Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00927/18.3BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/29/2020
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:PENSÃO DE SOBREVIVÊNCIA; MONTEPIO DOS SERVIDORES DO ESTADO; CGA; COMPETÊNCIA MATERIAL;
Sumário:1 – Em bom rigor e do ponto de vista formal, a Autora, aqui Recorrente, impugnou junto do Tribunal Administrativo o segmento do ato da Caixa Geral de Aposentações que, ao determinar o valor da sua pensão de sobrevivência, procedeu à quantificação do valor supostamente em "dívida resultante da retroação", nos termos dos artigos 24° e 61° do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, de modo a que pudesse retroativamente ser contado como tempo de inscrição na CGA, para efeitos da fixação da pensão de sobrevivência, o tempo em que o subscritor esteve inscrito e a descontar para o Montepio dos Servidores do Estado.

2 – O tribunal de 1ª Instância entendeu que o quantum exigido à Autora é um "tributo" devido à CGA, não sendo isso que resulta do EPS – Estatuto das Pensões de Sobrevivência, pois decorre dos seus artigos 24° e 61° que a "dívida resultante da retroação" é alheia ao "pagamento regular de contribuições e quotizações" para a CGA.

3 - A competência material do tribunal afere-se em função do modo como o Autor configura a ação, mais concretamente, pelos termos em que se mostra estruturado o pedido e os seus fundamentos/causa de pedir, esta entendida como o facto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido.
Saber se a configuração fáctica e jurídica que os interessados dão à sua pretensão é ou não correta, ou se procedem as razões por eles invocadas, é questão que contende com o mérito do processo e que não deve interferir na decisão sobre a competência do tribunal ou da jurisdição.

4 – A “retroação” constitui singelamente um mecanismo facultativo e excecional (artigo 61°, n.º 2 do EPS) que permite aos contribuintes do então Montepio dos Servidores do Estado, ou aos seus herdeiros, migrarem do regime previdencial dessa entidade, para o regime dos pensionistas de sobrevivência da CGA, mediante o “acerto de contas” entre as quotas já pagas pelo subscritor ao Montepio dos Servidores do Estado e aquilo que, se tivesse sido caso disso, teria sido já pago à CGA no período correspondente.
Não se vislumbra pois como o referido “acerto de contas” resultante da migração entre os dois regimes contributivos possa ser qualificado como um "tributo" ou uma obrigação parafiscal, até por estamos perante uma transição facultativa, alheio à exigibilidade de dívidas tributárias.
Em bom rigor, nem sequer se está perante uma divida à CGA, mas antes e tão-só, perante a quantificação de um valor que permita que um interessado migre de um sistema previdencial para outro, mediante do pagamento dos montantes entendidos como justos e adequados tendentes à efetivação dessa transição voluntária. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:M.
Recorrido 1:Caixa Geral de Aposentações
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
M., devidamente identificada nos autos, intentou Ação Administrativa contra a Caixa Geral de Aposentações, tendente, em síntese e designadamente, à anulação do ato que procedeu à liquidação do valor em divida à CGA correspondente às prestações não efetuadas pelo seu marido (23.420,02€), entretanto falecido, por forma a que possa receber o valor entretanto fixado como pensão de sobrevivência (1.072,27€).

O Tribunal Administrativo do Porto, veio entretanto a proferir decisão em 23 de Outubro de 2019, na qual se decidiu declarar materialmente incompetente o Tribunal Administrativo para apreciar a questão em apreço, devendo os autos ser remetidos para o respetivo Tribunal Tributário.

