Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00362/20.1BEMDL-S1
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/18/2021
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:LEVANTAMENTO DO EFEITO SUSPENSIVO AUTOMATICO- GRAVE PREJUIZO -RISCO DE INCÊNDIO.
Sumário:1-O mecanismo da suspensão automática previsto no artigo 103.º-A do CPTA, teve como objetivo implementar uma solução que assegure a máxima garantia possível da tutela jurisdicional efetiva do impugnante, dotando-o da possibilidade de acionar um mecanismo por via do qual logre paralisar a contratação em curso, impedindo a celebração e/ou execução do contrato e, com isso, a eventual lesão dos interesses que, com o recurso à via judicial, pretenda acautelar.

2-O efeito suspensivo automático deverá ser levantado se o juiz concluir, através da prova efetuada, que a sua manutenção consubstancia: (i)um prejuízo “grave” para o interesse público, ou, (ii) comporta consequências lesivas “claramente” desproporcionadas para outros interesses envolvidos.

3-O prejuízo será grave se poder concluir-se que é vultuoso ou severo para o interesse publico ou de consequências significativas para os outros interesses envolvidos, e concreto.

4-Tendo a IP, S.A, operacionalizado um novo modelo de gestão da manutenção rodoviária, em que as atividades de cariz ambiental estão englobadas num contrato dedicado, “Execução de Trabalhos de Gestão de Vegetação 2020-2022 – 18 Lotes” (ETGV), em regime plurianual, por os CCC já não permitirem assegurar a realização dos trabalhos de limpeza das zonas que marginam os eixos rodoviários para além dos 3 metros que os mesmos previam, é um facto notório que que a manutenção do efeito suspensivo automático levará que apenas se poderá fazer essa limpeza nos 3 metros que marginam os eixos rodoviários, o que, é insuficiente para acautelar os riscos de incêndio, já que, ainda que limpos os aludidos 3 metros, por recurso aos CCC, facilmente o fogo se iniciará nas zonas não limpas que se situam para lá destes ou se propagará dos restos de vegetação existentes nas zonas limpas para as zonas não limpas com as consequências imprevisíveis, incontroláveis mas efetivas e concretas, colocando em risco a vida, a integridade física e o património de quem circula nessas vias rodoviárias e de toda a comunidade envolvente.

5-Os prejuízos que a IP, S.A visa acautelar mediante o afastamento do efeito automático da suspensão, para além de patrimoniais, incluem prejuízos de índole não patrimonial, como o risco de risco de perda de vidas, de ofensas à integridade física e de danos ambientais.

6-Os prejuízos patrimoniais advenientes para a impugnante do levantamento da suspensão automática da adjudicação são de cariz meramente patrimonial, pelo que têm de ceder aos graves danos não patrimoniais e patrimoniais para o interesse público, que a manutenção do efeito automático da suspensão poderá acarretar indiscutivelmente para um vasto número de cidadãos.
(Sumário elaborado pela relatora – art.º 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Recorrente:INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL
Recorrido 1:E., SA
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I.RELATÓRIO

1.1. E., S.A., pessoa coletiva n.º (…), com sede no Lugar (…), propôs contra INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, S.A., pessoa coletiva n.º (…), com sede na Praça (…), ação de contencioso pré-contratual, com vista à exclusão das propostas apresentadas, pelas sociedades que identificou como Contrainteressadas, aos lotes 1, 3, 6, 8, 10, 11, 13, 14, 15, 16 do Concurso Público n.º 5010043724 lançado por essa entidade, tendo por objeto a “Execução de trabalhos de gestão de vegetação 2020-2022”, à anulação da decisão de adjudicação tomada quanto a tais lotes e à consequente adjudicação dos mesmos à Autora.

1.2.Citada, a Entidade Demandada apresentou contestação, a fls. 684 do processo eletrónico na qual requereu o levantamento do efeito suspensivo automático decorrente do artigo 103.º-A do CPTA (cfr. artigos 535.ºss do articulado).
Alegou, para tanto, em síntese, que, no âmbito das obrigações legais da IP destaca-se toda a atividade associada ao cumprimento dos critérios de gestão de combustível, enquadrados na legislação do Sistema de Defesa da Floresta Contra Incêndios (SDFCI), estando as vias rodoviárias inseridas na rede secundária de faixas de gestão de combustível (FGC).
A IP tem assegurado os trabalhos de conservação/manutenção da rede rodoviária através de contratos trienais de conservação corrente – CCC, os quais englobam os diferentes trabalhos com vista a preservar a vida útil dos diversos ativos rodoviários.
Neste âmbito englobam-se as designadas atividades ambientais, com uma vasta tipologia de trabalhos (ceifas, corte seletivo de vegetação, podas, abates, plantações e sementeiras, entre outros) que permitem manter as condições de segurança da circulação, bem como assegurar a preservação do património vegetal na envolvente das vias.
Os trabalhos necessários à manutenção das FGC tradicionalmente têm vindo a ser desenvolvidos no âmbito destes contratos.
No entanto, após os acontecimentos do Verão de 2017, tornou-se mais abrangente e com critérios mais exigentes, a execução dos trabalhos necessários para dar cumprimento à legislação do SDFCI.
Complementarmente, a obrigação de entrar em domínio privado, sempre que necessário para cumprir a gestão de combustível numa faixa de 10m, extravasa o definido para os CCC, que apenas abrangem os trabalhos dentro do domínio rodoviário.
Dado que os CCC têm que estar preparados para a resposta necessária ao quadro legal, face à especialização do trabalho em causa, o local onde decorre, marginalmente à via, entrando em domínio privado e aos prazos em que os mesmos devem estar realizados, entendeu-se adotar uma gestão num contrato individualizado das restantes atividades incluídas nos CCC, mais vocacionadas para trabalhos típicos de engenharia civil.
Neste contexto, operacionalizou-se um novo modelo de gestão da manutenção rodoviária, em que as atividades de cariz ambiental estão englobadas num contrato dedicado, os ETGV, em regime plurianual, complementando os CCC de modo a assegurar tanto a segurança da exploração rodoviária, como o cumprimento das obrigações legais e contratuais que impendem sobre a Empresa.
Tal como nos CCC, seguiu-se a organização distrital, tendo-se lançado um procedimento com 18 lotes.
Neste contexto, a necessidade do presente procedimento justifica-se pela insuficiência de condições nos CCC para assegurar a realização dos trabalhos de gestão de vegetação que permitam o cumprimento da legislação em vigor e os princípios da boa gestão empresarial.
Os contratos impugnados são imprescindíveis para se cumprir as obrigações da IP no âmbito do SDFCI.
Com um eventual atraso no início das presentes empreitadas, a IP deixa de poder assegurar o cumprimento das suas obrigações de limpeza das faixas de gestão de combustível, incumprindo o seu dever de prevenção previsto no SDFCI, que define que os trabalhos devem estar concluídos antes do início do período crítico (1 de julho).
Desta forma, fica também sujeita às consequentes notificações por incumprimento por parte das autoridades competentes e, eventualmente, às contraordenações com os respetivos pagamentos de multas.
Estas intervenções são particularmente importantes tendo em conta que existem ainda vastas áreas, sobretudo em domínio privado, onde não foi possível intervir em anos transatos, por ausência dessa possibilidade nos CCC, sendo urgente inverter esta situação, o que apenas será exequível cumprir por via destes contratos de ETGV.
Mais acresce que esse mesmo atraso vai ter reflexos na capacidade das empresas adjudicatárias dos presentes contratos assegurarem a atempada consignação aos mesmos das equipas e equipamentos necessários, atento o facto da IP competir no mercado com as restantes entidades que têm sob sua gestão as redes primária e secundária da gestão de combustível, como Autarquias, EDP, REN, Concessionárias, Gestores Florestais e ICNF, as quais acabam por disputar entre si recursos que, reconhecidamente, são escassos no nosso País.
Os CCC dos distritos em causa já não possuem quantidades suficientes nas rubricas necessárias para os trabalhos de limpeza das FGC, designadamente corte seletivo e abate de árvores, rubricas essenciais para a concretização dos trabalhos para além dos 3m a contar da berma da estrada.

