Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00924/13.5BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/12/2018
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Hélder Vieira
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL POR FACTO ILÍCITO; CANÍDEO NA VIA; CULPA; NEXO CAUSAL.
Sumário:
I — Nos acidentes de viação, o que importa essencialmente determinar, mais do que a violação formal de uma regra de trânsito, é o processo causal da verificação do acidente, ou seja, a conduta concreta de cada um dos intervenientes e a influência dela na sua produção.
II — É que «a culpa, como fundamento da responsabilidade civil, envolve sempre um juízo de censura que não pode bastar-se com a simples constatação da existência de uma ilegalidade ou de violação de regras de ordem técnica ou de prudência».
III — A circulação de um veículo automóvel com velocidade instantânea objectivamente excessiva, em violação de uma norma do Código da Estrada implica, em regra, presunção juris tantum de culpa (negligência), em concreto, do respectivo condutor, autor da contra-ordenação.
IV — Porém, a validade dessa regra ou princípio pressupõe que o comportamento contravencional objectivamente verificado seja enquadrável no espectro das condutas passíveis de causarem acidentes do tipo daqueles que a lei quer prevenir e evitar ao tipificá-las como infracções.
V — As normas que estabelecem limites de velocidade instantânea em função dos vários tipos de via – art. 27º-1 C.E. - visam genericamente proteger o interesse de circulação com segurança dos vários utentes em atenção à respectiva localização ou características.
VI — A presunção deve ter-se como afastada se, do conjunto das concretas circunstâncias de circulação dos veículos, não resulta que a de a velocidade ser superior ao limite máximo instantâneo em abstracto estabelecido para a localidade interferiu com o círculo de interesses que a norma limitativa da mesma visa proteger. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:RAMF
Recorrido 1:Ascendi, SA
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:
Conceder provimento ao recurso
Revogar a decisão recorrida
Julgar a acção parcialmente procedente
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I — RELATÓRIO
Recorrente: RAMF
Recorridas: Ascendi, SA (adiante, Ascendi); AIG EL, sucursal em Portugal (adiante, AIG).
Vem interposto recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que julgou improcedente a acção, absolvendo a Ré e a Interveniente do pedido de condenação ao pagamento de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais não inferior a 7.572,42€, acrescido de juros à taxa legal em vigor desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
*
Conclusões do Recorrente, que delimitam o objecto do recurso:
1. O recorrente discorda da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, na medida em que considerou que os pressupostos de atribuição da responsabilidade extracontratual não se aplicariam, apesar de se ter verificado a presunção de culpa que legalmente impende sobre a recorrida, pelo facto de o recorrente circular em excesso de velocidade;
2. A sentença olvidou as concretas circunstâncias em que se deu o acidente, sendo certo que desvirtua o sentido a dar à regra do nº 1 do artº 24º do Código da Estrada de que o condutor deve adoptar velocidade que lhe permita fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente;
3. Na verdade, aquele dispositivo apenas funciona para situações previsíveis para o condutor e não já para todas aquelas situações imprevisíveis, nomeadamente quando o obstáculo lhe surge de forma súbita ou repentina, como foi o caso;
4. Além disso, nos acidentes de viação o que importa determinar, mais do que a violação formal de uma regra de trânsito, é o processo causal da verificação do acidente, ou seja a conduta concreta de cada um dos intervenientes e a influência dela na sua produção;
5. Mesmo a circular dentro dos limites máximos admissíveis para o local, o recorrente nunca poderia parar no espaço livre e visível à sua frente, atento o facto de o animal lhe ter surgido de forma súbita, encoberto pelos dois veículos pesados que se encontravam à sua direita, não tendo contribuído de que forma fosse para a eclosão do acidente;
6. Assim sendo, os factos dados como provados são suficientes, no entender do recorrente para fundamentar a culpa da recorrida baseada na responsabilidade extracontratual;
7. É à recorrida que se tem de imputar a omissão das normais regras de vigilância e diligência medianas, e, consequentemente, é a ela que se deverá atribuir a culpa na eclosão do acidente, pelo facto de não ter conseguido ilidir a presunção legal de culpa que sobre si impendia;
8. Foram violadas, entre outras, as seguintes disposições legais: do Código Civil: arts. 483º e 570º do Código da Estrada: artº 24º e nº 1 do artº 25º
Termos em que, deverá revogar-se o douto acórdão proferido, substituindo-o por outro que condene a recorrida nos termos propugnados,
Assim se fazendo JUSTIÇA.”.
