Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00710/07.1BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/15/2015
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Ana Paula Santos
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL
BENEFÍCIOS FISCAIS
AUTORIDADE DE CASO JULGADO
Sumário:I -A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade prevista no artº498 (actual 581º) do CPC .*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:A...
Recorrido 1:D. G. Impostos
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO

A..., devidamente identificado nos autos, inconformado interpôs recurso jurisdicional do acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que julgou improcedente a Acção Administrativa Especial por si instaurada contra o Serviço de Finanças de Braga na sequência da cessação dos benefícios fiscais, relativos ao IRS do ano de 2005.

O Recorrente apresentou alegações, que resumiu nas seguintes conclusões, que se transcrevem ipisis verbis:

1. A douta sentença proferida no processo de acção administrativa especial que corre seus termos sob o n° 249/06.2BEBRG do T.A.F. Braga decidiu que o aqui recorrente tinha direito a benefício fiscal, a considerar no IMI, apesar de a sua mulher S… que consigo se consorciou em 2ªs núpcias sob o regime de separação de bens, ser devedora fiscal por dívida anterior ao seu 2º casamento.
2. Na presente acção em que se discute, outrossim, a mesma causa de pedir e pedido, direito de acesso ao benefício fiscal por deficiência física fiscalmente relevante, apesar de permanecer a dívida fiscal da sua mulher S… e constituída na pendência do seu 1º casamento, são as partes as mesmas, é a mesma a relação material controvertida (direito de acesso ao beneficio fiscal do sujeito passivo apesar de dívida fiscal do conjugue anterior ao 2° casamento), o pedido e a causa de pedir.
3. “A questão preliminar que é antecedente lógico indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado” (anulação de liquidação) é o crédito do Autor ao benefício fiscal apesar da dívida fiscal da mulher do recorrente, e anterior ao casamento.
4 Ocorre, consequentemente, caso julga do nos termos do art. 671 do C. P. Civil, relativamente à sentença proferida em 1º lugar e devidamente transitada em julgado.
5. Pelo que, tendo a muito douta sentença transitada, decidido “assim, invocando o sujeito passivo um dos pressupostos da previsão normativa…, verificando-se quanto a ele a condição de atribuição - inexistência de dívidas relativamente aos tributos referenciados no art.º 11 A, nº1 do EBF -, e inexistindo dívidas por parte da comunidade conjugal, deve o mesmo ser-lhe reconhecido,”
6. Pelo que a dívida anterior ao 2° casamento da mulher S… não foi considerada fiscalmente relevante, (e como constituindo dívidas por parte da comunidade conjugal) para efeitos de cessação ou suspensão do acesso ao benefício fiscal do recorrente.
7. Consoante se cita na douta sentença “verificado o facto a que a lei coliga uma certa isenção fiscal está criada na esfera jurídica do contribuinte um direito a essa mesma isenção, deverá ser reconhecida a isenção requerida.
8. E isto, apesar de nos dois impostos apreciados (IMI e IRS), ambos os cônjuges serem beneficiados: ambos habitam a mesma casa isenta de IMI e ambos se sustentam com os rendimentos exclusivos do recorrente, pelo que qualquer concessão de benefício fiscal trará vantagem residual a cada um dos consortes.
9. A douta sentença aqui recorrida, apreciada a mesma matéria de facto e de direito, pronunciou-se contrariamente ao anteriormente decidido e em violação quer do art.º 11 A, quer do art.º 12 do EBF, quer do art.º 671 do C. P. Civil.
10. Não se compreende, em tal decisão, nem a sua fundamentação é inteligível, qual a razão porque a dívida da mulher S... não foi considerada como dívida da comunidade conjugal para efeitos do art.º 11 A do EBF relativamente à isenção do IMI e, para efeitos do IRS, ter sido considerada como dívida da comunidade conjugal.
11. A definição jurídica da dívida como sendo ou não da comunidade conjugal, não varia consoante os impostos a liquidar, antes resulta dos princípios considerados para a qualificar.
12. E o princípio é o de que a dívida do 1º casamento, para efeitos da interpretação do art. 11º A do EBF, não se transporta para o 2° casamento, não obriga o aqui cônjuge recorrente a pagá-la ou a suportar patrimonialmente as consequências do seu não pagamento, o que violaria o princípio constitucional da proibição do excesso, art. 18, n°2 da CR.P.
13. Como matéria de facto relevante, importa considerar que os rendimentos do casal são unicamente os auferidos pelo Autor marido, que o imposto IRS é exclusivamente pago com os seus rendimentos próprios, que o Autor marido goza de deficiência física fiscalmente relevante, que casou em 2ªs núpcias com o cônjuge S... que vive exclusivamente dos rendimentos auferidos pelo seu marido, estando a seu exclusivo cargo.
14. “Ninguém questionará o direito à isenção se se desse a hipótese, por exemplo, de o casal viver separado”.
15. A previsão dos art.s 11 A e 12 do EBE não contemplam a dívida fiscal do cônjuge S... como constituindo dívida da comunidade conjugal.
16. A referida cônjuge S... não aufere qualquer benefício com a concessão do benefício fiscal por deficiência física fiscalmente relevante do sujeito passivo seu marido, nem de carácter fiscal, nem de carácter patrimonial, uma vez que os rendimentos globais são exclusivos do sujeito passivo marido.
17. Não é possível ao recorrente apresentar declaração de rendimentos que não seja junta com a da mulher, a menos que se separe ou divorcie.
18. A interpretação proposta pela sentença aos artigos 11 A e 12, n° 1 e 6 do EBF é inconstitucional porquanto, viola quer o direito à liberdade de celebração do casamento ou da sua manutenção, impede o casamento com devedora fiscal por dívida anterior, impõe o pagamento ao recorrente de dívida fiscal que se lhe não comunicou, cerceia-lhe o direito à capacidade civil, à cidadania e ao bom nome, desprotege a família, fá-lo suportar uma excessiva penalização, não adequada e não proporcional, pelo que ofende tal interpretação os art.ºs 36, 26, 67, nº 1 e alínea e) do seu n° 2 e o principio da igualdade, 13º e o princípio da proibição do excesso, art. 18, n°2, todos da C.R.P.
19. A douta sentença proferida ofendeu os acima citados preceitos legais e constitucionais.
Termos em que revogando-se a decisão recorrida, se fará justiça.