1.3.A Autora pronunciou-se, através do requerimento de fls. 1052 dos autos, sobre o requerido levantamento do efeito suspensivo automático, pugnando pela sua manutenção, alegando, em síntese que o argumento da Entidade Demandada de que o não levantamento do efeito suspensivo do ato de adjudicação a impede de assegurar o cumprimento das obrigações legais de limpeza das faixas de gestão de combustível, uma vez que o Contrato de Conservação Corrente (CCC) celebrado para cada um destes concretos lotes, ultrapassaram já, nalguns casos, as quantidades contratadas é uma falácia;
A alegação da Entidade Demandada, além de manifestamente insuficiente para sustentar o pedido de levantamento do efeito suspensivo é rotundamente falsa, porquanto aquela não só não alega os danos que resultam da manutenção do efeito suspensivo – que se limita a indicar de forma hipotética subsumindo-os a possíveis incumprimentos não concretizados – são superiores aos que podem resultar do seu levantamento, os quais nem sequer identifica, como também omite, de forma consciente, a celebração de outros contratos para a execução dos serviços em causa recentemente executados, e ainda a existência – lógica e legal – de clara e vantajosa alternativa para a contratação dos serviços que se mostrem entretanto imprescindíveis e inadiáveis, se existirem;
O modelo de gestão da manutenção da rede viária, desenvolvida pela própria e que se baseia na distribuição por dois tipos de contratos, dos diversos serviços contemplados na referida manutenção que a Entidade Demandada alega corresponder a uma «nova estratégia», não é novo, uma vez que surge depois dos fatídicos incêndios de 2017 – há mais de 3 anos –, e tem convivido de perto com outras formas de gestão e de contratualização de serviços até aqui, que, ao contrário do que diz aquela, cumulam a limpeza das faixas e as intervenções em domínio privado, e que sempre garantiram a manutenção da rede viária e podem continuar a garantir, até decisão do mérito desta ação;
As atividades ambientais previstas no Caderno de Encargos para os CCC asseguram, por si só e sem mais, o cumprimento das obrigações que decorrem do SDFCI, sendo que, além destes contratos, têm sido celebrados outros contratos para a execução dessas atividades ambientais, designadamente, no ano de 2019, em que foram celebrados por ajuste direto – outros contratos, denominados de «GESTÃO DA VEGETAÇÃO», divididos em 6 Centros Operacionais que também cobriram todo o território nacional continental;
Pelo que é rotundamente falso que existam trabalhos por realizar em qualquer uma das áreas previstas no concurso sub judice, que as quantidades contratadas neste momento sejam insuficientes para os trabalhos a realizar, e é ainda mais falso que não existam alternativas imediatas e provisórias a este concurso, de que é possível lançar mão para o caso, que não se antevê, de ser necessário realizar no decurso desta ação – que é urgente, e por isso que se quer célere –, qualquer intervenção pontual nas áreas abrangidas;
Além dos CCC existentes desde abril de 2018 suprarreferidos, foram celebrados em setembro de 2019, contratos de empreitada denominadas «EXECUÇÃO DE GESTÃO DE COMBUSTÍVEL 2019», um para cada um dos Distritos de Portugal Continental, por ajuste direto, para a realização das «atividades ambientais» definidas no concurso público aqui em apreço, quando ainda tinha decorrido apenas um ano e cinco meses desde o início dos CCC;
Conforme resulta dos contratos celebrados, os Adjudicatários tinham 120 (cento e vinte) dias para a execução dos trabalhos, contados da sua consignação, devendo todos os trabalhos estar concluídos até 31 de dezembro de 2019, o que, como supra se disse, não aconteceu, uma vez que a assinatura do contrato foi apenas em setembro, e os trabalhos acabaram por ser executados até ao final do 1.º semestre deste ano de 2020;
Por outro lado, e antes da celebração destes contratos de ETGV por ajuste direto, a Ré lançou um Concurso Público com o procedimento n.º 2908/2019, publicado em Diário da República n.º 57, II série de 21 de março de 2019, tendo como objeto «GESTÃO DA VEGETAÇÃO NESTES ESPAÇOS INTEGRADOS EM FAIXAS DE GESTÃO DE COMBUSTÍVEL», e, apesar de divido em apenas 6 (seis) lotes, abrangia todo o território Nacional Continental, caso em que se decidiu – ao contrário do alegado no pedido de levantamento do efeito suspensivo automático – por um outro «modelo de gestão», de divisão do território em 6 grandes lotes;
Conforme resulta do Caderno de Encargos destes contratos, o objeto contratual é exatamente o mesmo destes ETGV, fazendo aliás, expressa referência à intervenção em domínio privado, referido no pedido de levantamento do efeito suspensivo;
Isto significa, em suma, que durante o ano de 2019 – cuja execução se prolongou até ao final do 1.º semestre de 2020 – a Entidade Demandada teve em execução, para as mesmas tarefas, os seguintes contratos:
1 – CONTRATO DE CONSERVAÇÃO CORRENTE (CCC)
- Por Concurso Público;
- Triénio 2017-2020;
- 18 lotes – todo o território continental;
- Atividades Ambientais com objeto reconhecidamente menos profundo e abrangente.
2 – EMPREITADAS DE GESTÃO DE VEGETAÇÃO
- Por Concurso Público;
- 180 dias – entre julho de 2019 a junho de 2020;
- 6 lotes – todo o território continental;
- Atividades Ambientais iguais aos ETGV, incluindo intervenções em domínio privado.
3 – EXECUÇÃO DE TRABALHOS DE GESTÃO DE VEGETAÇÃO (ETGV)
- Por Ajuste Direto;
- 120 dias – entre setembro de 2019 e 1.º semestre de 2020;
- 18 lotes – todo o território continental;
- Atividades Ambientais iguais ao anterior, incluindo intervenções em domínio privado.
Pelo que, muito estranho seria se, com três contratos para a execução das mesmas tarefas, ou pelo menos de tarefas em tudo tocantes, para o mesmo território, não tivesse sido garantida a limpeza e manutenção de toda a rede viária no ano de 2019 início do ano de 2020;
Não é verdade que apenas este contrato de ETGV seja dedicado à realização de trabalhos mais vocacionados para as atividades ambientais, uma vez que a Ré já contratou, pelo menos em 2019, outros contratos para a execução dos mesmos serviços;
Não é verdade que existam áreas por intervir atendendo à ampla intervenção realizada no ano transato e que se estendeu a 2020, sendo que, a admitir-se esse cenário sempre teria de conduzir-se a Entidade Demandada a uma auditoria e análise pormenorizada do decurso dos trabalhos nestes contratos, porque não se pode considerar aceitável que a coexistência de 3 tipos de contrato em simultâneo com as mesmas tarefas e a mesma área geográfica, não permitissem fazer face aos trabalhos necessários;
Ainda há menos de 6 meses o último desses contratos estava em execução e já está em marcha a contratação de novos CCC para o próximo triénio, que sempre podem garantir, ainda que de forma menos incisiva ou pormenorizada, os trabalhos de gestão até decisão desta causa, bem como pode a Entidade Demandada lançar mão de outros procedimentos de contratação mais céleres – como o por ajuste direito a que já recorreu anteriormente – para pontualmente contratar os trabalhos que se considerem necessários para garantir o cumprimento das exigências legais mínimas, que serão certamente, em face do supra alegado, pontuais e limitados, ou mesmo usar recursos próprios – dos quais não alegou não dispor – para executar tais tarefas, dentro do curto período que se espera esteja pendente esta ação;
Quanto às alegadas finitude dos recursos no nosso País e dificuldade das Adjudicatárias em garantir a atempada consignação das equipas e recursos aos contratos caso se mantenha a suspensão, além de tal não constituir um problema da Entidade Adjudicante mas sim dos Adjudicatários que se obrigaram a dispor de tais meios, é um argumento falacioso na medida em que, no âmbito deste concurso, apresentaram propostas, a cada um dos lotes, mais de 8 empresas diferentes, que garantiram e se comprometeram todas elas a dispor dos meios necessários à execução dos trabalhos e que estão em curso, pelo menos, duas ações judiciais onde duas empresas peticionam que os contratos em apreço – designadamente estes concretos lotes – lhes sejam a si adjudicados, assumindo por isso o risco de manter os recursos para a execução do contrato durante a respetiva ação judicial;
Além disso, as empresas vencedoras – em especial as que venceram mais lotes, ou seja, a F. e R. – são empresas que já têm contratado com a Entidade Demandada, ao mesmo tempo que executam outros contratos, como a aqui Autora que trabalha, em simultâneo, para muitas das entidades referidas no pedido de levantamento do efeito suspensivo, sem que isso a impeça de ter concorrido – com uma proposta séria – a este procedimento, e dispor de capacidade para o executar;
Faz parte da forma de gerir as empresas, e é um risco das próprias Adjudicatárias a que a Entidade Demandada é e tem de ser totalmente alheia, concorrer a determinados concursos, bem sabendo que o início dos contratos pode não chegar a ocorrer na data prevista;
Falece, assim, a argumentação da Entidade Demandada, quando alega a escassez de recursos e o risco da suspensão do ato de adjudicação pôr em causa a capacidade das Adjudicatárias, pois que não logrou provar, como lhe competia, não dispor de recursos próprios para assegurar a execução das tarefas nem que a não celebração do contrato põe, de facto, em risco o cumprimento das exigências legais de defesa da floresta contra incêndios;
Ou seja, não demonstrou que a suspensão dos atos de adjudicação acarreta um prejuízo grave para o interesse público ou consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos e, pior ainda, não logrou provar – nem tão-pouco demonstrar – qual a ponderação de interesses em presença nesta ação, e quais as consequências lesivas desproporcionadas desta suspensão, em face dos interesses envolvidos;
A Autora impugnou os atos de adjudicação em análise por considerá-los ilegais, e porque as propostas das Contrainteressadas traduzem um sério e evidente risco de incumprimento, o que melindrará seriamente o interesse público a curto prazo, sendo que tais atos impedem neste momento a Autora – a quem deveriam ter sido adjudicados os contratos, e que apresentou uma proposta séria, credível e economicamente mais vantajosa na verdadeira aceção da lei –, de poder prestar os serviços a que se propôs, no desenvolvimento daquela que é a sua atividade;
O levantamento da suspensão destes atos, fará com que os diversos contratos a celebrar com as Contrainteressadas Adjudicatárias se iniciem e se consumam, sendo executados e, mais ainda, que aquelas contrainteressadas façam o elevado investimento a que se propõem em termos de recursos humanos e equipamentos para 3 anos de execução de contrato, de uma forma irreversível;
Ainda que seja dada razão à alegação da Autora e o Tribunal decida pela ilegalidade dos atos de adjudicação, não mais poderão ser revertidos ou impedidos os investimentos já concretizados, verificando-se a consumação e consolidação na ordem jurídica de um ato que é ilegal, que produz assim os seus efeitos, em claro prejuízo para o interesse público – na medida em que destes atos resulta um grande e evidente risco de incumprimento na execução dos contratos –, e também para os interesses privados da Autora, designadamente os seus interesses económicos na execução destes contratos;
Nem a manutenção do efeito suspensivo do ato de adjudicação implica o risco de incumprimento da legislação quanto à execução das tarefas de Defesa da Floresta Contra Incêndios ou tem reflexos na capacidade das adjudicatárias como alegado;
Nem tão pouco os danos decorrentes da manutenção do efeito suspensivo são superiores aos danos que originariam o seu levantamento, quanto mais consideravelmente superiores.

1.4. Foi suscitada, pela Contrainteressada F., S.A (cfr. contestação apresentada a fls. 956 dos autos), a incompetência do TAF de Mirandela para apreciação do mérito da causa, para o que defende ser competente o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, por força do disposto no artigo 20.º, n.º 1 do CPTA.
1.5. Proferiu-se decisão que julgou o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, de acordo com o Mapa Anexo ao DL n.º 325/2003, de 29 de dezembro, o competente para decisão do mérito da causa e, por inerência, do incidente de levantamento de efeito suspensivo sob apreciação e, consequentemente, improcedente a exceção de incompetência relativa.
1.6. Foi, igualmente, excecionada, pela Contrainteressadas F., S.A., a falta de interesse em agir da Autora, relativamente à anulação da decisão de adjudicação dos lotes 1, 8, 10, 11,13,14 e 15, alegadamente adveniente da circunstância de as propostas apresentadas pela Autora nesses lotes não terem ficado classificadas em 2.º lugar e de não haver, assim, quanto a esses, interesse na anulação do ato de adjudicação, o qual não poderá, nessa medida, recair sobre as propostas da Autora.

1.7. A mesma exceção foi também suscitada pela Contrainteressada V., S.A. (cfr. fls. 867 dos autos), quanto aos lotes 8, 11 e 14, relativamente aos quais alega que, mesmo que a sua proposta venha a ser excluída, se não forem excluídas todas as demais propostas posicionadas à frente da proposta apresentada pela Autora, será ordenada em 1.º lugar a proposta de uma outra Contrainteressada e não a da Autora, razão pela qual, não tendo as Contrainteressadas nesses lotes impugnado o ato de adjudicação, a Autora não retiraria qualquer utilidade da exclusão da proposta da V. e teria, nesse cenário, falta de interesse em agir.
1.8. O TAF de Mirandela relegou a apreciação da referida exceção para a decisão principal a proferir nos presentes autos.
1.9. Proferiu-se despacho que considerou já fornecerem os autos todos os elementos necessários à apreciação do mérito do incidente, atentos o respetivo objeto, a alegação das partes e a prova documental constante dos autos, e que dispensou a produção da prova testemunhal que foi requerida relativamente ao incidente, por se afigurar desnecessária para a decisão a proferir. – cfr. artigos 6.º n.º 1 e 130.º do CPC e artigo 90.º n.ºs 1 e 3 do CPTA.

1.10. O TAF de Mirandela proferiu decisão que indeferiu o incidente constando a mesma do seguinte segmento decisório:
“Nestes termos e pelos fundamentos expostos, indefere-se o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático do ato de adjudicação impugnado.
Custas pela Entidade Demandada, que se fixam em 1 UC. – cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, e artigo 7.º n.º 2 e Tabela II-A anexa do RCP.
Registe e notifique”.

1.11.O IP, S.A, inconformado com a decisão que julgou improcedente o incidente do levantamento do efeito suspensivo automático interpôs o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