Inconformada com a decisão proferida, veio a Autora apresentar Recurso daquela decisão para esta instância, em 18 de novembro de 2019, no qual concluiu:
“1 - A Recorrente impugnou no TAF do Porto (sub jurisdição administrativa) o ato da CGA que fixou a sua pensão de sobrevivência, no segmento em que, após nele se fixar a "dívida resultante da retroação" (artigos 24° e 61° do EPS), sujeitou tal pensão a um severo "desconto" (artigo 24°, n.º 10 do EPS) durante cinco anos.
2 - A sentença recorrida entendeu que essa liquidação corresponde a uma "obrigação contributiva" (cujo objeto seria o "pagamento regular de contribuições e quotizações" ligadas a um "sistema de segurança social") e "imposta por lei" (nos artigos 14° e 15° do EPS) - pelo que o ato impugnado teria "a natureza de ato tributário de liquidação" e a competência em razão da matéria para resolver o pleito incumbiria aos Tribunais Tributários (vide o artigo 49°, n.º 1, al, a), inciso i) do ETAF).
3 - A sentença, que se alheou do tipo legal de ato ora em causa, está intrinsecamente errada - como as razões seguintes demonstrarão.
4 - Está errada porque o mecanismo previsto nos artigos 24° e 61º do EPS é total e completamente estranho a um qualquer "pagamento regular de contribuições e quotizações" omitido nalgum tempo próprio - circunstância que de imediato distancia a "dívida resultante da retroação" da parafiscalidade (e das obrigações contributivas que lhe são inerentes).
5 - Está errada porque os artigos 14° e 15° do EPS - citados na sentença recorrida nada têm a ver com o presente caso, como acima se disse; pelo que tais normas não podem sustentar a ideia, afirmada pelo Mm." Juiz, de que a Autora veio questionar uma "obrigação contributiva".
6 - E a sentença também está errada porque conclui que o ato impugnado "assume a natureza de ato tributário de liquidação" sem demonstrar isso - pois chega a esse resultado através de uma flagrante petitio principii.
7 - Todavia, a sentença recorrida também claudica por outras e várias razões. Para decidir acerca da competência ratione materiae, a sentença tinha de surpreender a natureza do ato sob impugnação; mas isso exigia que o Mm.º Juiz atentasse no tipo legal de ato - o que ele não fez.
8 - Esse tipo legal consta do artigo 61° do EPS (e, por extensão, do artigo 24° do mesmo diploma) e tem o nome legal de "retroação". Ora, a retroação é um mecanismo facultativo e excecional (artigo 61°, n.º 2 do EPS) que permite aos contribuintes do extinto Montepio, ou aos seus herdeiros, migrarem do regime protetivo dessa entidade para o regime dos pensionistas de sobrevivência da CGA.
9 - A retroação é, portanto, uma migração entre regimes; e comporta duas operações, aliás indissoluvelmente unidas: a contagem do tempo abrangido pela retroação e um acerto de contas (entre as quotas relativas ao período da retroação e as quotas já pagas pelo subscritor ao Montepio) - sendo esse acerto de contas, propriamente, uma liquidação compensatória.
10 - As quotas relativas ao chamado período de retroação (artigo 24°, n.º 1 do EPS) correspondem à percentagem que a CGA - dentro dos descontos de quota feitos por qualquer funcionário subscritor - teria normalmente imputado na rubrica interna das pensões de sobrevivência; mas que não imputou - canalizando a totalidade das quotas dele recebidas para a rubrica das pensões de aposentação - porque o funcionário era subscritor do Montepio (isto é, estava ligado a um regime previdencial diferente e, enquanto essa ligação subsistisse, a CGA podia assumir que não pagaria aos herdeiros dele uma pensão de sobrevivência).
11 - A retroação - enquanto trânsito de um regime para outro - pressupõe que tais quotas "relativas ao período da retroação" (correspondentes a uma percentagem dentro das quotas mensalmente pagas pelo funcionário - e pagas numa percentagem do vencimento igual à de todos os outros, designadamente os funcionários nunca ligados ao Montepio) sejam calculadas e eventualmente pagas (após compensação com as quotas entregues ao Montepio) - o que constitui a "dívida resultante da retroação" (artigo 24° do EPS).
12 - Disse-se que essas quotas serão "eventualmente pagas" porque o montante delas, isto é, as percentagens que a CGA imputaria na rubrica das pensões de sobrevivência (durante o tempo reconhecido) se o subscritor não estivesse ligado ao Montepio - ainda não é a "dívida resultante da retroação".
13 - Com efeito, a "dívida resultante da retroação" apura-se através duma liquidação, em que se acertam contas: a crédito da CGA, somam-se os valores correspondentes à percentagem (das quotas pagas) que ela não encaminhou para as pensões de sobrevivência; a crédito do requerente da retroação, somam-se todas as quotas entregues ao Montepio.
14 - E, no fim desta liquidação - que, aliás, é forçosamente precedida pela contagem do tempo de inscrição relevante - pode até suceder que não exista a "dívida resultante da retroação" (cfr. o artigo 61°, n.º 4 do EPS).
