Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00215/11.6BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/02/2021
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Helena Canelas
Descritores:EMPREITADA – JUROS DE MORA
Sumário:I - A circunstância de o processo judicial ter tido, alegadamente, uma duração excessiva, não afasta a culpa do réu pelo não pagamento dos trabalhos, a qual motivou e justificou o recurso à via judicial, razão pela qual são devidos os juros de mora sobre o apurado capital em dívida, nos termos do artigo 804º nº 2 do Código Civil.

II - O que tal circunstância poderá, eventualmente, originar é a responsabilidade do Estado Português por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável assegurado no artigo 6º § 1º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH) e acolhido no artigo 20º nº 4 da CRP, mas aí estaremos já numa distinta relação jurídica.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:MUNICÍPIO (...)
Recorrido 1:R., LDA
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RELATÓRIO

O MUNICÍPIO (...) (devidamente identificado nos autos) réu na ação administrativa comum que contra si foi instaurada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela pela sociedade R., LDA. (igualmente devidamente identificada nos autos) inconformado com a sentença de 19/11/2020 (fls. 436 SITAF), retificada pelo despacho de 11/12/2020 (fls. 495 SITAF), que julgando parcialmente procedente a ação condenou o réu a pagar à autora a quantia de 146.463,03€, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa dos juros comerciais, desde 02/06/2011 até integral pagamento, computando os juros vencidos à data em 100.954,96 €, dela interpôs o presente recurso de apelação (fls. 506 SITAF), formulando as seguintes conclusões, nos seguintes termos:

1ª O presente recurso tem por objecto a d. Sentença proferida nos autos supra id., através da qual o Tribunal a quo decidiu julgar a acção parcialmente procedente condenando o recorrente a pagar à recorrida “ a quantia de € 146.463,03 (cento e quarenta e seis mil quatrocentos e sessenta e três euros e três cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa dos juros comerciais, desde a data de 2.6.2011 até integral pagamento, ascendendo nesta data (18.11.2020) os vencidos, a € 100.954,96 (cem mil novecentos e cinquenta e quatro euros e noventa e seis cêntimos) “.
2ª Com o devido respeito, a d. Decisão recorrida não é tida pelo recorrente como uma “decisão justa “, daí o seu inconformismo com a Mesma, que contende directamente com a decisão da matéria de facto, a qual por esta via também se impugna nos termos do artº 640 do CPC ex vi artº 1 do CPTA.
3ª E isto porque, impunha-se a procedência parcial da acção, mas, como infra se demonstrará, ao contrário do d. decidido pelo Tribunal a quo, o valor condenatório é bem menor quer no tocante à quantia a título de valor de obras, quer no tocante ao valor dos juros.
4ª Por questão de economia processual, dão-se aqui por reproduzidos os factos dados como provados e não provados nos presentes autos.
5ª Atento o supra transcrito, o Tribunal a quo deu como provada a seguinte factualidade:
31. Em (...), a A. executou trabalhos de arranjos no adro da Igreja e, bem assim, da rede de águas pluviais.
32. Os referidos trabalhos corresponderam aos abaixo descritos, nas seguintes quantidades e ascenderam aos valores de,
Descrição dos TrabalhosUnidadesQuantidadesPreço unit.Valor
Fornecimento e colocação de tubo em PVC diâmetro de 200mm, à volta da igreja e na ligação da igreja à linha de águam15512,701968,50
Fornecimento e colocação de caixasum27922.484
Colocação de betão nos passeiosm229040,5011745
Colocação de caldeira em betão (5,66 x 0,35m) e grelha em ferro fundido (0,25 x 5,55m)m2.047
Colocação de degraus em pedra de granitom242143,756037.5
Dois pilares de 0,60m x 0,60m e altura de 12,60 m, encimados, cada um deles, por pirâmide em granitoun22070,004140
Passeio em betonilham250,440,252028,60
Fornecimento e aplicação de calçada a cubos sobre camada de areiam249017,508575,00
Total39025,60

48. Os trabalhos executados e materiais fornecidos referidos em 3 a 47 foram solicitados à A. pelo MUNICÍPIO (...),
51. Os trabalhos em (...), incluindo os executados no adro da Igreja, foram solicitados pelo Presidente da Junta de Freguesia de (...) e pelo Presidente da Comissão Fabriqueira ao Presidente da Câmara Municipal (...),
52. Tendo sido acordado que os pagamentos à A. seriam feitos mediante a transferência de verbas do Município para a Freguesia que, por sua vez, realizaria os pagamentos à A. “ – sic.
6ª Em sede de “fundamentação de facto” diz a d. Sentença recorrida que “quanto à prova testemunhal realizada, a mesma foi valorada em função da convicção adquirida pelo Tribunal acerca da sua correspondência com a realidade. Nesta medida, importa reter que foram, essencialmente, valorados os depoimentos na medida em que incidiam sobre circunstâncias ou eventos que a testemunha constatou por si própria e ponderados/valorados os depoimentos indiretos pela sua verosimilhança, convencimento que resultou do mesmo e/ou pela sua sustentabilidade face à restante prova produzida, a sua credibilidade foi avaliada em função de circunstâncias objetivas (conformidade do depoimento com as regras da experiencia, probabilidade de ocorrência dos factos, o grau de corroboração ou infirmação dos factos afirmados por outros meios de prova, a sua coerência interna e externa) e subjetivas (em face do interesse no resultado da causa, as relações da testemunha, a sua pertença a grupo de interesses, as relações sociais com as partes, sinais e condições evidenciados pela testemunha aquando da prestação do depoimento) “ – sic, cf. fls. 16 da d. Sentença recorrida.
7ª É entendimento do recorrente que, no tocante aos factos que ora coloca em crise – factos provados nºs 31, 32, 48, 51 e 52 – tal não ocorreu na sua plenitude, pelo que, tais factos deveriam ter sido dados como não provados, atendendo à prova produzida e que foi incorrectamente apreciada pelo Tribunal a quo, nomeadamente a prova testemunhal que se encontra gravada.
8ª Na verdade, da audição dos depoimentos das testemunhas que levaram o Tribunal a quo a dar como provados tais factos ( nºs 31, 32, 48, 51 e 52 ), resulta claro que Este foi para além daquilo que em sede de Audiência de Julgamento as mesmas testemunhas disseram, sendo certo que os seus depoimentos se encontram gravados.
9ª Daí que, nesta sede, o recorrente, face àquela que foi a prova produzida em sede de Audiência de Julgamento, questiona a sua condenação no montante das obras que se dizem executadas pela A. em (...), por referência a esses factos dados como provados, os quais aqui e por esta via se questionam, face ao valor que os mesmos directamente englobam e se reflectem no valor total final em que o recorrente foi condenado a pagar.
10ª Compulsado o depoimento prestado pela testemunha C., prestado no dia 28 de Setembro de 2020, que se encontra gravado de 00.23.50 a 00.59.56 – in acta de julgamento de fls. 426 e ss., conclui-se que os factos provados sob os nºs 48, 51 e 52, deveriam ter sido dados como Factos Não provados, o que se impõe agora a este d. Tribunal ad quem declarar.
11ª É que, se quanto à realização das obras identificadas na d. Sentença recorrida a matéria assente é inquestionável já quanto à solicitação dessas obras à A. pelo ora recorrente a prova que foi produzida em sede de Audiência de Julgamento não permitia ao Tribunal a quo dar a mesma como provada.
12ª Por questão de economia processual e para todos os efeitos legais dá-se aqui por reproduzido o teor do depoimento da testemunha C., acima transcrito e constante da Gravação do minuto 33:21 ao 37:41, com a chamada de atenção para as suas expressões interrogativas e de incerteza que transparecem claramente da gravação e são inegavelmente perceptíveis (como sejam:
Adv. da A.: (…) Pergunto-lhe: Estas obras foram executadas, foram efectuadas, quem pagou?
Testemunha: Estas obras quem pagou?
(expressão na interrogativa por parte da testemunha, para o que se chama a atenção deste d. Tribunal ad quem)
Adv. da A.: Quem é que assumiu pagar isto?
Testemunha: Eu parece que já passou algum tempo, também era um moço mais novo, estava a estudar, não estava lá todos os dias, onde tinha também um Secretário de Junta e um Presidente de Junta que já falecido, mas a mim o que me vem à memória é o seguinte, é que foi feito um acordo entre a Câmara Municipal com o Presidente de Junta da altura em que se calhar aquilo ia ser transferido para a Fábrica da Igreja uns determinados subsídios que era para pagar esta obra. Julgo que foi isso, sabe. Haverá pessoas mais… (…)
Adv. da A.: Então quem é que contratou a obra ao Sr R.?
Testemunha: Provavelmente deve ter sido a Câmara Municipal (...), não?
(mais uma expressão na interrogativa por parte da testemunha, para o que se chama a atenção deste d. Tribunal ad quem)
Adv. da A.: Foi?
Testemunha: Acho que foi a Câmara Municipal (...). (…)
Mª Juiz: Diga-me uma coisa. Se não tem a certeza responda que não tem a certeza.
Testemunha: Peço desculpa. Sim.
Mª Juiz: Uma coisa é dizer: Deve ter sido. Mas deve ter sido porquê? Como é que o Sr sabe? Deve ter sido a Câmara porquê?
Testemunha: Porque vi lá os técnicos da Câmara com o Sr R..
Mª Juiz: Viu lá os Srs Técnicos da Câmara?
Testemunha: Sim, sim.
Mª Juiz: E acha que foi por isso?
(silêncio… e a testemunha não respondeu à questão colocada pela Mª Juiz))
bem como a Gravação do minuto 42:53 a 45:12 (
Adv. da A.: Mas alguma o Sr R. se dirigiu ao Sr “é pá”
Testemunha: Dirigiu
Adv. da A.: Ainda me devem. Quando é que ele fez isso?
A testemunha fica renitente e é perceptível o que aconteceu em sede de Audiência de Julgamento a testemunha soprou
para o ar o que é perfeitamente audível na gravação.
Testemunha: 2008 ou 2010.
Adv. da A.: Ah, queixava-se, queixava-se?
Testemunha: Depois do antigo Presidente de Junta ter falecido
Adv. da A.: Sim
Testemunha: Depois começou a abordar esse assunto mais comigo, queixava que ainda lhe devia.
Adv. da A.: Mas dizia que quem é que lhe devia que era a Câmara, que era a Junta, que era a Fábrica, o que é que ele dizia?
Testemunha: Como eu lhe disse inicialmente, parece-me que foi uma obra assim, (…)
Adv. da A.: Ele não a fazia, pois não?
Testemunha: Penso que não.
Adv. da A.: Não tinham muito dinheiro.
Testemunha: Não, não tínhamos dinheiro para a pagar.
Adv. da A.: Provavelmente. Terá sido a Câmara a dizer ao Sr R. “faça essa obra”?
Testemunha: Terá sido).