“1. No âmbito das obrigações legais da IP S.A. destaca-se toda a atividade associada ao cumprimento dos critérios de gestão de combustível, enquadrados na legislação do Sistema de Defesa da Floresta Contra Incêndios (SDFCI), estando as vias rodoviárias inseridas na rede secundária de faixas de gestão de combustível (FGC).
2. A IP S.A. assegura os trabalhos de conservação/manutenção da rede rodoviária através de contratos trienais de conservação corrente (CCC), os quais englobam os diferentes trabalhos com vista a preservar a vida útil dos diversos ativos rodoviários.
3. Neste âmbito, englobam-se as designadas atividades ambientais (capítulo com maior investimento logo após a conservação de pavimentos), com uma vasta tipologia de trabalhos (ceifas, corte seletivo de vegetação, podas, abates, plantações e sementeiras, entre outros), que permitem manter as condições de segurança da circulação, bem como assegurar a preservação do património vegetal na envolvente das vias.
4. Os trabalhos necessários à manutenção das FGC foram até 2017 desenvolvidos no âmbito destes contratos.
5. No entanto, após os acontecimentos do Verão de 2017, tornou-se mais abrangente e com critérios mais exigentes a execução dos trabalhos necessários para dar cumprimento à legislação do SDFCI.
6. Também se tornou obrigatório, conforme disposto nas Leis do Orçamento do Estado (LOE) para 2018, 2019 e 2020, a intervenção em todos os espaços florestais independentemente de existirem Planos Municipais de Defesa da Floresta contra Incêndios (PMDFCI) aprovados.
7. Complementarmente, a obrigação de entrar em domínio privado, sempre que necessário para cumprir a gestão de combustível numa faixa de 10m, extravasa o objeto definido para os CCC, que apenas abrangem os trabalhos dentro do domínio rodoviário, pelo que é impossível intervencionar estes espaços com este instrumento contratual.
8. Neste contexto, com este alargamento de âmbito, os CCC não estavam dimensionados para a resposta necessária ao quadro legal, face à especialização dos trabalhos em causa, o local onde os mesmos decorrem, marginalmente à via, entrando em domínio privado, a que acresce o prazo para a realização dos trabalhos, não compatível com os meios existentes e o intervalo de tempo disponível nos contratos para a sua execução.
9. Assim, para obviar este problema, desde 2018 que os CCC têm sido complementados com outros contratos específicos, que permitiram, embora com dificuldades operacionais, envolvendo escassez de meio dos adjudicatários, face à grande procura por todas as entidades gestoras de infraestruturas, e também por questões meteorológicas e dificuldades de acesso aos terrenos, ter uma resposta mais dimensionada para as necessidades.
10. Face à experiência adquirida nestes dois anos, com elevado número de procedimentos contratuais implicando um grande acréscimo da atividade de gestão administrativa e operacional dos mesmos, entendeu-se, face à dimensão dos trabalhos envolvidos tanto operacional como financeiramente, a que acresce a impossibilidade de executar trabalhos em propriedade privada, individualizar esta tipologia de atividade adotando uma gestão num contrato individualizado das restantes atividades incluídas nos CCC, mais vocacionadas para trabalhos típicos de engenharia civil.
11. Neste contexto, operacionalizou-se um novo modelo de gestão da manutenção rodoviária, em que as atividades de cariz ambiental estão englobadas num contrato dedicado, “Execução de Trabalhos de Gestão de Vegetação 2020-2022 – 18 Lotes” (ETGV), em regime plurianual, assegurando-se nos CCC as atividades de pavimentação, drenagem, manutenção de taludes, limpezas, segurança, manutenção de obras de arte, entre outras, visando a manutenção dos ativos rodoviários e a segurança da exploração rodoviária, visando garantir o cumprimento das obrigações legais e contratuais que impendem sobre a Empresa e os princípios da boa gestão empresarial.
12. Tal como nos CCC, seguiu-se a organização distrital, de modo a compatibilizar os dois contratos no mesmo distrito, o que levou ao lançamento de um procedimento com 18 lotes.
13. A preparação deste procedimento decorreu em 2019, na perspetiva de se efetuar a contratualização em 2020, tendo o anúncio do concurso público sido publicado apenas em 16 de março 2020, por a Portaria de extensão de encargos ter sido publicada a 6 de março.
14. A necessidade dos presentes contratos de ETGV justifica-se dado que os CCC já estão exauridos de quantidades para assegurar a realização dos trabalhos de gestão de vegetação que permitam o cumprimento da legislação.
15. Como forma de colmatar o impacto do atraso no início destes contratos e porque a empresa já tinha sido notificada pelas entidades fiscalizadoras da necessidade de efetuar trabalhos de gestão de combustível em alguns distritos, recorreu-se a adicionais aos CCC, com trabalhos a mais, os quais estão sujeitos aos limites constantes do Código de Contratação Pública.
16. No entanto, para a campanha de 2021 já não é possível dotar os atuais CCC de quantidades que permitam dar resposta às necessidades, com a agravante que com estes contratos não é possível executar trabalhos em domínio privado, dado que este não faz parte do objeto destes contratos.
17. Deste modo, os contratos ora impugnados são imprescindíveis para se cumprir as obrigações da IP no âmbito do SDFCI, o que não é possível com os CCC.
18. Assim, com atraso no início das presentes empreitadas, a IP deixa de poder assegurar, em 2021, o cumprimento das suas obrigações de limpeza das faixas de gestão de combustível, incumprindo o seu dever de prevenção previsto no SDFCI, que define que os trabalhos devem estar concluídos antes do início do período crítico, isto é, em 1 de julho.
19. Desta forma, a IP ficará também sujeita às consequentes notificações por incumprimento por parte das autoridades competentes e eventualmente contraordenações com os respetivos pagamentos de multas.
20. Mas, mais preocupante ainda, o incumprimento de limpeza das faixas de gestão de combustível aumentará exponencialmente o risco de incêndios, com consequências imprevisíveis, urgindo, por isso, evitar a todo o custo, a repetição das tragédias que ocorreram em 2017.
21. Nos termos do n.º 6 do Decreto-Lei n.º 91/2015, de 29 de maio, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 104, de 29 de maio de 2015, a Infraestruturas de Portugal, S.A é gestora das infraestruturas rodoviárias e ferroviárias.
22. Segundo determina a alínea a), do n.º 1, do artigo 15.º do Decreto-Lei 124/2006, de 28 de junho, sob a epígrafe “Redes secundárias de faixas de gestão de combustível”, nos espaços florestais previamente definidos nos PMDFCI é obrigatório que a entidade responsável pela rede viária providencie a gestão do combustível numa faixa lateral de terreno confinante numa largura não inferior a 10 m.
23. A alínea r), do n.º 1, do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 124/2006, de 28 de junho, determina que “Gestão de combustível” é a criação e manutenção da descontinuidade horizontal e vertical da carga combustível nos espaços rurais, através da modificação ou da remoção parcial ou total da biomassa vegetal, nomeadamente por pastoreio, corte e ou remoção, empregando as técnicas mais recomendadas com a intensidade e frequência adequadas à satisfação dos objetivos dos espaços intervencionados.
24. Os critérios para a gestão de combustíveis no âmbito das redes secundárias de gestão de combustível encontram-se previstos no Anexo ao Decreto-Lei n.º 124/2006, de 28 de junho.
25. Na sequência dos incêndios florestais que afetaram Portugal em 2017, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 161/2017, publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 210, de 31 de outubro de 2017, veio determinar o reforço da atuação no âmbito da Limpeza das Bermas e Faixas de Gestão de Combustível da Rodovia e da Ferrovia, visando contribuir eficazmente para o Sistema de Defesa da Floresta contra Incêndios.
26. Como refere a douta sentença “a quo”, na página 29, é verdade que existem outros contratos de limpeza e manutenção para segurança rodoviária e que os contratos a celebrar, para execução da Empreitada denominada “Execução de Trabalhos de Gestão de Vegetação 2020-2022 – 18 Lotes”, que são objeto do requerido levantamento do efeito suspensivo, não são os únicos celebrados pela Entidade Demandada neste âmbito e que esta tem ao seu dispor, para prossecução dos seus fins e realização das atividades que lhe estão cometidas na matéria.
27. Todavia, é fundamental sublinhar que a contratualização de tais trabalhos consubstancia um complemento a outros trabalhos, mas não uma repetição dos mesmos ou até uma alternativa aos mesmos.
28. Como já referimos, estes trabalhos específicos tornaram-se necessários após a publicação, na sequência dos incêndios florestais que afetaram Portugal em 2017, da Resolução do Conselho de Ministros n.º 161/2017, no Diário da República, 1.ª série, n.º 210, de 31 de outubro de 2017, que veio determinar o reforço da atuação no âmbito da Limpeza das Bermas e Faixas de Gestão de Combustível da Rodovia e da Ferrovia, visando contribuir eficazmente para o Sistema de Defesa da Floresta contra Incêndios.
29. No presente caso, a palavra “complementar” é utilizada no sentido de “adicionar” ou “completar”, já que nenhum dos outros contratos em vigor cobre esta necessidade na sua totalidade.
30. Na realidade, a suspensão do ato de adjudicação, cujo levantamento se pretende, não implica que a Entidade Demandada deixe de realizar, em absoluto, os trabalhos de manutenção das vias rodoviárias, mas, ao contrário do que refere a douta sentença “a quo”, na página 29, a Entidade Demandada deixa de cumprir, em parte, com as suas obrigações legais nesta matéria.
31. Pois, como já referimos, estes trabalhos são complementares e não repetição de outros trabalhos, pelo que não se encontram abrangidos nos contratos em vigor.
32. A ocorrência de um prejuízo “gravemente prejudicial para o interesse público”, ou a existência de “consequências lesivas claramente desproporcionais para outros interesses envolvidos”, referidos na douta sentença “a quo”, na página 29, é evidente no elevadíssimo risco de incêndio que se pretende evitar.
33. Apesar de a Entidade Demandada ter explicado, ao contrário do que refere a douta sentença “a quo”, na página 30, a impossibilidade de realizar os trabalhos objeto dos contratos em discussão fora do respetivo âmbito, facilmente se compreende que porque os presentes trabalhos não estão incluídos noutros contratos de conservação corrente já celebrados, é claro que não existem verbas disponíveis nestes para trabalhos que não estão previstos nesses contratos e que, como sabemos, ainda não se encontram contratualizados.
34. Ora, este é um facto que decorre das regras de Contratação Pública e que, consequentemente, não carece de demonstração probatória pela Entidade Demandada.
35. De facto, se estes trabalhos concretos não foram objeto de contratualização e não se enquadram nos trabalhos complementares a qualquer outro contrato celebrado pela Entidade Demandada, nos termos e limites estabelecidos no n.11 2 do artigo 370.11 do Código dos Contratos Públicos, ao inverso do que refere a douta sentença “a quo”, na página 30, é impossível “a realização dos trabalhos em causa por outra via que não através dos contratos em questão”.
36. Além disso, é importante lembrar as boas práticas da Contratação Pública, aliada à vasta jurisprudência do Tribunal de Contas sobre essa matéria, disponível em www.tcontas.pt, que ao inverso do que refere a douta sentença “a quo”, na página 30, proíbem o recurso sistemático e sem um enquadramento legal rigoroso a outros procedimentos para o efeito, nomeadamente à figura do ajuste direito por razões de urgência imperiosa, que só pode ser adotado na sequência de acontecimentos imprevisíveis, com base no disposto na alínea c) do n.11 1 do artigo 24.11 do Código dos Contratos Públicos.
37. Ao contrário do que refere a douta sentença “a quo”, nas páginas 30 e 31, não é verdade que as únicas consequências para o interesse público invocadas como decorrentes do retardamento do início da execução do contrato e do incumprimento da conclusão dos trabalhos até 1 de julho de 2021 sejam a instauração de processos de contraordenação e pagamento de multas.
38. Na realidade, como já referimos anteriormente, muito mais grave do que isso, o incumprimento de limpeza das faixas de gestão de combustível aumentará exponencialmente o risco de incêndios, com consequências imprevisíveis, que é necessário evitar a todo o custo e representa um sério e grave prejuízo para o interesse público, em caso de não execução do contrato.
39. Por outro lado, quanto à instauração de processos de contraordenação e pagamento de multas, a douta sentença “a quo”, na página 32, dá razão à IP quando aceita a forte possibilidade da instauração de um eventual procedimento contraordenacional e também a impossibilidade objetiva de assegurar atempadamente as atividades em causa, através do procedimento em apreço, por causa do presente processo.
40. Todavia, caso tal aconteça, como sabemos, não existirá, ao contrário do que a douta sentença “a quo” na página 32 sugere, uma suspensão do eventual procedimento contraordenacional ou, ainda, a possibilidade da Entidade Demandada recorrer a um eventual “direito de regresso”.
41. Ao contrário do que refere a douta sentença “a quo”, na página 31, quanto “ao argumento relativo às consequências do alegado retardamento na execução para a capacidade das empresas adjudicatárias de assegurarem a atempada consignação das equipas e equipamentos necessários”, a escassez de meios no país e a concorrência de outras entidades que têm igualmente sob sua gestão as redes primária e secundária da gestão de combustível não são alheias à Entidade Demandada e não representam um risco apenas para os adjudicatários.
42. Efetivamente, como sabemos, os motivos referidos podem dificultar de forma significativa ou, até mesmo, impossibilitar a contratação dos trabalhos ou, ainda, aumentar o seu preço, tendo em conta a relação oferta/procura, prejudicando seriamente o interesse público.
43. Assim, ao contrário do que menciona a douta sentença “a quo” na página 31, deverá concluir-se pela ocorrência de um grave prejuízo para o interesse público em caso de não execução do contrato, requisito do qual a concessão do requerido levantamento do efeito suspensivo está dependente.
44. Pois, ao inverso do que afirma a douta sentença “a quo” na página 32, foi amplamente evidenciada a produção de danos gravemente prejudiciais para o interesse público prosseguido pela Entidade Demandada decorrentes da manutenção do efeito suspensivo automático.
45. Face ao exposto, dado que os danos que resultariam da manutenção do efeito suspensivo são superiores aos que podem resultar do seu levantamento, deverá, nos termos do n.º 4 do artigo 103.º - A do CPTA, ser levantado o efeito suspensivo.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-se por outra que defira o levantamento do efeito suspensivo, nos termos do n.º 4 do artigo 103.º - A do CPTA.”