A Recorrida apresentou contra-alegações, que concluiu nos seguintes termos :

A. O Recorrente apresenta o presente recurso jurisdicional da sentença proferida em 08/01/2009, a qual julgou totalmente improcedente a presente acção, onde o autor pretendia a anulação do despacho do Chefe de finanças adjunto que determinou a cessação dos benefícios fiscais relativos a IRS de 2005.
B. Pugna pela revogação da sentença recorrida por ter ofendido os seguintes preceitos legais: o artigo 11°-A e 12° do EBF, e o artigo 671° do CPC. Além de que, considera que a interpretação proposta pela sentença aos artigos 11°-A e 12° do EBF, é inconstitucional porque ofende os artigos 36°, 26°, 67° n°1 e alínea e) do n°2, artigo 13° e artigo 18° n°2 da CRP.
C. Tal como ficou demonstrado, o que releva para efeitos fiscais é o facto de o casal viver em economia comum, apresentando declaração de rendimentos conjunta, e não, o facto de os cônjuges se encontrarem casados no regime de separação de bens. Esse facto, terá relevância a outros níveis que não o da cessação/extinção de benefícios fiscais.
D. Não existe qualquer dúvida de que se verificaram os pressupostos do artigo 12° n.° 6 e n.°5 b) do EBF, dado que a cônjuge mulher é titular de dividas fiscais, e assim, o agregado familiar não se encontra em condições de usufruir dos efeitos dos benefícios fiscais no ano em causa, razão pela qual foi feita uma correcta interpretação dos artigos 11°-A e 12° do EBF.
E. Invoca o Recorrente a ofensa de caso julgado afirmando que a sentença recorrida violou o artigo 671° do CPC.
F. Ora, a excepção do caso julgado pressupõe a repetição de uma causa, em que a primeira causa foi decidida por sentença e já não admite recurso ordinário (artigo 497° do CPC).
G. Contrariamente ao afirmado pelo Recorrente, não se verificou qualquer repetição da causa: por um lado, não há coincidência nos efeitos jurídicos pretendidos, já que as duas acções têm pedidos diferentes estando em causa actos administrativos distintos. Desde logo, um indefere um pedido de isenção de IMI e outro decide a cessação de um benefício fiscal em IRS.
H. Por outro lado, a causa de pedir não é a mesma, pois a pretensão deduzida em cada uma das acções não procede do mesmo facto jurídico. Sendo que, num caso, temos uma relação jurídica tributária que resulta da tributação do rendimento de um agregado familiar e noutra, a tributação incide sobre o valor patrimonial de um imóvel propriedade de um único sujeito passivo, pelo que a relação jurídica tributária estabelece-se apenas entre esse sujeito passivo e a AF.
I. Razões, através das quais se comprova que a sentença recorrida não incorreu na violação do artigo 671° do CPC.
J. O Recorrente alega ainda, que a interpretação proposta pela sentença aos artigos 11°-A e 12° do EBF, é inconstitucional porque ofende os artigos 36°, 26°, 67° n°1 e alínea e) do n°2, artigo 13° e artigo 18° n.°2 da CRP, mas os argumentos apresentados não têm consistência, nem foram violados quaisquer princípios constitucionais.
K. De facto, a sentença recorrida fez uma correcta análise da situação de facto, tendo feito uma correcta interpretação e aplicação da lei aos factos.