13ª Aliás, são várias as questões colocadas pelo I. Mandatário do A. onde a maioria das respostas da testemunha são um claro “não sei, não me recordo, também não sei, não, não me recordo“.
14ª Resulta ainda deste depoimento da testemunha C. que, depois do Presidente da Junta ter falecido, era à própria testemunha que a A., melhor dizendo, o “ Sr R. “ se dirigia a solicitar o pagamento, sendo a testemunha muito clara ao referir que o Sr R. “ depois começou a abordar esse assunto mais comigo, queixava que ainda lhe devia “.
15ª Perante toda esta factualidade, perante o teor deste depoimento, ao contrário do d. decidido pela Tribunal a quo, é inegável que, no tocante à obra feita em (...), a obra não é uma obra camarária, não se estando perante uma obra do recorrente, independentemente da situação concreta da Câmara ter concedido um subsídio à Fábrica da Igreja, ou só porque o recorrente concedeu a esta um subsídio.
16ª É sabido que, uma coisa é a titularidade da obra e outra, bem distinta, é o seu financiamento, sendo que este, para além de não se confundir com a titularidade, ao ser concedido não retira a dominialidade, a propriedade do bem ao seu dono, pelo que, in casu, o titular da obra, o dono da obra, era a Fábrica da Igreja de (...), a qual é uma pessoa jurídica não colegial a que pertencem todos os bens e direitos destinados à conservação, reparação e manutenção duma igreja e ao exercício do culto nela – cf. http://sites.ecclesia.pt/catolicopedia/artigo.php?id_entrada=787
17ª Aliás, a propósito da titularidade, importa referir aqui que a testemunha, em sede de depoimento que prestou, ao minuto 55:13 disse de forma clara que “só se faz o que a Igreja deixa fazer“ – sic, declaração proferida pela testemunha, com perfeito conhecimento de causa, tendo em conta que se apresentou como tendo feito parte, à época, da Fábrica da Igreja de (...) e da própria Junta de Freguesia.
18ª Acresce que, a referência feita a obras de drenagem de águas pluviais também não atribui àquelas a qualidade de obras camarárias / municipais. É que, independente da obra de drenagem de águas que ali foram feitas, a verdade é que as mesmas foram concretizadas no adro da igreja, que é um espaço murado, ao qual só se tem acesso após se passar por um portão, segundo a testemunha C. disse do seu depoimento, portão que até é fechado à chave, sendo que essa área do adro, como a testemunha também disse, não é um espaço público, ao contrário de uma via pública ou espaço público, enquanto área(s) do domínio público, tal como nós a / o conhecemos.
19ª Atento o que vem de se dizer, não se conforma o recorrente que o Tribunal a quo tenha dado como provados os factos supra referidos, e, consequentemente, com a decisão proferida/recorrida.
20ª E isto porque, face ao já exposto, e porque a d. Sentença recorrida, na parte que aqui se coloca em crise, parece assentar mais numa convicção do que nas provas produzidas, afigura-se-nos relevante verificar ou reapreciar as bases e fundamentos de tal convicção, devendo as provas produzidas, incluindo as supra transcritas, serem reapreciadas por este d. Tribunal ad quem, única forma possível de evitar a injustiça que da Decisão recorrida resulta, nessa parte concreta, a qual que por esta via se questiona.
21ª E este pedido, de análise da prova, justifica-o o recorrente com a procura da verdade que deve nortear o Tribunal de recurso, o qual tem a mesma amplitude de poderes que tem o Tribunal a quo, devendo proceder à audição dos depoimentos ou fazer incidir as regras da experiência, como efectiva garantia de um segundo grau de jurisdição.
22ª E, quando um Tribunal de 2ª instância, ao reapreciar a prova, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção, “ conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, deve proceder à modificação da decisão, fazendo «jus» ao reforço dos poderes que lhe foram atribuídos enquanto tribunal de instância que garante um segundo grau de jurisdição” – Cf. Abrantes Geraldes, in “Recursos em Processo Civil – Novo Regime”, 2008, págs. 279 a 286, pensamento que trazemos aqui à colação porque se nos afigura adequado e, salvo melhor entendimento, tem in casu aplicação, atento o disposto no artº 1 do CPTA.
23ª Assim, espera o recorrente que o Tribunal ad quem, com a reapreciação da prova, incluindo o depoimento acima transcrito, verifique, efectivamente, o erro de julgamento ocorrido, dando como não provados os seguintes factos:´
31. Em (...), a A. executou trabalhos de arranjos no adro da Igreja e, bem assim, da rede de águas pluviais.
32. Os referidos trabalhos corresponderam aos abaixo descritos, nas seguintes quantidades e ascenderam aos valores de,
Descrição dos TrabalhosUnidadesQuantidadesPreço unit.Valor
Fornecimento e colocação de tubo em PVC diâmetro de 200mm, à volta da igreja e na ligação da igreja à linha de águam15512,701968,50
Fornecimento e colocação de caixasum27922.484
Colocação de betão nos passeiosm229040,5011745
Colocação de caldeira em betão (5,66 x 0,35m) e grelha em ferro fundido (0,25 x 5,55m)m2.047
Colocação de degraus em pedra de granitom242143,756037.5
Dois pilares de 0,60m x 0,60m e altura de 12,60 m, encimados, cada um deles, por pirâmide em granitoun22070,004140
Passeio em betonilham250,440,252028,60
Fornecimento e aplicação de calçada a cubos sobre camada de areiam249017,508575,00
Total39025,60

51. Os trabalhos em (...), incluindo os executados no adro da Igreja, foram solicitados pelo Presidente da Junta de Freguesia de (...) e pelo Presidente da Comissão Fabriqueira ao Presidente da Câmara Municipal (...),
52. Tendo sido acordado que os pagamentos à A. seriam feitos mediante a transferência de verbas do Município para a Freguesia que, por sua vez, realizaria os pagamentos à A””,
o que por esta via se requer, com inerentes consequências legais que, a final, se devem traduzir em dar provimento ao presente recurso.

24ª Consequentemente, o artº 48 dos factos provados deve passar a ter a seguinte redacção:
48. Os trabalhos executados e materiais fornecidos referidos em 3 a 30 e 33 a 47 foram solicitados à A. pelo MUNICÍPIO (...)
ou outra redacção que se afigure a este d. Tribunal ad quem ser a mais correcta, mas da qual seja retirada a referência aos nºs 31 e 32 dos factos provados, deixando assim aqueles de fazer parte dos mesmos.
25ª Haverá ainda que referir aqui o facto do Tribunal a quo ter valorado o depoimento da testemunha R., pai do actual sócio-gerente da A., e, à data dos factos, o responsável pela actividade da A. Não deixa de ser por demais esclarecedor que o I. Mandatário da A., em sede de Audiência de Julgamento, sistematicamente, fala e interroga, nomeadamente a testemunha acima id. e cujo depoimento se transcreveu, identificando a A. apenas e só como “ o Sr R. “, unificando-se assim Este com a própria A., o que é bem revelador do interesse que essa testemunha ( R. ) tem no desfecho da acção, sendo o seu depoimento, por isso mesmo, um depoimento parcial, ao contrário do que o Tribunal a quo diz em sede de fundamentação, apresentando-se a testemunha em sede de Audiência de Julgamento com apontamentos que estiveram na base e deram origem à p.i. deste processo, facto para o qual se alertou o Tribunal a quo, mas que de nada valeu, utilizando-os por isso a testemunha como e sempre que quis, levando-a a depor ipsis verbis no tocante a locais, quantidades, preços, datas, etc, o que retira espontaneidade ao depoimento, entre outros factores que têm de ser ponderados para se valorar um testemunho.
26ª No tocante aos juros diz a d. Sentença recorrida:
“Quanto aos juros, nos termos do disposto no artigo 804.º do CC “a simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor”, considerando-se o dever constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efetuada no tempo devido. Tratando-se de uma obrigação pecuniária, a indemnização corresponde aos juros legais, a contar do dia da constituição em mora (artigo 806.º, n.º 1 do Código Civil), dispondo-se no art. 805.º, n.º 1 que o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicialmente ou extrajudicialmente interpelado para cumprir. (…) Assim, nos termos do disposto no artigo 805.º, n.º 1 do CC, são devidos juros à taxa legal para os juros comerciais (art. 102.º, n.ºs 2 e 5 do Código Comercial) desde 2.6.2011, vencidos e vincendos (…)“ – sic.
27ª A presente ação foi instaurada em 30 de Maio de 2011 e o recorrente foi citado em 02/06/2011 – cf. fls. 25 dos autos (facto provado nº 54). A d. Sentença recorrida é de Novembro de 2020.
28ª É inegável que o elevado valor dos juros de mora a pagar à A. se fica a dever não a um facto do recorrente mas à morosidade da Justiça, factor que tem sido causa de várias condenações do Estado Português por parte do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, por violação das disposições do artº 20, nºs 4 e 5 da CRP e da própria Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
29ª Salvo melhor opinião, uma vez que a obrigação do pagamento de juros de mora apenas se impõe ao recorrente “por causa que lhe seja imputável “, atento o teor do preceito do CCivil acima citado, a condenação a que o recorrente foi sujeito nos presentes autos peca por ilegalidade / violação de Lei, sendo por isso excessiva tal condenação, devendo ser calculada apenas e só tendo por base o período temporal que é imputável ao recorrente, não se levando em conta o período temporal em que o processo esteve “parado” no Tribunal a quo.
30ª A condenação do recorrente no pagamento “ de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa dos juros comerciais, desde a data 2.6.2011 até integral pagamento, ascendendo nesta data (18.11.2020) os vencidos a € 100.368.89 (cem mil trezentos sessenta e oito euros e oitenta e nove cêntimos) “ viola, em primeiro lugar, o disposto no nº 2 artº 804 do CCivil, bem como o disposto no artº 26, nºs 4 e 5 da CRP, violação que aqui se invoca para todos os efeitos legais, impondo-se por isso a sua reparação, mediante condenação por parte deste Tribunal ad quem que corresponda, efectivamente, ao período temporal que é causa imputável ao recorrente. Aliás, o valor a título de juros é, praticamente o mesmo que o valor referente ao valor total a título de obras!!
31ª Impunha-se / impõe-se uma Decisão diferente nos presentes autos, o que aqui e por esta via se requer.
32ª Na verdade, a d. Sentença de que ora se recorre ao não tomar em consideração determinados aspectos essenciais, não só pela falta de rigor analítico ( como deve ser apanágio de toda a boa Decisão ), como pela clara violação de Lei, ao condenar o recorrente num valor de € 39.025,00, referente a obras que não são nem nunca foram obras suas, e, em montante de juros calculados sem ter em conta apenas e só a causa que é imputável ao recorrente, não concluiu de forma coerente com vista à concretização da Justiça.
33ª Assim sendo, face à violação clara do instituto e dos preceitos supra referidos/invocados, deve ser revogada a d. Decisão recorrida e substituída por outra que julgue parcialmente procedente a acção, condenando o recorrente a pagar um valor total que não contemple o valor de € 39.025,00 referente às obras que a A. executou em (...) e que são obras de terceiros e não obras camarárias, e ordene o cálculo dos juros de mora pelo período de tempo em que os mesmos têm por base causa imputável ao recorrente, tudo com inerentes consequências legais.
34ª Face ao que vem de se dizer, fica claro que a d. Sentença recorrida para além de claro erro de julgamento de facto viola também, por erro de interpretação e aplicação, os preceitos legais supra invocados, impondo-se a este d. Tribunal ad quem dar como não provados os factos supra referidos ( nºs 31, 32, 51 e 52 ), corrigindo ainda o teor do facto provado nº 48, e, ordenando que se calculem os juros de mora com base no acima referido, o que aqui se requer, para todos os efeitos legais, o que tudo se logrará com a revogação da d. Sentença recorrida, por outra que julgue nos termos acima peticionados.
35ª Pelo que, julgando-se conforme as presentes conclusões e revogando-se no sentido indicado a d. Sentença recorrida, se fará JUSTIÇA!

