dos Compromissos;
Q - A recorrida pode demandar os responsáveis pela violação da lei, pelo que não fica desprotegida;
R - Não foi produzida prova sobre a boa ou má-fé das partes quando negociaram o contrato ou as suas renovações;
S - Não há fundamentos para que o Tribunal possa afastar o efeito anulatório;
T - Se o efeito anulatório for levantado só são devidos juros de mora desde a data em que a obrigação se tornou válida, ou seja desde a sentença, pois só nessa altura a obrigação se torna exigível;
U - A douta sentença em crise viola os arts. 5º e 9º da Lei 8/2012, bem como o art. 289º do C. Civil, pelo que deve ser revogada e substituída por decisão que julgue a ação totalmente improcedente.
V - Ainda que assim se não entenda, sempre deve ser revogada a condenação do recorrente no pagamento dos juros de mora que se tenham vencido antes da prolação da douta sentença.
Termos em que, e nos melhores de direito,
I - Deve o presente recurso ser julgado procedente, sendo alterada a decisão proferida sobre a matéria de facto e revogada a sentença em crise, proferindo-se decisão que julgue a ação improcedente,
II - Caso assim se não entenda deve ser revogada a condenação do recorrente no pagamento de juros de mora vencidos antes da sentença, assim fazendo V.ª Exas, como habitualmente, inteira e sã Justiça.”
*
A aqui Recorrida/PCS veio a apresentar as suas Contra-alegações de Recurso em 31 de janeiro de 2019, nas quais concluiu:
1 - Pretendo o recorrente impugnar a matéria de facto em que assenta decisão da 1º instância com recurso à prova testemunhal produzida, estava tal desiderato sujeito ao ónus previsto no artº 640, nº 2, a) do CPC (aplicável ex-vi artº 1º do CPTA).
2 - Bem visto o corpo das Alegações que motivam o recurso, constata-se que em lado algum o R dá cumprimento a este ónus processual em sede de impugnação da matéria de facto fixada, e também, nem que seja de forma sintética, o leva às correspetivas Conclusões.
3 - Motivos estes pelos quais este segmento do seu recurso, relativo ou baseado na impugnação da decisão sobre a matéria de facto fixada, deve ser rejeitado nos termos dos atº 145º, nº 2, b) do CPTA e 640º, nº 2, a) do CPC (ex-vi artº 1º do CPTA). Para além disso, e sem se conceder;
4 – Baseia-se tal vertente do recurso no que á matéria de facto respeita nos pontos nº 11º, 12º, 13º e 15º da fundamentação da Sentença, pontos de facto este todos dados por assentes com base em acordo das partes na audiência de 20.9.18, tal como resulta da respetiva Ata de fls..
5 - Assim sendo, não é de todo admissível, nem legitimo, que venha a R, ora Recorrente impugnar, à posteriori e em sede de recurso, matéria de facto relativamente à qual deu o seu acordo e assentimento expresso.
6 – Para além disso, os pontos da matéria de facto concretamente impugnados pelo recorrente, não podem ser objeto da revisão e alteração pretendida pelo R, e isto porque;
7 – Por um lado, correspondem a asserções nunca alegadas pelo T na Contestação (artº 342º do C. Civil e artº 83º, nº 1 do CPTA), e de cariz conclusivo ou adjetivo, que tem a sua sede própria quando da análise de mérito da demais factualidade, e não em sede de instrução e de resposta à matéria de facto (artº 607º, nº 3 in fine e 608º do CPC, e artº 94º, nº 2 do CPTA);
8 – Por outro lado, da análise critica e devidamente conjugada da demais prova documental e da resultante do depoimento das testemunhas Eduardo Manuel Oliveira Soares, e António Carlos Sousa Pinto, e declarações de parte de Luís Pedro Louro Duarte Pereira, todos devidamente identificados, situados e transcritos no corpo das presentes, não permite sufragar as conclusões de facto advogadas pelo recorrente.
9 – Ao exposto e plano jurídico-contratual, acresce que quer no plano conceptual e no que á respetiva figura jurídica diz respeito (artº 424º do Cód Civil), quer do clausulado do acordo de cessão da posição contratual concretamente em causa e correspetivos pressupostos (expressos) de celebração, não resulta qualquer delimitação ou exclusão da responsabilidade obrigacional do cessionário ora R relativamente às dividas de pretérito, nem que tivesse para tal efeito de ser expressamente previsto no mesmo acordo clausula que previsse tal obrigação de pagamento.
10 – Muito menos ainda, face à forma como foi predisposto pelo R tal clausulado do acordo - ou seja, à mera outorga da A -, e aos pressupostos prévios e contemporâneos em que assentou a atuação e adesão desta a tal cessão da posição contratual, e que indiciavam a assunção e regularização por parte do R dos créditos vencidos e não pagos.
11 – E isto é tanto ou mais evidente quando se tem presente que do Plano de dissolução/liquidação da Atividade da Gn... EEM, junto aos autos (doc. 3 da PI), consta expressa e especificamente a págs. 13 que é assumido que a Gn..., “no âmbito das suas possibilidades económicas e até 31 de Dezembro de 2013, cumpra os seus compromissos financeiros, pelo que após esta data, considerando a transferência de todos os ativos e passivos da Gn... EEM para o Município, este deverá assumir todos os compromissos financeiros da empresa”14 – Fls. 35 a 38 e 52 do processo físico.
12 – Para além disso, e mesmo que assim não se entenda, o que por mero dever de patrocínio de concede, e a propósito dos pressupostos em que laborava e sempre atuou a A, credora e ora recorrida, acresce o seguinte;
13 – Ao contrário do ora invocado pelo R para efeito da derrogação do efeito invalidante previsto no artº 5º da designada LCPA no caso sub judice, é relativamente indiferente a boa, ou má-fé, do credor demandado. Com efeito;
14 – O que o legislador consagrou no nº 4 do referido artº 5º como critérios decisivos para o efeito - em função do balanceamento que deve fazer o julgador -, foi a eventual desproporcionalidade da consequência anulatória (i), ou o facto da mesma ser atentatória da boa-fé (ii).
15 - Basta que tenha sido defraudado o credor (e prestador de serviço) de boa-fé (i), ou que aquela cominação se revele, bem ponderadas as coisas, uma consequência desproporcionada (ii).
16 - Tendo sido estes, e não outros, os critérios eleitos pela lei para derrogação da cominação invalidante do compromisso, todo o argumentário do recorrente sobre esta matéria, assente na tentativa de demonstrar a inexistência de má-fé por parte do R, nos parece despiciendo e inconsequente.
17 – O mesmo já não se dirá do investimento de confiança da, somado a algo que não é de menos importância, ou seja, o tratar-se de uma atividade de prestação de serviços de mão-de-obra intensiva em que o principal fator de custo é a mão-de-obra (cerca de 80% a 90% do custo do serviço).
18 - Pessoal vigilante que a A não obstante não receber, sempre suportou e pagou mensal e pontualmente, e o qual foi mantendo ao serviço sem receber.
19 - Ao exposto, acresce que ao longo do período pelo qual se foi prolongado a mora no pagamento, sempre nas conversações havidas pelos Diretores da A, primeiro com os representantes da Gn... EM, e depois com os do R, a promessa dos representantes destas era a de que o pagamento acabaria por ser feito, e assim iam pedindo ou ganhando tempo (veja-se o transcrito na parte II supra).