15 - Assim, a retroação é um mecanismo facultativo e especialíssimo de migração entre regimes previdenciais e intrinsecamente ligado à obtenção do status de pensionista de sobrevivência. Pelo que a liquidação das percentagens a imputar pela CGA na rubrica dessas pensões ou a subsequente "dívida resultante da retroação" carecem da obrigatoriedade ou coatividade das obrigações tributárias – aliás, sempre cobráveis em execução fiscal - ou da unilateralidade que lhes é própria.
16 - Ademais, a "dívida resultante da retroação" decorre de uma liquidação de tipo compensatório - que nada tem a ver com um "tributo" a arrecadar pelo Estado. Enquanto mecanismo especialíssimo de transição entre regimes protetivos, a figura da retroação é completamente alheia à parafiscalidade.
17 - A retroação pode culminar numa liquidação favorável ao subscritor (artigo 61°, n.º 4 do EPS). Ora, isto demonstra logo que ela se inscreve num plano alheio ao da deteção e exigibilidade de dívidas tributárias - ao invés do que sentença decidiu.
18 - Aliás, antes do mecanismo da retroação se iniciar, o falecido marido da Autora nada devia à CGA, pois sempre lhe pagou as quotas mensais em percentagem do vencimento igual à de todos os funcionários - montantes a que acresceram as quotas que ele mensalmente pagava ao Montepio.
19 - A "dívida resultante da retroação" é, portanto, uma "dívida" que apenas advém (ou "resulta") da ativação de um mecanismo de migração entre regimes (a retroação); ora, esse mecanismo é administrativo - pelo que a discussão sobre o quantum da "dívida" tem de fazer-se na sub jurisdição administrativa.
20 - O tipo legal do ato de retroação comporta dois momentos: uma contagem de tempo, cujo cariz é nitidamente administrativo (por ser um pressuposto incontornável para a atribuição da qualidade de pensionista), e um acerto de verbas (entre as quotas antes pagas ao Montepio e a percentagem a imputar na rubrica das pensões de sobrevivência da CGA).
21 - Ora, seria absurdo que o destinatário de um ato desse tipo devesse atacá-lo no Tribunal Administrativo (quanto à contagem do tempo) e no Tributário (quanto à liquidação da dívida resultante da retroação). Mas é para um tal resultado que aponta a sentença sob recurso.
22 - E a própria liquidação comporta duas fases, sendo uma delas o cálculo do que o subscritor pagou ao Montepio. Ora, uma discussão acerca deste cálculo - e é de notar que a Autora colocou este tema na Petição Inicial - nada tem a ver com tributos ou parafiscalidade (pois respeita ao que o cidadão pagou, e não ao que ele deve).
23 - Assim, a sentença recorrida equivoca-se ao atribuir aos Tribunais Tributários a competência para calcular o montante das quotas pagas pelo marido da Autora ao Montepio. Mas, porque é impossível dissociar este cálculo do outro (relativo à percentagem a imputar na rubrica interna das pensões de sobrevivência), logo se vê que os dissídios sobre este género de liquidações compensatórias devem resolver-se no mesmo tribunal- e necessariamente dentro da jurisdição administrativa.
24 - Mas o tipo legal do ato impugnado diz-nos mais, pois liga-o estreitamente à pensão de sobrevivência que a CGA reconheça após operar o mecanismo da retroação.
25 - Implicitamente, a sentença recorrida cinde a "dívida resultante da retroação" da pensão de sobrevivência da recorrente. Mas essa cisão é artificial e irrealista, já que tal dívida culmina num efetivo "desconto" na pensão (artigo 24°, n.º 10 do EPS). Afinal, o verdadeiro significado do ato que a Recorrente veio atacar consiste no quantum que a CGA decidiu atribuir-lhe, a título de pensão, durante cinco anos.
26 - Ou seja: a CGA não impôs à Recorrente uma qualquer obrigação tributária - e, ao dizer isto assim, percebe-se logo que a sentença fantasiou. O que a CGA lhe impôs foi um "desconto" na pensão - que a Autora, atónita, viu inesperadamente fixada na mísera quantia líquida de 340,07€ por mês durante os próximos cinco anos.
27 - Ora, é esta fixação que a Recorrente questiona em tribunal. Os assuntos desse género, referentes à legalidade dos atos fixadores dos quanta das pensões de sobrevivência, respeitam a atos administrativos e discutem-se na sub jurisdição administrativa, que dispõe de uma preparação especial para julgar nesse campo - e não nos Tribunais Tributários, conforme a sentença decidiu.
28 - Pelo exposto, a declaração de incompetência material enunciada pela sentença recorrida fere os artigos 24° e 61° do EPS e os artigos 44°, n.º 1 e 49°, n." 1, alínea a) do ETAF, pelo que deve ser revogada, decidindo Vossas Excelências que o presente pleito prossiga na sub jurisdição administrativa do TAF do Porto os seus normais termos.
Nestes termos, requer-se a Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, que concedam provimento a esta apelação, assim fazendo inteira e sã Justiça!”