Não foram apresentadas contra-alegações (cfr. fls. 545 ss. SITAF).
*
Remetidos os autos a este Tribunal Central Administrativo Norte em recurso, neste notificado, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147º do CPTA, a Digna Magistrada do Ministério Público não emitiu Parecer (cfr. fls. 551 ss. SITAF).
*
Com dispensa de vistos, foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.
*
II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/das questões a decidir

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo, ex vi dos artigos 1º e 140º nº 3 do CPTA.

Em face dos termos em que foram enunciadas pela recorrente as respetivas conclusões de recurso, vêm trazidas em recurso as seguintes questões essenciais:
- saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento quanto à matéria de facto (vide conclusões 1ª a 25ª das alegações de recurso).
- saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento quanto à decidida condenação do réu no pagamento à autora dos montantes fixados, seja quanto a parte do capital, no que respeita aos trabalhos executados em (...) no valor de 39.025,00€ (vide conclusões 32ª a 35ª das alegações de recurso), seja quanto aos juros de mora (vide conclusões 26ª a 31ª das alegações de recurso).
*
III. FUNDAMENTAÇÃO

A – De facto


O Tribunal a quo deu como provada a seguinte factualidade, assim vertida ipsis verbis na sentença recorrida:

1. A A. é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à atividade de execução de trabalhos de engenharia civil, construção e obras públicas, sendo titular do alvará de construção n.º 4601. – facto admitido por acordo.
2. No exercício da sua atividade, entre os anos de 2003 a 2007, a A. executou diversos trabalhos de construção civil e obras públicas em várias freguesias do concelho (...).
3. Em (...), freguesia de (...), a A. executou trabalhos de drenagem, que consistiram na execução de um dreno longitudinal com a extensão de 96 metros e que se traduziram na escavação em vala com recurso a explosivos, execução de dreno e de valeta em betão.
4. A A. aplicou ainda 13m de manilhas para encaminhamento das águas.
5. E forneceu e executou 340m2 de calçada na berma da estrada.
6. Os preços dos trabalhos em (...), freguesia de (...), ascenderam a,

Descrição dos TrabalhosUnidadesQuantidadesPreço unit.Valor
Escavação em vala com explosivosm314430,764.429,44
Execução de dreno (incluindo materiais)m9628,482.734,08
Manilhasm13951235
Fornecimento e aplicação de calçada (incl. materiais)m2340144760
Total13.158,52

7. Em (...), freguesia de (...), a A. executou trabalhos de drenagem, que consistiram na execução de um dreno longitudinal com a extensão de 77 metros e que se traduziram na abertura de vala com recurso a explosivos e fornecimento e colocação de dreno e brita.
8. Os preços dos trabalhos em (...), freguesia de (...), ascenderam a
Descrição dos TrabalhosUnidadesQuantidadesPreço unit.Valor
Escavação em vala com explosivosm378,230,762405,43
Execução de dreno (incluindo materiais)m7728,482192,96
Total4.598,39

9. Em (...), a A. executou trabalhos de terraplanagem e regularização/nivelamento, com recurso a explosivos e meios mecânicos, na área pista de motocrosse e campo de jogos.
10. Nos referidos trabalhos foram utilizados explosivos e, bem assim, mão de obra e máquinas, tais como compressor e camião.
11. Os preços dos trabalhos em (...), ascenderam a € 1.410,00.
12. Em (...), freguesia de (...), a A. executou trabalhos de alargamento da faixa de rodagem na estrada da (...),
13. Que envolveram a utilização de mão de obra e máquina giratória, retroescavadora a e camião.
14. Ascendendo tais trabalhos ao valor de € 2.400,00.
15. Em (...), a A. executou trabalhos de arranjos e reparação da calçada numa área de 996 m2 da Rua Principal,
16. Nos referidos trabalhos foi aplicado pó de pique e saibro e reposta a calçada existente, utilizando-se mão de obra e retroescavadora.
17. Os trabalhos em (...) ascenderam a € 8.660,00.
18. Em (...), freguesia de (...), a A. executou a ligação entre o furo de água e a caixa de ligação e que se traduziram na abertura de vala, colocação de tubo e caixa de ligação com tampa em ferro e execução de calçada.
19. Nos referidos trabalhos foram utilizadas uma caixa de ligação com tampa em ferro, calçada e, bem assim, mão de obra e máquinas.
20. Os preços dos trabalhos em (...), freguesia de (...), ascenderam a,

Descrição dos TrabalhosUnidadesQuantidadesPreço unit.Valor
Caixa de ligação com tampa em ferroun1290,00290,00
Fornecimento e aplicação de calçada (incl. materiais)m28317,501452,50
Abertura e tapamento de vala, com recurso a meios mecânicosm319,215,17291,26
Fornecimento e colocação de tubom300188,74
Total4.598,39

21. Na sequência de pedido do Presidente da Junta de Freguesia de (...), o MUNICÍPIO (...) solicitou à A. o fornecimento de passadores AVC completos, caixas com tampa e tubo de 63,1K.
22. A A. forneceu ao R. o seguinte material, nas quantidades e ao preço de,
TipoQuantidadesValorTotal
Passadores AVC completos6179,611077,66
Caixa e tampa4175/un700
Tubo 63,1K249m3747
Total2524

23. Em (...), (...), na sequência da abertura de uma vala, a A. procedeu a trabalhos de remoção de terras numa quantidade de 18,708 m3 e aplicou betão em 6,236 m3.
24. Os referidos trabalhos ascenderam a € 750,00.
25. Em (...), a A. executou valeta triangular revestida a betão, com abertura de 0,80m e altura de 0,30m, numa extensão de 70 metros.
26. Os referidos trabalhos, incluindo fornecimento dos materiais e sua aplicação, ascenderam a € 1750,00.
27. Na freguesia de (...), a A. executou trabalhos de,
- Pavimentação em calçada de paralelepípedo de granito numa área de 308,88 m2;
- Edificou muro em betão com 11,15 m3;
- Procedeu ao alargamento do Largo junto à ETAR, realizando trabalhos de escavação do talude em rocha, num volume de 64 m3, e transporte a deposito dos materiais resultantes da escavação e regularização do pavimento.
28. Os preços dos referidos trabalhos ascenderam a,

Descrição dos TrabalhosUnidadesQuantidadesPreço unit.Valor
Pavimentação em calçada de paralelepípedo de granito (incl. fornecimento do material e mão de obra)m2308,8817,505.405,50
Execução de muro de betão (incl. fornecimento de material e mão de obra)14750,004750
Alargamento do largo junto à ETAR14.000,004000
Total14.155,40

29. Em (...), a A. procedeu à execução de trabalhos de demolição de um muro de xisto para alargamento da estrada e à reconstrução do muro de xisto de duas faces, numa extensão de 20 metros de comprimento, 3,5m de altura e 0,60 de largura, rebocado e pintado no lado exterior, incluindo a reconstituição no novo alinhamento dos elementos ornamentais – pilares e pedras em granito - da parte do muro em formato de fachada da capela na entrada no prédio.
30. Os referidos trabalhos ascenderam a € 21.018,43.
31. Em (...), a A. executou trabalhos de arranjos no adro da Igreja e, bem assim, da rede de águas pluviais.
32. Os referidos trabalhos corresponderam aos abaixo descritos, nas seguintes quantidades e ascenderam aos valores de,
Descrição dos TrabalhosUnidadesQuantidadesPreço unit.Valor
Fornecimento e colocação de tubo em PVC diâmetro de 200mm, à volta da igreja e na ligação da igreja à linha de águam15512,701968,50
Fornecimento e colocação de caixasum27922.484
Colocação de betão nos passeiosm229040,5011745
Colocação de caldeira em betão (5,66 x 0,35m) e grelha em ferro fundido (0,25 x 5,55m)m2.047
Colocação de degraus em pedra de granitom242143,754760
Dois pilares de 0,60m x 0,60m e altura de 12,60 m, encimados, cada um deles, por pirâmide em granitoun22070,004140
Passeio em betonilham250,440,251028,60
Fornecimento e aplicação de calçada a cubos sobre camada de areiam249017,508575,00
Total3674,50

33. Na sequência de concurso limitado sem publicação de anúncio, com o n.º 15/2005, o MUNICÍPIO (...) adjudicou à A., pelo valor de € 64.449,70, a empreitada de “Pavimentação da Travessa da Rua (...) em (...)”, referente a alargamento e pavimentação de caminho, nos termos do orçamento apresentado pela A. e cujo teor aqui se dá por reproduzido. – fls. 1 a 16 do p.a.
34. A referida empreitada contemplava a execução de trabalhos de terraplanagens, muros – alvenaria e pavimentações, nos termos do orçamento elaborado pelo Município e cujo teor aqui se dá por reproduzido. – fls. 2 e 3 do p.a.
35. Entre a A. e o R. foi celebrado em 21.10.2005 contrato de empreitada relativo à “Pavimentação da Travessa da Rua (...) em (...)”, pelo valor de € 64.440,60 acrescido de IVA à taxa legal. – fls. 17 e ss. do p.a.
36. No âmbito da referida empreitada foram medidos trabalhos contratuais e trabalhos mais, formalizados por contrato celebrado em 8.2.2006, que totalizaram o valor total de € 64.449,17. – fls.53 e ss. do p.a.
37. Os referidos trabalhos foram pagos à A. – fls.53 e ss. dos autos.
38. A A. forneceu ao R. 146 caixas de contadores. – facto confessado pelo R.
39. Os referidos contadores ascendiam ao preço unitário de € 35,00, totalizando € 5.110,00.
40. Em (...), na Companhia M., a A. executou trabalhos na rede de saneamento e águas pluviais, que se traduziram na colocação de tubo corrugado, caixa e alcatrão,
41. Utilizando o seguinte material, mão de obra e máquina