20 - Conjunto de factos e circunstâncias estes que para nós são piramidais para sopesar a nulidade, à luz dos interesses em causa e do critério da boa-fé, nos quais se deve basear a sanação dos efeitos da mesma (artº 5º, nº 4 da LCPA).
21 - Esta confiança ou fé – no fundo, boa-fé - da A ao longo de todo este processo, foi também cimentada nas deliberações do R, e nas comunicações e informações a que teve acesso, tal como estas lhe foram veiculadas e se encontram documentadas nos autos.
22 - Neste contexto de factos e de circunstâncias, e à luz do princípio da Boa-fé, por um lado, e do escopo excecional que justifica a previsão daquele regime de nulidade dos compromissos da LCPA, por outro, o R acaba por se defender com base em argumento material para o qual a atuação de qualquer uma das entidades (empresarial e autárquica) foi determinante.
23 - Atuação característica de um venire contra factum proprium que torna ilegítima, por manifestamente abusiva, a invocação daquela nulidade por parte do R (artº 334º do Código Civil).
23 – Por outro lado, a LCPA entrou em vigor no dia 1 de Março de 2012 (artº 17º da Lei nº 8/2012), sendo que a sua aplicação ainda estava depende da publicação e entrada em vigor do competente Dec. Lei de regulamentação, o qual só posteriormente foi publicado e entrou em vigor no dia 22.6.2012 (artº 14º da LCPA, e 24º do DL nº 127/2012 de 21/6).
24 - Como é sabido e consabido, quanto se trata de regimes que consagram requisitos de validade e de forma, a lei só se aplica aos factos novos (artº 12º, nº 2 do Código Civil),
25 - Acrescendo que a LCPA, no que versa ao regime excecional de proibição do direito dos particulares de receberem qualquer pagamento pelos serviços prestados ou de terem direito ao ressarcimento, em caso de nulidade contratual, traduz um regime restritivo dos direitos dos particulares que pode ter aplicação retroativa, sob pena de inconstitucionalidade da regra do nº 4 do artº 5º daquela (artº 22º, nº 3 da CRP).
26 - O compromisso do qual brota a divida que sustenta o pedido de condenação na obrigação de pagamento é o Contrato de Prestação de Serviços de Segurança celebrado em 2.1.2002 (doc. 1 da PI), que não é facto novo; Ou seja, é de data anterior á entrada em vigor da LCPA.
27 - Não tem, nem pode ter, por isso, aquele regime que comina como nulo tal compromisso (de base contratual), aplicação à presente relação contratual e da qual nasce a obrigação de pagamento objeto do pedido de condenação.
27 – Não bastasse o supre exposto e tal como reconhecido por alguma Doutrina, com estribo na Jurisprudência citada no corpo das presentes, a regra jurídica que, por interpretação do previsto conjugadamente nos artº5º, nº 3 e 5, e artº 9 da LCPA, comina como nulidade insuscetível de ressarcimento ou reconstituição por parte o Estado e demais entidade públicas, a falta do numero de compromisso válido e sequencial, é inconstitucional.
28 – E é-o, em suma, por violação do Princípio da Proporcionalidade na vertente da proibição do excesso característico do nosso Estado de Direito democrático, e decorrente da conjugação dos artº 2º, 17º, 18º, nº 2 e 3, 22º e 61º da CRP, daqui decorrendo a inaplicabilidade de tal cominação à luz dos artº 277º, nº 1 e 207º da CRP.
29 – Finalmente, e no que tange á obrigação de juros e respetiva contagem, para dizer que também não procede a pretensão do R, porquanto a decisão prolatada nesta matéria até foi generosa para o recorrente. Na verdade;
30 – Seja juridicamente perspetivada a condenação do R no cumprimento de obrigação de pagamento de preço de origem e natureza contratual, cujo incumprimento origina uma situação de mora, seja como com o mesmo conteúdo e valor, mas agora como obrigação de restituição do valor prestado ao abrigo do regime da nulidade do artº 289º, nº 1 do Código Civil, nunca poderia proceder a alegação do R.
31 - No primeiro caso, os juros de mora vencem-se a contar do termo de prazo de pagamento da correspetiva faturação do preço por via do previsto nos artº 804º, nº1, 805º, nº 2, a) e 806º, nº 1 do Código Civil, pelo que tendo o Tribunal a quo condenado só a partir do momento da citação do R para demanda, este até saiu beneficiado.
32 - Já na segunda hipótese, reconhecida e declarada tal nulidade a mesma implica a obrigação de restituição em espécie, ou em valor se aquela não for possível, de tudo aquilo que tiver sido prestado com efeito retroativo (artº 289º do C Civil)15.
33 - No caso em apreço a A prestou os serviços em causa, que tinham o valor alegado e documentado nos autos, o qual não sendo passível de ser reposto em espécie, porque tal serviço se esgota com a sua prestação de facto, tem o correspetivo valor que ser restituído á A16.
34 - Acrescendo sobre tal valor os juros de mora peticionados, na medida em que tal obrigação de restituição (do indevido) existe a partir do momento em que o beneficiário do serviço indevidamente prestado, seja ele qual for, estiver de má-fé, ou deixar de estar de boa-fé – artº 6º, 289º, nº 3, 1270 e 1271º todos do C. Civil.
35 - Tendo quer a Gn... ab inito e ao longo da maior parte do tempo, quer depois da Cesão da Posição Contratual, o ora R, beneficiado dos serviços, que nunca puseram em causa e não podiam deixar de conhecer e ter presentes;
15 Vide Ac. do STA de 17.2.2008 – Rec 301/08 in www.dgsi.pt.
16 Ver, por analogia, Ac do STA de 18.2.2010 – Rec 379/07.
36 – E de tal forma que a Gn... até reconheceu a existência da divida mediante acordo expresso e documentado nos autos (doc. 2 da PI), e a R sabedora de tudo isto, veio a assumir a posição contratual daquela, nos exatos termos em que a mesma decorria do contrato de prestação de serviços inicial;
37 - Parece-nos legitimo concluir que o R, se encontra adstrito à obrigação de restituição dos frutos civis – juros – produzidos pela quantia pecuniária que a A deixou de perceber (traduzida na respetiva faturação), após a realização da sua prestação, e da qual o R tinha de ter perfeita noção e consciência da obrigação de restituição (artº 6º e 1271º do Cód. Civil).
38 - Pelo que, tendo o Tribunal a quo condenado só a partir do momento da citação do R para demanda, este até saiu beneficiado, não lhe assistindo razão no seu pedido de revisão da medida da condenação na obrigação de juros.
Termos nos quais se considera improcedente e não provado o recurso do Réu, devendo manter-se a decisão recorrida, como é de inteiro Mérito e Justiça!
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O Recurso Jurisdicional apresentado, veio a ser admitido por Despacho de 6 de fevereiro de 2019.
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O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 7 de março de 2019, nada veio dizer, requerer ou Promover.
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Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, onde se invoca, designadamente, “que não foi feita uma correta aplicação do direito aos factos em discussão, padecendo de erro de julgamento da matéria de facto que impugna a decisão final”.