*
O Recorrido contra-alegou em termos que se dão por reproduzidos, designadamente:
1. Fundamentação.
a) Ponto prévio: da correcção de parte da matéria de facto considerada provada.
Certamente por mero lapso (de escrita, presume-se), o Tribunal a quo deu como provado na alínea C) dos factos provados o seguinte:
- "No dia referido em A), na via mais à direita circulava um veículo pesado, na faixa do meio um autocarro e na via da esquerda o veículo do Autor ( ... )" ¬sublinhado nosso.
Ora, sucede que não é verdade que o veículo fosse, naquela data, da propriedade do. A., como facilmente se pode concluir de vários documentos juntos aos autos (particularmente juntos pela R. elou por sua iniciativa, já que o A. - bem sabendo que não o era - não se coibiu de alegar p. ex. em 5° da p. i. que era o proprietário do veículo), mas também das alíneas T). U). V) e W) dos factos provados e ainda da circunstância de resultar dos factos não provados, de forma clara e indiscutível, que "não se provou que o Autor fosse o proprietário do veículo LB à data do acidente ( ... )".
Por isso, e muito mais que uma reapreciação da matéria de facto neste caso, parece-nos que está antes em causa uma correcção de um lapso de escrita que se impõe face ao que os autos demonstram sem qualquer dificuldade.
Importa, pois, alterar a redacção dessa alínea C) dos factos provados em conformidade com a prova dos autos, substituindo aquele segmento sublinhado "Q veículo do Autor"por aqueloutro "o veículo conduzido pelo Autor".
b) Das contra-alegações.
Salvo o devido respeito e fundamentalmente por melhor opinião, parece-nos perfeitamente visível a falta de convicção que perpassa toda a douta peça processual do A., própria, aliás, de quem bem sabe que a argumentação utilizada não é minimamente consistente.
E, de resto, não admira nada que assim seja, porquanto é seguramente expectável que o A. tenha a exacta noção do que alegou e, mais que isso, que tenha ainda uma melhor noção da prova que fez e sobretudo daquela que não logrou fazer nestes autos.
Veja-se, aliás, a argumentação avançada pelo A. para tentar contrariar (sem qualquer sucesso, como facilmente se antecipa) um facto inquestionavelmente provado (que o veículo circulava em excesso de velocidade, cerca de 120/130 km/h, num local onde a velocidade máxima instantânea permitida - assim também mostram os autos ¬era de 100 km/h) que, curiosamente, teve por "fonte" as declarações de parte, o que, convenhamos, terá numa situação como esta ainda mais força do que se outro tipo de prova de tratasse como p. ex. o tal "aparelho" que, sem que se perceba muito bem por que razão, o A. também chama à colação (recorde-se: foi o A., manifestamente interessado no êxito da acção, a admitir esse excesso de velocidade e esse incumprimento consciente da legislação estradal que conhece ou, pelo menos, de que não pode invocar desconhecimento).
Mais: se for ou vida a gravação das declarações de parte prestadas pelo A. (o que, adiante-se. nem sequer se afigura necessário) conseguimos perceber muito facilmente a dado passo que essa violação da lei (do Cód. da Estrada que - curiosamente também - o A. até chega ao ponto de "acusar" o Tribunal a quo de ter violado?!!!) não representou um qualquer problema elou implicou sequer um "rebate de consciência" para o A, na medida em que este declarou ipsis verbis (isto se as notas então tiradas pelo signatário estão correctas, mas certamente, e no mínimo, que o sentido é seguramente este) que "não acha que iria em excesso de velocidade".
Ora, isso é, no mínimo, muito preocupante e diz bem da falta de razão do A neste seu recurso, mas acaba também por confirmar o acerto da decisão quanto à relevância que deu - e bem - à violação da lei por parte do A. e, naturalmente, à culpa que lhe é manifestamente imputável na produção do sinistro sub judice.
Depois, e, de resto, nessa linha, é também de salientar - não sem alguma curiosidade, diga-se - o outro (?!1!) argumento do A. visando a alteração da decisão da 1- instância.
Com efeito, pergunta o A se então transitasse a outra velocidade (necessariamente menor àquela provada) o acidente teria acontecido. E conclui que o acidente teria deflagrado na mesma porque - diz - era inevitável.