Descrição dos TrabalhosUnidadesQuantidadesPreço unit.Valor
Fornecimento e colocação de tubo corrugado SN8 400m2320460
Fornecimento de 1 caixa com 3 manilhasun19090
Fornecimento de alcatrãom25015750
Mão de obradia5901800
Máquinas8h/dia5602400
Total5.500,00

42. O R. solicitou à A. outros serviços, cujo valor ascende a € 2.554,00. – facto confessado pelo R.
43. O MUNICÍPIO (...) adjudicou à A., pelo valor de € 30.160,96, acrescido de IVA à taxa legal, a empreitada de “Remodelação dos tanques de lavar na (...) em (...) e Arranjos Envolventes”, nos termos do orçamento apresentado pela A. e cujo teor aqui se dá por reproduzido. – fls. 1 a 20 do p.a.
44. A referida empreitada contemplava a execução de trabalhos de terraplanagens, movimento de terras, drenagens, reservatório, tubagens, caixa de visita, tanque de lavar e marco de incendio, nos termos do orçamento elaborado pelo Município e cujo teor aqui se dá por reproduzido. – fls. 9 e s.. do p.a.
45. No âmbito da referida empreitada foram medidos trabalhos que totalizaram o valor € 30.160,96, nos termos do auto de vistoria que aqui se dá por reproduzido. – fls.24 e ss. do p.a.
46. Os referidos trabalhos no valor de € 30.160,96 foram pagos à A. – fls. 31 e ss. dos autos.
47. Além dos trabalhos contemplados no projeto e orçamento elaborado pelo município e referido supra, a A. executou, ainda, no âmbito da empreitada de “Remodelação dos tanques de lavar na (...) em (...) e Arranjos Envolventes”, os seguintes trabalhos

Descrição dos TrabalhosUnidadesQuantidadesPreço unit.Valor
Colocação e fornecimento de tubagem do marco do largo ao marco de incendiom190101900
Execução da valam31446684
Colocação de meias canas 0,80 desde a saída da cabine das bombas até à linha de águaun30401200
Colocação de 20 postes de vedação em tubo PVC diâmetro 200, com enchimento em betãoun2015300
Colocação de um segundo marco de incendioun1650650
Colocação de 1 caixa de visitaun1230,00230,00
Construção de cabine,para o sistema de bombagem, com área de implantação de 2,54m2 x 2,74m e altura de 2,05m, com porta metalizada, constituída por (...) rebocadas e laje de cobertura com espessura de 0,16mun12087,002087
Alteração para deposito de 400001125002500
Válvulas AVC 125un2300600
Alargamento do caminho, com recurso a máquinas e explosivos, numa extensão de 190mun14500
Total14.651,00

48. Os trabalhos executados e materiais fornecidos referidos em 3 a 47 foram solicitados à A. pelo MUNICÍPIO (...),
49. Tendo a A. aceite realizar tais trabalhos e fornecer os materiais, mediante o pagamento do seu preço, que fez nos termos demonstrados supra.
50. Os trabalhos em (...) foram solicitados pelo Presidente da Junta de Freguesia de (...) e presidente da Associação Cultural ao MUNICÍPIO (...).
51. Os trabalhos em (...), incluindo os executados no adro da Igreja, foram solicitados pelo Presidente da Junta de Freguesia de (...) e pelo Presidente da Comissão Fabriqueira ao Presidente da Câmara Municipal (...),
52. Tendo sido acordado que os pagamentos à A. seriam feitos mediante a transferência de verbas do Município para a Freguesia que, por sua vez, realizaria os pagamentos à A..
53. O MUNICÍPIO (...) não pagou à A. os trabalhos, bens e serviços referidos em 3. a 49.
54. A presente ação foi instaurada em 30.5.2011 e o R. citado em 2.6.2011. – fls. 25 dos autos.

E deu como não provados os seguintes factos, assim vertidos ipsis verbis na sentença recorrida:

1. Em (...) a A. executou os trabalhos de ligação da água, que ascenderam a € 1500,00. (não se distinguiram estes trabalhos e os relativos ao fornecimento e colocação de tubagem).
2. Na Rua (...), em (...), a A. executou trabalhos de pavimentação em calçada e execução de muro, que excederam os trabalhos medidos e pagos no âmbito da empreitada de “Pavimentação da Travessa da Rua (...) em (...)”, e que ascenderam a € 3.154,15.
3. O R. e a A. acordaram na colocação das caixas dos contadores de água em (...) a título de empréstimo.
4. Além dos serviços que ascenderam a € 2.554,00, o R. requisitou à A. outros serviços no valor de € 3903,00.
5. Além dos trabalhos contemplados no projeto e orçamento elaborado pelo município e referido supra, a A. executou, ainda, no âmbito da empreitada de “Remodelação dos tanques de lavar na (...) em (...) e Arranjos Envolventes”, os seguintes trabalhos: aterro do deposito com gravilha no valor de € 2500.
6. A alteração ao depósito no âmbito da empreitada de “Remodelação dos tanques de lavar na (...) em (...) e Arranjos Envolventes” resultou de a A. não ter conseguido fornecer o deposito previsto no projeto da Camara Municipal de (...).
7. A obra em (...) resultou de, na sequência da abertura da vala, a A. ter provocado uma fissura numa casa adjacente e que se mostrou necessário estabilizar.
**
B – De direito

1. Do imputado erro de julgamento quanto à matéria de facto

1.1 O recorrente começa por impugnar o julgamento da matéria de facto, pugnando que os factos provados nºs 31, 32, 48, 51 e 52 na sentença deveriam ter sido dados como não provados, sendo que quanto ao ponto nº 48 dos factos provados o que deve dele constar é «Os trabalhos executados e materiais fornecidos referidos em 3 a 30 e 33 a 47 foram solicitados à A. pelo MUNICÍPIO (...)», em termos que seja retirada a referência aos nºs 31 e 32 dos factos provados que dele constam, deixando assim aqueles de fazer parte dos mesmos – (vide conclusões 1ª a 25ª das alegações de recurso).

1.2 Os pontos da matéria de facto que o recorrente sustenta encontrarem-se incorretamente julgados como provados na sentença vertem o seguinte:
31. Em (...), a A. executou trabalhos de arranjos no adro da Igreja e, bem assim, da rede de águas pluviais.
32. Os referidos trabalhos corresponderam aos abaixo descritos, nas seguintes quantidades e ascenderam aos valores de,

Descrição dos TrabalhosUnidadesQuantidadesPreço unit.Valor
Fornecimento e colocação de tubo em PVC diâmetro de 200mm, à volta da igreja e na ligação da igreja à linha de águam15512,701968,50
Fornecimento e colocação de caixasum27922.484
Colocação de betão nos passeiosm229040,5011745
Colocação de caldeira em betão (5,66 x 0,35m) e grelha em ferro fundido (0,25 x 5,55m)m2.047
Colocação de degraus em pedra de granitom242143,756037.5
Dois pilares de 0,60m x 0,60m e altura de 12,60 m, encimados, cada um deles, por pirâmide em granitoun22070,004140
Passeio em betonilham250,440,252028,60
Fornecimento e aplicação de calçada a cubos sobre camada de areiam249017,508575,00
Total39025,60

48. Os trabalhos executados e materiais fornecidos referidos em 3 a 47 foram solicitados à A. pelo MUNICÍPIO (...),
51. Os trabalhos em (...), incluindo os executados no adro da Igreja, foram solicitados pelo Presidente da Junta de Freguesia de (...) e pelo Presidente da Comissão Fabriqueira ao Presidente da Câmara Municipal (...),
52. Tendo sido acordado que os pagamentos à A. seriam feitos mediante a transferência de verbas do Município para a Freguesia que, por sua vez, realizaria os pagamentos à A..

1.3 Em sede de motivação do julgamento da matéria de facto, a Mmª Juíza a quo externou o seguinte na sentença recorrida, que se passa a transcrever:

«A matéria de facto provada resultou da conjugação dos elementos documentais juntos aos autos com o depoimento das testemunhas ouvidas e, bem assim, a prova pericial realizada. Mais foram dados como provados os factos resultantes de acordo das partes e aqueles que à luz do art. 412.º do CPC constituem factos do conhecimento geral.
A prova documental foi valorada em concordância com o disposto nos arts. 362.º e ss. do CC.
Foi, ainda, valorada positivamente a prova pericial realizada na medida em que, pela sua concretização e clareza, não suscitou, no essencial, ao Tribunal razões que levassem ao afastamento das razões e conclusões ali evidenciadas, referindo-se o Tribunal infra à valoração da prova pericial na demonstração dos concretos factos.
Quanto à prova testemunhal realizada, a mesma foi valorada em função da convicção adquirida pelo Tribunal acerca da sua correspondência com a realidade. Nesta medida, importa reter que foram, essencialmente, valorados os depoimentos na medida em que incidiam sobre circunstâncias ou eventos que a testemunha constatou por si própria e ponderados/valorados os depoimentos indiretos pela sua verosimilhança, convencimento que resultou do mesmo e/ou pela sua sustentabilidade face à restante prova produzida, a sua credibilidade foi avaliada em função de circunstâncias objetivas (conformidade do depoimento com as regras da experiencia, probabilidade de ocorrência dos factos, o grau de corroboração ou infirmação dos factos afirmados por outros meios de prova, a sua coerência interna e externa) e subjetivas (em face do interesse no resultado da causa, as relações da testemunha, a sua pertença a grupo de interesses, as relações sociais com as partes, sinais e condições evidenciados pela testemunha aquando da prestação do depoimento).
Assim, no que respeita aos trabalhos executados pela A., retenha-se que foram essenciais à formação da convicção do Tribunal os depoimentos de J., funcionário da A. à data dos factos e que demonstrou ter acompanhado e participado na execução das obras, e, bem assim, de R., à data sócio-gerente da A., revelando um conhecimento aturado e pormenorizado dos trabalhos. Retenha-se que se valorizou a contextualização espontânea e plausível dos relatos das testemunhas, em termos temporais e espaciais e a existência de corroborações periféricas. Notando-se uma produção inestruturada dos relatos, com correções espontâneas e, bem assim, segurança/assertividade nos factos que relatavam, a que adicionavam a fundamentação e esclarecimentos das situações que estiveram na origem de tais trabalhos.
Estes depoimentos foram conjugados com a prova pericial realizada, permitindo ao Tribunal aferir de forma objetiva os trabalhos que se mostram executados nos locais e, bem assim, determinar a sua valorização.
Com efeito, retenha-se que, no essencial, as quantidades, materiais e valores estimados no âmbito da perícia se coadunaram com os reclamados pela A. No entanto nos pontos em que se verificou que o preço estimado pela Sra. Perita era inferior ao indicado pela A., a maior objetividade atribuída à perícia por contraposição ao depoimento de R. - cuja subjetividade, quer por ser pai do atual sócio-gerente da A, quer por ser à data dos factos o responsável pela atividade da A. não pode ser desconsiderada - levou o Tribunal a ancorar-se na posição vertida pela sra. Perita e que se mostra coerentemente fundamentada.
Opostamente, quando o preço estimado ou quantidades medidas pela Sra. Perita eram superiores às indicadas pela A., consideraram estes últimos por se tratarem daqueles que vinham alegados pela própria A..
Quanto aos trabalhos executados em (...), freguesia de (...), a testemunha D., à data tesoureiro da Junta de Freguesia, relatou que a A. executou trabalhos de abertura de um rego ao longo da berma da estrada, necessários ao escoamento das águas, identificando nas fotografias juntas ao relatório pericial o local onde os trabalhos foram executados. De forma coerente e compatível, J. e R., descreveram os trabalhos realizados, ao nível de drenagem, identificando de forma coerente os materiais utilizados e equipamentos que se mostraram necessários, circunstanciando os mesmos temporalmente e por referência a uma situação concreta e que se deveu a terem sido realizados, de urgência, em período normalmente de férias dos funcionários da A. Refira-se que a pormenorização dos depoimentos levou o tribunal a considerar demonstrada a aplicação das manilhas, aceitando-se com base na sua coerência os valores a estas atribuídos.
Note-se que o relatório pericial permitiu, de resto, constatar a execução do dreno, com elementos que indiciam trabalhos de escavação com recurso a explosivos, e da calçada na área de 340 m2, aferindo a valorização dos trabalhos de forma consistente e abarcando os elementos necessários à sua execução e que contribuem para a formação desse valor – material, equipamento e mão de obra. Divergiu-se no valor total atribuído à calçada, por se entender estarmos perante um erro de cálculo/escrita, pois que face à medição de 340m2 e o preço unitário atribuído pela Sra. Perita de € 14,00, o somatório ascende ao montante reclamado pela A. e, bem assim, na execução dos trabalhos respeitantes a valeta em betão, na medida em que os mesmos não foram alegados pela A., nem tão pouco identificados e demonstrados pelas testemunhas ouvidas.
De forma consistente as testemunhas D. e R., revelaram que os trabalhos foram ordenados pelo Município.
No que concerne aos trabalhos executados em (...), freguesia de (...), a testemunha J., à data engenheiro civil na Camara Municipal de (...) na Divisão de Obras, confirmou, ainda que por via de testemunho indireto, que ficou a saber que a A. ali tinha realizado os trabalhos referentes a drenagem.
Também nestes pontos foram essenciais os depoimentos J. e R. e que, pela sua coerência, ausência de contraste com os demais elementos de prova recolhidos, vividez e espontaneidade, foram determinantes à formação da convicção do Tribunal. Assim, descreveram os trabalhos realizados, ao nível de drenagem, enunciando a abertura da vala e colocação do dreno, notando a sua semelhança com os executados em (...), expondo de forma circunstanciada os tipos de trabalho executados, os materiais, equipamentos e mão de obra utilizadas.
Refira-se que também quanto a esta matéria foi essencial o resultado da perícia e que permitiu identificar a colocação do dreno numa extensão de 77 metros, cujos elementos na área circundante denunciam a realização de trabalhos de escavação com recuso a explosivos. O tribunal considerou, neste ponto, consistente a valorização atribuída pela Sra. Perita aos trabalhos e que permitiu colmatar as insuficiências nessa valorização resultantes dos depoimentos das testemunhas ouvidas e que, em alguns itens, não se reputaram suficientemente esclarecedores. Refira-se que não foi considerada a execução dos trabalhos respeitantes a valeta em betão, na medida em que os mesmos não foram alegados pela A., nem tão pouco identificados e demonstrados pelas testemunhas ouvidas.
Relativamente aos trabalhos em (...) a testemunha J., cuja razão de ciência resulta das funções exercidas à data no MUNICÍPIO (...), e do seu conhecimento direto sobre a factualidade em causa, asseverou que a A. executou trabalhos na pista de autocrosse, embora não os lograsse descrever.
Para este efeito o tribunal ancorou-se no relatório pericial e do qual resulta a execução de trabalhos de terraplanagem para nivelamento no campo de jogos e área adjacente, que revelam a escavação de terrenos rochosos e indícios da utilização de explosivos. As conclusões da perícia foram pormenorizadas e detalhadas em razão da convicção adquirida pelo Tribunal quanto aos depoimentos de E., funcionário do MUNICÍPIO (...), J. e R..
Com efeito, de forma contextualizada e revelando um discurso inestruturado, mas pleno de elementos pormenorizadores, que permitiram ao tribunal convencer-se da sua autenticidade, a testemunha E., relatou que a A. executou os trabalhos que são reclamados pela A. no campo de jogos e pista de autocrosse. Notou que foi o Presidente da Junta de Freguesia, cujo nome soube indicar, e que também era Presidente da Associação Cultural, que solicitou à Camara que se procedessem a tais trabalhos em virtude de ali se realizarem em breve provas. Foi com base neste depoimento que o Tribunal logrou considerar demonstrada a factualidade inserta em 48, 49. e 51, quanto à solicitação dos trabalhos pelo Município à A. e, bem assim, a origem ou as motivações subjacentes à realização da obra.
As testemunhas J. e R., de forma espontânea e verosímil, relataram a execução de trabalhos de regularização do terreno na pista de autocrosse e campo de jogos, denotando a utilização de maquinas. A conformidade da valorização dos trabalhos nos termos reclamados pela A. com os elementos recolhidos nestes depoimentos, designadamente quanto aos meios utilizados, mão de obra e dias necessários, permitiu ao Tribunal aceitar os valores peticionados a este respeito pela A..
No âmbito dos trabalhos em (...), freguesia de (...), retenha-se que o relatório pericial permitiu, por comparação com imagens fotográficas de períodos anteriores, constar a existência de uma faixa lateral ao longo da via, de pavimentação diferenciada, indiciando ter a estrada sido objeto de alargamento.
Conjugados os indícios extraídos do relatório pericial com os depoimentos das testemunhas J. e R., cujos múltiplos fatores pertinentes, como a espontaneidade e tempestividade das declarações, a sua constância e coerência interna, a sua verosimilhança, decorrente da ausência de contraste com outros elementos probatórios que apontassem no sentido contrário, logrou convencer o Tribunal da sua veracidade, o Tribunal adquiriu a convicção quanto à execução pela A. de trabalhos de alargamento da faixa de rodagem na estrada da (...), quanto aos meios humanos e materiais utilizados e à conformidade da sua valorização.
Quanto aos trabalhos executados em (...), o Tribunal assentou a sua convicção nos depoimentos de J., J. e R., conjugados com os elementos extraídos do relatório pericial. Atente-se que do relatório pericial se logrou extrair a existência da calçada, a sua área e o valor dos trabalhos.
A testemunha J., cuja objetividade resulta das funções exercidas no R. e da sua ausência de ligação à A., afirmou que a A. realizou ali trabalhos de pavimentação, em conformidade com o invocado pela A., e denotando o tipo de materiais, equipamentos e mão de obra que seriam necessários à sua execução.
Foram compatíveis os depoimentos de J. e R. que enunciaram os trabalhos executados na rua principal em (...) e que corresponderam ao arranjo da calçada. R., aliás, contextualizou a necessidade urgente da obra em resultado do levantamento dos cubos provocados pelas chuvas e que impediu o transito. De forma coerente, e de resto compatível com a valorização feita no âmbito da perícia, relatou os elementos que contribuíram para a formação do preço peticionado.
Os trabalhos realizados em (...), freguesia de (...), foram verificados no âmbito da perícia realizada e na qual se constatou a caixa de ligação, em manilhas prefabricadas de betão, e, bem assim, a existência da ligação entre o furo artesiano e caixa de ligação, medindo-se a área de calçada. Do relatório pericial retiraram-se, igualmente, os elementos que foram envolvidos na execução de tais trabalhos e a valorização dos mesmos. Note-se que, sendo superior a valorização feita no âmbito pericial, o Tribunal ateve-se ao valor peticionado pela A. – refletindo-o na valorização do trabalho quanto ao fornecimento e colocação de tubo - na medida em que se encontrava dentro do valor estimado e que traduzirá de forma mais adequada os custos por si suportados e preços por si aplicados.
O Tribunal considerou, ainda, quanto a esta matéria os depoimentos de J. e R., na medida em que se revelaram compatíveis entre si e coerentes com os elementos periciais recolhidos, notando que apenas executaram os trabalhos de ligação – com tubo - do furo à caixa de ligação, revelando os trabalhos de abertura da vala e posterior reposição com aterro e execução de calçada. A vividez e espontaneidade das suas declarações esteve subjacente à formação da convicção do Tribunal quanto à sua autenticidade.
Quanto aos fornecimentos de material na freguesia de (...) o Tribunal detetou incoerências entre os depoimentos de J. e R.. Com efeito, ao passo que J. referiu terem sido trabalhos executados pela A. – colocação e substituição de passadores -, já R. referiu ter-se tratado de pedido de fornecimento de materiais.
Não obstante estas contradições, o Tribunal reputou verosímeis as declarações de R., na medida em que as mesmas revelaram indícios da sua autenticidade, tais como uma narrativa aberta e livre, denotadora de uma espontânea reinstauração do contexto, revelando convicção relativamente à descrição e enunciação dos factos, num discurso circunstanciado e detalhado e que se manteve consistente ao longo da sua inquirição.
Assim, notou que o pedido de fornecimento foi inicialmente feito pelo Presidente da Junta de Freguesia de S. Romão, mas que, por indicação do Presidente da Câmara Municipal (...), atenta a circunstância de a obra à qual o material ia ser afeto ser obra municipal, que esse fornecimento seria feito ao município. Neste sentido descreveu que os funcionários camarários foram aos seus armazéns recolher o material, concretamente 4 caixas, 300 m de tubo e os passadores AVC. Quanto a estes foram, todavia, apenas considerados os 6 passadores identificados no relatório pericial, na medida em que a testemunha não os logrou quantificar. Consideraram-se, ainda, como credíveis as declarações no que respeita aos preços do material fornecido, inexistindo elementos que afastassem tal valorização.
Os trabalhos executados em (...), freguesia de (...), foram, no essencial, de forma coerente e compatível confirmados pelas testemunhas J. e R.. Com efeito, de forma circunstanciada e contextualizada relataram que a A. executou, ali, trabalhos de drenagem, na sequência dos quais foi necessário proceder a trabalhos de estabilização de uma casa mediante a colocação de placa de betão.
Em sede de perícia foi, de resto, confirmada a execução de tais trabalhos. Note-se que atenta a diferença na valorização dos trabalhos obtido na perícia e os peticionados pela A., o Tribunal considerou o preço indicado pela A. e pela testemunha R., na medida em que se encontram dentro do valor obtido pela perícia e traduzem de forma mais real os custos suportados pela A..