1.12. A Apelada contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões:

1º. Veio a Ré/Recorrente interpor recurso da decisão que improcedeu o pedido de levantamento do efeito suspensivo do ato de adjudicação emanado pela Recorrida no âmbito do procedimento concursal em apreço nos autos.
2º. No entanto, o presente recurso deve ser liminarmente rejeitado, porquanto a Recorrente no seu articulado:
- Não formula conclusões, limitando-se a copiar ipsis verbis tudo o que consta das alegações, o que faz ponto por ponto, palavra a palavra;
- Não indica quais os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados ou as normas jurídicas que considera violadas;
- Não sustenta qualquer contradição entre os factos provados e a decisão proferida
3º. No recurso apresentado, a Recorrente limita-se a discordar da decisão proferida pelo Tribunal a quo, reeditando novamente os fundamentos apresentados, e invocando argumentos que não constam do seu pedido de levantamento do efeito suspensivo automático.
4º. Assim, não cumpre a Recorrente os ónus de alegar e formular conclusões que lhe eram exigidos, devendo por isso ser rejeitado o recurso nos termos do disposto nos artigos 145.º número 2 alínea b) do Código do Processo nos Tribunais Administrativos, e dos artigos 639.º números 1 e 2 e 640.º número 1 do Código de Processo Civil, aqui aplicável por força do disposto no n.º 3 do artigo 140.º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos.
5º. No caso destes autos não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento do recurso pelo Tribunal, previsto no Código de Processo Civil, por não estar em causa a existência de conclusões obscuras, complexas ou deficientes.
6º. No caso destes autos inexistem, pura e simplesmente, quaisquer conclusões que possam ser aperfeiçoadas, uma vez que o que existe é uma cópia das alegações.
7º. E também não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento previsto no n.º 4 do artigo 146.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, porquanto esse normativo está previsto apenas e tão só para os casos em que estamos perante um processo impugnatório e o recurso é apresentado pelo Autor da ação, o que não é o caso dos autos.
8º. No presente recurso a Recorrente pretende apenas impor a sua versão dos factos, fazendo tábua rasa do incumprimento do ónus de alegação e prova que sobre si recaía neste incidente, e que é evidente, e esquecendo-se da matéria que foi concretamente julgada como provada e que esta não impugna, pelo menos especificadamente.
9º. Conforme foi decidido pelo Tribunal, e resulta da lei, era à Recorrente que incumbia provar que «Ponderados todos os interesses suscetíveis de serem lesados, o diferimento da execução do ato [é] gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos, o que a Recorrente não fez.
10º. No seu pedido de levantamento do efeito suspensivo, a Recorrente limitou-se a defender que i) havia necessidade de recorrer ao contrato ora em apreço, para complementar os contratos de conservação corrente (CCC) existentes, ii) que o facto de não poder recorrer aos serviços a realizar no âmbito do deste contrato a levaria a incumprir o seu dever de prevenção previsto no SDFCI, e a ficar sujeita às consequentes notificações por incumprimento das autoridades competentes, iii) e ainda que apenas é «exequível» realizar as tarefas em apreço por via destes contratos de ETGV, o que não demonstrou nem provou.
11º. No entanto, olvida a Recorrente que resultou provado que foram sendo celebrados outros contratos recentemente – alguns através de ajuste direto – que abrangem efetivamente atividades ambientais como a gestão de vegetação.
12º. E que, em caso de imprescindível necessidade de executar tarefas previstas no presente procedimento – o que não se vislumbra necessário uma vez que os demais contratos terminaram há menos de 6 meses –, pode sempre lançar mão de um Concurso Público Urgente ou de um Ajuste Direto.
13º. O Tribunal a quo entendeu – e, no nosso entender, muito bem – que «o fito do levantamento do efeito suspensivo automático não é (...) o de evitar a produção de todo e qualquer dano para o interesse público, mas apenas daquele(s) que inequívoca ou muito provavelmente, acarrete(m) um grave prejuízo, tornando impensável a manutenção da suspensão de efeitos.»
14º. Mas a Recorrente nem sequer demonstrou quais eram os interesses públicos e privados em presença e qual era a ponderação que haveria de fazer-se dos mesmos perante os danos para o interesse público que resultariam da manutenção desta suspensão.
15º. Danos que na alegação da Recorrente se limitavam, de facto, ao incumprimento das suas atribuições legais e à notificação de possíveis contraordenações.
16º. Para que o Tribunal a quo pudesse decidir pelo levantamento do efeito suspensivo automático, necessário seria que, comparando o peso relativos dos interesses em presença, concluísse que os danos dele decorrentes para o interesse público ou para os interesses dos contrainteressados eram consideravelmente superiores àqueles que podem advir para o impugnante da celebração e execução do contrato.
17º. E isso não resulta de facto dos autos, nem a Recorrente nesta sede imputou, em concreto, a falta de prova de qualquer facto alegado, ou a existência concreta de factos incorretamente julgados.
18º. A Recorrente não logrou provar qualquer prejuízo sério para o interesse público que resulte da manutenção da suspensão – nem mesmo o incumprimento das normas legais que podem ser ultrapassadas com base noutras contratações – nem alegou que os prejuízos da manutenção da suspensão são superiores aos do seu levantamento.
19º. Pelo que, perante os factos carreados para os autos devidamente sopesados, bem andou o Tribunal a quo ao decidir pela manutenção do efeito suspensivo automático do ato de adjudicação dos lotes impugnados, não tendo sido violada qualquer normativo legal vigente.
ATENTO O SUPRA EXPOSTO,
E NOS MAIS QUE VENHA A SER SUPRIDO POR V. EXAS, DEVE SER REJEITADO LIMINARMENTE O PRESENTE RECUSO, OU, CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, SEMPRE LHE DEVE SER NEGADO PROVIMENTO.
EM QUALQUER CASO, E EM CONSEQUÊNCIA, SEMPRE DEVE SER MANTIDA A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA”.

1.12. Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 146º, n.º 1 do CPTA, o Ministério Público emitiu parecer, sustentando a procedência do recurso.

1.13. Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
*

II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.

2.1 Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.

Acresce que por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.

2.2. Assentes nas enunciadas premissas, as questões que se encontram submetidas pela apelante à apreciação deste TCAN resumem-se a saber se a decisão recorrida enferma de erro de julgamento de direito por ter julgado improcedente o incidente do levantamento do efeito suspensivo automático requerido pelo IP, S.A.
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III.FUNDAMENTAÇÃO
A- DE FACTO.

A 1ª Instância julgou provada a seguinte facticidade:

“1. Por deliberação de 14.11.2019 do Conselho de Administração da INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, S.A., foi aprovada a decisão de contratar referente ao lançamento do concurso público para a empreitada “Execução de Trabalhos de Gestão de Vegetação 2020-2022 (etgv2020-2022) – 18 Lotes”, alicerçada em proposta de contratação subjacente, da qual consta, entre o mais, o seguinte:
“ (...)
1. Enquadramento – Justificação da Necessidade da Intervenção
“Nos termos da informação da Direcção da Rede Rodoviária (DMS n.º 10003712282-514) “a actividade de Conservação Corrente norteia-se pelo cumprimento dos princípios constantes das Bases da Concessão, cabendo à IP a Conservação das vias que integram a Rede Rodoviária Nacional, mantendo a rede em bom estado de funcionamento, conservação e segurança na prossecução do contínuo e eficiente funcionamento do serviço público. Devendo manter as vias em bom estado de conservação e perfeitas condições de utilização e assegurar o seu funcionamento ininterrupto e permanente.
A manutenção das vias rodoviárias engloba, entre outras, a obrigação de gestão da vegetação na envolvente das mesmas, dando cumprimento à base 35 do contrato de concessão bem como ao quadro legal em vigor.
No âmbito das obrigações legais destaca-se toda a atividade associada ao cumprimento dos critérios de gestão de combustível, enquadrados no Sistema de Defesa da Floresta Contra Incêndios (SDFCI), estando as vias rodoviárias inseridas na rede secundária de faixas de gestão de combustível (FGC).
A IP S.A. tem assegurado os trabalhos de conservação/manutenção da rede rodoviária através de contratos trienais de conservação corrente – CCC, os quais englobam os diferentes trabalhos com vista a preservar a vida útil dos diversos ativos rodoviários.
Neste âmbito englobam-se as designadas atividades ambientais, com um vasta tipologia de trabalhos (ceifas, corte seletivo de vegetação, podas, abates, plantações e sementeiras, entre outros) que permitem manter as condições de segurança da circulação, bem como assegurar a preservação do património vegetal na envolvente das vias.
Os trabalhos necessários à manutenção das FGC tradicionalmente têm vindo a ser desenvolvidos no âmbito destes contratos.
No entanto, após os acontecimentos do Verão de 2017, tornou-se mais abrangente e com critérios mais exigentes, a execução dos trabalhos necessários para dar cumprimento à legislação do SDFCI.
Complementarmente, a obrigação de entrar em domínio privado, sempre que necessário para cumprir a gestão de combustível numa faixa de 10m, extravasa o definido para os CCC, que apenas abrangem os trabalhos dentro do domínio rodoviário.
Em 2018, na ausência de CCC, foram lançados vários concursos de empreitadas de corte de vegetação para dar cumprimento à legislação da defesa da floresta, cujo montante ascendeu a cerca de 15,7 ME, sendo que os trabalhos mais relevantes neste domínio são ceifa e corte seletivo de vegetação.
No balanço financeiro dos trabalhos incluídos em cada capítulo dos CCC verifica-se que em primeiro lugar se encontra o capítulo dos Pavimentos logo seguido do das Atividades Ambientais.
O investimento anual nos trabalhos incluídos nas Atividades Ambientais ascende a mais de 20% dos valores totais dos contratos, sendo o valor das rubricas de ceifa e de corte seletivo os de maior significado, tendo ascendido a 10,4 ME no triénio 2010­2013, baixando para 6,3 ME nos dois triénios seguintes, função dum enquadramento financeiro que obrigou à redução dos valores dos contratos, tendo-se também verificado para o caso da ceifa, uma redução significativa do valor unitário médio.
O investimento efetuado no ano de 2018 espelha o que se terá que realizar para dar cumprimento à legislação atualmente em vigor, o qual se situa 2,5 vezes acima do valor dos três anos anteriores.
A experiência de 2018, a qual está a ter sequência em 2019, dada a necessidade de entrar em domínio privado (não previsto nos CCC, o que levou ao lançamento de procedimentos para as intervenções em domínio privado num montante de 3,8 ME) e complementar quantidades do CCC que não foi dimensionado para o atual quadro legal, tem demonstrado que a especialidade do trabalho em causa e o local onde decorre, marginalmente à via, beneficia de uma gestão num contrato individualizado das restantes atividades incluídas nos CCC, mais vocacionadas para trabalhos típicos de engenharia civil.
Assim, com o presente pedido de contratação pretende-se operacionalizar um novo modelo de gestão da manutenção rodoviária, em que as atividades de cariz ambiental estão englobadas num contrato dedicado, em regime plurianual, complementando os CCC de modo a assegurar tanto a segurança da exploração rodoviária, como o cumprimento das obrigações legais e contratuais que impendem sobre a Empresa.
Seguindo a organização distrital dos CCC, prevêem-se 18 contratos, um por distrito, constituindo-se como 18 Lotes do presente procedimento.”
Anexa-se Memorando sobre “A Estratégia da Gestão da Manutenção Rodoviária – Execução de Trabalhos de Gestão de Vegetação-ETGV 2020-2022” que apresenta as justificações para a necessidade destes contratos e modelo de contratação.
2. Objeto dos Contratos – Âmbito e Características das Empreitadas
Do que vem descrito na citada informação, no âmbito do ETGV desenvolvem-se os seguintes trabalhos/atividades:
- Trabalhos planeados no âmbito da gestão da vegetação, entre os quais, de corte seletivo de vegetação, abates e podas de árvores, ceifas, podendo estas, em situações a definir, ser efetuadas também até aos 3m;
- Executa trabalhos de gestão da vegetação no interior dos ramos dos nós;
- Executa trabalhos de gestão da vegetação nos terrenos privados incluindo os procedimentos administrativos definidos;
- Executa trabalhos de gestão da vegetação em parcelas sobrantes;
- Limpeza de valetas de banqueta, de crista e de pé de talude na sequência das intervenções que lhe estão cometidas;
- Ceifa/desmata 1+1 m centrados nas redes de vedação;
-Avalia intervenções em árvores protegidas e prepara processos administrativos de autorizações;
- Efetua levantamentos para gestão do património arbóreo e identificação de situações de risco;
- Efetua trabalhos de controlo de plantas invasoras;
- Efetua trabalhos de valorização paisagística designadamente sementeiras e/ou plantações.
(...)
Fundamentação do Pedido de Contratação – Processo e-Contratos n.º 5010043724
Empreitada para “EXECUÇÃO DE TRABALHOS DE GESTÃO DE VEGETAÇÃO 2020-2022 (ETGV2020-2022) – 18 LOTES”
(...)
2. Enquadramento do pedido de contratação
Para efeitos de início do procedimento de contratação, referente à empreitada de Execução de Trabalhos de Gestão de Vegetação 2020-2022 apresenta-se, de seguida, o enquadramento do pedido de contratação:
A atividade de Conservação Corrente norteia-se pelo cumprimento dos princípios constantes das Bases da Concessão, cabendo à IP a Conservação das vias que integram a Rede Rodoviária Nacional, mantendo a rede em bom estado de funcionamento, conservação e segurança na prossecução do contínuo e eficiente funcionamento do serviço público. Deve manter as vias em bom estado de conservação e perfeitas condições de utilização e assegurar o seu funcionamento ininterrupto e permanente.
A manutenção das vias rodoviárias engloba, entre outras, a obrigação de gestão da vegetação na envolvente das mesmas, dando cumprimento à base 35 do contrato de concessão bem como ao quadro legal em vigor.
No âmbito das obrigações legais destaca-se toda a atividade associada ao cumprimento dos critérios de gestão de combustível, enquadrados no Sistema de Defesa da Floresta Contra Incêndios (SDFCI), estando as vias rodoviárias inseridas na rede secundária de faixas de gestão de combustível (FGC).
A IP S.A. tem assegurado os trabalhos de conservação/manutenção da rede rodoviária através de contratos trienais de conservação corrente – CCC, os quais englobam os diferentes trabalhos com vista a preservar a vida útil dos diversos ativos rodoviários.
Neste âmbito englobam-se as designadas atividades ambientais, com um vasta tipologia de trabalhos (ceifas, corte seletivo de vegetação, podas, abates, plantações e sementeiras, entre outros) que permitem manter as condições de segurança da circulação, bem como assegurar a preservação do património vegetal na envolvente das vias.
Os trabalhos necessários à manutenção das FGC tradicionalmente têm vindo a ser desenvolvidos no âmbito destes contratos.
No entanto, após os acontecimentos do Verão de 2017, tornou-se mais abrangente e com critérios mais exigentes, a execução dos trabalhos necessários para dar cumprimento à legislação do SDFCI.
Complementarmente, a obrigação de entrar em domínio privado, sempre que necessário para cumprir a gestão de combustível numa faixa de 10m, extravasa o definido para os CCC, que apenas abrangem os trabalhos dentro do domínio rodoviário.
Em 2018, na ausência de CCC, foram lançados vários concursos de empreitadas de corte de vegetação para dar cumprimento à legislação da defesa da floresta, cujo montante ascendeu a cerca de 15,7 ME, sendo que os trabalhos mais relevantes neste domínio são ceifa e corte seletivo de vegetação.
No balanço financeiro dos trabalhos incluídos em cada capítulo dos CCC verifica-se que em primeiro lugar se encontra o capítulo dos Pavimentos logo seguido do das Atividades Ambientais.
O investimento anual nos trabalhos incluídos nas Atividades Ambientais ascende a mais de 20% dos valores totais dos contratos, sendo o valor das rubricas de ceifa e de corte seletivo os de maior significado, tendo ascendido a 10,4 ME no triénio 2010­2013, baixando para 6,3 ME nos dois triénios seguintes, função dum enquadramento financeiro que obrigou à redução dos valores dos contratos, tendo-se também verificado para o caso da ceifa, uma redução significativa do valor unitário médio.
O investimento efetuado no ano de 2018 espelha o que se terá que realizar para dar cumprimento à legislação atualmente em vigor, o qual se situa 2,5 vezes acima do valor dos três anos anteriores.
A experiência de 2018, a qual está a ter sequência em 2019, dada a necessidade de entrar em domínio privado (não previsto nos CCC, o que levou ao lançamento de procedimentos para as intervenções em domínio privado num montante de 3,8 ME) e complementar quantidades do CCC que não foi dimensionado para o atual quadro legal, tem demonstrado que a especialidade do trabalho em causa e o local onde decorre, marginalmente à via, beneficia de uma gestão num contrato individualizado das restantes atividades incluídas nos CCC, mais vocacionadas para trabalhos típicos de engenharia civil.
Assim, com o presente pedido de contratação pretende-se operacionalizar um novo modelo de gestão da manutenção rodoviária, em que as atividades de cariz ambiental estão englobadas num contrato dedicado, em regime plurianual, complementando os CCC de modo a assegurar tanto a segurança da exploração rodoviária, como o cumprimento das obrigações legais e contratuais que impendem sobre a Empresa. Seguindo a organização distrital dos CCC, prevêem-se 18 contratos, um por distrito, constituindo-se como 18 Lotes do presente procedimento.
(...)
3.1 Necessidade de contratar – Justifica-se pela insuficiência de condições nos CCC para assegurar a realização dos trabalhos de gestão de vegetação que permitam o cumprimento da legislação em vigor e os princípios da boa gestão empresarial.
Considera-se que com estes contratos é incrementada a eficiência do serviço e a qualidade do mesmo. Anexa-se o Memorando sobre “A Estratégia da Gestão da Manutenção Rodoviária – Execução de Trabalhos de Gestão de Vegetação - ETGV 2020-2022” que apresenta as justificações para a necessidade destes contratos.”
- cfr. decisão de contratar e respetiva informação constante do Processo Administrativo (PA) junto aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
2. O concurso identificado no ponto anterior foi publicitado, no Diário da República, 2.ª Série, n.º 53, de 16.03.2020, através do anúncio n.º 3032/2020, e no Jornal Oficial da União Europeia - JO/S S54 de 17.03.2020, através do anúncio n.º 054-127434. – cfr. anúncios constantes do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
3. As regras do procedimento e as condições dos contratos a celebrar, atinentes à empreitada de “EXECUÇÃO DE TRABALHOS DE GESTÃO DE VEGETAÇÃO 2020¬2022 – 18 LOTES”, foram estabelecidas no programa do concurso e no caderno de encargos relativo a cada um dos lotes, aprovados pela entidade adjudicante e cujo teor, atenta a respetiva extensão se dá por integralmente reproduzido, tendo sido delimitado como objeto da empreitada o seguinte: “executar trabalhos de manutenção da vegetação, englobados nas designadas atividades ambientais, com uma vasta tipologia trabalhos que permitem manter as condições de segurança da circulação, bem como assegurar a preservação e valorização do património vegetal na envolvente das vias. No âmbito das atividades ambientais estão previstos, entre outros, trabalhos de ceifa e limpezas, corte seletivo de vegetação, poda e abate de árvores e arbustos, tratamentos fitossanitários e de controlo de plantas invasoras, nas áreas do domínio público rodoviário afetas à rede de estradas do distrito em apreço, bem como em parcelas sobrantes e áreas de domínio privado, sempre que as intervenções decorram ao abrigo da legislação da Defesa da Floresta Contra Incêndios (DFCI) (...)”. - cfr. programa do concurso e caderno de encargos constante do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
4. Através de deliberação do Conselho de Administração de 6.0.82020, remetida à Autora por ofício de 12.10.2020, foi aprovada a decisão de adjudicação, em conformidade com o proposto no relatório final do júri, nos seguintes termos:
«imagem no original; sentença”
– cfr. notificação do ato adjudicação constante do PA e documento 6 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
5. Foram celebrados, pela Entidade Demandada, no âmbito da atividade que desenvolve, designadamente com vista à execução de atividades ambientais em cumprimento das obrigações decorrentes da legislação do Sistema de Defesa da Floresta Contra Incêndios (SDFCI), incluindo, em alguns casos, a intervenção em domínio privado, o Contrato de Conservação Corrente para o triénio 2017-2020 - Lisboa, Contratos de Execução de Gestão de Combustível – 2019, Contratos de Gestão de Vegetação em Espaços Integrados em Faixas de Gestão de Combustível, bem como lançado um procedimento para celebração do Contrato de Conservação Corrente para o Distrito de Lisboa 2020-2023, nos termos e condições que resultam dos documentos n.ºs 1 a 10 juntos com o requerimento de resposta da Autora, cujo teor, face à respetiva dimensão, se dá por integralmente reproduzido. - cfr. fls. 1081 a 1266 e 1316 dos autos.
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Não se consideraram provados quaisquer outros factos, com relevo para a decisão a proferir.
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III.B.DE DIREITO

