Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00168/12.3BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/24/2014
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:FUNDO DE GARANTIA SALARIAL;
SUBSÍDIO DE FÉRIAS;
LEI Nº 25/2004.
Sumário:1. O Fundo de Garantia Salarial assegura, em caso de incumprimento pelo empregador, ao trabalhador o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, designadamente, nos casos de declaração judicial de insolvência da entidade empregadora.
2. Nos termos do Artº 319º da Lei nº 25/2004, o Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da ação ou apresentação do requerimento referido no artigo anterior.
3. Não obstante, no caso, o direito às Férias de 2009 se tenham vencido em 1 de Jan/2010, os correspondentes créditos (vencimento e subsidio de férias) vencer-se-ão no momento do gozo das férias, pelo que serão devidos caso coincidam com o período relevante para efeitos de pagamento de créditos.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fundo de Garantia Salarial, IP
Recorrido 1:APSF...
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I Relatório
O Fundo de Garantia Salarial IP, no âmbito da Ação Administrativa Especial intentada por APSF, tendente a impugnar o Despacho de 31 de Outubro de 2011 do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial “que deferiu apenas parcialmente o requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho apresentado pelo Autor”, inconformado com o Acórdão proferido em 9 de Maio de 2013, através do qual foi julgada parcialmente procedente a Ação, veio interpor recurso jurisdicional do mesmo, proferido em primeira instância e em coletivo, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel.

Formula o aqui Recorrente/FGS nas suas alegações de recurso, apresentadas em 14 de Junho de 2013, as seguintes conclusões:
“1. O Fundo de Garantia Salarial apenas assegura o pagamento dos créditos que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a propositura da ação.
2. No presente caso, a ação de insolvência foi intentada no dia 02.12.2010.
3. O período de referência para os créditos a assegurar pelo Fundo de Garantia Salarial, situam-se entre 02.12.2010 e 02.06.2010.
4. Para efeitos do estabelecido no n.º 1 do art. 319.º, da lei n.º 35/2004, de 29/07, o Fundo de Garantia apenas assegura os créditos que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a propositura da ação, ou seja, os créditos vencido entre 02.06.2010 e 02.12.2010.
5. O direito às férias vence-se no dia 1 de Janeiro, conforme disposto no n.º 1 do art.º 237.º da Lei n.º 7/2009.
6. No caso concreto, as férias relativas ao ano de 2009, venceram-se no dia 01.01.2010.
7. Portanto, fora do período de referência.
8. Isto não significa que o requerente não tenha direito ao pagamento das férias e respetivo subsídio, o que não é direito a que os mesmos sejam assegurados pelo Fundo de garantia Salarial, uma vez que não estão dentro do período de referência.
9. Conclui-se que o requerimento apresentado pelo Recorrido para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua cessação e violação, ao abrigo do regime jurídico do Fundo de Garantia Salarial, foi deferido parcialmente, não tendo o Fundo assegurado o pagamento das férias e subsídio de férias por se encontrarem preenchidos os requisitos exigidos pelo n.º 1 do art. 318.º, da Lei n.º 35/2004, de 29/07.
10. O Tribunal a quo ao decidir como decidiu, violou o disposto as referidas disposições legais.
Termos em que, e com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, substituindo-a por outra que considere que os requerimentos apresentados pelas Recorridas não preenchem os requisitos exigidos pelo n.º 1 do art. 319.º, da Lei n.º 35/2004, de 29/07, conjugado com o n.º do art.º 237 da Lei n.º 7/2009, de 12.02.

Em 3 de Outubro de 2013 foi proferido Despacho de admissão do Recurso Jurisdicional (Cfr. fls. 219 Procº físico).

O aqui Recorrido não veio apresentar contra-alegações de Recurso.

O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 5 de Fevereiro de 2004 (Cfr. fls. 152 Procº físico), veio a emitir Parecer em 17 de Fevereiro de 2014, no qual, a final, se pronuncia no sentido da improcedência do Recurso (Cfr. fls. 153 a 156 Procº físico).