Pois ... Pode até ser (em tese, diga-se assim), mas, e desde logo, não se vislumbra onde foi/vai buscar o A. o "conforto" para essa conclusão que avança de seu mote próprio, i. e., que alegadamente o acidente seria inevitável.
É que dos factos provados não resulta de forma alguma (e, aliás, nem sequer das alíneas D) e E) destes factos provados) essa conclusão que apenas o A. ensaia.
Efectivamente, o facto de ter sido dado como provado na alínea D) dos factos provados que "(...) o Autor não se conseguiu desviar (. .. )" do animal ou que este A. "(...) só conseguiu visualizar o animal quando este já estava na frente do veículo" (e, ainda assim, apenas com base nas declarações de parte do A., o que não é de forma alguma inócuo) não autoriza que se conclua - longe disso, aliás - que o acidente era, como defende o A., inevitável.
E menos ainda quando se sabe e os autos demonstram-no, sem sombra de qualquer dúvida, que há "dedo" muito visível do pr6prio A. na história/explicação deste sinistro.
Isto para além - obviamente - de ser manifesto que ocorre in casu a violação do dever de diligência, de atenção e de cuidado por parte do A, assim contrariando a exigível observância, também por parte deste A., do chamado critério do bonus pater familia e previsto no artigo 4870 n° 2 do C6d. Civil.
Aliás, como diz Antunes Varela (in Das Obrigações em Geral, Vol. II, 4ª edição. Almedina, Coimbra. 1990, pág. 92):
- "Agir com culpa significa actuar, por forma a que, a conduta do agente, seja pessoalmente censurável ou responsável e o juízo de censura ou de reprovação dessa conduta só se pode apoiar no reconhecimento, perante as circunstâncias concretas do caso, de que o obrigado não só devia, como podia ter agido de outro modo."- itálico e sublinhado nossos.
Ora, considerando este facto provado (materializado naquele excesso de velocidade. mas também revelador da falta de diligência, de atenção e de cuidado do próprio A.), é imperativo concluir que se verifica culpa do lesado, no que tange ao agravamento dos danos (mas não só).
Com efeito. é evidente (e até quase intuitiva) a relação directa e necessária da extensão dos danos registados no veículo (quaisquer que eles sejam - e essa é outra questão) com a velocidade imprimida ao veículo, pois quanto maior for a velocidade a que roda um veículo, mais extensos serão os danos resultantes de uma colisão a essa velocidade superior. De modo que, mesmo que nos quedássemos apenas por aqui, sempre teríamos inevitavelmente de concluir que, pelo menos, uma parte da responsabilidade pela eclosão do sinistro teria de ser assacada ao próprio A e, naturalmente, uma parte da culpa (e. como é evidente, a maior parte) pela extensão dos danos registada dever-lhe-ia ser endossada.
De resto, como decorre do disposto no artigo 4.º do RRCEEP, "quando o comportamento culposo do lesado tenha concorrido para a produção ou agravamento dos danos causados (... ), cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas tenham resultado, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída." - itálico nosso. Essa formulação, como bem se sabe, não é muito diferente daquela constante do artigo 57º n° 1 do Cód. Civil, artigo este a que faz referência - e bem - a sentença da la instância.
Mas, mais. Será possível, em tal situação, afastar toda (ou sequer parte) de responsabilidade/culpa do A. na produção do sinistro propriamente dito?
Ou, de outro modo, será possível determinar/concluir que o acidente sempre aconteceria, mesmo que O veículo circulasse então à velocidade de pelo menos 100 Km/h (isto - entenda-se - como forma de poder atribuir uma parcela de responsabilidade à R.)?
Provavelmente nunca o saberemos e, francamente, essa possibilidade talvez até não possa ser afastada. Mas também não podemos - e isso de forma nenhuma ¬afastar (e liminarmente muito menos) o cenário contrário, ou seja, que o acidente podia não ter deflagrado se o veículo conduzido pelo A. circulasse pelo menos a 100 Km/h.
Contudo, aquilo que é seguramente de reter (o que sabemos de "ciência certa", portanto) é que o veículo não circulava àquela velocidade permitida no local e fazia-o - não é demais lembrar - em claro excesso de velocidade.
Ora, esse é decididamente o dado/facto objectivo a que não podemos fugir, que não permite, contrariamente ao pretendido (com pouquíssima convicção, como dito) pelo A., que "assobiemos para o lado".
