Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00873/14.0BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/07/2018
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Mário Rebelo
Descritores:SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL
FACTOS SUSCETÍVEIS DE PROVA
Sumário:1. Em relação aos actos com efeito suspensivo da prescrição, aplica-se a regra do n.º 2 do mesmo art. 48.º da LGT: as causas de suspensão em relação ao devedor principal produzem efeitos em relação ao responsável subsidiário, independentemente do momento em que ocorrer a citação deste.
2. As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos, cabendo àquele que invocar um direito, fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado (art. 342º/1 do Código Civil).
3. Só os factos podem ser objeto de prova, porque só em relação a estes se admite controvérsia a dirimir com a produção de prova.
4. Os factos sujeitos a prova abrangem também «os indícios dos factos e ainda os chamados factos auxiliares.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:M...
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

RECORRENTE: M...
RECORRIDO: Autoridade Tributária e Aduaneira
OBJECTO DO RECURSO: Sentença proferida pelo MMº juiz do TAF de Viseu que julgou totalmente improcedente a oposição deduzida contra a reversão da execução instaurada contra “A..., SA”
CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES:
1. – A dívida tributária referente a IRC de 2003, está prescrita, pois já decorreram 8 anos a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, cf. Art.º 48º da LGT, e a citação efetuada ao recorrente ocorreu após o 5º ano posterior ao da liquidação, cf. n.º 3 da referida norma.

2. – Pelo que deve ser decretada a anulação da dívida de IRC de 2003, por prescrição.

3. – Por outro lado;

4. – Devia ter sido dada oportunidade ao recorrente para a prova testemunhal solicitada, cf. Art.º 392º do C.Civil e Art.º 118º, do CPPT.

5. – O recorrente é parte ilegítimo, pois não tem culpa de a devedora originária não ter bens suficientes para cumprir com as dívidas tributárias, cf. Art.º 24º, nº 1, a), da LGT.

6. – Sem prescindir, que;

7. – Resulta nos autos, que a reversão da execução fiscal não está acompanhada da prova de culpa do administrador na insuficiência do património societário para a satisfação das dívidas tributárias, através, por exemplo, de factos demonstrativos da destruição ou danificação do património social, da ocultação e dissimulação do ativo social, da criação ou agravamento artificial de ativos ou passivos, do uso do crédito da sociedade para satisfazer interesses de terceiros, entre outros factos – índice de uma gestão danosa do património da sociedade originariamente devedora, o que implica a ilegitimidade do revertido, cf. al. a), do n.º 1, do Art.º 24º da LGT.

8. – Nestes termos, teria a ATA cumprir o ónus da prova da culpa do recorrente na insuficiência do património societário para satisfação das dívidas tributárias, cf. al. a), do n.º 1, do Art.º 24º da LGT, o que não fez.

9. – Pelo contrário dos factos provados em B) resulta que as dívidas tributárias em 2007 estavam garantidas e que a devedora principal foi pagando prestações.

10. – Pelo que não se compreende, como é que a ATA deixou mais de sete anos depois, em 2014 de ter a dívida tributária garantida.

11. – Devendo a execução fiscal ser extinta.

Nestes termos,
Deve a douta decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que aprecie os vícios e erros alegados, com efeitos na extinção da execução fiscal, para que assim se faça JUSTIÇA.

CONTRA ALEGAÇÕES.
Não houve.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pela procedência do recurso e revogação da sentença recorrida, devendo ser ordenada a produção da prova requerida.


II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou no julgamento de facto e de direito e ainda saber se a dívida exequenda se encontra prescrita.