L. Assim, concordando com o decidido na douta sentença concluímos que: os pressupostos do facto tributário devem ter-se por preenchidos relativamente a ambos os cônjuges, sendo por outro lado, ambos responsáveis pelo cumprimento dívida tributária (art.° 21 n.°1 da LGT).
M. Além de que o Recorrente beneficia do facto de se encontrar casado e de pertencer a um agregado familiar, beneficiando por exemplo das taxas aplicáveis que são as correspondentes ao rendimento colectável dividido por 2 (art° 69° do CIRS); E o agregado familiar beneficia também, dos benefícios fiscais a que, (neste caso) um dos sujeitos passivos tem direito.
N. Contudo, não faz sentido que a situação fiscal de um dos membros do agregado familiar, que apresenta dívidas fiscais, seja desconsiderado apenas para efeitos de exclusão desses mesmos benefícios.
O. Aliás, a douta sentença conclui, e bem, que: “(...) a posição defendida pelo A. levaria a que a culpa “morresse solteira”, Ou seja, quando os devedores de impostos fossem casados e, por isso, não pudessem ter benefícios fiscais, poderiam separar-se e voltar a casar com terceiros para dessa forma se redimindo do incumprimento fiscal praticado.”
P. Por tudo o supra exposto, a sentença recorrida não violou quaisquer disposições legais, nem fez quaisquer interpretações inconstitucionais dos preceitos legais aplicáveis, encontrando-se devidamente fundamentada, razão pela qual deve ser mantida.
Nestes termos e nos mais de direito que Vªs Ex.ªs doutamente suprirão, deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo a sentença recorrida com todas as legais consequências.

O Ministério Publico emitiu parecer, nesta instância, no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais junto dos Exmos. Juízes-Adjuntos vem o processo à Conferência para julgamento.

DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (nos termos dos artigos 660.º, nº 2, 684.º, nº s 3 e 4, atuais 608.º, nº 2, 635.º, nº 4 e 5 todos do CPC “ex vi” artigo 2º, alínea e) e artigo 281.º do CPPT) pelo que impera saber se a sentença recorrida padece de

a) erro de julgamento por violação do caso julgado;
b) erro de julgamento de direito, por errónea interpretação dos art°s 11°-A e 12°-1 e 6 do EBF com violação dos artigos 13°, 18°-2, 26°, 36° e 67°-1-e) e 2 da CRP.

FUNDAMENTAÇÃO

De Facto
O Mº Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga considerou provados os seguintes factos com relevância para a decisão:

1 - O autor apresentou declaração de rendimentos (IRS) respeitante ao ano de 2005 conjuntamente com o cônjuge, S..., dela fazendo constar a existência de uma situação de deficiência fiscalmente relevante.
2 - Constatando que, em 31/12/2005, havia uma dívida em nome da S..., e após cumprir as formalidades legais, por despacho de 24/1/2007, do Senhor Chefe de Finanças Adjunto de Braga, foram declarados extintos os benefícios fiscais.
3 - A dívida que deu origem à exclusão dos benefícios fiscais respeita a IVA do ano de 2000, no montante total de 10.725,38 €, e foi constituída pela referida S... no exercício da sua actividade comercial.
4 - Tal dívida não foi atacada por via de reclamação, impugnação ou oposição com prestação de garantia.