Nessa linha, e sendo coerente e lógico, tanto no raciocínio como na argumentação, importa dizer que também não resulta necessariamente (nem pouco mais ou menos, como se diz popularmente) que o veículo tripulado pelo A. não tenha colidido com o animal exactamente porque circulava a velocidade de cerca de 120/130 Kms/h, superior em pelo menos 20 Km/h àquela máxima instantânea permitida no local. É que - será porventura pacífico ou melhor insofismável - quanto maior for a velocidade mais tempo e maior espaço será necessário para imobilizar um veículo no chamado "espaço livre e visível à frente" deste. E isto já para não aludir sequer à capacidade/rapidez de reacção do A. também ligada inevitavelmente à velocidade imprimida ao veículo.
Por isso, será sempre muito temerário (no sentido de infundado, mas também de claramente precipitado, o que se diz, outra vez, salvaguardando o devido respeito) e até inexplicável considerar, seja como base de raciocínio, seja como base argumentativa, que o sinistro ocorreria ainda que o veículo transitasse, naquela hora, pelo menos à velocidade instantânea legalmente permitida de 100 Kms/h.
B. mutatis mutandis, a mesma conclusão impor-se-á por si só quanto (e neste ponto a Recorrida diverge da sentença) à possibilidade de uma alegada concausa na produção do sinistro decorrente da presença do animal na via.
De facto, o que há a evidenciar neste caso é que deve ser exigido um outro cuidado, uma outra diligência ao condutor do veículo, de acordo - repise-se - com o critério do bonus pater familiae presente no artigo 4870 n° 2 do Cód. Civil, e não aventar sequer a mínima possibilidade de alinhar num mero facilitismo (que não tem justificação rigorosamente nenhuma), numa mera desculpabilização de uma conduta manifestamente errada e indiscutivelmente censurável, ao menos por negligência.
Ou seja: visto por esse critério (e decididamente não há outro), é evidentíssima a culpa do A./recorrente, sendo que, como mais popularmente se diz, "não há volta a dar" em relação a esta obrigatória conclusão. Além de que havendo, como há neste caso, violação do Cód. da Estrada, há inevitavelmente culpa do A..
Aliás, sempre se dirá que seria extremamente perigoso conferir validade, por pouca que fosse, a um semelhante raciocínio (aqui defendido pelo A./recorrente), na medida em que daria um péssimo "aviso à navegação" e, ademais, transmitiria uma errada de sensação de "normalidade" e impunidade a quem, como o A., não revela (longe disso) a melhor (e a exigível) conduta no exercício da condução (ademais de nem sequer revelar qualquer tipo de constrangimento pela circunstância indesmentível de circular em excesso de velocidade). Isto para além de, na nossa perspectiva, ser inaceitável, pelo menos do ponto de vista do cumprimento da lei.
Segue-se que,
Contrariamente ao que sustenta o A./recorrente nas suas alegações, o Tribunal a quo (e/ou a R.) não violou o disposto no artigo 12° da Lei n° 24/2007, de 18 de Julho.
E isto - sublinhe-se - apesar de se entender que sobre a R./recorrida não impende qualquer presunção, seja ela de culpa, seja de incumprimento, seja do que for, mas, isso sim, que aquele normativo legal apenas determina uma inversão do ónus da prova (e do cumprimento das obrigações de segurança que, não portanto, da culpa) mas sempre no âmbito (e como bem se decidiu, de resto) da responsabilidade extracontratual.
Mais: diversamente daquilo que defende o A., menos ainda poderá dizer-se que a douta decisão violou quaisquer outros normativos, seja da Lei n" 6712007, de 31 de Dezembro (que - parece-nos - nem sequer cita), seja do Cód. Civil, seja, muito menos ainda, do Cód. da Estrada.
Ora, a formulação do artigo 12° n" 1 da Lei n° 2412007, de 18 de Julho, incide tão-somente sobre o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança que atribui às concessionárias de auto-estrada (AE) e nada mais, sendo que não é dito em parte alguma que as concessionárias só se eximem da sua eventual responsabilidade se demonstrarem que ocorreu um caso de força maior.
De facto, tal não corresponde à verdade. Aliás, se lermos todo o artigo 12° da lei citada, e particularmente o seu n° 3 onde efectivamente se alude a situações de "força maior", concluímos facilmente que essas situações se referem, não às concessionárias de AE, mas, isso sim, às autoridades policiais. Na verdade, aquele n° 3 tem de ser lido em conjunto com o n° 2 do mesmo normativo legal, pois que começa exactamente por "São excluídos do número anterior os casos de força maior (...)", ou seja, refere-se à obrigação das autoridades policiais contida no n° 2 e não à inversão do ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança previsto no n° 1.