O Recurso veio a ser admitido por despacho de 27 de janeiro de 2020.
A Recorrida/CGA não veio apresentar as Contra-alegações de Recurso.

O Ministério Público junto deste Tribunal, tendo sido notificado em 28 de fevereiro de 2020, nada veio dizer, requerer ou Promover.

Foi o processo aos vistos, acompanhado do projeto de Acórdão, aos juízes Desembargadores Adjuntos, em face do que foi submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Vem suscitada relativamente à decisão recorrida a necessidade de verificar se ficou devidamente decidida a questão da competência material dos tribunais Administrativos para julgar a presente questão, à luz do Artº 4º do ETAF, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto
Não foi em 1ª Instância fixada qualquer matéria de facto dada como provada.
Efetivamente, e em qualquer caso, sempre teria de ter sido fixada a factualidade que serviu de suporte e ponto de partida à declarada incompetência material, pelo que a sua ausência constitui, só por si, uma nulidade, nos termos do Artº 607º nº 4 e 615º nº 1 alínea b) CPC.
IV – Do Direito
M. veio interpor recurso da decisão que julgou o Tribunal Administrativo materialmente incompetente para conhecer dos pedidos por si formulados.

Discorreu-se em 1ª Instância, no que ao direito concerne, o seguinte:
“(...)Apreciando.
A questão que aqui se coloca é, desde logo, a de saber qual a jurisdição competente em razão da matéria para apreciar uma ação de impugnação judicial contra uma liquidação, no valor de €23.420,03, referente a descontos de quotas para a pensão de sobrevivência que o marido da Autora não efetuou.
No caso estamos perante uma obrigação contributiva imposta por lei (artigos 14.º e 15.º do Estatuto das Pensões de Sobrevivência) de que é beneficiária a Caixa Geral de Aposentações, destinando-se, portanto, a financiar o regime previdencial público. Sucede que esta obrigação contributiva carece de um ato tributário de liquidação para determinar o quantum da obrigação contributiva, pelo que o ato praticado pela Caixa Geral de Aposentações assume a natureza de ato tributário de liquidação.
Ou seja, estamos perante um tributo que é devido à Caixa Geral de Aposentações, porque inserida no regime de financiamento das pensões do funcionalismo público e geridas por aquela entidade.
Assim, pretendendo a Autora com a presente ação a anulação da liquidação da dívida no montante de €23.420,03 (vinte e três mil, quatrocentos e vinte euros e três cêntimos), relativa ao não pagamento de quotas para a Caixa Geral de Aposentações, a apreciação da sua pretensão cabe aos tribunais tributários.
Face ao exposto, o presente litígio, pelo seu objeto, é estranho à competência dos Tribunais Administrativos de Círculo e, uma vez que a presente ação foi distribuída a este Tribunal, que funciona em agregação com o respetivo Tribunal Tributário de Primeira Instância (cfr. Decreto-Lei n.º 325/2003, de 29 de dezembro), deverão os autos ser remetidos a este último, por a questão assumir natureza tributária.”
Vejamos:
Está predominante e designadamente em causa na presente Ação a anulação do ato que procedeu à fixação do valor em divida à CGA correspondente às prestações não efetuadas pelo marido da Autora (23.420,02€), entretanto falecido, por forma a que esta pudesse receber o valor entretanto fixado como pensão de sobrevivência (1.072,27€).