As testemunhas divergiram, apenas, na imputação (à A. ou ao R.) das razões que estiveram na origem de tais trabalhos. Ora, a este respeito o Tribunal não considerou demonstrada factualidade inserta em 7. dos Factos não provados, na medida em que, estando em causa a execução de obra públicas e sujeitas por isso a um regime legal estrito ao nível das ordens emanadas pela fiscalização (182.º do RJEOP), caberia ao R. demonstrar ter emitido por escrito uma ordem no sentido de ordenar à A. essa reparação. À mingua de tais elementos o Tribunal não considerou demonstrado que na origem da necessidade de tais trabalhos estivesse a conduta da A. na execução de uma obra publica, provocando fissuração em casas adjacentes ao local de execução da empreitada.
No que respeita aos trabalhos executados pela A. em (...), em sede de perícia foi verificada a existência desses trabalhos de execução de valeta, numa extensão de 85 m e considerado adequado o preço atribuído pela A. aos mesmos.
A sua execução pela A. foi, de forma inequívoca e assertiva, relatada pela testemunha R., dando nota do tipo de trabalhos e da sua extensão de 70 metros. Face à diferença entre os valores medidos em sede de perícia, o Tribunal considerou apenas a extensão de 70m nos termos indicados pela A. e confirmados pela sua testemunha.
Os trabalhos na freguesia de (...) foram identificados na perícia realizada, na qual se concretizou o tipo de trabalhos e materiais envolvidos na concretização das obras – pavimentação em calçada, execução de muro e alargamento do largo junto à ETAR - e, bem assim, a sua quantificação e valorização, em termos que se revelaram objetivos e fundamentados, levando pois o Tribunal a considerar os elementos obtidos pela prova pericial.
A execução destes trabalhos pela A. foi, de forma dotada de consistência lógica indicadora da sua credibilidade, relatada por J. e R., notando-se que este último descreveu de forma coerente e consistente uma cadeia de ações mútuas e reações, que criou no Tribunal a convicção de que a testemunha experimentou, efetivamente, o contexto da situação. Com efeito relatou que foi enquanto se encontrava a executar a obra da ETAR, em Carrasco, que lhe foi pedido pelo Município para edificar um muro que estava a cair e alargar o largo por forma a permitir manobras. Referiu a execução da calçada em (...) e os termos da mesma. Revelou detalhes quanto à intervenção dos técnicos camarários que denotaram espontaneidade e pormenorização do seu depoimento.
No âmbito da prova pericial foi verificada a existência do muro reconstruído num novo alinhamento e a reconstituição dos elementos ornamentais em que se traduziram os trabalhos em (...) e, bem assim, realizada a valorização dos trabalhos envolvidos de forma consistente com a alegação da A..
A verificação in loco da existência desta obra associada aos depoimentos de J., R. e D., dos quais se logrou extrair, por um lado, que o Presidente da Camara de (...) necessitando de alargar o caminho, que era estreito, pediu terreno ao proprietário confinante que o cedeu em troca da reconstituição do muro e seus elementos no novo alinhamento e, por outro, que neste contexto à A. foi solicitada pelo Município a execução dos trabalhos de demolição e reconstrução e que esta, em conformidade, aceitou, vindo a executar a obra, levou o Tribunal a considerar demonstrada a factualidade em causa. A descrição do contexto que envolveu os trabalhos e a naturalidade dos depoimentos, levou o Tribunal a reputar credíveis as declarações das testemunhas.
Sobre os trabalhos em (...) o Tribunal ouviu as testemunhas C., à data tesoureiro da Junta de Freguesia de (...) e membro da Comissão Fabriqueira, e que depôs com razão de ciência por ter acompanhado a negociação e a execução da obra, J., J. e R..
As testemunhas foram unânimes na indicação da execução pela A. das obras no adro da Igreja, notando-se que, de forma concretizada e pormenorizada, J. e R. enunciaram e descreveram de forma exaustiva os trabalhos executados relativos a colocação de tubos, caixas, grelha, degraus, pilares, passeio e calçada.
Refira-se que, em sede de prova pericial, foi verificada a existência de tais trabalhos e feita a sua quantificação e valorização em termos que se revelaram coerentes e objetivos. Não se tendo confirmado na perícia a realização dos trabalhos de ligação de água e notando-se que nos depoimentos de J. e R. não foi possível descortinar se se referiam aos contemplados no item “Fornecimento e colocação de tubo em PVC diâmetro de 200mm, à volta da igreja e na ligação da igreja à linha de água” ou a outros, o Tribunal não considerou provados os trabalhos identificados no ponto 1 dos Factos não provados. Refira-se que se consideraram apenas os 155m no item “Fornecimento e colocação de tubo em PVC diâmetro de 200mm, à volta da igreja e na ligação da igreja à linha de água” e não os medidos na prova pericial, por a A. apenas ter alegado a execução desses 155m e não mais.
Quanto à titularidade da obra ou melhor quanto à demonstração de que a sua execução foi determinada pelo MUNICÍPIO (...), o Tribunal considerou os depoimentos de C. e R., ambos depondo com razão de ciência, coerente e compatível entre si.
Com efeito, fizeram notar que a execução da obra foi determinada à A. pelo MUNICÍPIO (...), na sequência de um acordo entre este, a Freguesia de (...) e a Comissão Fabriqueira. Revelaram que, pela ausência de capacidade financeira da Freguesia e Comissão Fabriqueira para assumirem os encargos desta obra, o Município determinou a sua execução e suportou os seus encargos mas encontrando um “estratagema” para realizar os pagamentos, transferindo as verbas monetárias para a Freguesia que, por sua vez, efetuava os pagamentos à A..
Os seus depoimentos demonstraram uma consistência logica e homogeneidade espácio-temporal, dado que os detalhes contextuais se combinam como um todo, sem discrepâncias e inconsistências que levassem o Tribunal a afastar a sua credibilidade. Depuseram de forma circunstanciada e detalhada, revelando a descrição do contexto e ocorrência dos eventos, que levou o tribunal a reputar pela credibilidade das suas declarações. Descreveram de forma assertiva o modo como os pagamentos eram feitos à A., insistindo de forma convincente que foi o Município a executar a obra. De resto, a testemunha C., de forma convincente e credível, atestou a existência no local de uma placa no portão da Igreja da qual consta a inscrição de que a obra foi executada pela Câmara Municipal (...).
Perante o exposto o Tribunal adquiriu a convicção segura de que os trabalhos em (...), na sequência de pedido do Presidente da Junta de Freguesia e da Comissão Fabriqueira ao Presidente da Camara Municipal de (...), foram solicitados à A. pelo MUNICÍPIO (...) e por este acordado com a A. a sua execução, simplesmente tendo-se encontrado uma forma – cujas razões subjacentes não se lograram apurar - de os pagamentos não serem feitos diretamente à A. pelo Município, mas sim através das comparticipações financeiras para as freguesias.
Quanto aos alegados trabalhos na Rua (...), em (...), importa, em primeiro lugar notar, que inexiste em (...) uma Rua (...), pelo que o Tribunal considerou que a alegação da A. se traduzia em trabalhos realizados na Rua (...).
Em segundo lugar, a A. limitou-se a genericamente alegar a “execução de trabalhos e arranjos” sem, contudo, os especificar.
Em terceiro lugar, a testemunha R. indicou tratarem-se de trabalhos relativos a uma calçada e muro, relatando constituírem trabalhos a mais que não foram formalizados no âmbito de uma empreitada que foi adjudicada à A..
Notou-se, ainda, que nenhuma das testemunhas ouvidas a este respeito, concretamente R. e J., lograram indicar o ano em que tais trabalhos foram realizados, sequer sustentando corresponderem ao ano de 2007.
Neste contexto, o Tribunal considerou que as obras em causa se reportavam à empreitada de “Pavimentação da Travessa da Rua (...) em (...)” adjudicada à A. em 2005, mas cujos autos de medição são do ano de 2007 (fls. 31 e ss. do p.a.) revelando que a execução da obra terá ocorrido nesse ano.
Ora, analisado o processo administrativo junto aos autos verifica-se que os trabalhos alegados pela A. e enunciados pelas testemunhas se enquadram no objeto da empreitada e que foram alvo de medições e pagamento à A.. Além dos trabalhos contratualizados, a A. não demonstrou ter executado na empreitada outros trabalhos dela excluídos e cujo pagamento o R. não tivesse feito.
São manifestamente insuficientes a este respeito as declarações da testemunha R., indicando tratar-se de trabalhos a mais, mas sem lograr concretizar que outro tipo de trabalhos não abrangidos pela empreitada ou quantidades de trabalhos em excesso foram executados pela A..
Assim, a este respeito apenas se provou o que consta do processo administrativo (pontos 33 a 36), dando-se como não provada a factualidade inserta em 2. Dos Factos não provados.
Quanto aos pontos 38 a 39 dos Factos Provados, em sede de contestação, o R. confessou que a A. lhe forneceu 146 caixas de contadores, considerando o Tribunal, face à não discordância quanto ao valor atribuído a estas no relatório pericial, como demonstrado o seu valor unitário em face do depoimento consentâneo da testemunha R.. Refira-se que o R. nada provou quanto à alegação de que os contadores apenas tenham sido fornecidos pela A. a título de empréstimo, pois que a este respeito as testemunhas nada disseram (ponto 3 dos Factos não provados).
O R. também confessou que a A. executou trabalhos na Companhia M..
Atente-se que a conduta do R., admitindo ter ordenado à A. a execução de tais trabalhos e que esta os executou, mas impugnando as suas quantidades e valores e, simultaneamente, eximindo-se a juntar aos autos os suportes documentais necessários à demonstração da factualidade em causa – pois que enquanto entidade publica está sujeita a um regime legal de contratação publica que demanda formalização e sobre si recai a obrigação de documentar os processos administrativos -, obstando culposamente à prova pela A., legitima a inversão do ónus da prova nos termos do art. 344.º, n.º 2 do CC. Pelo que caberia ao R. demonstrar que na realidade a A. não executou a seu pedido os trabalhos descritos, nas quantidades e aos preços indicados, o que não fez.
Sem prejuízo, conjugando-se a confissão com os depoimentos de R. e J. entendemos que, ainda que de forma sucinta, foram concretizados os trabalhos executados e demonstrados os seus preços.
Quanto aos outros serviços que terão sido prestados ao R. a falta de concretização de tais “serviços”, sem que as testemunhas ouvidas a este respeito lograssem esclarecer que outros serviços o R. havia requisitado à A., levaram o Tribunal a que nada mais se demonstrassem além do que foi confessado pelo R. (pontos 42 dos Factos Provados e 4 dos Factos não provados).
A demonstração da factualidade relativa à empreitada de “Remodelação dos tanques de lavar na (...) em (...) e Arranjos Envolventes” resultou da conjugação dos elementos do p.a., com a prova pericial produzida e os depoimentos de J., J. e R..
Assim, no âmbito da perícia foram verificados e medidos os trabalhos executados e que vinham alegados nos autos, procedendo-se à respetiva valorização, em termos que se revelaram objetivos e concretizados. Note-se que não foi possível na perícia verificar a caixa de visita, a alteração e aterro do deposito e as válvulas AVC.
Os elementos extraídos da perícia foram conjugados com os depoimentos das testemunhas acima identificadas e que de forma coerente e compatível revelaram os trabalhos e a sua execução pela A. Com efeito, J., funcionário camarário e que acompanhou a obra, discriminou de forma exaustiva os trabalhos executados pela A., desde a tubagem, abertura de vala, colocação de manilhas e postes de vedação, o segundo marco de incendio, a colocação de mais do que uma caixa de visita, a alteração do deposito para 40000l, os trabalhos de aterro e colocação de gravilha no depósito, as válvulas AVC, e o alargamento do caminho. Notou que todos os trabalhos foram realizados pela A. na sequência de solicitações do Presidente da Camara e do seu Vice-Presidente.
As declarações de J. e R. foram unanimes e compatíveis na enunciação dos trabalhos executados, revelando-se espontâneas, contextualizadas e convictas relativamente à descrição e enunciação dos factos.
Da conjugação destes elementos com a documentação existente no p.a., concretamente os orçamentos, foi possível verificar que os trabalhos em causa não encontravam correspondência com os que eram o objeto da empreitada, excedendo a mesma.
Refira-se, todavia, que se no âmbito da caixa de visita e marco de incendio do depoimento das testemunhas se logrou demonstrar estar em causa o fornecimento de quantidades superiores à projetada, igual juízo não se alcançou quanto aos trabalhos de aterro e colocação de gravilha. Aqui, estando tais trabalhos incluídos na rubrica 4.1., o que importava era que a A. demonstrasse em que medida as quantidades desses trabalhos excederam as previstas e da mera colocação de um deposito maior não se pode, sem mais, extrair tal juízo. Não o tendo feito não foi provada a matéria constante de 5 dos Factos não provados.
Note-se que apenas se consideraram as 30 meias canas alegadas pela A. e não as 32 constantes do relatório pericial.
Refira-se que do depoimento das testemunhas não resultou que a alteração do deposito tenha sido motivada por causa imputável à A.. A este respeito as testemunhas foram unanimes em indicar que as alterações vieram dos representantes dos Município, dando-se, pois, como não provada a factualidade inserta em 6. dos Factos não provados.
A matéria factual inserta em 48 e 49 resultou dos depoimentos de R., E. – quanto à obra de (...) -, C. – quanto à obra de (...) -, D. – quanto à obra de (...) -, e J. – quanto às obras em (...), nos termos que já foram sendo indicados ao longo da presente fundamentação de facto.
Quanto às restantes obras, o Tribunal ancorou-se no depoimento de R., o qual se mostrou assertivo, contextualizado, coerente, tempestivo e espontâneo, envolvendo uma narrativa livre, reveladora da sua autenticidade. Assim, à medida que ia descrevendo os trabalhos realizados pela A., relatava a forma como eram acordados os trabalhos entre a A. e o R., indicando que foram os Presidentes da Camara a solicitar os trabalhos, concretizando de forma coerente o nome dos membros eleitos.
Neste contexto, o Tribunal considerou que todos os trabalhos provados e executados pela A. foram a solicitação do Município e que, naturalmente, aceitou a sua execução.
Por último, refira-se que não era controvertida a falta de pagamento dos trabalhos, bens e materiais em causa nos autos (Facto Provado 53), notando-se que, de resto, caberia ao R., devedor demandado, a demonstração de que que pagou à A. os trabalhos reclamados (art. 342.º, n.º 2 CC).»