Além disso, não há nenhuma disposição no diploma legal que instituiu e aprovou as Bases da concessão da R./recorrida (Decreto-Lei n," 142-A/2001, de 24 de Abril, alterado pelo Decreto-Lei n° 44-D/2010, de 5 de Maio) que preveja que a concessionária só se exime de uma sua eventual responsabilidade se provar a existência de um caso de força maior.
o que está previsto, isso sim, é que a concessionária só está dispensada de assegurar o cumprimento das suas obrigações de segurança se ocorrer um caso de força maior e, de resto, percebe-se bem porquê. O que, aliás, é muito diferente.
Mas essas suas obrigações de segurança (que são - lembre-se desde já - obrigações de meios e não de resultado) são designadamente cumpridas com a sua presença permanente no terreno, patrulhando, vigiando, por exemplo, mas não, naturalmente, em todo o terreno (leia-se: toda a extensão da concessão) ao mesmo tempo, i. e., sem que lhe possa ser exigida, portanto, a omnipresença.
De resto, escreveu-se no ac. da Relação do Porto de 17.11.2011 (in www.dgsi.pt. ac. tirado no processo n° 2338107.7TBPNF.Pl e relatado por Pinto de Almeida) o seguinte:
- "À semelhança do que tem sido decidido em casos semelhantes. e tomando como padrão a normal diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso, cremos que à ré concessionária não era exigível uma vigilância mais intensa do que aquela que efectua normalmente e que, no caso, ficou provada. Como já se afirmou; deve ter-se o realismo para reconhecer que fazer vigilância não é - porque nada o impõe - ter, permanentemente, vigilantes, à vista uns dos outros, em todas as auto-estradas; nem o é - porque nada o impõe e tal não seria em regra possível, nem comportável - fazer passar equipas de fiscalização minuto a minuto, ou outra frequência próxima, em todos os pontos da auto-estrada." (itálico e sublinhado nossos).
Ora, que mais poderia ser razoavelmente exigido da R./apelada já que não tem, como é, aliás, consabido, o dom da ubiquidade (e nem este lhe é exigível)?
Lembre-se, nesta altura, e a propósito da argumentação utilizada pelo Tribunal a quo, com a qual, nesta parte, a R./recorrida não está de acordo (i. e., quanto a colocar de certa maneira o acento tónico na circunstância de se ignorar por onde acedeu o animal à auto-estrada) que já no ac. da RC de 10 de Janeiro de 2006, também consultável em www.dgsLpt),dos poucos - senão o único - que se conhece como tendo defendido que a este tipo de acidentes era simultaneamente aplicável a responsabilidade contratual e a extracontratual (solução com a qual não se concorda, sublinhe-se também) , consta lucidamente, no ponto m do respectivo sumário que “(…) fazer depender a ilisão da presunção do modo concreto de intromissão do animal é tomar impossível a prova, implicando na prática uma situação de responsabilidade objectiva" - sublinhado nosso.
Importa, porém, dizer que não se vislumbra onde está prevista essa responsabilidade objectiva, sendo indiscutível que não está na Lei n° 2412007, de 18 de Julho (no seu artigo 12° n° I) e nem está na Base LXX do Decreto-Lei n" 142-A/2001, de 24 de Abril e suas posteriores alterações. Não sobram, aliás, quaisquer dúvidas a este respeito.
Ademais, parece-nos que isto responde a uma pretensa obrigação de a R. dever alegadamente demonstrar a forma pela qual o animal terá surgido na via, i. e., que se exija desta R. que reconstitua "historicamente" como essa intrusão aconteceu.
E mais ainda - acrescente-se - quando, como neste caso (vide alíneas M), X) e Y) dos factos provados), a auto-estrada e o local em questão situa-se entre dois nós que não são (e, de resto, isso não podia acontecer) fechados, sendo que os respectivos ramos têm "contacto" com o exterior da concessão da R. que não é vedado, como bem se sabe.
De sorte que, e bem ao contrário daquilo por que pugna o A., o Tribunal a quo não podia legitimamente supor, muito menos concluir que o animal acedeu à via devido a uma eventual deficiência da vedação que a R. provou claramente que não existia (cfr. alíneas Z), CC) e DD) dos factos provados).