III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo considerou a seguinte factualidade:
1.º A Autora é uma empresa de segurança privada que tem como objeto a prestação de serviços de vigilância e segurança, por conta e à ordem de terceiros clientes, atividade que é designada de segurança privada e regulada pela Lei da Segurança Privada, aprovada pela Lei n.? 34/2013 de 16 de Maio.
2.º No dia 02 de Janeiro de 2002, a Autora celebrou com a Gn...- Equipamentos Municipais, E.M. um contrato de prestação de serviços de vigilância (n.? 1.605/02), contrato esse foi sendo sucessivamente renovado por acordo das partes (vide doe. 1).
3.º No âmbito de tal contrato, e nos anos de 2009, 2010,211 e 2012 a Autora prestou, efetivamente, serviços de segurança privada (vigilância estática) à Gn...- Equipamentos Municipais, EEM., pessoa coletiva n." 50…05, com sede na Rua T…- Santa Marinha, 4400-000 VNG, os quais não foram pagos por esta última.
4.º Assim, e tendo em vista a regularização da dívida, em 17 de Dezembro de 2012, a Gn...- Equipamentos Municipais, E.EM. celebrou um acordo de Reconhecimento de Dívida e Plano de Pagamento com a Autora.
5.º No âmbito de tal acordo, a referida Gn... reconheceu dever à ora Autora, a quantia total de € 993.285,27 (novecentos e noventa e três mil, duzentos e oitenta e cinco euros e vinte e sete cêntimos), relativa a serviços de segurança efetivamente prestados pela Autora à Gn...- cfr. doc. 1.
6.º Tal acordo previa o pagamento da dívida referente ao ano de 2011 (€ 553.145,75), até 31 de Julho de 2013. O remanescente da dívida vencida (no montante de € 440.139,52) seria pago até 31 de Dezembro de 2013, em 09 prestações mensais, no valor unitário de € 48.904,39 (vide doc. 1).
7.º No âmbito do referido acordo, a referida Gn... apenas logrou pagar a quantia de € 436.718,66 (quatrocentos e trinta e seis mil, setecentos e dezoito euros e sessenta e seis cêntimos), ficando por pagar a quantia de € 556.566,61 (quinhentos e cinquenta e seis mil, quinhentos e sessenta e seis euros e sessenta e um cêntimos).
8.º No dia 09 de Dezembro de 2013, a referida Gn..., através de carta registada, endereçada à ora Autora, informou que estava impedida de liquidar a quantia em causa (à data, no montante de €951.880,77), em virtude do resultado da auditoria realizada à situação económico-financeira, encontrando-se em processo de dissolução e liquidação, ao abrigo da Lei n.? 50/2012, de 31 de Agosto (cfr. doe. 3 e 4).
9.º Segundo o que consta na missiva enviada pela referida Gn... à ora Autora, a despesa assumida pela primeira foi concretizada num quadro de inexistência de fundos disponíveis, violando esta o estabelecido no n.º 1 do art. 5.° e do art. 9.° da Lei n.º 8/2012, de 21/02 (Lei dos Compromissos e Pagamentos em Atraso), bem como no n.º 2 do art.º do DL n.º 127/2012 de 21/06. Como efeito;
10.º Todas as atividades da Gn... foram integradas no Município de VNG, conforme doc. 5 que se junta em anexo à presente.
11.º Como consequência da dissolução/liquidação da Gn..., o Município de VNG assumiu a posição contratual da Gn..., E.EM.
12.º Para tal, foi celebrado um contrato de cessão de posição contratual entre a Gn... e o Município de VNG e PCS, Lda., em 01 de Maio de 2014, cfr. doc. 7 que se junta à presente, e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
13.º Sucede, porém, que desde 04/04/2014, o R., que assumiu a posição contratual da Gn..., nada mais pagou à Autora.
14.º No âmbito do referido acordo, continuam em dívida os valores ínsitos nas faturas descritas no artigo 14.º da petição inicial.
15.º Posteriormente ao referido acordo, continuaram a ser prestados serviços de segurança privada pela A. ao R., os quais, até à data, também não foram pagos pelo R. no prazo de 30 dias a contar da respetiva data de emissão das faturas indicadas no artigo 15.º da p.i., até à fatura V14P30006980.
16.º Inexiste número sequencial de compromisso relativamente ao contrato referido no artigo 12.º da petição inicial.
*
IV – Do Direito
O recurso jurisdicional em análise foi interposto pelo Município de VNG, relativamente à presente Ação intentada pela PCS, Lda. tendente ao pagamento de um conjunto identificado e discriminado de faturas relativas a serviços de vigilância prestados à “Gn...” de quem o Município assumiu a correspondente posição contratual, tendo o Tribunal a quo decidido julgar a Ação procedente.
No que ao direito concerne e no que aqui releva, discorreu-se em 1ª instância:
“O “Contrato de Cessão de Posição Contratual”, de 01/05/2014, patente nas fls. 75 e 76 do processo físico, tem na sua origem uma circunstância que, em parte, justifica a necessidade da sua elaboração: o processo de dissolução/liquidação da empresa municipal “Gn...” (cf. os considerandos das alíneas B) e C) - cf. verso da fl. 75 do processo físico).
E bem se compreende que assim tenha sido, posto que, importava não deixar cair no vazio e na inoperância as atribuições de interesse público municipal acometidas originariamente à cedente, designadamente, a prossecução das atividades desenvolvidas nos seus equipamentos e prestadas à população.
Portanto, por razões óbvias de interesse público, alguém deveria continuar a prestar tais atividades, razão pela qual o Município de VNG, enquanto sócio da “Gn...”, aceitou o desígnio de prosseguir com as mesmas.
(...)
Vejamos o que dita o artigo 424.º, n.º 1, do Código Civil (CC): “No contrato com prestações recíprocas, qualquer das partes tem a faculdade de transmitir a terceiro a sua posição contratual, desde que o outro contraente, antes ou depois da celebração do contrato, consinta na transmissão.”.
(...)
Identifiquemos o que realmente foi cedido. Para tanto, veja-se o que vem aposto no considerando vertido na alínea E) do contrato de cessão: “A Primeira e a Terceira Contraentes [leia-se a “Gn...” e a ora A.] celebraram o contrato de prestação de serviços de vigilância n.º 1.605/02 e respetiva adenda, contrato esse e adenda cuja fotocópia se junta ao presente do qual faz parte integrante (Anexo I)”. E repare-se o que se encontra expresso na cláusula primeira do contrato de cessão: “A Primeira Contraente cede ao Segundo Contraente e este aceita, a posição contratual emergente para aquela do contrato referido no considerando E)”.
O que da conjugação dos termos contratuais atrás dimana é que o Município de VNG aceita a posição contratual que resultava para a “Gn...” no âmbito do contrato de vigilância de 2002, originariamente outorgado com a ora A., cujos valores do incumprimento da prestação de pagamento por parte da “Gn...” se discute nesta demanda e que, por efeito do contrato de cessão, passaram para a responsabilidade do Município de VNG.
(...)
Por conseguinte, a cessão da posição contratual é global e indivisível, só podendo significar que todas as prestações contratuais foram cedidas ao Município de VNG, incluindo, claro está, todas as obrigações incumpridas de pagamento, passadas e futuras, desde que associadas ao contrato originário de vigilância e aos serviços prestados pela ora Impetrante.
(...)