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:
A) A Fazenda Pública instaurou, em 20-02-2007, a execução fiscal n.º 2720200701002945, para cobrança coerciva de dívidas de IRC do ano de 2003, no montante global de quantia de €131 767,03, contra “A…, S.A..”, conforme cabeçalho da petição inicial (PI) e fls. 2, 3º e 4º dos documentos juntos pela Entidade Exequente, uns e outros aqui dados por reproduzidos o mesmo se dizendo sobre os elementos probatórios infra referidos;
B) Em março de 2007 a Executada, representada pelo seu Administrador, o ora Oponente, requereu o pagamento da dívida exequenda em prestações, pretensão que logrou deferimento tendo o Órgão de execução fiscal procedido a hipotecas legais e, em 16-07-2007, suspendeu a execução, vide fls. 20 a 31, 58 a 61 do processo físico (PF);
C) A dívida exequenda foi sendo paga em prestações mas, durante o ano de 2014, em “consequência do cruzamento de informação diversa” tendo-se verificado a existência de dívidas num total de €823 327,37, sendo que mais de dois terços não abrangida por qualquer garantia, decidiu-se avançar para a reversão pela verificada insuficiência de bens da originária devedora, cfr. informação constante de fls. 70 do PF;
D) Reversão que veio a ser operada tendo o Oponente sido citado para a execução em 08-10-2014, vide doc. n.º 1 junto com a petição inicial, constante de fls. 9 do PF e primeiro documento junto pelo Órgão de execução fiscal, constante de fls. 17 do PF;
E) Não se conformando com a reversão apresentou, via postal expedida em 2014-11-07, a petição inicial que deu origem aos presentes autos, cfr. o código de registo postal constante de envelope que constitui a última folha dos documentos que instruíram a PI e conta de fls. 16 do PF.
III II Factos não provados
Inexistem.
A alegada falta de culpa é invocada na PI em meras afirmações conclusivas.
Alicerçou-se a convicção do Tribunal no teor dos documentos referidos em cada uma das alíneas dos factos provados.

IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

O Oponente deduziu oposição fiscal contra a reversão da execução instaurada contra a devedora principal “A..., SA” alegando em síntese, a falta de fundamentação do despacho de reversão, na medida em que a Autoridade Tributária e Aduaneira limita-se a citar preceitos legais sem nunca os concretizar, ficando assim sem se saber se a situação patrimonial da devedora originária é de inexistência ou insuficiência de bens. As dívidas fiscais foram garantidas, e para eles serem dados dados como insuficientes, a AT deveria ter procedido à avaliação nos termos do CIMI. Como nada consta na fundamentação da reversão, deve a citação ser anulada.
E no que respeita à alegação da culpa (da sua falta, aliás) alega que sempre desenvolveu todos os esforços e empregou o melhor do seu saber para resolver as dificuldades e procurou encontrar formas de suplantar a crise financeira da sociedade e nunca praticou actos de administração ou disposição susceptíveis de impossibilitarem o pagamento das dívidas tributárias (art.º 18º da douta petição inicial).
Além disso, a dívida de IRC (2003) está prescrita.

Arrolou testemunhas cuja inquirição o MMº juiz dispensou por despacho de 18/10/2017 (fls. 95), devidamente notificado às partes, que nada disseram.

Proferida a sentença, o MMº juiz julgou improcedente a oposição, analisando as questões que lhe foram colocadas na petição inicial.

O Recorrente não se conforma e defende, em síntese:
- Que a dívida está prescrita;
- Devia ter sido dada oportunidade ao Recorrente para produzir a prova testemunhal.
- É parte ilegítima pois não tem culpa de a devedora originária não ter bens suficientes para cumprir as dívidas tributárias.
- A Autoridade Tributária e Aduaneira não provou a culpa do administrador na insuficiência do património societário para a satisfação das dívidas tributárias.
- Pelo contrário, em B) dos factos provados resulta que as dívidas tributárias em 2007 estavam garantidas e que a devedora principal foi pagando em prestações.
Além disso, a sentença cometeu um errou informático ao referir “analisada a prova testemunhal”, quando não existiu qualquer prova testemunhal.

Sendo estas as questões colocadas neste recurso, que se condensam na questão de saber se a sentença errou no julgamento de direito e de facto (por dispensa da produção da prova testemunhal), passemos à sua apreciação.