1.4 Na tese do recorrente MUNICÍPIO (...) não deviam ter sido dados como provados os identificados pontos nºs 31, 32, 48, 51 e 52 do probatório no que tange à consideração de que os trabalhos executados pela autora em (...), de arranjos no adro da Igreja e da rede de águas pluviais, (descritos no ponto 32. da factualidade dada como provada), tenham sido solicitados à autora pelo MUNICÍPIO (...), e ao Presidente da Câmara Municipal (...) pelo Presidente da Junta de Freguesia de (...) e pelo Presidente da Comissão Fabriqueira, e que tenha sido acordado que os pagamentos à autora seriam feitos mediante a transferência de verbas do Município para a Freguesia que, por sua vez, realizaria os pagamentos à autora.

Ressuma das alegações de recurso que o recorrente MUNICÍPIO (...) não questiona que os identificados trabalhos de (...) tenham sido executados pela autora, nas quantidades e pelos valores indicados, que foram dados como provados nos pontos 31. e 32. do probatório.

Ele insurge é quanto ao juízo feito pelo Tribunal a quo no sentido de que tais trabalhos tenham sido solicitados à autora pelo MUNICÍPIO (...). Pretendendo, com a modificação da matéria de facto nessa parte, excluir-se da responsabilidade do pagamento desses mesmos trabalhos, no valor computado de 36.747,50€, e subsequentes juros de mora, defendendo, entre o demais, não se estar perante uma obra da Câmara Municipal, que o titular da obra era a Fábrica da Igreja de (...) e não o MUNICÍPIO (...), incluindo no que se refere às obras de drenagem de águas pluviais, na medida em que foram concretizadas no adro da igreja, que é um espaço murado, ao qual só se tem acesso após se passar por um portão, que até é fechado à chave, e que essa área do adro não é um espaço público, nem uma via pública ou espaço público, enquanto área(s) do domínio público.

1.5 Da motivação do julgamento da matéria de facto externada na sentença recorrida resulta que o Tribunal a quo considerou que «…de forma consistente as testemunhas D. e R., revelaram que os trabalhos foram ordenados pelo Município» e particularmente, sobre os trabalhos em (...) disse ter o Tribunal ouvido «… as testemunhas C., à data tesoureiro da Junta de Freguesia de (...) e membro da Comissão Fabriqueira, e que depôs com razão de ciência por ter acompanhado a negociação e a execução da obra, J., J. e R.» e que «… as testemunhas foram unânimes na indicação da execução pela A. das obras no adro da Igreja, notando-se que, de forma concretizada e pormenorizada, J. e R. enunciaram e descreveram de forma exaustiva os trabalhos executados relativos a colocação de tubos, caixas, grelha, degraus, pilares, passeio e calçada. (…)». Acrescentando ainda o seguinte: «…Quanto à titularidade da obra ou melhor quanto à demonstração de que a sua execução foi determinada pelo MUNICÍPIO (...), o Tribunal considerou os depoimentos de C. e R., ambos depondo com razão de ciência, coerente e compatível entre si. Com efeito, fizeram notar que a execução da obra foi determinada à A. pelo MUNICÍPIO (...), na sequência de um acordo entre este, a Freguesia de (...) e a Comissão Fabriqueira. Revelaram que, pela ausência de capacidade financeira da Freguesia e Comissão Fabriqueira para assumirem os encargos desta obra, o Município determinou a sua execução e suportou os seus encargos mas encontrando um “estratagema” para realizar os pagamentos, transferindo as verbas monetárias para a Freguesia que, por sua vez, efetuava os pagamentos à A.. Os seus depoimentos demonstraram uma consistência logica e homogeneidade espácio-temporal, dado que os detalhes contextuais se combinam como um todo, sem discrepâncias e inconsistências que levassem o Tribunal a afastar a sua credibilidade. Depuseram de forma circunstanciada e detalhada, revelando a descrição do contexto e ocorrência dos eventos, que levou o tribunal a reputar pela credibilidade das suas declarações. Descreveram de forma assertiva o modo como os pagamentos eram feitos à A., insistindo de forma convincente que foi o Município a executar a obra. De resto, a testemunha C., de forma convincente e credível, atestou a existência no local de uma placa no portão da Igreja da qual consta a inscrição de que a obra foi executada pela Câmara Municipal (...). Perante o exposto o Tribunal adquiriu a convicção segura de que os trabalhos em (...), na sequência de pedido do Presidente da Junta de Freguesia e da Comissão Fabriqueira ao Presidente da Camara Municipal de (...), foram solicitados à A. pelo MUNICÍPIO (...) e por este acordado com a A. a sua execução, simplesmente tendo-se encontrado uma forma – cujas razões subjacentes não se lograram apurar – de os pagamentos não serem feitos diretamente à A. pelo Município, mas sim através das comparticipações financeiras para as freguesias.».

1.6 Ouvida integralmente a gravação dos depoimentos prestados por todas as testemunhas em sede de audiência de julgamento realizada em 28/09/2020 (identificadas na respetiva ata, de fls. 426 SITAF), não é de afastar a convicção que o Tribunal a quo formou quanto a estes pontos, e na parte indicada, com base nos depoimentos das testemunhas C., D., J., J. e R. (que aqui se indicam pela ordem pela qual prestaram depoimento).
1.7 É certo que a testemunha C. revela em alguns aspetos, e ao longo do seu depoimento, algumas hesitações, que atribui, nas suas palavras, à circunstância de à época ser um jovem, ainda estudante, ainda que fosse tesoureiro na junta de Freguesia de (...), mas não deixou simultaneamente, durante o seu depoimento, de evidenciar que não foi nem a Freguesia de (...) nem a Fábrica da Igreja que solicitaram à sociedade autora a execução daqueles trabalhos de fornecimento e colocação de tubo em PVC diâmetro de 200mm, à volta da igreja e na ligação da igreja à linha de água, de fornecimento e colocação de caixas; de colocação de betão nos passeios; de colocação de caleira em betão (5,66 x 0,35m) e grelha em ferro fundido (0,25 x5,55m); de colocação de degraus em pedra de granito; de dois pilares de 0,60m x 0,60m e altura de 2,60m, encimados, cada um deles, por pirâmide em granito; de passeio em betonilha e de fornecimento e aplicação de calçada a cubos sobre camada de areia. O que reforça com apoio na circunstância, a que também aludiu, de a obra ter sido acompanhada por técnicos da Câmara Municipal (...), e de junto ao portão da Igreja constar uma placa com a inscrição de se tratar de obra executada pela Câmara Municipal (...).