Vem a presente apelação interposta da decisão proferida pela 1.ª Instância que indeferiu o incidente do levantamento do efeito suspensivo automático apresentado pelo IP, S.A. , com a qual o Apelante não se conforma, por considerar, em síntese, que os danos que resultariam da manutenção do efeito suspensivo automático são superiores aos que podem resultar do seu levantamento, pedindo a este TCAN que ao abrigo do disposto no artigo 103.º-A, n.º4 do CPTA, revogue a decisão recorrida e decida levantar o efeito suspensivo automático mantido pela decisão recorrida.
Antes de entrarmos na análise de cada uma das razões elencadas pelo Apelante nas conclusões de recurso apresentadas, importa tecer algumas considerações de enquadramento sobre o mecanismo do levantamento do efeito suspensivo automático previsto no artigo 103.º-A do CPTA, introduzido pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02/10 e entretanto alterado pela Lei n.º 118/2019, de 17/09.
Estabelece o n.º1 do art.º 103.º-A, que “ As ações de contencioso pré-contratual que tenham por objeto a impugnação de atos de adjudicação relativos a procedimentos aos quais seja aplicável o disposto no n.º3 do artigo 95.º ou na alínea a) do n.º1 do artigo 104.º do Código dos Contratos Públicos, desde que propostas no prazo de 10 dias úteis contados desde a notificação da adjudicação a todos os concorrentes, fazem suspender automaticamente os efeitos do ato impugnado ou a execução do contrato, se este já tiver sido celebrado”.
Por seu turno, prevê-se no n.º2 do art.º 103.º-A que “ Durante a pendência da ação, a entidade demandada e os contrainteressados podem requerer ao juiz o levantamento do efeito suspensivo previsto no número anterior” e no n.º4 desse mesmo artigo estabelece-se que O efeito suspensivo automático é levantado quando, ponderados todos os interesses suscetíveis de serem lesados, o diferimento da execução do ato seja gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos”.
A previsão no artigo 103.º-A do CPTA do efeito suspensivo automático e do mecanismo que permite o seu levantamento, resultou da transposição para o ordenamento jurídico nacional da Diretiva 2007/66/CE, de 11-12-2007, conhecida como a Diretiva Recursos, em cujos considerandos 21, 22 e 24 se refere o seguinte:
“(21) O objectivo a atingir com o estabelecimento, pelos Estados-Membros, de regras que assegurem que um contrato seja considerado desprovido de efeitos é o de fazer com que os direitos e as obrigações das partes definidos no contrato deixem de ser exercidos e executados. As consequências decorrentes do facto de um contrato ser considerado desprovido de efeitos deverão ser estabelecidas pelo direito interno.(...)
(22) ... para assegurar a proporcionalidade das sanções aplicadas, os Estados-Membros podem permitir que a instância responsável pela decisão do recurso não ponha em causa o contrato ou lhe reconheça determinados efeitos, ou todos eles, caso as circunstâncias excepcionais do caso em apreço exijam o respeito de certas razões imperiosas de interesse geral. Nesses casos deverão, em vez disso, ser aplicadas sanções alternativas. A instância de recurso independente da entidade adjudicante deverá analisar todos os aspectos relevantes a fim de estabelecer se existem razões imperiosas de interesse geral que exijam a manutenção dos efeitos do contrato.
(...)
(24) O interesse económico na manutenção dos efeitos do contrato só pode ser considerado razão imperiosa se, em circunstâncias excecionais, a privação de efeitos acarretar consequências desproporcionadas. No entanto, não deverá constituir razão imperiosa o interesse económico directamente relacionado com o contrato em causa”.
Daí que, como referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha Cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos “, 4ª Edição, 2018, Almedina, págs. 844 e 845. , em comentário ao artigo 103.º-A do CPTA “ (…) o preceito faz depender o levantamento do efeito suspensivo automático do preenchimento de pressupostos exigentes, no que diz respeito aos danos que podem resultar da manutenção do efeito suspensivo: a regra é o efeito suspensivo automático, que só deve ser levantado em circunstâncias particularmente exigentes. (…) o levantamento do efeito suspensivo só pode ser decretado quando se verifique comprovadamente, que da manutenção desse efeito resultaria um desequilíbrio desproporcionado entre os interesses envolvidos, em desfavor da entidade demandada ou dos contrainteressados. A referência (…) ao «grave prejuízo para o interesse público» e à lesão «claramente desproporcionada dos outros interesses envolvidos» tem, entretanto, o alcance de clarificar que, para a obtenção do efeito suspensivo, não é suficiente a invocação abstracta pelos requerentes de prejuízos genéricos, sendo antes exigível a demonstração em concreto dos danos que a manutenção do efeito suspensivo acarreta para o interesse público ou os interesses privados relacionados com a adjudicação (…)”. (Negritos e sublinhados nossos).
Deste modo, é evidente que o legislador nacional, com a previsão do artigo 103.º-A teve como objetivo implementar uma solução que assegure a máxima garantia possível da tutela jurisdicional efetiva do impugnante, dotando-o da possibilidade de acionar um mecanismo por via do qual logre paralisar a contratação em curso, impedindo a celebração e/ou execução do contrato e, com isso, a eventual lesão dos interesses que, com o recurso à via judicial, pretenda acautelar.
Almeja-se, por essa via, evitar ou obstar que se verifiquem situações de facto consumado, decorrentes da celebração e execução do contrato, salvaguardando-se a efetiva possibilidade de o impugnante do ato de adjudicação, em caso de vencimento da ação de contencioso pré-contratual que intentou, possa exercer plenamente o seu direito, assumindo a posição de cocontratante e executar o contrato.
Deste modo, como bem se sintetiza na decisão recorrida o levantamento do efeito suspensivo automático está dependente da constatação - assente num necessário juízo de ponderação de todos os interesses em presença (os da Entidade Demandada, da Autora, das Contrainteressadas e, até, eventualmente, de terceiros que possam de alguma forma ser prejudicados pela decisão atinente ao levantamento do efeito suspensivo) - da existência de grave prejuízo para o interesse público ou da produção de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos.
Procurando acabar com o dissenso, quer doutrinal, quer jurisprudencial que se gerou a propósito da aplicação do critério de decisão para levantamento do efeito suspensivo na redação conferida ao artigo 103.º-A do CPTA pela Decreto-Lei n.º 214-G/2015, máxime, quanto a saber se era de aplicar o critério previsto no n.º4 do artigo 103.º-A ou antes o critério previsto no n.º2 do artigo 103.º-A, que remetia para o artigo 120.º, n.º 2, o legislador, através da Lei n.º 118/2019, de 17/09, alterou aquele artigo, consagrando no atual n.º 4 um critério que diremos poder reconduzir-se a uma solução integrada, ainda que mais próxima da solução até então prevista no seu n.º2, sendo agora claro que para o levantamento do efeito suspensivo automático o juiz terá de levar a cabo um juízo de ponderação global dos interesses envolvidos, públicos e privados, o mesmo é dizer, terá que ponderar conscienciosamente todos os interesses que possam ser lesados com o levantamento do efeito suspensivo automático.
Assim, o efeito suspensivo automático deverá ser levantado se o juiz concluir, através da prova efetuada, que a sua manutenção consubstancia: (i)um prejuízo “grave” para o interesse público, ou, (ii) comporta consequências lesivas “claramente” desproporcionadas para outros interesses envolvidos.
Esta metodologia já era seguida por parte da jurisprudência, como resulta do que se escreveu em acórdão do TCAS Cfr. Ac. do TCAS de 14-07-2016, Proc. nº 13444/16; e ainda Ac. do STA de 05-04-2017, Proc. nº 031/17; Ac. do TCAN de 03.04.2020, processo 00955/19.1BEAVR-S1; em igual sentido, Ac. do TCAN de 14-02-2020, Proc. nº 02326/19.0BEPRT-S1. , que se transcreve: «Do art. 103º-A, do CPTA revisto, resulta que o levantamento do efeito suspensivo automático depende da verificação - cumulativa - dos seguintes requisitos: a) Grave prejuízo para o interesse público ou de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos. b) Ponderação de todos os interesses em presença segundo critérios de proporcionalidade.».
Naturalmente que não será um qualquer prejuízo que poderá justificar o levantamento do efeito suspensivo automático mas antes um prejuízo grave, ou seja, um prejuízo relevante, considerável, vultuoso, severo para o interesse publico ou de consequências significativas para os outros interesses envolvidos Cfr. Acs. do TCAS de 09-05-2019, proc. nº 601/18.0BELRA-S1; de 24-11-2016, proc. nº 919/16.7BELSB; de 19-12-2017, Proc. nº 205/17.5BEPRT; Ac. do TCAN de 12-07­2019, Proc. nº 02842/19.1BEPRT-S1;, e concreto.
Nesse sentido, tem-se igualmente pronunciado o Supremo Tribunal Administrativo Cfr. Ac. do STA, de 05-04-2017, Proc. nº 031/17;, sustentando que: «I - A decisão sobre o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático depende dos concretos interesses que as partes aleguem e demonstrem que possam ser lesados, por forma a possibilitarem uma aferição acerca da sua relevância através da ponderação jurisdicional dos mesmos. II - Estando na base do contrato impugnado, cujo efeito suspensivo automático se pretende levantar, um serviço a prestar pelo Município, de gestão de resíduos urbanos, que impõe imediata continuidade e não se compadece com qualquer delonga pelo trânsito da decisão a proferir na ação de contencioso pré-contratual a correr no TAF do Porto, a sua paralisação implicará por si só riscos de saúde pública. III - Não se impõe ao Município o ónus de alegar o facto negativo de que não podia superar a suspensão automática da execução do contrato através de uma contratação alternativa, antes bastando a invocação da falta de meios humanos e equipamentos que lhe permitissem assegurar a prestação dos serviços de recolha de lixo, objeto do contrato suspenso. IV - Face à falta de alegação de danos por parte das requeridas e falta de impugnação do alegado pelo requerente, apenas se pode considerar que o seu interesse no referido levantamento é o interesse particular de qualquer concorrente com expectativas de vir a ser o escolhido e das vantagens /benefícios que poderá retirar da futura adjudicação enquanto para o interesse público está em causa um risco de acumulação de lixos, por falta de recolha, potenciador de doenças e epidemias, sendo, por isso, gravemente prejudicial para o interesse público a manutenção do efeito suspensivo automático» Cfr. Ac. do STA de 26-04-2018, Proc. nº 062/18”.
Compulsadas as conclusões de recurso apresentadas pelo Apelante, o mesmo apenas assaca erro de julgamento de direito à decisão recorrida, por discordar da ponderação realizada pelo Tribunal a quo quanto á gravidade dos danos que resultam da manutenção do efeito suspensivo por si invocados, não se insurgindo quanto ao julgamento da matéria se facto que foi considerada assente.
Pode ler-se na decisão recorrida a seguinte fundamentação que consideramos útil transcrever:
“Conforme resulta da informação/proposta que subjaz à decisão de contratar, a Entidade Demandada fundamenta o recurso à contratualização dos atividades objeto do procedimento posto em crise na necessidade de complementar os contratos de conservação corrente, por insuficiência destes para a realização dos trabalhos de gestão de vegetação para cumprimento das suas obrigações legais nesta matéria, designadamente quanto à necessidade de entrar no domínio privado, o qual não é supostamente abrangido por tais contratos, bem como para incremento da eficiência e qualidade do serviço em termos gestionários. – cfr. ponto 1 do probatório.
A contratualização de tais trabalhos consubstancia, assim, como de resto assumido pela própria entidade adjudicante, um complemento a outros trabalhos, também eles de limpeza e manutenção para segurança rodoviária e que integram os chamados contratos de conservação corrente, circunstância da qual resulta que os contratos a celebrar, mediante o requerido levantamento do efeito suspensivo, não são os únicos celebrados pela Entidade Demandada neste âmbito e que esta tem ao seu dispor para prossecução dos seus fins e realização das atividades que lhe estão cometidas na matéria.
Nessa medida, a suspensão do ato de adjudicação cujo levantamento se pretende não implica que a Entidade Demandada deixe de realizar, em absoluto, os trabalhos de manutenção das vias rodoviárias e de cumprir com as suas obrigações legais nesta matéria, mas apenas, e quando muito, de parte deles, o que, ainda assim, não é líquido, tendo em conta a existência de outros contratos celebrados pela Entidade Demandada alguns dos quais abrangem, efetivamente, atividades ambientais como a gestão da vegetação (cfr. ponto 5 do probatório).
De lembrar que, com os efeitos suspensivos do ato de adjudicação – ou da execução do contrato, quando este já tenha sido celebrado -, se pretende acautelar o interesse que os legisladores nacional e comunitário, em sede de contratação pública, entenderam consagrar como preponderante, o qual só deve ser beliscado em situações limite ou excecionais, quais sejam a ocorrência de um prejuízo “gravemente prejudicial para o interesse público”, ou a existência de “consequências lesivas claramente desproporcionais para outros interesses envolvidos”.
O fito do levantamento do efeito suspensivo automático não é, pois, nesse sentido, o de evitar a produção de todo e qualquer dano para o interesse público mas apenas daquele(s) que, inequívoca ou muito provavelmente, acarrete(m) um grave prejuízo, tornando impensável a manutenção da suspensão de efeitos do ato de adjudicação.
Ora, no caso em apreço, está em causa a eventual inexecução de apenas parte dos trabalhos de conservação e manutenção a assegurar pela Entidade Demandada no exercício da sua atividade, sendo que, a esse respeito, esta se limitou a alegar a impossibilidade de realizar os trabalhos objeto dos contratos em discussão fora do respetivo âmbito, designadamente através dos contratos de conservação corrente, que sustenta não contemplarem verbas suficientes para o efeito, sem que, contudo, o tenha demonstrado cabalmente em termos factuais, como se impunha para cumprimento do ónus da prova que sobre si impendia.
Tendo sido, curiosamente, a Autora a tentar demonstrar, documentalmente, o inverso, através da junção de outros contratos celebrados e de anúncios de outros procedimentos igualmente lançados pela Entidade Demandada neste âmbito, dos quais resulta serem, de facto, contempladas, noutros instrumentos contratuais, alguns dos quais ainda vigentes, as atividades ambientais cuja execução se pretende salvaguardar através do levantamento do efeito suspensivo automático (cfr. ponto 5 do probatório).
Perante a ausência de demonstração probatória do alegado pela Entidade Demandada, a par que se extrai dos aludidos elementos documentais, não é possível, assim, concluir pela impossibilidade da realização dos trabalhos em causa por outra via que não através dos contratos em questão - os quais, aliás, se encontram configurados, na própria fundamentação da decisão de contratar, como um complemento e um incremento [aumento/desenvolvimento] do modelo de gestão implementado e dos trabalhos já contratualizados e executados ou a executar pela Entidade Demandada e não como instrumento exclusivo de execução da atividade em questão, não tendo, por outra banda, sido – ao que acresce, naturalmente, a possibilidade geral de recurso a outros procedimentos para o efeito, inclusive o ajuste direito por razões urgência imperiosa, se necessário se revelar e pelo período necessário.
Ademais, as únicas consequências para o interesse público invocadas como decorrentes do retardamento do início da execução do contrato e do incumprimento da conclusão dos trabalhos até 1 de julho de 2021 – a saber, a instauração, por essa razão, de processos de contraordenação e pagamento de multas-, representam, na verdade, riscos hipotéticos e não efetivos ou altamente prováveis.
O mesmo se diga em relação ao argumento relativo às consequências do alegado retardamento na execução para a capacidade das empresas adjudicatárias de assegurarem a atempada consignação das equipas e equipamentos necessários, atenta a escassez de meios no país e a concorrência de outras entidades que têm igualmente sob sua gestão as redes primária e secundária da gestão de combustível, porquanto além de as mesmas serem alheias à Entidade Demandada, representando um risco próprio dos adjudicatários, em função dos compromissos contratuais que assumem, são meramente hipotéticas e não se afiguram altamente desproporcionais em termos lesivos para os interesses das adjudicatários, não sendo, nessa medida, de relevar para efeitos de levantamento do efeito suspensivo.
Posto isto, não é possível, em face do invocado pela Entidade Demandada, sobre a qual impendia tal ónus de alegação e, mormente, de demonstração, concluir, de todo, pela ocorrência de um grave prejuízo para o interesse público em caso de não execução do contrato, requisito do qual a concessão do requerido levantamento do efeito suspensivo está dependente.
Com efeito, o argumento da proximidade ou retardamento do início da execução do contrato não é, por si só, suficiente para o levantamento do efeito suspensivo, caso contrário o levantamento do efeito suspensivo de qualquer ato de adjudicação ou contrato seria a regra e não a exceção, pois que é consabido que, em caso de recurso à via judicial, é previsível a ocorrência de tal dilação na execução, com a qual, aliás, as entidades adjudicantes deverão contar no planeamento da respetiva contratação.
Exigia-se, portanto, concomitantemente, a alegação e demonstração cabal dos graves prejuízos daí advenientes e que a Entidade Demandada, como se viu, circunscreveu à responsabilidade contraordenacional que lhe poderá vir a ser assacada e à aplicação de coimas a que poderá haver lugar, o que corresponde apenas a uma mera eventualidade e não constitui, sem mais, argumento bastante para o levantamento de um efeito suspensivo automático de um ato de adjudicação cuja legalidade é posta em crise, limitando-se, na verdade, a uma consequência de índole jurídico-legal.
Sendo certo que, a ser instaurado um eventual procedimento contraordenacional, sempre poderá a Entidade Demandada arguir em sua defesa, precisamente, a impossibilidade objetiva de assegurar as atividades em causa através do procedimento em apreço, circunstância que relevará, necessariamente, para efeitos de aferição da existência de culpa.
Do vindo de expender, resulta, pois, que não tendo sido evidenciada a produção de danos gravemente prejudiciais para o interesse público prosseguido pela Entidade Demandada decorrentes da manutenção do efeito suspensivo automático, nem de consequências lesivas gravemente desproporcionais para outros interesses, neste caso das adjudicatárias dos lotes, falecem os pressupostos dos quais depende o respetivo levantamento, o qual, por conseguinte, não poderá ser determinado”.