E começando pela última, verifica-se efetivamente a existência de erro de escrita, uma vez que a prova testemunhal foi dispensada. Tal erro porém, não tem quaisquer consequências processuais ou substantivas, devendo apenas declarar-se não escrito.

Prosseguindo, vejamos a prescrição da dívida.
A dívida exequenda respeita a IRC do ano de 2003 no valor de € 5.192,45, relativa ao devedor principal “A...”.
Em 2007 foi requerido o pagamento em prestações, que foi deferida, e cujo pagamento se manteve até ao ano de 2014, altura em que (em resultado de cruzamento de informação diversa) a AT verificou a existência de dívidas num total de € 823 327,37, sendo que mais de 2/3 não estava abrangida por qualquer garantia, decidindo-se assim “avançar para a reversão pela verificada insuficiência de bens da originária devedora” (Factos provados B C).
A citação para a execução ocorreu em 8/10/2014 (facto provado D).

Neste contexto, o MMº juiz decidiu o seguinte:
Sobre a invocada prescrição da dívida exequenda o Oponente, um pouco como fez relativamente à questão já analisada, limitou-se a uma alegação genérica olvidando o que não deveria olvidar pois teve intervenção pessoal, na qualidade de administrador da originária devedora. Estamos a falar do pedido e deferimento do pagamento em prestações e da consequente suspensão da execução. Atente-se nos fatos assentes de A) a E).
A uma alegação genérica uma apreciação genérica: Bastam os elementos decorrentes da factualidade vinda de referir para afastar a verificação da prescrição da dívida exequenda.”

O Oponente/Recorrente discorda e reitera que a dívida “referente a IRC de 2003 está prescrita, pois já decorreram oito anos a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário” (Conclusão 1).

É certo que sendo a dívida relativa a 2003, e tendo o Oponente sido citado em 8/10/2014, tal ocorreu decorridos mais de oito anos.

É certo também que a interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produz efeitos quanto ao responsável subsidiário se a citação deste, em processo de execução fiscal, for efetuada após o 5º ano posterior ao da liquidação.

Os autos falham na identificação da data em que foi efetuada a liquidação da dívida exequenda. Sabemos que se refere a IRC de 2003, mas não se conhece com exactidão a data da liquidação.

Todavia, de acordo com a informação prestada a fls. 70 dos autos, a data limite para pagamento é de 29/1/2007. Tendo em consideração o disposto no art.º 85º/2 do CPPT, poderemos assumir que a liquidação foi efetuada em finais de 2006 ou princípios de 2007.

Sendo assim, a citação do devedor subsidiário em 2014 ocorreu mais de cinco depois da liquidação.

No entanto, não podemos ignorar o disposto no n.º 2 do art.º 48º LGT nos termos do qual as causas de suspensão ou interrupção da prescrição aproveitam igualmente ao devedor principal e aos responsáveis solidários ou subsidiários.

Sobre este preceito, refere Jorge Lopes de Sousa o seguinte (cfr. Lei Geral Tributária, Comentada e Anotada, 3.ª ed., 2003, p. 117-118):

No caso do art. 48.º, n.º 3, a lei nova vem, relativamente aos factos a que reconhece efeito interruptivo da prescrição que ocorram na sua vigência, subordinar a produção de efeitos em relação ao responsável subsidiário a uma condição que é a citação até ao 5.º ano a contar da liquidação.

(…)

É de salientar que a subordinação a condição da extensão ao responsável subsidiário dos efeitos dos actos praticados em relação ao devedor originário, que se estabelece no n.º 3 do art. 48.º da LGT, apenas está prevista quanto aos actos interruptivos da prescrição e não também quanto às causas de suspensão da prescrição, como tal denominadas, designadamente as previstas no n.º 3 do art. 49.º na redacção inicial. Quanto a estes factos com efeito suspensivo da prescrição, aplica-se a regra do n.º 2 do mesmo art. 48.° da LGT de que as causas de suspensão em relação ao devedor principal produzem efeitos em relação ao responsável subsidiário, independentemente do momento em que ocorrer a citação deste. Isto é, o período de suspensão derivado de factos denominados como causas de suspensão da prescrição em relação ao devedor principal, será também um período de suspensão em relação ao responsável subsidiário, mesmo que ele venha a ser citado apenas passados cinco anos a contar do ano da liquidação. Entendimento este subscrito pela Jurisprudência do STA, designadamente nos Acórdãos de 27.02.2008, proc. n.º 1069/07, de 14.07.2008, proc. n.º 431/08, e de 5.12.2012, proc. n.º 1225/12.