Importa como ponto de partida, não perder de vista que o sistema assistencial português assenta num Regime de tipo contributivo, não podendo nem devendo pois as suas prestações ser confundidas com tributos de natureza fiscal

Efetivamente, o sistema previdencial português assenta predominantemente num esquema de autofinanciamento, tendo por base uma relação sinalagmática direta entre a obrigação legal de contribuir e o direito às prestações.

A competência de um tribunal afere-se pela forma como o autor configura a ação, definida pelo pedido e pela causa de pedir.

Como ficou dito no Acórdão do Tribunal de Conflitos nº 012/09 de 08-10-2009 “A competência (ou jurisdição) de um tribunal afere-se pela forma como o autor configura a ação, definida pelo pedido e pela causa de pedir, isto é, pelos objetivos com ela prosseguidos.”

Nos termos dos Artº s 211° n° 1 da CRP, 40° n° 1 da Lei n° 62/2013 de 26 de Agosto (LOSJ) e 64° do CPC são da competência dos Tribunais Judiciais todas as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.

Consequentemente, o ETAF (Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais), aprovado pela Lei 13/2002, de 19.02, e no seguimento de todas as alterações entretanto introduzidas, designadamente pelo DL nº 214-G/2015, definiu a competência dos tribunais Administrativos e Fiscais.

Assim, o seu art°. 4° n° 1 elenca, exemplificativamente tipos de litígios cujo objeto os insere na esfera de competência da justiça administrativa, excluindo nos seus nºs 2, 3 e 4 a sua legitimidade quanto a outros.
O ETAF consagrou um critério de definição de competência que deixou de assentar nos atos de gestão pública ou de gestão privada, entroncando, agora, em conceitos como a relação jurídica administrativa e a função administrativa.

A atribuição de competência à jurisdição administrativa depende da existência de uma relação jurídica em que um dos sujeitos, pelo menos, seja ente público (administração intervindo com poderes de autoridade, com vista à realização do interesse público), regulada por normas de direito administrativo.

Aqui em concreto, verifica-se que a Autora/M. apresentou a presente ação administrativa contra a Caixa Geral de Aposentações, peticionando globalmente:
a) A anulação do ato que fixou o valor que a Autora deverá entregar à CGA para ter direito à reclamada Pensão de Sobrevivência - 23.420,03€;
b) A Condenação da CGA a refazer o valor em questão;
c) A Condenação da CGA a devolver o valor que venha ser entendido como indevidamente já cobrado, como parcela do valor global entendido ser devido;
d) Condenar a CGA a pagar juros moratórios relativamente aos valores que venha a ser entendido terem sido indevidamente cobrados

Em bom rigor e do ponto de vista formal, a Autora, aqui Recorrente, impugnou junto do Tribunal Administrativo do Porto o segmento do ato da Caixa Geral de Aposentações que, ao determinar o valor da sua pensão de sobrevivência, procedeu à quantificação do valor supostamente em "dívida resultante da retroação", nos termos dos artigos 24° e 61° do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, de modo a que pudesse retroativamente ser contado como tempo de inscrição na CGA, para efeitos da fixação da pensão de sobrevivência, o tempo em que o subscritor esteve inscrito e a descontar para o Montepio dos Servidores do Estado
O tribunal a quo, de acordo com a argumentação supra transcrita veio a considerar que o tribunal materialmente competente para julgar a presente Ação seria o Tribunal Tributário e não o tribunal Administrativo, entendimento que não acompanhamos.