O Apelante, no essencial, invoca contra a ponderação efetuada pelo Tribunal a quo relativamente à gravidade dos prejuízos que aduziu, que o incumprimento de limpeza das faixas de gestão de combustível aumentará exponencialmente o risco de incêndios, com consequências imprevisíveis, urgindo, por isso, evitar a todo o custo, a repetição das tragédias que ocorreram em 2017 ( vide conclusão 20); que a contratualização de tais trabalhos consubstancia um complemento a outros trabalhos, mas não uma repetição dos mesmos ou até uma alternativa aos mesmos (vide conclusão 27); que estes trabalhos específicos tornaram-se necessários após a publicação, na sequência dos incêndios florestais que afetaram Portugal em 2017,da Resolução do Conselho de Ministros n.º 161/2017, no Diário da República, 1.ªsérie, n.º 210, de 31 de outubro de 2017, que veio determinar o reforço da atuação no âmbito da Limpeza das Bermas e Faixas de Gestão de Combustível da Rodovia e da Ferrovia, visando contribuir eficazmente para o Sistema de Defesa da Floresta contra Incêndios (vide conclusão 28); que estes trabalhos são complementares e não repetição de outros trabalhos, pelo que não se encontram abrangidos nos contratos em vigor ( vide conclusão 30); que a ocorrência de um prejuízo “gravemente prejudicial para o interesse público”, ou a existência de “consequências lesivas claramente desproporcionais para outros interesses envolvidos”, referidos na douta sentença “a quo”, na página 29, é evidente no elevadíssimo risco de incêndio que se pretende evitar. (vide conclusão 32); que muito mais grave do que isso, o incumprimento de limpeza das faixas de gestão de combustível aumentará exponencialmente o risco de incêndios, com consequências imprevisíveis, que é necessário evitar a todo o custo e representa um sério e grave prejuízo para o interesse público, em caso de não execução do contrato. (Vide conclusão 33).