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, mormente no que concerne à atribuição ao Recorrido dos créditos salariais determinados pelo Acórdão Recorrido, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade, entendendo-se a mesma como adequada e suficiente:
“1.º - O A. foi trabalhador da empresa “F... - Engenharia e Construção, Lda.” (cf. fl. 26 do PA);
2.º - A ação para a declaração da insolvência da empresa acima identificada foi instaurada em 02/12/2010, sob o n.º 1692/10.8TBLSD, que correu termos no 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Lousada, que foi declarada insolvente em 04/03/2011 (cf. fl. 22 do PA e fls. 42 a 50 dos autos);
3.º - O A. apresentou em 29/04/2011 ao Administrador da Insolvente atrás referida uma reclamação de créditos salariais (cf. fls. 51 a 57 dos autos);
4.º - Em 04/05/2011, o A. apresentou ao R. um requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho que manteve com a insolvente, abrangendo as retribuições dos meses de Maio a Outubro de 2010, as férias, subsídios de férias e de Natal de 2008 a 2010 (cf. fl. 20 do PA);
5.º - Sobre as informações e pareceres de fls. 22 a 25 do PA, o Presidente do Conselho de Gestão do R. proferiu em 31/10/2011 o despacho de “Concordo”, deferindo parcialmente o requerimento do Autor (cf. fl. 26 do PA) - despacho impugnado.”

IV – Do Direito
Peticionou originariamente o aqui Recorrido, a declaração de nulidade do despacho do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, de 31 de Outubro de 2011, que deferiu parcialmente a sua pretensão de pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho celebrado com a Sociedade onde trabalhava, mais requerendo a condenação do FGS a deferir-lhe o pagamento dos créditos reclamados, que mensurava em 8.550€, mais juros.

O Acórdão recorrido julgou a ação parcialmente procedente, condenando a aqui Recorrente a pagar ao Recorrido “os créditos salariais atinentes à retribuição e ao subsídio relativo ao direito a férias vencido em 1 de Janeiro de 2010, os créditos relativos aos proporcionais de férias e subsídio de natal de 2010 e ainda o crédito do proporcional do subsídio de natal de 2010, indexando-se a todos, porém, o salário base mensal de 539,50€”, não tendo o então Autor, Recorrido jurisdicionalmente, pelo que, naturalmente, nos cingiremos à apreciação do suscitado pelo Recorrente/FGS.

Assim, o regime legal vigente de acesso ao Fundo de Garantia Salarial encontra-se estatuído nos Artº 317º a 326º do Regulamento do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 35/2004, de 29 de Julho, mantido em vigor enquanto não fosse publicada a legislação especial sobre o Fundo de Garantia Salarial, nos termos do Artº 12º, nº 6, al. o) da Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro, que aprovou o então novo Código de Trabalho.

Do regime então vigente, resulta que a lei exige a verificação cumulativa de determinados requisitos para que o Fundo de Garantia Salarial possa assegurar o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação e cessação.

Dispõe o referido Artº 317º da Lei nº 35/2004 que “o Fundo de Garantia Salarial assegura, em caso de incumprimento pelo empregador, ao trabalhador o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação nos termos dos artigos seguintes”.

Por outro lado, o Artº 318º do mesmo diploma refere, no âmbito de aplicação, os casos de declaração judicial de insolvência da entidade empregadora, na medida em que, nos termos do seu nº 1, o “Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos a que se refere o artigo anterior, nos casos em que o empregador seja judicialmente declarado insolvente”.

No entanto, o Fundo de Garantia Salarial não garante o pagamento de todos e quaisquer créditos, mas tão-somente os que se encontrem abrangidos na previsão do Artº 319º da mesma Lei nº 25/2004, na qual se estatui:
“1 - O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos previstos no Artº 317º que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da ação ou apresentação do requerimento referido no artigo anterior.
2 – Caso não haja créditos vencidos no período de referência mencionado no número anterior, ou o seu montante seja inferior ao limite máximo definido no nº 1 do artigo seguinte, o Fundo de Garantia Salarial assegura até este limite o pagamento dos créditos vencidos após o referido período de referência.
3 – O Fundo de Garantia Salarial só assegura os pagamentos dos créditos que lhe sejam reclamados até três meses antes da respetiva prescrição”.

O transcrito determina pois que o referido Fundo assegura ao trabalhador, em caso de incumprimento pelo empregador judicialmente declarado insolvente, o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho, desde que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da ação de declaração de insolvência.

Deste modo, ressalvadas as situações que caem no âmbito do nº 2 do Artº 319º, para que o Fundo de Garanti Salarial assegure o pagamento desses créditos, são cumulativamente exigíveis dois requisitos, a saber:
a) A prévia instauração da ação de insolvência e
b) O Vencimento dos créditos reclamados, nos seis meses anteriores à data da instauração da ação de insolvência.