*
Matéria de facto não provada:
Inexiste.
*
Fundamentação da matéria de facto provada e não provada:
A matéria de facto dada como provada, genericamente aceite ou não contestada pelas partes, assenta na prova documental disponível.
Inexiste matéria dada como não provada, por nada mais ter sido alegado com interesse para a decisão da causa, para além do que ficou dado como provado.


Para uma melhor compreensão da situação fáctica e respectivo enquadramento jurídico e ao abrigo dos poderes concedidos pelo art. 662º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), entendemos deixar registadas diversas circunstâncias, o que passamos a fazer, reformulando a factualidade pertinente, nos seguintes termos:

5- Em 10 de Janeiro de 2002, o A. casou no regime da separação de bens com S.... - cfr. doc. 1

6) A esposa do Autor, S..., foi casada em primeiras núpcias , com J…, de quem se divorciou em 13 de Março de 2001. - cfr. doc. a fls.37 e 38 dos autos
7) Na constância do seu casamento com J…, a agora esposa do Autor, S..., contraiu a dívida tributária a que se reporta a alínea nº3 supra, que se encontra a ser exigida no âmbito de processo de execução fiscal contra ela instaurada (cfr fls. 40 dos autos).
8) Em 27-11-2007, foi proferida sentença, já transitada em julgado, na Acção Administrativa Especial que correu termos sob o nº 249/06.2BEBRG no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, nos termos que parcialmente se transcrevem;(…)A..., NIF 1… (…) intentou a presente acção administrativa especial relativa ao despacho de indeferimento proferido pelo chefe de Finanças de Braga 1 de 17/11/05, o qual indeferiu o pedido de isenção do IMI relativo à fracção AA, inscrição matricial urbana P….
Alega que adquiriu o imóvel em nome próprio, para sua habitação e do seu agregado.
Invoca erro nos pressupostos de facto e de direito e errada interpretação g e aplicação do artigo 11-A do EBF.
Pede a condenação da Administração Fiscal a proferir novo despacho expurgado dos vícios reconhecidos na sentença.
(…)As questões a apreciar consistem na verificação da existência de erro nos pressupostos de facto e de direito e errada interpretação e aplicação do artigo 11-A do EBF e condenação à prática do acto devido.
Tudo se resume afinal em saber se, tendo em consideração que o Autor casou em regime de separação e que a dívida que motivou o indeferimento do pedido de isenção do IMI é da responsabilidade exclusiva da esposa, sendo de origem anterior ao casamento destes, foi legal o indeferimento.
(…)
A questão volve-se em saber se, verificada a condição de atribuição da isenção relativamente a um dos componentes do agregado, sendo que a dívida do outro não só é exclusiva, como é anterior ao casamento, deve ser atribuída a isenção, porque sempre relativamente a ele se verifica pressuposto e condição.
A lei não parece dar resposta cabal a esta situação. Tendo no entanto em consideração que, como refere Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 2a ed., pág. 195, “verificado o facto a que a lei coliga uma certa isenção fiscal está criada na esfera jurídica do contribuinte um direito a essa mesma isenção”, deverá a mesma ser reconhecida.
Assim, invocando o sujeito passivo um dos pressupostos hipótese da previsão normativa -residência própria permanente -, verificando-se quanto a ele a condição de atribuição -inexistência de dívidas relativamente aos tributos referenciados no art° 11-A, n°1 do EBF-, e inexistindo dívidas por parte da comunidade conjugal, deve o mesmo ser-lhe reconhecido.
O prédio foi adquirido apenas pelo autor, e este solicitou a concessão da isenção invocando destiná-lo a sua residência permanente.
Ninguém questionará o direito à isenção se se desse a hipótese, por exemplo, de o casal viver separado. Não se vê por outro razão para penalizar o autor, exclusivo devedor do IMI, conforme artigo 8 do CIMI, em virtude de dívida do cônjuge anterior ao matrimónio, sendo que o autor, a não ter constituído a sociedade conjugal, beneficiaria da isenção.
(…)
Nesta sede, a questão esta em saber qual o conteúdo que deve revestir a referida sentença de condenação á prática de acto administrativo.
No caso concreto o A. peticiona a condenação da R, a proferir novo despacho expurgado dos vícios reconhecidos na sentença, pretendendo assim que à luz do disposto no EBF lhe seja concedida a requerida isenção de IMI.
Estamos pois perante uma “…situação de condenação à prática de um acto com um determinado conteúdo”, “…situação em que há, portanto, vinculação legal quanto ao conteúdo do acto a praticar, porque a lei confere ao autor o direito a um acto administrativo com um determinado conteúdo ou, pelo menos, constitui a Administração no dever de praticar um acto com um determinado conteúdo e o autor está legitimado a exigir a prática desse acto.” (Autores e obra citados).
Ora, como se dito, citando-se Saldanha Sanches, “verificado o facto a que a lei coliga uma certa isenção fiscal está criada na esfera jurídica do contribuinte um direito a essa mesma isenção”, deverá a reconhecida a isenção requerida.
Decisão:
Pelo exposto, julga-se procedente a presente acção administrativa especial de condenação à pratica de acto devido, anulando-se o despacho impugnado e condenando-se a Administração Fiscal, através do Chefe de Finanças de Braga 1, na pratica de acto que conceda ao A. o pedido de isenção de IMI. (…)» - (cfr. fls. 186 e inf. extraída do SITAF)