Ou seja, segundo este regime, a interrupção de prescrição determinada pela citação do devedor principal não produz efeitos relativamente ao responsável subsidiário se a citação deste for efectuada após o 5.º ano posterior ao da liquidação.

O que significa que a prescrição pode não ocorrer relativamente ao devedor principal e ocorrer em relação ao devedor subsidiário.

No entanto, aos actos com efeito suspensivo da prescrição, aplica-se a regra do n.º 2 do mesmo art. 48.º da LGT: as causas de suspensão em relação ao devedor principal produzem efeitos em relação ao responsável subsidiário, independentemente do momento em que ocorrer a citação deste.

Aliás, a conclusão de que o n.º 3 deste art. 48.º apenas prevê causas interruptivas da prescrição e não também causas suspensivas, decorre da mera interpretação sistemática do próprio artigo: enquanto no n.º 2 o legislador fala em “causas de suspensão ou interrupção”, no n.º 3 apenas se refere a “interrupção da prescrição”.

Se na previsão normativa o legislador identificou expressamente elementos diferentes susceptíveis de a integrar (os institutos da suspensão e da interrupção), estatuindo regimes distintos (para o n.º 2 e para o n.º 3), só pode concluir-se que o tatbestand ou facti-species da norma contida no referido n.º 3 apenas comporta causas interruptivas.

Tal resulta ainda do art. 9.º do Código Civil uma vez que a letra da lei, com o seu significado próprio, constitui um elemento irremovível da interpretação jurídica.

Dizendo de outra maneira, se dúvida se suscitasse ao intérprete-aplicador sobre o alcance normativo do n.º 3 do citado art. 48.º da LGT, esta ficaria categoricamente esclarecida pelo confronto com a disposição imediatamente anterior (o n.º 2): o n.º 3 apenas contempla causas interruptivas (1).

Ora, requerido - e deferido - o pagamento da dívida em prestações, em 16/7/2007 foi ordenada a suspensão da execução (alínea B) dos Factos Provados), a qual apenas cessou em 2014, ano em que foi citado o Oponente como devedor subsidiário.

Considerando o período de suspensão da execução e os efeitos que lhe são reconhecidos pelo n.º 2 do art.º 48º LGT, manifestamente a prescrição da dívida não ocorreu.

Quanto à dispensa da prova testemunhal.

O Recorrente sustenta que “foi impedido de demonstrar o alegado, porquanto a prova testemunhal foi dispensada pelo douto tribunal a quo. Seria a prova testemunha indicada nos autos apta aos fins em questão” (alegações – n.ºs 14 e 15).

Resulta do disposto no art 341º do Código Civil que as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos, cabendo àquele que invocar um direito, fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado (art. 342º/1 do Código Civil).

Idêntica regra contém o art. 74º/1 da LGT o qual prevê que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. No CPPT (cfr. art. 118º n.º 1 do CPPT: o número de testemunhas a inquirir não poderá exceder 3 por cada facto, nem o total de 10 por cada ato tributário impugnado), Código de Processo Civil (art. 607º CPC: o juiz declara quais os factos que julga provados (n.º 4); o juiz aprecia livremente as provas acerca de cada facto (n.º 5) – para só nomear algumas das principais normas sobre a matéria.

Ou seja, só os factos podem ser objeto de prova, porque só em relação a estes se admite controvérsia a dirimir com a produção de prova.