Do excerto acabado de supra transcrever resulta claramente que a “Gn...” só terá de cumprir as responsabilidades financeiras assumidas com os seus prestadores de serviço e bens dentro daquilo que o seu orçamento permitir até 31/12/2013, passando o Município de VNG, depois desta data, a assumir ele próprio todos os compromissos financeiros passados e futuros, atenta a referência à “transferência de todos os ativos e passivos”.
Nesta senda, a outorga do aludido contrato de cessão da posição contratual em data posterior, 01/05/2014, permite ao Tribunal inferir que a “Gn...”, até 31/12/2013, não conseguiu ter disponibilidade financeira para solver os pagamentos em falta e devidos pela execução do contrato de vigilância outorgado em 2002 e respectivas renovações, cuja responsabilidade passa para o Município de VNG por duas vias: pelo próprio plano de dissolução/liquidação, mas, mormente, por efeito do mencionado contrato de cessão.
Mas, se a prova documental tida em conta nos parágrafos antecedentes não fosse suficiente para as conclusões que aí explanámos, que é, considera-se que a prova testemunhal apresentada pela Impetrante em audiência de julgamento confirma bem que o acordo de cessão da posição contratual em que interveio a demandante teve por objeto as dívidas passadas, ou seja, os valores atinentes às faturas indicadas no ponto 14.º do probatório.
(...)
Em suma, conclui-se que, por via do contrato de cessão de posição contratual outorgado entre a “Gn...”, o R. Município e a A., os compromissos financeiros resultantes das atividades desenvolvidas pela “Gn...” e por esta empresa municipal assumidos no passado, entre eles, os pagamentos alegadamente devidos à A. e indicados na p.i., também foram cedidos para a responsabilidade do Município de VNG.
Ultrapassada que foi a questão supra colocada, importa agora perscrutar, conforme atrás se anunciou, se o R. Município pode opor-se ao pagamento de tais responsabilidades financeiras e contratualmente assumidas com base no artigo 5.º, n.º 3, da Lei dos Compromissos, e se o efeito “anulatório” resultante da aplicação de tal comando legal pode ser afastado, no caso vertente, por este Tribunal.
O comando legal supra citado preceitua que “Os sistemas de contabilidade de suporte à execução do orçamento emitem um número de compromisso válido e sequencial que é refletido na ordem de compra, nota de encomenda, ou documento equivalente, e sem o qual o contrato ou a obrigação subjacente em causa, são, para todos os efeitos, nulos”.
Dimana do ponto 16.º do probatório que “Inexiste número sequencial de compromisso relativamente ao contrato referido no artigo 12.º da petição inicial”. É com base neste argumento que o R., em sede de contestação, justifica a impossibilidade de poder pagar à A. os serviços de vigilância resultantes do contrato inicial e das suas renovações.
Por seu turno, o n.º 4 do artigo 5.º da Lei dos Compromissos estipula que “O efeito anulatório previsto no número anterior pode ser afastado por decisão judicial ou arbitral, quando, ponderados os interesses públicos e privados em presença e a gravidade da ofensa geradora do vício do ato procedimental em causa, a anulação do contrato ou da obrigação se revele desproporcionada ou contrária à boa-fé”.
No caso em apreço, em virtude de um contrato livremente celebrado entre a A. e uma empresa municipal, cuja posição contratual foi cedida integralmente para o ora R. Município, foram assumidas pelos respetivos contraentes as prestações que a cada um competia cumprir: a A. assumiu a obrigação de prestar os serviços de vigilância estática nas instalações geridas pela referida empresa municipal; e esta, por seu lado, cumpria a obrigação de pagamento, remunerando a Impetrante pelos serviços prestados. Esta foi a base contratual inicialmente tida em conta pela A. quando outorgou o contrato inicial em 2002 e aquela que naturalmente foi decorrendo das renovações contratuais.
Portanto, a problemática da aplicação da Lei dos Compromissos só vem a colocar-se quando a relação contratual entre a A. e a empresa municipal “Gn...” já perdurava há cerca de uma década. E veja-se bem que, ao longo desses anos, nem a “Gn...”, nem agora o R. Município, alguma vez recusaram os serviços de vigilância prestados pela Autora. Antes pelo contrário, o R. Município assume sem qualquer dúvida que esses serviços foram efetivamente prestados pela A. (cf. ponto 3.º do probatório), alegando, todavia, em sede de contestação, que só não os paga por conta do impedimento legal que de forma superveniente foi aprovado pela Lei dos Compromissos.
Aliás, o R. Município também aceita que, no âmbito do acordo de regularização de dívida e plano de pagamento (cf. o ponto 4.º do probatório), ainda continuam em dívida os valores ínsitos nas faturas descritas no artigo 14.º da petição inicial, dizendo, de igual modo, que, posteriormente ao referido acordo, continuaram a ser prestados serviços de segurança privada pela A. ao R., os quais, até à data, também não foram pagos pelo Impetrado no prazo de 30 dias a contar da respetiva data de emissão das faturas indicadas no artigo 15.º da p.i., até à fatura V14P30006980.
Por conseguinte, o R., por si e como cessionário da posição contratual da “Gn...”, reconhece que os serviços de vigilância foram prestados, que as entidades públicas em causa dos mesmos usufruíram, bem como, aceita a dívida resultante do seu não pagamento no prazo definido pelos contraentes. Mas, para não proceder ao pagamento dos valores em questão, o R. invoca o incumprimento de uma formalidade (a não emissão do número de compromisso válido e sequencial) - que, repare-se bem, é da sua iniciativa e responsabilidade, nada podendo a A. fazer para que tal formalidade se concretize -, para, assim, eximir-se às suas responsabilidades financeiras sobre um serviço que quis contratar e do mesmo beneficiou.
O cenário acabado de traçar consubstancia um claro “venire contra factum proprium”, ofensivo da boa-fé com que a A. se decidiu abalançar para a outorga do contrato e para o cumprimento das obrigações que do mesmo resultam. Mas não só, traduz igualmente uma ofensa ao princípio da proteção da confiança que a atuação da contraparte deve suscitar na outra.
(...)