De Direito

Como atrás se deixou dito, constitui objecto do presente recurso jurisdicional, determinar se a sentença recorrida enferma dos invocados erros de julgamento de direito, quer por violação do caso julgado, quer por errada apreciação e interpretação dos art°s art°s 11°-A e 12°-1 e 6 do EBF e 13°, 18°-2, 26°, 36° e 61°-1-e) e 2 da CRP.
Sustenta o Recorrente ocorrer identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir entre a presente acção e a acção administrativa especial que correu termos sob o nº 249/06.2BEBRG do TAF de Braga, em que se decidiu que o aqui Recorrente tinha direito a benefício fiscal, em sede de IMI, mau grado sua mulher, S…, que consigo se consorciou em segundas núpcias, sob o regime de separação de bens, ser devedora fiscal, por dívida de IVA constituída em data anterior ao seu 2º casamento, uma vez que na presente acção se discute igualmente o direito de acesso ao benefício fiscal por deficiência física fiscalmente relevante, apesar de permanecer a dívida fiscal da mulher do Autor, constituída na pendência do 1º casamento desta.
Assim, conclui o Recorrente que uma vez que a questão que se discute em ambas as acções é o seu direito aos benefícios fiscais, apesar da dívida tributária de sua mulher, constituída em data anterior ao casamento, ocorre caso julgado, nos termos do art° 671º, na redacção à data (actual 619º do CPC), relativamente ao acórdão proferido em 1º lugar e transitado em julgado.
Cumpre decidir.
Nos termos do regime ínsito do art° 580° do C.P.C., as excepções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há litispendêncaia; se a repetição se verifica depois da primeira causa ter sido decidida por sentença transitada em julgado, há caso julgado.
A excepção de caso julgado pressupõe a repetição de uma acção em dois processos, depois de o primeiro estar findo por decisão transitada em julgado (cf. art. 497.º, n.ºs 1 e 2 na redacção à data- actual 580º- do CPC). A decisão considera-se transitada em julgado, nos termos do art. 677.º- actual 628º- do CPC, quando não seja susceptível de recurso ordinário ou da reclamação prevista nos arts. 668.º e 669.º do mesmo código( actuais 615º e 616º) .
Como, ensina ANTUNES VARELA: «A excepção de caso julgado […] consiste na alegação de que a mesma questão foi já deduzida num outro processo e nele julgada por decisão de mérito, que não admite recurso ordinário» (() ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA E SAMPAIO E NORA, in Manual de Processo Civil, 2.ª edição, pág. 307.).
Essa excepção, qualificada como dilatória após a reforma de 1996, visa evitar que a questão possa ser validamente definida mais tarde, em termos diferentes, pelo mesmo ou por outro tribunal, e, assim, assegurar a segurança jurídica e a certeza do direito (cf. art. 497.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
A excepção de caso julgado pressupõe, pois, a repetição de uma causa, sendo que uma causa se repete «quando se propõe um acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir», sendo que «[h]á identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica», «[h]á identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico» e «[h]á identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico» (cf. art. 498.º, n.ºs 1 a 4, respectivamente, do CPC, , actual 581º).
Alega o Recorrente que “A questão preliminar que é antecedente lógico indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado” (anulação de liquidação) é o crédito do Autor ao benefício fiscal apesar da dívida fiscal da mulher do recorrente, e anterior ao casamento.(…)Ocorre, consequentemente, caso julgado nos termos do art. 671 do C. P. Civil, relativamente à sentença proferida em 1º lugar e devidamente transitada em julgado. (…) Pelo que, tendo a muito douta sentença transitada, decidido “assim, invocando o sujeito passivo um dos pressupostos da previsão normativa…, verificando-se quanto a ele a condição de atribuição - inexistência de dívidas relativamente aos tributos referenciados no art.