1.8 Não se descura a estranheza, a que o recorrente alude, de as obras em causa terem sido, aparentemente, realizadas em espaço não integrado no domínio público municipal, por se referirem a arranjos no adro da Igreja, em espaço vedado, murado e com portão, e que assim beneficiariam a propriedade da Fábrica da Igreja, e não o espaço público. Mas essa circunstância, mesmo a confirmar-se, ainda que pudesse não permitir que fosse o MUNICÍPIO (...) a determinar a sua execução, arcando, assim, os respetivos custos e despesas, não afasta que não tenha sido isso que sucedeu no plano de factos. E isso é o que releva nesta sede, de apuramento dos factos.

1.9 Ora, os depoimentos das demais testemunhas, supra citadas, apontam para essa mesma conclusão.

E no que tange ao depoimento da testemunha R., se é certo que não se pode descurar na valoração do respetivo depoimento, que havia sido até 2011 sócio-gerente da sociedade autora, a que aliás a Mmª Juíza do Tribunal a quo também não deixou de atender, a verdade é que o julgamento feito pelo Tribunal a quo não se baseou unicamente no seu depoimento, nem o motivo invocado pelo recorrente é, só por si, bastante para o desconsiderar. Sendo ainda de referir que nos termos das disposições conjugadas dos artigos 516º nº 7 e 461º nº 2 do CPC, ex vi do artigo 1º do CPTA, as testemunhas podem socorrer-se de documentos ou apontamentos de datas ou de factos para responder às perguntas. O que, foi expressamente consentido pela Mmª Juíza do Tribunal a quo em sede de audiência de julgamento, como resulta da respetiva gravação. E, ademais, não resulta, de todo o modo, que no que tange aos concretos pontos da matéria de facto aqui questionados pelo recorrente a indicada testemunha se tenha socorrido de documentos ou apontamentos.

1.10 Não existem, pois, motivos que conduzam a concluir-se pelo erro do julgamento de facto no segmento apontado pelo recorrente, não havendo, por conseguinte, que modificar o julgamento da matéria de facto feito pelo Tribunal a quo, que, assim, se mantém.
Não, colhendo, pois, as conclusões de recurso nesta parte.

2. Do imputado erro de julgamento quanto à decidida condenação do réu no pagamento à autora dos montantes fixados

2.1 O recorrente sustenta também que o elevado valor dos juros de mora a pagar à autor se fica a dever não a um facto do recorrente mas à morosidade da Justiça, fator que tem sido causa de várias condenações do Estado Português por parte do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, por violação das disposições do artº 20, nºs 4 e 5 da CRP e da própria Convenção Europeia dos Direitos Humanos; que uma vez que a obrigação do pagamento de juros de mora apenas se impõe ao recorrente “por causa que lhe seja imputável”, atento o teor do preceito do artigo 804º nº 2 do Código Civil, a condenação a que o recorrente foi sujeito peca por ilegalidade e violação de lei, sendo excessiva tal condenação, devendo ser calculada apenas e só tendo por base o período temporal que é imputável ao recorrente, não se levando em conta o período temporal em que o processo esteve “parado” no Tribunal a quo; que, assim, a condenação do recorrente no pagamento de juros de mora vencidos e vincendos desde a data 02/06/2011 até integral pagamento, que à data da sentença ascendia, quanto aos juros vencidos, a 100.368,89€ viola o artigo 804º nº 2 do Código Civil, bem como o disposto no artigo 26º nºs 4 e 5 da CRP, impondo-se por isso a sua reparação, mediante condenação que corresponda efetivamente ao período temporal que é causa imputável ao recorrente – (vide conclusões 26ª a 31ª das alegações de recurso).

E invoca também, que ao condenar o recorrente MUNICÍPIO (...) num valor de 39.025,00€ referente às obras realizadas em (...), que afirma não serem nem nunca terem sido foram obras suas, e, em montante de juros calculados sem ter em conta apenas e só a causa que é imputável ao recorrente, não concluiu de forma coerente com vista à concretização da Justiça, devendo a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue parcialmente procedente a ação, condenando o recorrente a pagar um valor total que não contemple aquele valor de 39.025,00€ referente àquelas obras, executadas em (...), por serem obras de terceiros e não obras camarárias, e ser ordene o cálculo dos juros de mora pelo período de tempo em que os mesmos têm por base causa imputável ao recorrente, tudo com inerentes consequências legais – (vide conclusões 32ª a 35ª das alegações de recurso).

2.2 Face à improcedência do recurso quanto ao julgamento da matéria de facto, supra decidida, tal tem como inevitável consequência que não possam igualmente proceder as conclusões 32ª a 35ª do recurso, no que tange à pretendida absolvição do pedido na parte respeitante aos trabalhos executados em (...), no valor de 39.025,00€, na medida em que encontrando-se apurado que tais trabalhos (identificados nos pontos 31. e 32. do probatório), tal como os demais que são também objeto da ação, foram solicitados à autora pelo MUNICÍPIO (...) (cfr. ponto 48. do probatório). O MUNICÍPIO (...) atuou, assim, como dono de obra e assumiu essa mesma qualidade.

Pelo que o juízo de condenação do réu MUNICÍPIO a pagar as mesmas (e consequentes juros de mora sobre as mesmas), feito na sentença recorrida, a que no mais não vem imputado erro de julgamento, deve ser mantido.

2.3 E quanto à condenação do pagamento em juros de mora também não colhem as conclusões 26ª a 31ª do recurso. Vejamos porquê.

2.4 Note-se que a sentença recorrida expendeu, a este respeito, o seguinte: «Quanto aos juros, nos termos do disposto no artigo 804.º do CC “a simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor”, considerando-se o dever constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efetuada no tempo devido.
Tratando-se de uma obrigação pecuniária, a indemnização corresponde aos juros legais, a contar do dia da constituição em mora (artigo 806.º, n.º 1 do Código Civil), dispondo-se no art. 805.º, n.º 1 que o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicialmente ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.
Não ficou demonstrado que anteriormente à presente ação a A. tivesse interpelado o R. para pagamento e de resto não estamos perante qualquer das situações do n.º 2 do art. 805.º do CC, não sendo aqui aplicável o disposto no RJEOP e DL 197/99.
Assim, nos termos do disposto no artigo 805.º, n.º 1 do CC, são devidos juros à taxa legal para os juros comerciais (art. 102.º, n.ºs 2 e 5 do Código Comercial) desde 2.6.2011, vencidos e vincendos, ascendendo os vencidos, nesta data (18-11-2020) a € 100.954,96».

2.5 O Tribunal a quo procedeu às operações de cálculo, que ali patenteou (cfr. quadro retificado da sentença – fls. 495 SITAF), por aplicação das taxas de juros vigentes em cada período temporal, sobre o capital em dívida apurado, de 146.463,03€.
Sendo que nesse cálculo atendeu à circunstância de não ter ficado demonstrado que anteriormente à instauração da ação a autora tivesse interpelado o réu MUNICÍPIO para o pagamento dos trabalhos em causa, pelo que os juros de mora vencidos foram calculados a partir da data da citação do réu MUNICÍPIO na ação, isto é, 02/06/2011.

2.6 O recorrente não põe propriamente em causa o cálculo efetuado, ou as taxas de juros aplicadas em cada período temporal. O que sustenta é que o elevado valor dos juros de mora a pagar à autora se fica a dever não a um facto do recorrente mas à morosidade da Justiça, e que assim, atento o teor do preceito do artigo 804º nº 2 do Código Civil apenas se impunha ao recorrente a responsabilidade pelos juros de mora “por causa que lhe seja imputável”, e que a condenação a que o recorrente foi sujeito peca por ilegalidade e violação de lei, sendo excessiva tal condenação, devendo ser calculada apenas e só tendo por base o período temporal que é imputável ao recorrente, não se levando em conta o período temporal em que o processo esteve “parado” no Tribunal a quo, devendo a condenação em juros de mora corresponder apenas ao período temporal que é efetivamente imputável ao recorrente.

2.7 Ora, a convocação feita na sentença recorrida do disposto no artigo 804º nº 2 do Código Civil, nos termos do qual “o devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efetuada no tempo devido”, encontra-se correta. Dispositivo que foi, também, corretamente aplicado.

Aliás, o recorrente MUNICÍPIO não põe em causa a mora no cumprimento da obrigação de pagamento dos trabalhos executados pela autora, objeto da condenação decidida na sentença recorrida. E a mora em que incorre o réu MUNICÍPIO reside, precisamente, na falta (recusa) do pagamento daqueles trabalhos, que se mostra devido, nos termos decididos, o que naturalmente lhe é imputável, sendo ainda possível o respetivo pagamento, mesmo que tardio.

E é essa falta de pagamento das quantias devidas, judicialmente reconhecida, que obriga o réu MUNICÍPIO a pagar juros moratórios sobre os montantes que não foram pagos (voluntariamente) e deviam tê-lo sido.

2.8 A circunstância de o processo judicial ter tido, alegadamente, uma duração excessiva (por ter sido instaurado no ano de 2011 e só ter obtido sentença em 19/11/2020) não desonera o réu MUNICÍPIO das obrigações que legalmente sobre ele impendem.

O que tal circunstância poderá, eventualmente, originar é a responsabilidade do Estado Português por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável assegurado no artigo 6º § 1º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH) e acolhido no artigo 20º nº 4 da CRP, mas aí estaremos já numa distinta relação jurídica. Neste mesmo sentido, vide, designadamente, o acórdão deste TCA Norte de 05/03/2021, Proc. nº 00072/07.7BEVIS-A, in, www.dgsi.pt/jtcn.

2.9 Pelo que tal circunstância também não afasta a culpa do réu MUNICÍPIO pelo não pagamento dos trabalhos a qual motivou e justificou o recurso à via judicial. Razão pela qual são devidos os juros de mora sobre o apurado capital em dívida, nos termos do artigo 804º nº 2 do Código Civil, contados a partir da data da citação do réu para a ação, por aplicação das respetivas taxas de juros legais, tal como calculados na sentença recorrida.

Não colhendo, também nesta parte, o recurso.

O que se decide.
*

IV. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
*
Custas pelo recorrente - artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013) e artigos 7º e 12º nº 2 do RCP (artigo 8º da Lei nº 7/2012, de 13 de fevereiro) e 189º nº 2 do CPTA.
*
Notifique.
*
D.N.
*
Porto, 2 de julho de 2021

M. Helena Canelas (relatora)
Ricardo de Oliveira e Sousa (1º adjunto)
João Beato (2º adjunto)