Naturalmente, entende-se que os factos sujeitos a prova abrangem também «os indícios dos factos e ainda os chamados factos auxiliares (2)


Os factos são alegados pelas partes em cumprimento de um ónus de alegação precisamente com a expectativa de em satisfação de um ónus da prova virem a fazer perante o tribunal a sua demonstração.

Como salienta o prof. Miguel Teixeira de Sousa, a « função da prova é a demonstração – melhor a demonstração convincente – de uma afirmação de facto. Como a verdade de qualquer afirmação depende da sua correspondência com a realidade (ou seja, a sua corroboração ou falsificação pelos factos), a prova de uma afirmação de facto pressupõe a formação da convicção do julgador sobre essa correspondência. Quer dizer: a prova tem por objecto imediato um facto e por objecto mediato (ou meta objecto) a respectiva afirmação.
Para efeitos de prova considera-se facto qualquer elemento de uma previsão legal, com exceção apenas dos juízos de valor (como por exemplo a gravidade da violação dos deveres conjugais, art.º 1779º n.º 1 do CC)Neste sentido, constituem objecto da prova enquanto factos, não só os acontecimentos suscetíveis de serem determinados no tempo e no espaço (factos externos) mas também os factos hipotéticos (como a situação do lesado se não tivesse existido a lesão) e os estados anímicos ou psíquicos (factos internos) relativos, por exemplo à vontade (como a intenção do agente), ao conhecimento (como a situação de um erro do declarante) e ao sentimento (como a amizade ou a cólera)» Miguel Teixeira de Sousa “As partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa”, Lex, 1995, pp. 195 e 196.

Portanto, concluímos, só os factos (quer sejam principais, quer sejam auxiliares ou instrumentais) podem ser objecto de prova.

Ora, a análise da petição inicial permite-nos verificar não terem sido alegados factos susceptíveis de prova, na parte respeitante à culpa. O oponente limita-se a alegar “generalidades” sem qualquer concretização factual. Diz que no exercício da administração “desenvolveu e empregou os seus esforços e empregou o melhor do seu saber para resolver as dificuldades e procurou encontrar forma de suplantar a crise financeira da devedora...” (art.º 18º da pi), mas esta descrição conclusiva e genérica é totalmente insusceptível de qualquer prova testemunhal. (3)

Por isso, nenhuma ilegalidade foi cometida com o despacho que dispensou a prova.

No que respeita à prova da falta de culpa, o MMº juiz julgou improcedente a respetiva alegação com os seguintes fundamentos:

Os pressupostos da responsabilidade dos gestores têm natureza substantiva, sendo definidos pela lei vigente ao tempo da respetiva ocorrência. Sobre este entendimento vide entre outros Ac. do TCA sul 02357/08, 21/10/2008, EUGÉNIO SEQUEIRA.
(...)
A culpa aqui relevante é reportada à omissão da diligência exigível a um administrador de que cure do património da empresa de forma a assegurar que, desse património, se possam pagar os credores da sociedade. A culpa que aqui releva é a que se deve aferir pela diligência do "bom pai de família", perante as especificidades do caso concreto, cfr. nº2 do artigo 487º do CC.
Nessa medida e levando em linha de conta a teoria da causalidade adequada, consagrada pelo nosso ordenamento jurídico (veja-se o artigo 563º do CC), logo se infere que, em face da presunção da lei de que a atuação do revertido, enquanto gerente, trouxe, como resultado ou consequência normal, a insuficiência patrimonial da sociedade executada, nos termos referidos no preceito legal, o demandado em tal qualidade, para se eximir a tal obrigação, terá de demonstrar, confessado o exercício da gerência de facto e de direito nos lapsos de tempo relevantes, que a sua conduta, enquanto gerente, não se mostra adequada àquela insuficiência patrimonial para solver os tributos exequendos. Trata-se, assim, de um juízo, em termos de nexo de causalidade adequada de que o incumprimento, por parte do gerente/administrador, das disposições legais destinadas à proteção dos credores foi a causa ou foi determinante para a delapidação ou insuficiência do património social para a satisfação dos créditos sociais.
E tal presunção legal de culpa está em consonância com outros normativos legais.
Por um lado, as pessoas coletivas estão impossibilitadas de agir por si próprias, incumbindo aos gerentes o suprimento dessa incapacidade; são os gerentes quem exterioriza a vontade da sociedade nos mais variados negócios jurídicos e é através deles que a sociedade manifesta a sua capacidade de exercício de direitos.
Por outro lado, extrai-se do próprio regime da responsabilidade subsidiária, que constitui fundamento ou requisito de reversão da execução contra esses responsáveis subsidiários a inexistência de bens da originária devedora.
Ou seja, os gerentes apenas serão acionados pelas dívidas fiscais da empresa que representam desde que esta não tenha bens suficientes para através deles se obter o pagamento dos débitos (benefício da excussão).
Sucede, como já supra se disse, que as dívidas se constituíram após 01/01/1999, pelo que ficam sob a alçada do regime do atual da Lei Geral Tributária
De acordo com o disposto no art.º 24º, nº 1, al. B) da LGT, passou a incumbir aos oponentes o ónus da prova (pois que o referido normativo sobre ele faz impender uma presunção de culpa) de que a “falta de pagamento não lhe é imputável”.
Ou seja, o que importa é a demonstração de qual o património social da empresa e qual a atuação do gerente para o preservar em termos de, com ou por via dele, dar satisfação aos interesses dos credores sociais. Dos autos o que resulta é que a maioria da dívida exequenda foi liquidada sendo revertida tão só uma ínfima parte considerando a dívida inicial. Mas resulta também que a originária devedora tem uma dívida de montante bastante elevado, superior a 800 000,00€ sendo que apenas cerca de um terço tem garantia constituída.
No bom rigor, não se sabe a que se deveu a insuficiência patrimonial da devedora originária: se a incumprimento dos seus clientes; se a uma redução da atividade mantendo-se os custos de produção, etc..
A alegação genérica também quanto a esta questão origina a conclusão de não ter o Oponente ilidido a presunção de culpa que recai sobre os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam funções de administração nas empresas e sociedades de responsabilidade limitada.
Assim, o Oponente não pode deixar de ser responsabilizado pelas dívidas que se executam, verificando-se a sua legitimidade subsidiária. “

Como se vê, o MMº juiz aplicando a LGT e o disposto na alínea b) do n.º 2 do art. 24º decidiu que o Oponente não ilidiu a presunção de culpa que sobre si recai pelo que (também por isso) não pode ser afastada a sua responsabilidade subsidiária.

O Recorrente defende que o ónus da prova de culpa do devedor subsidiário recai sobre a AT nos termos da alínea a) do n.º 2 do art. 24º LGT, sem esclarecer porquê.

Mas como resulta do texto legal, a responsabilização subsidiária ao abrigo da alínea a) do n.º 2 do art.º 24º LGT - e cuja prova de culpa recai efetivamente sobre a AT – abrange apenas os casos em que os factos constitutivos das dívidas tributárias se verificaram no período do exercício do cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste.
Ou seja, como diz a doutrina (4), estão aqui referidas as dívidas cujo facto gerador se verifique no período do exercício do cargo, mas que se venceram depois do exercício das funções de gerência/administração.

Ou como também se decidiu no ac deste TCAN (5) as dívidas tributárias cujo facto constitutivo tenha ocorrido no período do exercício do seu cargo ou quando o prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois desse exercício (mas em que o gerente ou administrador já não exercia funções à data em que a dívida foi posta à cobrança) o administrador ou gerente é responsável se tiver sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para o seu pagamento.

Só neste caso, o ónus da prova da culpa recai sobre a Fazenda Pública.

Em relação às dívidas cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, o administrador ou gerente é responsável pelo seu pagamento, salvo se provar que a falta de pagamento lhe não foi imputável [embora na alínea b) se refira meramente a imputação, e não a culpa, a interpretação feita pela jurisprudência tem sido no sentido de que é sempre exigível a culpa do gestor].