Sobre um caso em tudo idêntico ao ora tratado nestes autos já o Venerando TCAN se pronunciou, chamando-se à colação o douto acórdão de 08/04/2016, proferido no processo n.º 02730/14.0BEPRT, “in” www.dgsi.pt, acolhendo-se aqui os seus fundamentos e decisão, conforme excerto que se passa a transcrever: “…Se mais razões não houvesse e para além do reconhecimento formal da divida, a União das Freguesias ainda chegou a pagar três das prestações a que se havia comprometido a pagar, o que desde logo reforça o reconhecimento da existência de divida. Em bom rigor, a União das Freguesias, após realizadas as festas de 2013, e depois de ter usufruído dos serviços contratados, veio a invocar uma irregularidade formal da sua inteira responsabilidade, para não pagar as faturas decorrentes do contrato que livremente estabelecera, o que desde logo se consubstancia num manifesto «venire contra factum proprium». Como resulta, de jurisprudência perfeitamente consolidada haverá «venire contra factum proprium» quando alguém assume uma posição jurídica em contradição com o comportamento pelo mesmo assumido anteriormente. A proibição do «venire contra factum proprium» reconduz-se à doutrina da confiança, pressupondo, como elemento subjetivo, que o confiante adira realmente ao facto gerador da confiança. Pode ler-se, designadamente no sumário do Acórdão do Colendo STJ nº 464/11.2TBGRD-A.C1.S1, de 12-11-2013, que “São pressupostos desta modalidade de abuso do direito – venire contra factum proprium – os seguintes: a existência dum comportamento anterior do agente suscetível de basear uma situação objetiva de confiança; a imputabilidade das duas condutas (anterior e atual) ao agente; a boa-fé do lesado (confiante); a existência dum “investimento de confiança”, traduzido no desenvolvimento duma atividade com base no factum proprium; o nexo causal entre a situação objetiva de confiança e o “investimento” que nela assentou. O princípio da confiança é um princípio ético fundamental de que a ordem jurídica em momento algum se alheia; está presente, desde logo, na norma do art. 334.º do CC, que, ao falar nos limites impostos pela boa-fé ao exercício dos direitos, pretende por essa via assegurar a proteção da confiança legítima que o comportamento contraditório do titular do direito possa ter gerado na contraparte.” Resulta dos elementos disponíveis nos autos que a originária Junta de Freguesia criou legitima expetativa de que assumiria e cumpriria integralmente as suas obrigações. Decorrente do que supra ficou dito, importa verificar se não se mostrarão preenchidos os requisitos que permitirão sanar a nulidade do contrato, em resultado da ponderação dos interesses públicos e privados em presença, ou perante a constatação de que a referida nulidade se mostre desproporcionada ou contrária à boa-fé, à luz do transcrito nº 4 do Artº 5º da Lei nº 8/2012. O que se decidirá, não afastará, em qualquer caso, o referido imediatamente antes do segmento decisório da Sentença Recorrida, onde se afirma que, o decidido não invalidará a “responsabilidade civil, criminal, disciplinar e financeira dos titulares de cargos políticos, dirigentes, gestores ou responsáveis pela contabilidade que tiverem assumido o compromisso em causa, nos termos do art.º 11º, n.º 1 da LPCA.” Em qualquer caso, e como tem vindo a ser reconhecido pela Jurisprudência, designadamente deste TCAN, mal se compreenderia que uma entidade pública pudesse beneficiar de um qualquer serviço, para depois não proceder ao correspondente pagamento, a pretexto da invalidade do contrato, da sua responsabilidade (Cfr. Acórdão nº 636/14BEVIS TCAN de 22-01-2016). Com efeito, a nulidade do contrato não implica a desresponsabilização da entidade pública, sendo que o Estado e as pessoas coletivas de direito público respondem sempre, quer exclusivamente, no caso de culpa leve (Cfr. n.º 1 do artigo 7.º da Lei nº 67/2007), quer, em caso de dolo ou culpa grave, de forma solidária com os respetivos titulares de órgãos, funcionários e agentes, se as ações ou omissões ilícitas tiverem sido cometidas por estes no exercício das suas funções e por causa desse exercício (Cfr. artigo 8.º, n.º 3, da mesma Lei).
Acresce ainda à argumentação aduzida o explicitado no sumário do Acórdão também deste TCAN nº 949/11BEBRG, de 17/04/2015, onde se refere que “(…) Tal como relativamente aos serviços prestados ao abrigo de um contrato entretanto declarado nulo, perante a inexistência de um contrato, resultante da sua caducidade, e continuando a ser prestados os serviços anteriormente contratualizados, sem oposição, enquanto “Contrato de facto”, tais serviços terão de ser remunerados. A inexistência de contrato, por caducidade do mesmo, não autoriza “a ilação de que o negócio jurídico seja equivalente a um nada, tal como se pura e simplesmente não tivesse acontecido.” Tendo a aqui Recorrente prestado o serviço convencionado com a Junta de Freguesia, o que esta reconhece, não poderá esta deixar de lhe pagar o valor convencionado, independentemente da responsabilidade civil, financeira e disciplinar da Junta de Freguesia dos seus órgãos e Presidente, o que aqui não importa apurar. Com efeito, não obstante a nulidade contratual decorrente do incumprimento do estatuído na Lei nº 8/2012, imputável à Junta de Freguesia, tendo o convencionado sido satisfeito pela aqui Recorrente, não deverá ser facultada à Junta de Freguesia a possibilidade de faltar ao correspondente pagamento, uma vez prestado o serviço. Se é certo que a nulidade do contrato implica que deva ser restituído tudo o que tiver sido prestado (art.º 285.º, n.º 1 do C. Civil), em qualquer caso, assim não será linearmente nos contratos nos quais uma das partes beneficie de um serviço, como é o caso dos autos. Escreveu-se no acórdão do Colendo STA, de 24.10.06, p.º 732/05, aqui aplicável igualmente mutatis mutandis, que “o mesmo é dizer que o mecanismo do art. 289º/1 do C. Civil, com eficácia ex tunc, na sua radicalidade, se não se neutralizarem os efeitos da nulidade em relação às prestações já efetuadas, não assegura a restituição de tudo o que foi prestado. Resultado este que não cumpre a teleologia do próprio preceito e que se aliado à inaplicação do instituto de enriquecimento sem causa, é de uma injustiça flagrante e impele o intérprete a procurar outra via para realizar a maior justiça possível (vide Karl Larenz, “Metodologia da Ciência do Direito”, p. 398). Como se diz também no acórdão do STJ de 2002.07.11 “(…) Poder-se-ia argumentar que pela eficácia retroativa da declaração de nulidade (artigo 289º, nº 1) tudo se passa como se o contrato não tivesse sido celebrado, ou produzido quaisquer efeitos, nessa medida se impondo inelutavelmente a restituição das aludidas importâncias solvidas em sua execução. Todavia, a nulidade, conquanto tipicizada pelos mais drásticos predicados de neutralização do negócio operando efeitos interativos ex tunc, nem assim pode autorizar a ilação de que o negócio jurídico seja equivalente a um nada, tal como se pura e simplesmente não tivesse acontecido. A celebração do negócio revela-o existente como evento e por isso não está ao alcance da ordem jurídica tratar o ato realizado como se este não houvesse realmente ocorrido, mas apenas recusar-lhe a produção de efeitos jurídicos que lhe vão implicados.