Em síntese, entendeu o tribunal a quo que a "liquidação" do montante a pagar pela Autora, aqui Recorrente corresponderia a uma "obrigação contributiva", perante a segurança social e "imposta por lei", decorrente do estatuído nos artigos 14° e 15° do Estatuto das Pensões de Sobrevivência e que essa "obrigação contributiva carece de um ato tributário de liquidação", razão pela qual o ato objeto de impugnação "assume a natureza de ato tributário de liquidação".

Correspondentemente com o referido, partiu o tribunal a quo para a conclusão de que o quantum exigido à Autora é um "tributo" devido à CGA.

No entanto, não parece ser isso que resulta do EPS, uma vez que os seus artigos 24° e 61° do EPS apontam no sentido de que a "dívida resultante da retroação" é alheia ao "pagamento regular de contribuições e quotizações" para a CGA.

A questão fiscal, para efeitos de delimitação de competência entre os tribunais tributários e os tribunais administrativos é a que «exija a interpretação e aplicação de quaisquer normas de direito fiscal substantivo ou adjetivo, para resolução de questões sobre matéria respeitantes ao exercício da função tributária da Administração Pública» (CPPT, anotado e comentado, 6.ª edição 2011, I volume, página 230, Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa).

Como se sumariou no acórdão deste TCAN nº 504/15.0BEAVR, de 23.11.2018, “A competência material do tribunal afere-se em função do modo como o Autor configura a ação, mais concretamente, pelos termos em que se mostra estruturado o pedido e os seus fundamentos/causa de pedir, esta entendida como o facto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido.
Saber se a configuração fáctica e jurídica que os interessados dão à sua pretensão é ou não correta, ou se procedem as razões por eles invocadas, é questão que contende com o mérito do processo e que não deve interferir na decisão sobre a competência do tribunal ou da jurisdição (...)”

No caso, a "retroação" constitui um mero mecanismo facultativo e excecional de migração entre regimes, no caso, do Montepio dos Servidores do Estado para a CGA, não estando pois em causa a impugnação de uma "obrigação contributiva", "imposta por lei", como resulta do entendimento do tribunal a quo.

O facto da controvertida retroação ser um pressuposto legal tendente ao recebimento da reclamada pensão de sobrevivência, não determina que estejamos perante um ato de natureza parafiscaI.

A decisão recorrida entende ainda que a definição do valor a pagar para que haja direito ao recebimento da pensão de sobrevivência é um "ato tributário", daí concluindo que o ato objeto de impugnação "assume a natureza de ato tributário de liquidação".

Reafirma-se que a figura da “retroação” constitui singelamente um mecanismo facultativo e excecional (artigo 61°, n.º 2 do EPS) que permite aos contribuintes do então Montepio dos Servidores do Estado, ou aos seus herdeiros, migrarem do regime previdencial dessa entidade, para o regime dos pensionistas de sobrevivência da CGA, mediante o “acerto de contas” entre as quotas já pagas pelo subscritor ao Montepio dos Servidores do Estado e aquilo que, se tivesse sido caso disso, teria sido já pago à CGA no período correspondente.

Não se vislumbra pois como o referido “acerto de contas” resultante da migração entre os dois regimes contributivos possa ser qualificado como um "tributo" ou uma obrigação parafiscal, até por estamos perante uma transição facultativa, alheio à exigibilidade de dívidas tributárias.

Em bom rigor, nem sequer se está perante uma divida à CGA, mas antes e tão-só, perante a quantificação de um valor que permita que um interessado migre de um sistema previdencial para outro, mediante do pagamento dos montantes entendidos como justos e adequados tendentes à efetivação dessa transição voluntária.

O valor assim em causa, mais do que uma “divida” é antes uma contrapartida pela transição de regimes previdenciais. Se o valor decorrente da estabelecida retroação não for pago, simplesmente não há migração, pelo que não chega pois a haver divida, o que não invalida que o valor fixado não possa ser discutido.
* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao Recurso Jurisdicional apresentado, devendo os autos baixar ao Tribunal Administrativo do Porto para prosseguimento da sua tramitação, se a tal nada mais obstar.

Sem Custas nesta instância, em virtude de não terem sido apresentadas Contra-alegações de Recurso.

Porto, 29 de maio de 2020

Frederico de Frias Macedo Branco
Nuno Coutinho
Rogério Martins (Em substituição)