Nas condições enunciadas nesta última previsão o gestor está onerado com a presunção de culpa.

O Oponente não nega -antes assume- que tenha sido administrador/gerente da devedora principal neste período pelo que podemos também concluir que o termo do prazo legal de pagamento - 29/1/2007, como supra referimos - terminou no período de exercício do seu cargo.

Daí resultando que a responsabilização legal é acionada pela alínea b) do n.º 2 do art. 24º LGT, como de resto foi e consta do despacho de reversão, e não pela alínea a) como pretende.

Sendo a responsabilização decorrente da alínea b) do art.º 24º, o Oponente está onerado com a presunção de culpa. Circunstância legal que dispensa a AT de provar os factos que a ela conduzem (art. 350º/1º do Código Civil) e faz recair sobre o Oponente o encargo de provar que a falta de património da devedora originária não procede de culpa sua.

Esta prova o Oponente/Recorrente não fez, pelo que também por aqui a oposição e o recurso não podem deixar de improceder.

Consta da alínea B) dos factos Provados o Órgão de Execução Fiscal procedeu a hipotecas legais na sequência do pedido de pagamento em prestações e que estas foram sendo pagas. Mas em 2014 verificou-se que as dívidas afinal eram no total de € 823.327,37 e que mais de 2/3 não estava abrangida pela garantia e que a devedora originária não tinha bens suficientes para satisfazer a dívida.

O Recorrente alega ficar “sem saber, desta prova documental, que o Digno Juiz do tribunal "a quo" acolheu, como é que uma dívida garantida em 2007 e que foi sendo paga em prestações, concluiu em 2014 em mais de dois terços não abrangida por qualquer garantia. Entende que os factos provados são incoerentes, inconsistentes e consequentemente falta de fundamentação. Pelo que o déficit instrutório deve ser preenchido por retorno dos autos ao tribunal a quo.

Mas sdr o Recorrente não tem razão. Como resulta da alínea B) dos factos provados, verificando-se em 2014 que a dívida ascendia a € 823 327,37 sendo que mais de dois terços não estava abrangida por qualquer garantia, decidiu-se avançar para a reversão pela verificada insuficiência de bens da devedora originária.

Ou seja, de acordo com os factos provados, a garantia prestada não só não abrange a totalidade da dívida como nem sequer abrange a dívida exequenda.

Assim, improcedendo todas as conclusões o recurso deve improceder confirmando-se a sentença recorrida.

V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Porto, 7 de junho de 2018.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina da Nova
Ass. Bárbara Tavares Teles