Não é, por conseguinte, exata a ideia de que, mercê da nulidade, tudo se passa como se o contrato não tivesse sido celebrado ou produzido quaisquer efeitos. Bem ao invés porque o contrato é algo que na realidade aconteceu, daí precisamente a sua repercussão no subsequente relacionamento jurídico das partes. Pode na verdade suceder que os contraentes tenham efetuado prestações com fundamento no contrato nulo, ou posto em execução uma relação obrigacional duradoura, dando lugar à abertura de uma vocacionada composição inter-relacional dos interesses respetivos - v. g., a sociedade desenvolveu normalmente as suas atividades comerciais, agindo e comportando-se os fundadores como sócios por determinado período de tempo, não obstante a nulidade do contrato social; sendo nulo o contrato de trabalho, todavia o trabalhador prestara efetivamente os seus serviços à entidade patronal. Neste conspecto - e ademais quando se pretenda estar vedado no domínio específico das invalidades o recurso aos princípios do enriquecimento sem causa pelo carácter subsidiário do instituto - observa-se estar hoje generalizado o entendimento segundo o qual deve o contrato nulo ser valorado, em semelhante circunstancialismo, e no que respeita ao desenvolvimento ulterior da aludida composição entre as partes (…) como «relação contratual de facto» suscetível de fundamentar os efeitos em causa (v. g., a remuneração do trabalho prestado no quadro do contrato laboral nulo por incapacidade negocial do trabalhador), encarados agora, não como efeitos jurídico-negociais de contrato inválido, mas na dimensão de efeitos (ex lege) do ato na realidade praticado. E, assim, tratando-se de relações obrigacionais duradouras, no domínio das quais, desde que em curso de execução, encontra em princípio aplicação a figura do «contrato de facto» - «contrato imperfeito» noutra terminologia; de «errada perfeição» (…) tudo se passará, nos aspetos considerados, como se a nulidade do negócio jurídico apenas para o futuro (ex nunc) operasse os seus efeitos.” Este entendimento converge, no essencial, com as posições de Rui Alarcão (in “A Confirmação dos Negócios Anuláveis”, I, Coimbra, 1971, pág. 76, nota 101) autor que considera que «a chamada restituição em valor virá, por vezes, a traduzir-se no respeito pela execução, entretanto ocorrida, do negócio» e de António Meneses Cordeiro (in “Tratado de Direito Civil Português”, I, Parte Geral, Tomo I, p. 874) que, a propósito, escreve: “Nos contratos de execução continuada em que uma das partes beneficia do gozo de uma coisa – como no arrendamento – ou de serviços – como na empreitada, no mandato ou no depósito – a restituição em espécie não é, evidentemente, possível. Nessa altura, haverá que restituir o valor correspondente o qual, por expressa convenção das partes, não poderá deixar de ser o da contraprestação acordada. Isto é: sendo um arrendamento declarado nulo, deve o “senhorio” restituir as rendas recebidas e o “inquilino” o valor relativo ao gozo de que desfrutou e que equivale, precisamente, às rendas. Ambas as prestações restitutórias se extinguem, então, por compensação, tudo funcionando, afinal, como se não houvesse eficácia retroativa, nestes casos.” Em qualquer caso, a regra do art. 289º/1 do C. Civil, aplicada no domínio dos contratos de prestação de serviços mostra-se inadequada à sua própria teleologia, carecendo de uma restrição que permita tratar desigualmente o que é desigual, isto é, deve ser objeto de redução teleológica, (cfr. Karl Larenz, ob. cit., pp. 450/457) de molde a que, nos contratos de prestação de serviços, em que uma das partes beneficie do gozo de serviços cuja restituição em espécie não é possível, a inexistência contratual por caducidade não abranja as prestações já efetuadas. Tendo os serviços convencionados sido prestados, ao abrigo de um contrato entretanto declarado nulo, perante a inexistência de um contrato, a relação jurídica deverá ser equiparada a um “Contrato de facto”, cujos serviços terão de ser remunerados. Em linha com o Acórdão do Colendo STA nº 047638 de 21-09-2004, estando vedado o recurso aos princípios do instituto do enriquecimento sem causa, em função do carácter subsidiário deste (art. 474° C. Civil), mas tendo sido reconhecida a nulidade do contrato, deverá, no caso, a Junta de Freguesia, ser condenada no pagamento dos serviços prestados, enquanto «relação contratual de facto», à luz do nº 4 do Artº 5º da Lei nº 8/2012. Como se disse, a nulidade do contrato não autoriza “a ilação de que o negócio jurídico seja equivalente a um nada, tal como se pura e simplesmente não tivesse acontecido”. Efetivamente, da factualidade provada é possível concluir que as partes estabeleceram relações contratuais, assentes na prestação de um serviço de aluguer, montagem e desmontagem de equipamentos nas Festas de G… de 2013, serviço que foi efetivamente prestado. Acresce que a Freguesia nunca pôs em causa que o serviço faturado tenha efetivamente sido prestado. Aqui chegados, em função do facto do nº 4 do Artº 5º da Lei nº 8/2012 facultar ao Tribunal a possibilidade de sanar, por assim dizer, a nulidade verificada, e ter sido prestado o serviço convencionado, sem prejuízo de tudo quanto supra ficou dito, é manifesto que ponderados os interesses em presença, sempre se mostraria desproporcionada e contrária ao princípio da boa-fé impedir que a Sociedade prestadora do serviço ficasse impedida de receber o correspondente pagamento. Face à verificada nulidade contratual, não imputável à Recorrente, outra posição que não aquela para que se propende, conduziria a uma vantagem abusiva e injustificada por parte da Freguesia, além de que se traduziria numa desproporcionada violação do princípio da boa-fé, como se a «relação contratual de facto» resultante da nulidade verificada equivalesse a um nada. Assim, impõe-se revogar a decisão recorrida, e a condenação da União das Freguesias, nos termos do nº 4 do Artº 5º da Lei nº 8/2012, no pagamento do remanescente do valor convencionado, de 10.246,39€, mais juros de mora à taxa legal até ao efetivo pagamento…”. Em resumo, também neste caso a relação jurídica entre a A. e a “Gn...” e, agora, o R. Município, na qualidade de cessionário e segundo a amplitude atrás explicitada, não pode ser “equivalente a um nada”, mas deve ser equiparada a um “Contrato de facto”, no âmbito do qual o R. não pode ser desresponsabilizado, sob pena do efeito anulatório lançado ao contrato inicial e suas renovações se pautar por um desrespeito à boa-fé. Assim sendo, o Tribunal afasta o efeito anulatório adveniente do incumprimento do aludido requisito formal superveniente (número de compromisso válido e sequencial), devendo o R. ser condenado a pagar à A. os valores ainda em dívida, acrescido dos correspondentes juros de mora vencidos e vincendos, conforme permite o n.º 4 do artigo 5.º da Lei dos Compromissos.
Refira-se desde já que se acompanha e ratifica o essencial de tudo quanto precedentemente se expendeu na decisão recorrida, salvo, como se verá, face ao pagamento de juros, sendo que se mostraria redundante e inútil reiterar o aí afirmado ainda que, porventura, com diferente “roupagem” discursiva.
Em qualquer caso, analisemos objetivamente o Recurso.
Da matéria de facto
Suscita desde logo o recorrente a impugnação da matéria de facto fixada em 1ª instância.
Refira-se desde logo que nos termos do artº 640º, nº 2, alínea a) do CPC “sob pena de imediata rejeição do recurso”, deve o Recorrente “indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”, ónus a que o Recorrente não deu satisfação de modo circunstancial.
Como se sumariou no Acórdão deste TCAN nº 2419/13.8BEPRT, de 04.05.2018, “Em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida.”
Com efeito, pretendendo o recorrente que o tribunal ad quem procedesse à alteração da decisão do tribunal de 1 ª instância sobre a matéria de facto, sempre teria de indicar, além dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, quais os concretos meios de prova que impunham decisão divergente da adotada, o que não logrou conseguir (cfr. artº 641, nº1, do CPC).
Relativamente à gravação efetuada dos depoimentos das testemunhas, deveriam ser indicados com exatidão as passagens da gravação em que se funda o entendimento divergente, não podendo as transcrições efetuadas ser descontextualizadas e complementadas com afirmações interpretativas do Recorrente, tendentes a evidenciar o seu ponto de vista (cfr. artºs 640º, nº2 e 157º, ambos do CPC.