O Senhor Procurador Geral Adjunto, no parecer que emitiu nos termos e para efeitos do disposto no n.º1 do artigo 146.º do CPTA pronunciou-se, sustentando que o recurso interposto pelo Apelante merece provimento, devendo a decisão recorrida ser revogada e levantado por este TCAN o efeito suspensivo automático, e isso porque, do regime legal que enquadra as responsabilidades do Apelante neste domínio “ (…)resulta como facto notório, e como tal não precisa de ser alegado e provado, que o período critico do Sistema de Defesa Nacional contra Incêndios se situa no período compreendido entre 1 de julho a 30 de setembro, e assim sendo os serviços que se pretendem contratar através do referido procedimento devem estar concluídos até 1 de julho de 2021.
Como é notório o facto que a não realização dos trabalhos, por via da suspensão automática, são passiveis de originar a propagação de incêndios, ou dificuldade no combate aos mesmos, o que só por si denota um grave prejuízo para o interesse público. Porem tais factos resultam também da matéria de facto dada como provada, nomeadamente aos fundamentos da necessidade de contratar.
Os contratos celebrados pela entidade adjudicante ao abrigo de outros procedimentos contratuais, não abrangem o período temporal que se iniciou em 2021.
Por outro lado, os trabalhos a executar no âmbito do presente procedimento concursal são trabalhos complementares aos já realizados por via de outros contratos.
Conforme resulta do preâmbulo do DL n.º 124/2006, de 28 de Junho, com a atual redação dada DL n.º 14/2019, de 21/01, a política de defesa da floresta contra incêndios, pela sua vital importância para o País, não pode ser implementada de forma isolada, sob pena de não ser eficiente e eficaz.
Assim sendo, entendemos que tal não se coaduna com a realização de contratos por ajuste direto, também eles muitas das vezes atentatórios do direito da concorrência.
Acresce que como refere, e bem o recorrente, tais contratos são sancionados pelo Tribunal de Contas.
Nos presentes autos o que está em causa não são os interesses do recorrente (nomeadamente no que concerne à aplicação de coimas- onde contrariamente ao referido na sentença, não é possível direito de regresso por se estar perante matéria sancionatória, cuja culpa tem de ser avaliada subjetivamente e não objetivamente- ou responsabilidade financeira- também ela sancionatória, decorrente da celebração de contratos por ajuste direto, sem que para o efeito estejam demonstrados os pressupostos à sua realização- o que aqui está em causa é não levantamento do efeito suspensivo gravemente prejudicial para o interesse público e potencialmente gerador de consequências lesivas de grande dimensão, nomeadamente a de ocorrência de incendio e/ou incêndios, bem como a dificuldade de os debelar.
Os danos consubstanciam-se na diminuição da capacidade de prevenção e resposta na defesa e proteção da vida das pessoas, do património, do território e do ambiente em caso de incêndio.
Uma vez aqui chegados, e concluindo-se pela grave prejudicialidade do não levantamento efeito suspensivo automático, há que proceder à ponderação com os danos sofridos pelo recorrido resultantes do levantamento da suspensão automática do procedimento.
Note-se a este propósito, que na matéria de facto dada como provada na sentença e com a qual o recorrido se conformou resulta quais os danos sofridos pela recorrida.
Os eventuais prejuízos da A., ora recorrida que advirão do levantamento do efeito suspensivo e consequente execução do contrato, reportam-se a meras expectativas traduzidas no interesse no novo procedimento concursal, logo que declarado nulo e/ou anulado o objeto da presente ação, e nada mais.
A propósito da matéria do artº.103º-A/CPTA, veja-se “CADERNO SÉRVULO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO E ARBITRAGEM, 01/2016, disponível on line:
“O legislador sabia que qualquer suspensão de efeitos da atuação administrativa e, sempre e em qualquer caso, lesiva do interesse publico. Estando a atuação administrativa votada a prossecução de um concreto interesse publico que lhe subjaz, a automática suspensão dos efeitos de um ato (ou de um contrato) em virtude da sua impugnação não tem como não prejudicar, em determinada medida, esse interesse. E, não obstante, o legislador terá considerado, na sua ponderação primaria, que um tal prejuízo não é mais do que normal e que o risco da sua ocorrência cabe na esfera da entidade adjudicante, que tem de o internalizar.
Só assim poderá não ser quando o Tribunal verifique, a luz de factos concretos alegados e demonstrados, que, no caso concreto, a manutenção da paralisação dos efeitos do ato impugnado e gravemente prejudicial para o interesse publico concretamente prosseguido. Não bastara, pois, o prejuízo normal resultante da suspensão da adjudicação, sendo necessário que se verifique um dano superior ao que resultara sempre para a entidade adjudicante desse efeito legalmente prescrito da impugnação do ato de adjudicação.”
E, ainda, veja-se in “ Revista Julgar”, nº.23, artigo do Sr .Conselheiro Cadilha, do qual se retira que nada justifica travar a prossecução do interesse público, de modo grave, em ordem à prossecução de interesses, in casu os das AA., que provado está nos autos corresponderem a “ meras expectativas” e “ conjeturas futuras” de no futuro procedimento concursal, se o presente for objeto de anulação, obterem a 1ªposição e ser-lhes adjudicado negócio cuja perda lhes impõe a estimativa de perda/ano de cerca de 100.000,00 ou 200.000,00 euros, mas como se disse não são mais do que conjecturas...
Em consequência do que se disse e perante os factos demonstrados, a ponderação racional e expressa, num juízo de prognose, da proporcionalidade entre todos os interesses em causa e os respetivos danos conduz à conclusão certa e segura que os prejuízos que resultarão da manutenção do efeito suspensivo se mostram consideravelmente inferiores aos prejuízos que possam resultar da retoma do prosseguimento do procedimento pré-contratual na fase pós-adjudicatória.”

Vejamos.
Conforme se estabelece no n.º 6 do Decreto-Lei n.º 91/2015, de 29/15, a Infraestruturas de Portugal, S.A é gestora das infraestruturas rodoviárias e ferroviárias.
Por sua vez, no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 124/2006, de 28/06, na versão que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 14/2019, de 21/01, lê-se que: “A política de defesa da floresta contra incêndios, pela sua vital importância para o País, não pode ser implementada de forma isolada, mas antes inserindo-se num contexto mais alargado de ambiente e ordenamento do território, de desenvolvimento rural e de proteção civil, envolvendo responsabilidades de todos, Governo, autarquias e cidadãos, no desenvolvimento de uma maior transversalidade e convergência de esforços de todas as partes envolvidas, de forma direta ou indireta”.
No artigo 2.º desse diploma, sob a epígrafe “Sistema de Defesa da Floresta contra Incêndios” estabelece-se que:
“1 - O SDFCI prevê o conjunto de medidas e ações de articulação institucional, de planeamento e de intervenção relativas à prevenção e proteção das florestas contra incêndios, nas vertentes da compatibilização de instrumentos de ordenamento, de sensibilização, planeamento, conservação e ordenamento do território florestal, silvicultura, infraestruturação, vigilância, deteção, combate, rescaldo, vigilância pós-incêndio e fiscalização, a levar a cabo pelas entidades públicas com competências na defesa da floresta contra incêndios e entidades privadas com intervenção no setor florestal.
2 - No âmbito do SDFCI, a prevenção estrutural assume um papel predominante, assente na atuação de forma concertada de planeamento e na procura de estratégias conjuntas, conferindo maior coerência regional e nacional à defesa da floresta contra incêndios.
3 - No âmbito do SDFCI, cabe:
a) Ao Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF, I. P.), a coordenação das ações de prevenção estrutural, nas vertentes de sensibilização, planeamento, organização do território florestal, silvicultura e infraestruturação de defesa da floresta contra incêndios;
b) À Guarda Nacional Republicana (GNR) a coordenação das ações de prevenção relativas à vertente da vigilância, deteção e fiscalização;
c) À Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC) a coordenação das ações de combate, rescaldo e vigilância pós-incêndio.
4 - Compete ao ICNF, I. P., a organização e coordenação do dispositivo de prevenção estrutural, que durante o período crítico se integra na estrutura operacional prevista no dispositivo especial de combate a incêndios florestais (DECIF).
5 - Compete ainda ao ICNF, I. P., a manutenção, à escala nacional, de um sistema de informação relativo a incêndios florestais através da adoção de um sistema de gestão de informação de incêndios florestais (SGIF), e os registos das áreas ardidas.
6 - O sistema referido no número anterior recebe informação dos sistemas de gestão de ocorrências, gestão de recursos humanos, materiais e financeiros de todos os agentes de defesa da floresta contra incêndios, assegurando-se por protocolos a confidencialidade, transparência e partilha de informação entre todas as entidades públicas e privadas.
7 - (Revogado.)
8 - Todas as entidades públicas que integram o SDFCI ficam sujeitas ao dever de colaboração e têm acesso aos dados do SGIF necessários à definição das políticas e ações de prevenção estrutural, vigilância, deteção, combate, rescaldo, vigilância ativa pós-rescaldo e fiscalização.
9 - As regras de criação e funcionamento do SGIF são aprovadas, mediante proposta do ICNF, I. P., ouvida a ANPC e a GNR.
10 - É criada no âmbito do ICNF, I. P., uma equipa responsável por impulsionar, acompanhar e monitorizar a aplicação do Plano Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios (PNDFCI), com um coordenador nomeado nos termos da legislação aplicável.
11 - Anualmente, até 30 de setembro, a equipa referida no número anterior apresenta o plano e orçamento para aplicação do PNDFCI para o ano seguinte, a autonomizar no Orçamento do ICNF, I. P., explicitando as verbas a afetar pelo Estado e, indicativamente, as verbas a disponibilizar por outras entidades.
12 - Até 21 de março de cada ano a equipa referida no n.º 10 elabora o balanço e as contas relativamente à aplicação do PNDFCI no ano anterior, indicando o grau de cumprimento das metas definidas.”
E no artigo 2.º-A, sob a epígrafe “Duração do período crítico” prevê-se que “O período crítico no âmbito do SDFCI vigora de 1 de julho a 30 de setembro, podendo a sua duração ser alterada, em situações excecionais, por despacho do membro do governo responsável pela área das florestas.”