(1) Ac. do TCAN n.º 02100/06.4BEPRT de 27-02-2014 Relator: Pedro Marchão Marques
Sumário: I. A determinação do prazo de prescrição a aplicar faz-se no momento da entrada em vigor da nova lei, ou seja, a determinação do prazo a aplicar depende do tempo que faltar para a prescrição se completar à face de ambas as leis, considerando o momento da entrada em vigor da lei nova.
II. Nos termos do n.º 5 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 124/96, de 10 de Agosto, o prazo de prescrição das dívidas suspende-se durante o período de pagamento das prestações autorizadas e só a exclusão desse regime determina a cessação do efeito suspensivo do prazo de prescrição.
III. Aos actos com efeito suspensivo da prescrição, aplica-se a regra do n.º 2 do art. 48.º da LGT de que as causas de suspensão em relação ao devedor principal produzem efeitos em relação ao responsável subsidiário, independentemente do momento em que ocorrer a citação deste último.
IV. A subordinação da extensão ao responsável subsidiário dos efeitos dos actos praticados em relação ao devedor originário, que se estabelece no n.º 3 do art. 48.º da LGT (a citação daquele até ao 5.º ano posterior ao da liquidação), apenas está prevista quanto aos actos interruptivos da prescrição e não também quanto às causas de suspensão da prescrição.
V. A citação do responsável subsidiário determina a interrupção da prescrição nos termos previstos no n.º 1 do artigo 49.º da LGT, com a consequente inutilização de todo o período de prescrição anteriormente decorrido (art. 326.º, n.º 1 do Código Civil). Tanto a citação do devedor originário como a citação do devedor subsidiário têm eficácia interruptiva, pois que estando em causa uma só instância executiva, em que pela reversão se opera uma alteração subjectiva da instância, nada permite retirar eficácia interruptiva à citação do devedor subsidiário
(2) Cfr. Acórdão do STJ n.º 03B1987 de 23-09-2003 Relator: SANTOS BERNARDINO
Sumário :
II - O juiz tem, no modelo processual vigente, a possibilidade de investigar, mesmo oficiosamente, e de considerar na decisão, os factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa.
III - E, ao contrário do que sucede quanto aos factos essenciais - em relação aos quais funciona o princípio da auto-responsabilidade das partes - relativamente aos factos instrumentais o tribunal não está sujeito à alegação das partes, podendo oficiosamente carreá-los para o processo e sujeitá-los a prova.
IV - Factos instrumentais são os que interessam indirectamente à solução do pleito, por servirem para demonstrar a verdade ou falsidade dos factos pertinentes; não pertencem à norma fundamentadora do direito e são-lhe, em si, indiferentes, servindo apenas para, da sua existência, se concluir pela existência dos próprios factos fundamentadores do direito ou da excepção.
(3) Ac. do TCAN 00692/09.5BEPNF de 15-10-2015 Relator: Ana Patrocínio
Sumário: III) Da decisão da matéria de facto devem constar factos simples e não matéria conclusiva(somente sobre os primeiros, quando controvertidos, deve recair a produção de prova,já que as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos). As conclusões de facto e de direito são efectuadas em julgamento pelo tribunal
(4) Cfr. Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa in "Lei Geral Tributária" anotada, 2012, pp. 237.
(5) Ac. do TCAN n.º 00922/07.8BEBRG 28-04-2016 de que fomos relator.
Sumário: 1. A responsabilidade subsidiária pelas dívidas tributárias das sociedades de responsabilidade limitada deve ser apreciada à luz da lei vigente no momento em que se verificaram os pressupostos dessa responsabilidade, o que significa tomar em consideração a data da constituição das dívidas exequendas e o período do seu pagamento voluntário.
2. As dívidas tributárias cujo facto constitutivo tenha ocorrido no período do exercício do seu cargo ou quando o prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois desse exercício (mas em que o gerente ou administrador já não exercia funções à data em que a dívida foi posta à cobrança) o administrador ou gerente é responsável se tiver sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para o seu pagamento. Neste caso, o ónus da prova da culpa recai sobre a Fazenda Pública.
3. Em relação às dívidas cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, o administrador ou gerente é responsável pelo seu pagamento, salvo se provar que a falta de pagamento lhe não foi imputável [embora na alínea b) se refira meramente a imputação, e não a culpa, a interpretação feita pela jurisprudência tem sido no sentido de que é sempre exigível a culpa do gestor].
4. Por isso, não é «indiferente» saber-se qual o regime de responsabilidade subsidiária que é imputada ao revertido o qual deve mesmo constar da fundamentação do despacho de reversão.
5. Obrigação de fundamentação que o órgão de execução fiscal deve cumprir, a menos que o quadro jurídico factual enunciado seja claramente revelador das normas legais aplicáveis ao caso.
6. Uma vez decretada a falência da devedora originária, cabe ao liquidatário assumir os poderes de administração e representação da falida e já não o Oponente, como gerente, se nada se demonstra nesse sentido.
7. Se a administração tributária não demonstra que o revertido exercia as funções de gerência na data em que terminou o prazo de pagamento ou entrega de algumas dessas dívidas, e tendo a falência da sociedade executada sido decretada antes dessa data, será aplicável o regime probatório previsto na aliena a) do nº 1 do art. 24º da LGT