º 11 A, nº1 do EBF -, e inexistindo dívidas por parte da comunidade conjugal, deve o mesmo ser-lhe reconhecido,”(…)Pelo que a dívida anterior ao 2° casamento da mulher S… não foi considerada fiscalmente relevante, (e como constituindo dívidas por parte da comunidade conjugal) para efeitos de cessação ou suspensão do acesso ao benefício fiscal do recorrente.(…) Consoante se cita na douta sentença “verificado o facto a que a lei coliga uma certa isenção fiscal está criada na esfera jurídica do contribuinte um direito a essa mesma isenção, deverá ser reconhecida a isenção requerida. (…) A douta sentença aqui recorrida, apreciada a mesma matéria de facto e de direito, pronunciou-se contrariamente ao anteriormente decidido e em violação quer do art.º 11 A, quer do art.º 12 do EBF, quer do art.º 671 do C. P. Civil. (…) Não se compreende, em tal decisão, nem a sua fundamentação é inteligível, qual a razão porque a dívida da mulher S… não foi considerada como dívida da comunidade conjugal para efeitos do art.º 11 A do EBF relativamente à isenção do IMI e, para efeitos do IRS, ter sido considerada como dívida da comunidade conjugal.(…) A definição jurídica da dívida como sendo ou não da comunidade conjugal, não varia consoante os impostos a liquidar, antes resulta dos princípios considerados para a qualificar. (…)”.
Ora do cotejo da matéria de facto provada, resulta que, quer na acção que está na génese do presente recurso, quer na acção que correu termos sob o nº 249/06.2BEBRG, ocorre identidade quanto às partes (Autor e AT) e quanto à causa de pedir (errónea interpretação dos artigo 11-A do EBF), uma vez que nos presentes autos dissentem as partes relativamente ao direito ao beneficio fiscal em sede de IRS de 2005, emergente da deficiência fiscalmente relevante de um dos elementos do agregado familiar, em virtude de a mulher do Recorrido ser devedora de IVA, e naquela se discute o indeferimento da isenção de IMI pelo mesmo motivo, tal realidade reconduz-nos à identidade dos fundamentos em que se alicerça a pretensão.
Por último, no que tange ao pedido, constata-se que o ora Recorrido peticiona nas duas acções a anulação de despachos que lhe recusam os benefícios fiscais (isenção em sede de IMI, e em sede de IRS) atento o facto de no agregado familiar a cônjuge mulher ter dividas tributárias em cobrança coerciva e não garantidas, o que consubstancia pedidos distintos. Porém, ainda que não ocorra identidade quanto aos actos que o Autor, ora Recorrente, pretende ver expurgados na ordem jurídica, contudo a sua pretensão resulta similar, qual seja o direito à isenção fiscal.
Mas será que o facto de os actos que o Autor visa expurgar da ordem jurídica, no âmbito das duas acções, concretamente os dois despachos que recusam ou cessam benefícios fiscais (isenções em sede de IMI e de IRS) serem distintos, o que inelutavelmente arreda a verificação da excepção de caso julgado, obsta a que os efeitos do aresto proferido na acção decidida em primeiro lugar se circunscrevam aos exactos limites do acto administrativo em matéria tributária que constitui o seu objecto? Para melhor intelecção da questão em análise, impera atentar no disposto no artigo 671º do C.P.C. (na redacção aplicável aos autos) segundo o qual “Transitada em julgado a sentença, (…) a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 497º e 498º, sem prejuízo do disposto nos artigos 771º a 777º”
Por sua vez, aludia o artº 673º do mesmo diploma que “A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga (…).”
Os preceitos legais supra transcritos referem-se ao caso julgado material, ou seja, ao efeito imperativo atribuído à decisão transitada em julgado, artº 677º do C.P.C, (ao tempo) que tenha recaído sobre a relação jurídica substancial.
Como, há muito, afirmado pelo Professor Alberto dos Reis In “Código de Processo Civil Anotado”, volume III, p.93 e ss, Coimbra Editora, 1950: “O caso julgado exerce duas funções: a) uma função positiva; b)uma função negativa. Exerce a primeira quando faz valer a sua força e autoridade; exerce a segunda quando impede que a mesma causa seja novamente apreciada pelo tribunal. A função positiva tem a sua expressão máxima no princípio da exequibilidade(…); servindo de base à execução o caso julgado afirma inequivocamente a sua força obrigatória(…). A função negativa exerce-se através da excepção de caso julgado”.