Por seu turno, de acordo com a alínea a), do n.º 1, do artigo 15.º desse DL 24/2006, sob a epígrafe “Redes secundárias de faixas de gestão de combustível”, nos espaços florestais previamente definidos nos PMDFCI é obrigatório que a entidade responsável pela rede viária providencie a gestão do combustível numa faixa lateral de terreno confinante numa largura não inferior a 10 metros.
Segundo o disposto na alínea r), do n.º 1, do artigo 3.º desse mesmo diploma, a “Gestão de combustível” é a criação e manutenção da descontinuidade horizontal e vertical da carga combustível nos espaços rurais, através da modificação ou da remoção parcial ou total da biomassa vegetal, nomeadamente por pastoreio, corte e ou remoção, empregando as técnicas mais recomendadas com a intensidade e frequência adequadas à satisfação dos objetivos dos espaços intervencionados. Os critérios para a gestão de combustíveis no âmbito das redes secundárias de gestão de combustível encontram-se previstos no Anexo ao Decreto-Lei n.º 124/2006, de 28/06.
Sucede que, como invoca a Apelante, na sequência dos incêndios florestais que afetaram Portugal em 2017, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 161/2017, publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 210, de 31 de outubro de 2017, veio determinar o reforço da atuação no âmbito da Limpeza das Bermas e Faixas de Gestão de Combustível da Rodovia e da Ferrovia, visando contribuir eficazmente para o Sistema de Defesa da Floresta contra Incêndios.
Na deliberação do Conselho de Administração do Apelante, de 14/11/2019, que aprovou a decisão de contratar a que se refere o procedimento de concurso em causa nestes autos, referente à empreitada de “Execução de Trabalhos de Gestão de Vegetação 2020-2022 “ pode ler-se , como enquadramento do pedido de contratação, o seguinte:
«A atividade de Conservação Corrente norteia-se pelo cumprimento dos princípios constantes das Bases da Concessão, cabendo à IP a Conservação das vias que integram a Rede Rodoviária Nacional, mantendo a rede em bom estado de funcionamento, conservação e segurança na prossecução do contínuo e eficiente funcionamento do serviço público. Deve manter as vias em bom estado de conservação e perfeitas condições de utilização e assegurar o seu funcionamento ininterrupto e permanente.
A manutenção das vias rodoviárias engloba, entre outras, a obrigação de gestão da vegetação na envolvente das mesmas, dando cumprimento à base 35 do contrato de concessão bem como ao quadro legal em vigor.
No âmbito das obrigações legais destaca-se toda a atividade associada ao cumprimento dos critérios de gestão de combustível, enquadrados no Sistema de Defesa da Floresta Contra Incêndios (SDFCI), estando as vias rodoviárias inseridas na rede secundária de faixas de gestão de combustível (FGC).
A IP S.A. tem assegurado os trabalhos de conservação/manutenção da rede rodoviária através de contratos trienais de conservação corrente – CCC, os quais englobam os diferentes trabalhos com vista a preservar a vida útil dos diversos ativos rodoviários.
Neste âmbito englobam-se as designadas atividades ambientais, com um vasta tipologia de trabalhos (ceifas, corte seletivo de vegetação, podas, abates, plantações e sementeiras, entre outros) que permitem manter as condições de segurança da circulação, bem como assegurar a preservação do património vegetal na envolvente das vias.
Os trabalhos necessários à manutenção das FGC tradicionalmente têm vindo a ser desenvolvidos no âmbito destes contratos.
No entanto, após os acontecimentos do Verão de 2017, tornou-se mais abrangente e com critérios mais exigentes, a execução dos trabalhos necessários para dar cumprimento à legislação do SDFCI.
Complementarmente, a obrigação de entrar em domínio privado, sempre que necessário para cumprir a gestão de combustível numa faixa de 10m, extravasa o definido para os CCC, que apenas abrangem os trabalhos dentro do domínio rodoviário.
Em 2018, na ausência de CCC, foram lançados vários concursos de empreitadas de corte de vegetação para dar cumprimento à legislação da defesa da floresta, cujo montante ascendeu a cerca de 15,7 ME, sendo que os trabalhos mais relevantes neste domínio são ceifa e corte seletivo de vegetação.
No balanço financeiro dos trabalhos incluídos em cada capítulo dos CCC verifica-se que em primeiro lugar se encontra o capítulo dos Pavimentos logo seguido do das Atividades Ambientais.
O investimento anual nos trabalhos incluídos nas Atividades Ambientais ascende a mais de 20% dos valores totais dos contratos, sendo o valor das rubricas de ceifa e de corte seletivo os de maior significado, tendo ascendido a 10,4 ME no triénio 2010­2013, baixando para 6,3 ME nos dois triénios seguintes, função dum enquadramento financeiro que obrigou à redução dos valores dos contratos, tendo-se também verificado para o caso da ceifa, uma redução significativa do valor unitário médio.
O investimento efetuado no ano de 2018 espelha o que se terá que realizar para dar cumprimento à legislação atualmente em vigor, o qual se situa 2,5 vezes acima do valor dos três anos anteriores.
A experiência de 2018, a qual está a ter sequência em 2019, dada a necessidade de entrar em domínio privado (não previsto nos CCC, o que levou ao lançamento de procedimentos para as intervenções em domínio privado num montante de 3,8 ME) e complementar quantidades do CCC que não foi dimensionado para o atual quadro legal, tem demonstrado que a especialidade do trabalho em causa e o local onde decorre, marginalmente à via, beneficia de uma gestão num contrato individualizado das restantes atividades incluídas nos CCC, mais vocacionadas para trabalhos típicos de engenharia civil.
Assim, com o presente pedido de contratação pretende-se operacionalizar um novo modelo de gestão da manutenção rodoviária, em que as atividades de cariz ambiental estão englobadas num contrato dedicado, em regime plurianual, complementando os CCC de modo a assegurar tanto a segurança da exploração rodoviária, como o cumprimento das obrigações legais e contratuais que impendem sobre a Empresa. Seguindo a organização distrital dos CCC, prevêem-se 18 contratos, um por distrito, constituindo-se como 18 Lotes do presente procedimento.
(...)» ( vide ponto 1 do elenco dos factos provados).
Mais se refere na mencionada decisão de contratar que: “3.1 Necessidade de contratar – Justifica-se pela insuficiência de condições nos CCC para assegurar a realização dos trabalhos de gestão de vegetação que permitam o cumprimento da legislação em vigor e os princípios da boa gestão empresarial.
Considera-se que com estes contratos é incrementada a eficiência do serviço e a qualidade do mesmo. Anexa-se o Memorando sobre “A Estratégia da Gestão da Manutenção Rodoviária – Execução de Trabalhos de Gestão de Vegetação - ETGV 2020-2022” que apresenta as justificações para a necessidade destes contratos.”
O Apelante, conforme alega, tem vindo a assegurar os trabalhos de conservação/manutenção da rede rodoviária através de contratos trienais de conservação corrente (CCC), os quais englobam os diferentes trabalhos com vista a preservar a vida útil dos diversos ativos rodoviários, neles se englobando as designadas atividades ambientais, com uma vasta tipologia de trabalhos, como ceifas, corte seletivo de vegetação, podas, abates, plantações e sementeiras, entre outros, que permitem manter as condições de segurança da circulação, bem como assegurar a preservação do património vegetal na envolvente das vias. Até 2017, os trabalhos necessários à manutenção das FGC foram desenvolvidos no âmbito destes contratos. Assim, o Apelante celebrou contratos com vista à limpeza das zonas que marginam as vias rodoviárias, os denominados CCC. Os interesses que presidiram à celebração desses contratos são, designadamente, a segurança rodoviária e a preservação do património ambiental e económico, sabendo-se, até porque é facto notório, que não estando essas zonas limpas, facilmente por via da circulação, a pé e de veículo, essas zonas estão expostas a riscos de incêndio consideráveis, com consequências imprevisíveis tanto quanto é certo que o fogo propaga-se de forma incontrolável enquanto houver combustível podendo destruir no seu percurso quilómetros de floresta, de edificado, devastando aldeias e zonas de produção agrícola, enquanto não for travado ou não houver matéria combustível que mais permita ou alimente a sua propagação. Diz-nos a normal experiência de vida que o fogo percorre com uma velocidade avassaladora vias rodoviárias e, inclusivamente, atravessa cursos de água, sendo, na prevenção que primacialmente devem ser concentrados os maiores esforços nesta luta contra os incêndios.
É facto notório, não carecendo de alegação, sequer de prova, que nas vias rodoviárias circulam veículos e que no interior deles são transportadas pessoas e bem assim, que nas casas mas também nas próprias florestas, e zonas agrícolas, existem pessoas e que o fogo caso as atinja lhes causará graves lesões físicas e inclusivamente facilmente lhes poderá ceifar a própria vida.
De resto, se dúvidas houvesse quanto a estes aspetos foi o que aconteceu nos inditosos incêndios ocorridos em Pedrógão Grande em que o fogo se propagou às vias rodoviárias, consumindo quilómetros de vegetação, devastando propriedades agrícolas, e destruindo no seu percurso muitas vidas daqueles que por ali circulavam, numa via rodoviária, que até era um IP ( itinerário principal) com uma faixa de rodagem bem mais larga que o habitual e com um trajeto apto a permitir elevadas velocidades mas que ainda assim não permitiu a fuga ao fogo de muitos daqueles que por ali circulavam nessa ocasião.
Daí que, após os fatídicos acontecimentos desse Verão de 2017, se tenha incrementado o nível de prevenção e de exigência nos trabalhos a executar, necessários para dar cumprimento à legislação do SDFCI, tornando-se obrigatório, conforme previsto nas Leis do Orçamento do Estado (LOE) para 2018, 2019 e 2020, a intervenção em todos os espaços florestais independentemente de existirem Planos Municipais de Defesa da Floresta contra Incêndios (PMDFCI) aprovados.
Acontece que, a obrigação de entrar em domínio privado, sempre que necessário para cumprir a gestão de combustível numa faixa de 10 m, extravasa o objeto definido para os CCC, que apenas abrangem os trabalhos dentro do domínio rodoviário, pelo que é impossível intervencionar estes espaços com este instrumento contratual. Como alega o Apelante e resulta provado, os CCC não estavam dimensionados para a resposta necessária ao quadro legal, face à especialização dos trabalhos em causa, o local onde os mesmos decorrem, marginalmente à via, entrando em domínio privado, a que acresce o prazo para a realização dos trabalhos, não compatível com os meios existentes e o intervalo de tempo disponível nos contratos para a sua execução.
Daí que a Apelante tenha operacionalizado um novo modelo de gestão da manutenção rodoviária, em que as atividades de cariz ambiental estão englobadas num contrato dedicado, “Execução de Trabalhos de Gestão de Vegetação 2020-2022 – 18 Lotes” (ETGV), em regime plurianual, assegurando-se nos CCC as atividades de pavimentação, drenagem, manutenção de taludes, limpezas, segurança, manutenção de obras de arte, entre outras, visando a manutenção dos ativos rodoviários e a segurança da exploração rodoviária, visando garantir o cumprimento das obrigações legais e contratuais que impendem sobre a Empresa e os princípios da boa gestão empresarial.
A Apelante alega que a necessidade dos presentes contratos de ETGV justifica-se dado que os CCC já estão exauridos de quantidades para assegurar a realização dos trabalhos de gestão de vegetação que permitam o cumprimento da legislação. E refere que como forma de colmatar o impacto do atraso no início destes contratos e porque a empresa já tinha sido notificada pelas entidades fiscalizadoras da necessidade de efetuar trabalhos de gestão de combustível em alguns distritos, recorreu-se a adicionais aos CCC, com trabalhos a mais, os quais estão sujeitos aos limites constantes do Código de Contratação Pública.
Porém, para a campanha de 2021 já não é possível dotar os atuais CCC de quantidades que permitam dar resposta às necessidades, com a agravante que com estes contratos não é possível executar trabalhos em domínio privado, dado que este não faz parte do objeto destes contratos, razão pela qual considera os contratos ora impugnados imprescindíveis para cumprir as suas obrigações no âmbito do SDFCI, o que não é possível com os CCC.
Donde, com o atraso no início das presentes empreitadas, deixa de poder assegurar, em 2021, o cumprimento das suas obrigações de limpeza das faixas de gestão de combustível, incumprindo o seu dever de prevenção previsto no SDFCI, que define que os trabalhos devem estar concluídos antes do início do período crítico, isto é, em 1 de julho.
O concurso em causa nos autos surge em consequência desta nova realidade, estando, portanto, em causa, a limpeza das zonas que marginam os eixos rodoviários para além dos 3 metros que os CCC previam.
Dir-se-á que é facto notório não carecendo por isso de alegação e prova, que a manutenção do efeito suspensivo automático levará que apenas se poderá fazer essa limpeza nos 3 metros que marginam os eixos rodoviários, o que, é insuficiente para acautelar os riscos de incêndio com as já enunciadas consequências para a vida, a saúde e o património da comunidade, e os interesses ambientais uma vez que, reafirma-se, ainda que limpos os aludidos 3 metros, por recurso aos CCC, facilmente o fogo se iniciará nas zonas não limpas que se situam para lá destes ou se propagará dos restos de vegetação existentes nas zonas limpas para as zonas não limpas com as consequências imprevisíveis, incontroláveis mas efetivas e concretas, colocando em risco a vida, a integridade física e o património de quem circula nessas vias rodoviárias e para toda a comunidade envolvente, cumprindo aqui relembrar que não é inusual um incendio iniciar-se num concelho e propagar-se a concelhos vizinhos a quilómetros de distância, levando na sua frente tudo o que é suscetível de ser destruído.
Paralelamente, estamos praticamente em meados de junho, ou seja, em plena época de incêndios, onde independentemente dos vícios de que possa enfermar o processo concursal já não é possível ou dificilmente seria possível lançar-se um concurso em tempo útil que permitisse dar solução à situação de risco que emerge da não limpeza das zonas que marginam as vias públicas para lá dos 3 m que a manutenção do efeito suspensivo automático determinaria não fossem limpas.
Dir-se-á, aliás, que só por distração se poderá afirmar que o risco que se visa acautelar e que vem alegado pela Apelante é o risco daquela ser cominada com coimas em sede contraordenacional, desconsiderando-se tudo quanto por aquela vem alegado, e sobretudo os fins que presidem aos contratos que se visa celebrar, a RCM que tornou premente a necessidade da limpeza das zonas que marginam as vias públicas para além dos 3 m e as razões que levam a autora, nessa sequência, a contratar estes serviços para além dos 3 m, onde se fala sempre em segurança rodoviária, combate a incêndios, eliminação do risco de incendio, ignorando-se, quiçá desvalorizando-se, as consequências mais que evidentes dos incêndios, como se há escassos anos atrás não se tivesse vivido a tragédia de Pedrógão Grande. E olvida-se ou desconsidera-se o presente momento temporal em que estando- se já em plena época de incêndios o risco destes virem a acontecer é presente, impondo-se rapidez na eliminação desse risco.
Ora, o interesse que a Apelada visa acautelar é um interesse patrimonial, interesse esse que sempre lhe estará salvaguardado por via indemnizatória, caso se venha a decidir que lhe assiste razão. Porém, os prejuízos que o Apelante visa acautelar mediante o afastamento do efeito automático da suspensão, para além de patrimoniais, incluem prejuízos de índole não patrimonial, mais concretamente, o risco de perda de vidas, de ofensas à integridade física, de danos ambientais, etc…
Ademais, o risco patrimonial que a Apelada visa acautelar não tem comparação possível com o risco patrimonial que o Apelante visa acautelar posto que o prejuízo da primeira será sempre muito inferior ao risco patrimonial de dezenas, centenas ou milhares de cidadãos que poderão ver todos os seus bens destruídos pela ação do fogo, caso não sejam executadas as devidas ações de limpeza das zonas que marginam as vias rodoviárias e que compete ao Apelante assegurar.
No entanto, ainda que assim não fosse, sempre se dirá que os prejuízos patrimoniais têm de ceder aos graves danos não patrimoniais onde se incluem a vida humana que a manutenção do efeito automático da suspensão poderá acarretar indiscutivelmente para um vasto número de cidadãos.

Por tudo quanto vem exposto, afigura-se-nos que o Apelante demonstrou, conforme lhe era exigível, que o diferimento da execução do contrato se afigura gravemente prejudicial para o interesse público, tendo justificado os motivos pelos quais o efeito suspensivo do ato impugnado o impede de assegurar as adequadas condições de segurança da circulação na rede rodoviária sob sua jurisdição, demonstrando de modo bastante a razão pelas quais os contratos impugnados são imprescindíveis para que cumpra com as suas obrigações no âmbito do SDFCI.

Termos em que se impõe julgar procedente o recurso interposto, revogar a decisão recorrida e, em substituição, levantar o efeito suspensivo automático do procedimento adjudicatório e respetiva celebração do contrato.
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IV- DECISÃO

Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao presente recurso, e, em consequência, revogam a decisão recorrida e, em substituição, julgam procedente o incidente do levantamento do efeito suspensivo automático deduzido pela entidade demandada.
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Custas pela apelada (art.º 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.

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Porto, 18 de junho de 2021.

Helena Ribeiro
Helena Canelas, em substituição
Isabel Jovita, em substituição