Aqui chegados, verifiquemos, em concreto, a situação sub judice.

Em face de tudo quanto se mostra provado, é manifesta a aplicabilidade à situação controvertida do Artº 318º da Lei nº 35/2004.

Efetivamente a ação de insolvência foi instaurada em 02/12/2010, tendo o aqui Recorrido reclamado correspondentemente os seus créditos salariais junto do Administrador de Insolvência.

Assim sendo, importará tão-só verificar do preenchimento do segundo requisito resultante do nº 1 do Artº 319º da referida Lei nº 35/2004.

A discordância do aqui Recorrente relativamente ao acórdão recorrido assenta na data de vencimento dos créditos salariais e afins, reportados a férias e subsídios de férias, cujo pagamento o Recorrido sempre pretendeu obter do Fundo de Garantia Salarial.

O Recorrente, com recurso ao Artº 237º, nº 1 da Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro, situa em 1 de Janeiro de 2010 o vencimento dos créditos salariais do Recorrido, face à retribuição e ao subsídio de férias do ano de 2009.

A ser assim, não se mostraria preenchido o circunstancialismo temporal previsto no nº 1 do Artº 319º da Lei nº 35/2004.

Em qualquer caso, como bem se sublinha no acórdão recorrido e acompanhado pelo Magistrado do Ministério Público junto deste TCAN, o vencido em 1 de Janeiro de 2010 foi o direito a férias e não já os referidos e correspondentes créditos salariais, o que é diverso.

Acompanhando o sentido do expendido no Acórdão Recorrido, é manifesto que o Recorrente incorre em erro de interpretação, decorrente da circunstância de confundir dois conceitos diversos.

Efetivamente, o direito a férias e o direito à perceção dos correspondentes créditos remuneratórios são realidades jurídicas distintas, ainda que conexas, pois que se verifica um desfasamento temporal face ao vencimento de ambos os referidos direitos, como é sublinhado lapidarmente no acórdão recorrido.
Na realidade, o direito a férias é uma realidade que não pode ser confundida com o direito à retribuição durante as férias e com o subsídio de férias, pois, como se disse, são realidades conexas, mas distintas.

O que se vence em 1 de Janeiro de cada ano, in casu, em 01/01/2010, é o direito do trabalhador ao gozo de um período de férias, atento o artigo 237.º, n.º 1, do Código do Trabalho, reportando-se ao trabalho prestado no ano precedente (n.º 2, do mesmo Artº 237º do CT).

Por outro lado, os créditos correspondentes à retribuição durante as férias e o subsídio de férias apenas se vencem no próprio mês em que o trabalhador goza as mesmas, sendo que o direito ao subsídio de férias se vencerá imediatamente antes do início do gozo do período de férias, como resulta do artigo 264.º, n.º s 1 e 3, do mesmo Código.

Não tendo sido alegado e muito menos provado que o aqui recorrido tenha gozado férias antes de 2 de Junho de 2010, enquanto início do período de garantia, é manifesto o direito do aqui Recorrido à perceção do montante correspondente ao subsídio de férias relativo ao trabalho prestado em 2009.
O mesmo se passará relativamente aos proporcionais de férias e subsídio de férias do ano de 2010.

Em face de tudo quanto precedentemente ficou expendido, não se mostra censurável o entendimento adotado pelo tribunal a quo ao condenar o FGS a pagar ao aqui Recorrido os créditos salariais atinentes à retribuição e ao subsídio relativo ao direito a férias vencido em 01/01/2010 e os relativos aos proporcionais de férias e subsídio de férias de 2010, indexados à remuneração base de €539,50.

Mais se entende adequada a condenação da mesma entidade a pagar ao Recorrido o proporcional do subsídio de Natal de 2010, atento o disposto no artigo 263.º, n.º 2, alínea b), do Código do Trabalho, porquanto, sendo o seu valor indexado de forma proporcionada ao tempo de serviço prestado no ano da cessação, o vencimento de tal crédito tem de se reportar ao momento em que o contrato cessa.
* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, negar provimento ao Recurso, confirmando o Acórdão objeto de Recurso.
Custas pela Recorrente.
Porto, 24 de Outubro de 2014
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco
Ass.: João Beato Sousa
Ass.: Maria do Céu Neves