Dito de forma diversa, a função positiva é exercida através da autoridade do caso julgado, enquanto a função negativa é exercida através da excepção dilatória do caso julgado, a qual tem por fim evitar a repetição de causas (artº 497º, agora artº 580,ºnºs 1 e 2 do C.P.C.).
A autoridade de caso julgado de sentença que transitou e a excepção de caso julgado são, assim, efeitos distintos da mesma realidade jurídica, ou seja “duas faces da mesma figura”, nas palavras do Prof. Alberto dos Reis.
Como escreve, também, o Prof. Lebre de Freitas In“Código de Processo Civil Anotado”, volume II, 2ª ed., p. 354,“pela excepção visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito”, enquanto que “a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito. (...). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida”.
No mesmo sentido, vide Prof. Miguel Teixeira de Sousa In “O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material”, BMJ 325, pg. 49 e ss., segundo o qual “a excepção de caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior”, já “quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade de caso julgado é o comando de acção, a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva à repetição do processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão anterior”. - cfr, para a distinção de ambas as figuras, cf., por ex., Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, pág. 320, Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, pág. 384, Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Código de Processo Civil, pág. 576, Mariana França Gouveia, A Causa de Pedir na Acção Declarativa, pág. 394).
Como vem sendo entendimento jurisprudencial maioritário, a autoridade de caso julgado, diversamente da excepção de caso julgado, pode funcionar independentemente da verificação da tríplice identidade a que alude o artº 498º,(actual artº 581) do C.P.C., pressupondo, porém, a decisão de determinada questão que não pode voltar a ser discutida - nesse sentido, entre outros, Acs. do STJ de 13.12.2007, processo nº 07A3739; de 06.03.2008, processo nº 08B402, e de 23.11.2011, processo nº 644/08.2TBVFR.P1.S1, www.dgsi.pt.
Acresce, ser entendimento dominante que a força do caso julgado material abrange, para além das questões directamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado – vd., por todos, Ac. do STJ de 12.07.2011, processo 129/07.4.TBPST.S1, www.dgsi.pt.
Como esclarece Miguel Teixeira de Sousa In “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, pg. 579., citado no referido Acórdão do STJ, “não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão.”
Conforme vertido supra, resulta manifesto não ocorrer no caso vertente a excepção de caso julgado, uma vez que nas acções em causa, apesar de quer as partes, quer a causa de pedir serem idênticas, os pedidos são distintos (uma vez que os despachos postos em crise têm por objecto benefícios fiscais distintos , qual sejam a isenção de IMI, e isenção de rendimento da categoria A emergente de deficiência fiscalmente relevante, em sede de IRS).
Importa, pois, averiguar, se se verificou ofensa à autoridade de caso julgado, que, como referido não se confunde com a excepção dilatória de caso julgado.
Para cabal resposta a esta questão, importa traçar o esboço conceptual deste conceito, também denominado auctoritas rei judicatae, seguindo de perto as lições do Prof. Manuel Andrade.
Segundo aquele emérito Professor, o fundamento do caso julgado reside numa razão de certeza ou segurança jurídica (“sem o caso julgado estaríamos caídos numa situação de instabilidade jurídica verdadeiramente desastrosa”) e ainda no prestígio dos tribunais (considerando que “tal prestígio seria comprometido em alto grau se mesma situação concreta uma vez definida por eles em dado sentido, pudesse depois ser validamente definida em sentido diferente”).