Como se diz no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.09.2011, no processo 1079/07.0 TVPRT.P1.S1:
“A lei impõe ao recorrente que indique (concretamente) os depoimentos em que se funda, não sendo suficiente indicar um conjunto de testemunhas que depuseram a determinado facto (mesmo que venham devidamente identificadas pelos nomes e outras referências), para depois se concluir, sem mais, que ouvidos os seus depoimentos se deveria decidir diferentemente. Importa alegar o porquê da discordância, isto é, em que é tais depoimentos contrariam a conclusão factual do tribunal recorrido, por outras palavras, importa apontar a divergência concreta entre o decidido e o que consta do depoimento ou parte dele.” E acrescenta “(…) trata-se da imposição de um ónus perfeitamente lógico e necessário, em primeiro lugar, porque ninguém está em melhor posição do que o recorrente para indicar os concretos pontos da sua discordância relativamente ao apuramento da matéria de facto indicando os concretos meios de prova constantes do registo sonoro que, em seu entendimento, fundamentam tal discordância e qual a concreta divergência detetada. Em segundo lugar, para permitir que a parte contrária conheça os argumentos concretos e devidamente delimitados do impugnante, para os poder contrariar cabalmente, assim se garantindo o devido cumprimento do princípio do contraditório”
De facto, determina o artigo 662º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, no seu n.º 1, que:
“A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”
Na interpretação deste preceito, e dos que lhe antecederam no tempo, tem sido pacífico o entendimento segundo o qual em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida (neste sentido os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 19.10.05, processo n.º 394/05, de 19.11.2008, processo n.º 601/07, de 02.06.2010, processo n.º 0161/10 e de 21.09.2010, processo n.º 01010/09; e acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte, de 06.05.2010, processo n.º 00205/07.3BEPNF, e de 14.09.2012, processo n.º 00849/05.8 BEVIS).
Isto porque o Tribunal de recurso está privado da oralidade e da imediação que determinaram a decisão de primeira instância: a gravação da prova, por sua natureza, não fornece todos os elementos que foram diretamente percecionados por quem julgou em primeira instância e que ajuda na formação da convicção sobre a credibilidade do testemunho.
Como defende Antunes Varela, no Manual de Processo Civil, 2ª edição, página 657:
“Esse contacto direto, imediato, principalmente entre o juiz e a testemunha, permite ao responsável pelo julgamento captar uma série valiosa de elementos (através do que pode perguntar, observar e depreender do depoimento, da pessoa e das reações do inquirido) sobre a realidade dos factos que a mera leitura do relato escrito do depoimento não pode facultar”.
Por outro lado, o respeito pela livre apreciação da prova por parte do tribunal de primeira instância, impõe um especial cuidado no uso dos seus poderes de reapreciação da decisão de facto, e reservar as alterações da mesma para os casos em que ela se apresente como arbitrária, por não estar racionalmente fundada, ou em que seja seguro, de acordo com as regras da lógica ou da experiência comum, que a decisão não é razoável.
Dito isto, não logrou o Recorrente Município fazer prova do invocado no que concerne à almejada alteração da matéria de facto, tanto mais que na ação está apenas em causa a invocada divida constituída entre 2009 a Abril de 2014, anterior à cessão da posição contratual, e não qualquer divida posterior.
Em qualquer caso, sempre se dirá que a factualidade que foi fixada nos impugnados pontos 11º, 12º, 13º e 15º o foi com base em acordo das partes na sessão do dia 20.9.2018, em face do que não faz sentido serem agora postos em causa.
Do acordo de cessão da posição contratual.
Entende o Recorrente, em síntese, que do contrato de cessão da posição contratual (artº 424º do Código Civil), só poderia surgir a assunção da obrigação de pagamento da divida da Gn... se tal obrigação constasse expressamente clausulada do contrato.
Correspondentemente, nada tendo sido dito no contrato de cessão quanto ao pagamento da divida anteriormente contraída pela cedente, a mesma não se transmitiria para a cessionária, o que por natureza poria em causa a cobrança de quaisquer dividas anteriores, colocando os credores numa situação insustentável.
Em bom rigor, não pode ser confundida a data de produção de efeitos da cessão da posição contratual, com os efeitos da própria cessão da posição contratual.
A cessão da posição contratual da Gn... em Liquidação (cedente), para o Município ora Réu (cessionário), foi celebrada em 1.5.2014, “nos termos e para os efeitos previstos no artº 424º, nº 1 do Código Civil”, e para produzir efeitos partir de tal data.
Na realidade, nos termos do artigo 424.º, n.º 1, do Código Civil, “No contrato com prestações recíprocas, qualquer das partes tem a faculdade de transmitir a terceiro a sua posição contratual, desde que o outro contraente, antes ou depois da celebração do contrato, consinta na transmissão”.
É certo que não consta do Contrato qualquer cláusula que exclua ou limite o âmbito dos direitos e das obrigações da cedente cuja posição jurídica é objeto da cessão, nomeadamente no que concerne à obrigação de pagamento de quaisquer dívidas já vencidas à data, pelo que será de aplicar o regime geral nos termos do qual todos os direitos e obrigações do cedente passam para a esfera jurídico-patrimonial do cessionário, incluindo o cumprimento da obrigação de pagamento a cargo do cedente, abrangendo, naturalmente, também as já vencidas.
Com efeito, resulta tipicamente da cessão da posição contratual que quem passa a figurar como parte na relação jurídica contratual é o cessionário, que assumirá os correspetivos direitos e obrigações.
Se a intenção das partes tivesse sido que o Município passasse só a assumir unicamente as obrigações de pagamento das dívidas constituídas e vencidas posteriormente à contratualização, tal teria de ter ficado expressamente referido no clausulado.
Aliás, refere-se expressamente no artigo 236.º, n.º 1, do Código Civil sobre o “sentido normal da declaração”, que “A declaração negocial vale com o sentido que um destinatário normal, colocado na posição do real destinatário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”.
Singela e elucidativamente, refere-se no clausulado de cessão que “A Primeira e a Terceira Contraentes [“Gn...” e o Município] celebraram o contrato de prestação de serviços de vigilância n.º 1.605/02 e respetiva adenda” mais se afirmando que “A Primeira Contraente cede ao Segundo Contraente e este aceita, a posição contratual emergente para aquela do contrato referido (...)”.
Como se refere na decisão de 1ª instância, “nem poderia ser de outro modo, já que, não se consente que se interprete restritivamente o contrato de cessão, no sentido de que só as atividades e equipamentos objeto de vigilância foram cedidos, quando o mesmo contrato de cessão alude expressamente a um contrato de vigilância concreto e identificado e à sua adenda, inclusive, como dele fazendo parte”.
Resulta também de forma clara e incontornável da alínea B) do Contrato de cessão que “O Município de VNG, no sentido de dar cumprimento ao disposto no nº 3 do artº 61º da Lei nº 50/2012 de 31/8, que aprova o regime Jurídico da Atividade Empresarial Local aprovou a proposta de dissolução da empresa Gn... – Equipamentos Municipais EEM e o respetivo Plano de Dissolução/liquidação da atividade da empresa, bem como a integração das suas atividades no universo municipal, na reunião da Câmara realizada em 6 de fevereiro e na reunião da assembleia municipal realizada em 13 de fevereiro, ambos do ano de 2013.”