Assim, ainda que se não verifique o concurso dos requisitos ou pressupostos para que ocorra a excepção de caso julgado (exceptio rei judicatae), pode estar em causa a certeza jurídica das decisões, ou o prestígio dos tribunais, se uma decisão, mesmo que proferida em outro processo, com outras partes,( se for o caso) vier dispor em sentido diverso sobre o mesmo objecto da decisão anterior transitada em julgado, abalando assim a autoridade desta.
Como referido no acórdão da Relação de Coimbra, de 28-09-2010 Pº 392/09.6 TBCVL.S1, in www.dgsi.pt “(…)II - A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade prevista no artº 498° do CPC(…)“
Acresce salientar que o caso julgado tem como limites os que decorrem dos próprios termos da decisão, pois como estatui o artº 673º,(actual artº 621º )do CPC, “a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga” .Trata-se, pois, de um corolário do conhecido princípio enunciado na expressão latina «tantum judicatum quantum disputatum vel disputari debebat».
No caso sub judice, recordemos que Autor alegou que, no processo nº 249/06.2BEBRG, por sentença, já transitada em julgado, foi apreciada em concreto o seu direito aos benefícios fiscais cujos pressupostos preencha, independentemente do facto de sua mulher ser devedora fiscal.
Ora, como resulta do probatório, o despacho em questão nos presentes autos fez cessar os benefícios fiscais declarados por deficiência fiscalmente relevante (isenção de rendimentos da categoria A, relativo a IRS concernente ao ano de 2005, atenta a existência , em 31 de Dezembro de 2005 de divida fiscal de um elemento do agregado familiar, divida esta que não foi objecto de reclamação, impugnação ou oposição com prestação de garantia.
A acção que correu termos sob nº 249/06.2BEBRG teve por objecto o despacho do Chefe de Finanças de Braga 1, datado de 17.11.2005 que indeferiu o pedido de isenção de IMI formulado pelo autor com fundamento na existência de dívidas dos contribuintes que compunham o agregado familiar, sendo que nesta foi preferido Acórdão, já transitado em julgado, que perante a mesma realidade fáctica subjacente, julgou a pretensão do Autor procedente no entendimento de que “(…)invocando o sujeito passivo um dos pressupostos hipótese da previsão normativa -residência própria permanente -, verificando-se quanto a ele a condição de atribuição -inexistência de dívidas relativamente aos tributos referenciados no art° 11-A, n°1 do EBF-, e inexistindo dívidas por parte da comunidade conjugal, deve o mesmo ser-lhe reconhecido.(…)»
Face a todo exposto, ressalta a evidente quanto às duas acções em análise apenas se verifica a identidade quanto às partes e quanto à causa de pedir (lembre-se, errónea interpretação do regime legal ínsito nos artigo 11º- A nº1 do EBF, na redacção à data ).
A corrente jurisprudencial dominante, entende, porém, que relativamente à autoridade de caso julgado não é exigível a coexistência da tríplice identidade que o legislador exige para que se verifique a excepção de caso julgado, uma vez que será sempre em função do teor da decisão que se mede a extensão objectiva do caso julgado e, consequentemente, a autoridade deste.
Destarte, sem curar da bondade, acerto ou desacerto do acórdão proferido no processo nº 249/06.2BEBRG, certo é que não pode este Tribunal ignorar o decidido naquele aresto.
Assim, concatenando todo o raciocínio exposto, e uma vez que a sentença recorrida contraria expressamente a decisão proferida naquela primeira acção, violando a autoridade de caso julgado, impera julgar procedente o presente recurso.

DECISÃO
Termos em que acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCAN em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a acção administrativa especial.
Custas pela Recorrida em ambas as instâncias.

Porto, 15 de Outubro 2015
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Fernanda Esteves
Ass. Ana Patrocínio