Mais se refere no referido Plano de dissolução/liquidação da Atividade da Gn... que “no âmbito das suas possibilidades económicas e até 31 de Dezembro de 2013, cumpra os seus compromissos financeiros, pelo que após esta data, considerando a transferência de todos os ativos e passivos da Gn... EEM para o Município, este deverá assumir todos os compromissos financeiros da empresa”
Em face do que precede, mal se compreende como pode o Município entender que não é responsável pelos compromissos financeiros não satisfeitos pela Gn....
Como se afirmou na Sentença recorrida “a posição contratual é global e indivisível, só podendo significar que todas as prestações contratuais foram cedidas ao Município de VNG, incluindo, claro está, todas as obrigações incumpridas de pagamento, passadas e futuras, desde que associadas ao contrato originário de vigilância e aos serviços prestados pela ora Impetrante.
(...).
Do excerto acabado de supra transcrever resulta claramente que a “Gn...” só terá de cumprir as responsabilidades financeiras assumidas com os seus prestadores de serviço e bens dentro daquilo que o seu orçamento permitir até 31/12/2013, passando o Município de VNG, depois desta data, a assumir ele próprio todos os compromissos financeiros passados e futuros, atenta a referência à “transferência de todos os ativos e passivos”.
Em face de tudo quanto precedente se discorreu, não se vislumbram neste aspeto razões para divergir da decisão proferida em 1ª instância.
Da nulidade da obrigação e da Lei dos Compromissos – afastamento do efeito cominatório da regra.
Segundo o Recorrente Município a obrigação de pagamento em causa nos autos é nula por violação da Lei dos Compromissos, o que desde logo determinaria a sua insusceptibilidade de transmissão.
Em qualquer caso, o que o n.º 4 do artigo 5.º da Lei dos Compromissos (LCPA) estabelece que “O efeito anulatório previsto no número anterior pode ser afastado por decisão judicial ou arbitral, quando, ponderados os interesses públicos e privados em presença e a gravidade da ofensa geradora do vício do ato procedimental em causa, a anulação do contrato ou da obrigação se revele desproporcionada ou contrária à boa-fé”.
Em face do que precede, mostra-se, por natureza, comprometido o entendimento do Recorrente, tanto mais que o credor não poderá ver a sua posição inviabilizada em razão de uma qualquer engenharia financeira, exercida à sua revelia.
Já no que concerne ao afastamento do efeito cominatório da LCPA, invoca o Recorrente Município que atenta a suposta nulidade do contrato, em resultado de no mesmo não constar o número de compromisso, não será exigível ao Município o pagamento da divida aqui controvertida, atento o artº 9º, nº 1 da LCPA.
Em qualquer caso, originariamente, por Compromisso, para efeitos do artº 3º, a) LCPA, terá de se entender o contrato de prestação de serviços de segurança celebrado entre a Prossegue e a Gn....
Com efeito, a LCPA entrou em vigor no dia 1 de Março de 2012 (artº 17º da Lei nº 8/2012), sendo que a sua aplicação estava depende da entrada em vigor da sua regulamentação, a qual veio a ser publicada em 22.6.2012, por via do DL nº 127/2012, em face do que o correspondente regime só se aplicará aos factos novos, sendo que o originário compromisso aqui em causa teve a sua génese em 2.1.2002, aquando da celebração do contrato.
Mesmo que assim não seja, e tal como decidido em 1ª instância, a invocada nulidade poderia ter as suas consequências potencialmente sanadas por via do já aludido artº 5º, nº 4 da LPCA (A nulidade (...) pode ser sanada por decisão judicial quando, ponderados os interesses públicos e privados em presença, a nulidade do contrato ou da obrigação se revele desproporcionada ou contrária à boa-fé).
Assim, mesmo que se admitisse a nulidade do compromisso, sempre o município teria de suportar as dividas que contratualmente assumiu, à luz do referido nº 4 do Artº 5º da LCPA, como resultou do decidido em 1ª instância, o que aqui se ratifica e confirma.
Dos juros de mora.
No que concerne a juros, decidiu o Tribunal a quo condenar o Município no pagamento dos “juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa supletiva legal, desde a citação e até ao efetivo e integral pagamento.”
Entende o Recorrente Município que:
“É indubitável que a obrigação subjacente à dívida é nula, como o Tribunal reconhece. Sendo nula, a obrigação não pode produzir juros pois não é devida, pelo menos até que essa nulidade seja afastada.
Assim sendo, mesmo que se entenda que há fundamentos para afastar o efeito anulatório - o que se não concede - os juros de mora só podem ser contados a partir do momento que a obrigação se torna válida, ou seja, a partir da sentença. De outro modo estaria o recorrente obrigado a pagar juros de mora por uma obrigação que não podia legalmente liquidar até haver uma decisão judicial que o permitisse, o que ofenderia não só a Lei dos Compromissos como também o Código Civil, ao conferir efeitos jurídicos a uma obrigação nula, durante o período em que a nulidade existe e impede o seu cumprimento.
Destarte, a douta sentença em crise não fez correta aplicação do direito aos factos provados, violando os arts. 5º e 9º da Lei 8/2012, bem como o art. 289º do C. Civil, pelo que deve ser revogada e substituída por decisão que julgue a ação totalmente improcedente.
Ainda que assim se não entenda, sempre deve ser revogada a condenação do recorrente no pagamento dos juros de mora que se tenham vencido antes da prolação da douta sentença.”
Efetivamente, concluiu a Sentença Recorrida o seu discurso fundamentador, nos seguintes termos (Sublinhado nosso):
“Em resumo, também neste caso a relação jurídica entre a A. e a “Gn...” e, agora, o R. Município, na qualidade de cessionário e segundo a amplitude atrás explicitada, não pode ser “equivalente a um nada”, mas deve ser equiparada a um “Contrato de facto”, no âmbito do qual o R. não pode ser desresponsabilizado, sob pena do efeito anulatório lançado ao contrato inicial e suas renovações se pautar por um desrespeito à boa-fé. Assim sendo, o Tribunal afasta o efeito anulatório adveniente do incumprimento do aludido requisito formal superveniente (número de compromisso válido e sequencial), devendo o R. ser condenado a pagar à A. os valores ainda em dívida, acrescido dos correspondentes juros de mora vencidos e vincendos, conforme permite o n.º 4 do artigo 5.º da Lei dos Compromissos.
Aqui chegados, e no que concerne aos juros, acompanhamos o entendimento do Município, pois que, tendo a decisão recorrida admitido contornar nos termos do nº 4 do Artº 5º da LCPA “o efeito anulatório adveniente do incumprimento do aludido requisito formal superveniente”, naturalmente que não faria sentido a aplicação de juros anteriormente “à validação” do compromisso, pois que só com a decisão judicial se consolidou a obrigação de pagamento.
* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder parcial provimento ao Recurso, confirmando-se o sentido da decisão recorrida, ainda que, e no que concerne ao pagamento dos juros, devam os mesmos ser devidos a partir da sentença judicial.
Custas pela Recorrente (4/5) e Recorrido (1/5)
Porto, 3 de maio de 2019
Ass. Frederico de Frias Macedo Branco
Ass. Nuno Coutinho
Ass. Ricardo de Oliveira e Sousa