Mas também não podia legitimamente concluir que ocorreu uma qualquer outra anomalia (e, aliás, não diz o A. ou a prova dos autos qual seria) pelo simples facto de um animal se encontrar na via.
Este raciocínio do A/recorrente (e até, nesta parte, também do Tribunal a quo) é, pois, e salvo o devido respeito, meramente especulativo, sendo nítido que não tem qualquer base, pois que - insiste-se - outras formas há de os animais acederem à via. E ainda - sublinhe-se também - que a R. demonstre, como sucede neste caso, o cumprimento integral das suas obrigações de segurança, bom estado da vedação incluído.
Neste passo, cabe dizer que é absolutamente incontroverso que a R. demonstra (cabalmente) o cumprimento das suas obrigações de segurança neste caso concreto, i. e., a concessionária fez neste caso muito mais que uma mera prova indiciária. Isto, naturalmente, em função do conteúdo do seu dever, já que - insiste-se ¬estamos perante uma obrigação de meios e nunca de resultado.
Ora, essa nuance, esse detalhe não é seguramente de somenos importância, pois que, e desde logo, não basta a mera presença de um animal na faixa de rodagem para que se possa acriticamente concluir que essas obrigações de segurança foram incumpridas.
Na verdade, o que sucede é que o problema (o cumprimento das obrigações de segurança) é visto apenas pelo lado negativo e nessa hipótese nada será suficiente, o que vale por dizer que os defensores de uma tal ideia não avançam com um único argumento positivo (e sobretudo razoável) que permita perceber quando será possível elidir a tal dita presunção de culpa ou "desconstruir" um mito de que é necessário apurar a forma como os animais acedem à via para que uma concessionária de auto-estrada se exima de uma sua eventual responsabilidade (raciocínio esse que é ainda mais surpreendente quando, como é o caso, se trata de uma auto-estrada com esta configuração que, aliás - e para não dizer mesmo que se trata de facto público e notório - é bem conhecida de todos).
(E mesmo que tivesse sido possível apurar o local por onde o animal ingressou na via ou então se foi deixado na via p. ex. ou até ligar o animal ao seu proprietário, pergunta-se, na linha de um tal raciocínio, se nesse caso se consideraria que a concessionária teria cumprido com as suas obrigações de segurança. Seguindo este raciocínio do A., mas também, e de certa forma, aquele resultante da sentença, não seria motivo de admiração - ao menos por mera cautela - que a concessionária fosse igualmente demandada. E identicamente - sublinhe-se - também não seria para admirar que em tal situação se defendesse a condenação (solidária") da concessionária.)
Não é assim. Não deve ser assim. Não há o mínimo respaldo para que assim possa ser.
Na verdade, e dito de outro modo, cremos que as concessionárias de auto-estradas (e a R. neste caso) não têm de provar que não tiveram culpa pela eclosão do acidente, têm, isso sim, de demonstrar que fizeram tudo o que estava ao seu alcance (c que lhe era exigível) para que o acidente não ocorresse.
Mas isso (a prova efectiva do cumprimento das obrigações de segurança) não garante (e nem pode) que os acidentes não aconteçam, sendo que a análise tem, evidentemente, de ser mais ampla e abrangente do que aquela, e salvo o devido respeito, redutora escolhida pelo A. elou até pela própria sentença do Tribunal a quo.
Ou seja: como diz - e, na opinião da recorrida, muito bem (e com muita actualidade ainda hoje, mais de dez anos após a entrada em vigor daquela lei de 2007) ¬Carneiro da Frada (cfr. "Sobre a Responsabilidade das Concessionárias por acidentes ocorridos em auto-estradas", in Revista da Ordem dos Advogados, ano 65, Setembro de 2005, pgs. 407 - 433, e ainda do mesmo autor o parecer publicado no "Boletim Informação e Debate" da ASJP, Na Série, n° 6), "( ... ) não parece curial considerar que a simples ocorrência de um sinistro legitime, sem mais, a conclusão que houve a infracção desses deveres, dado que uma coisa é afina/idade do dever (o resultado que com ele se quer alcançar), outra, bem diferente, é saber se o conteúdo do dever inclui um resultado (que, no caso, seria a ausência de acidentes). Por isso, a simples circunstância de um utente sofrer um acidente por ocasião da sua circulação na AE não justifica e nem legitima a conclusão de que a causa do dano sofrido tem origem num comportamento da concessionária contrário aos seus deveres" (itálico nosso).
Assim, numa situação, como a dos autos, em que o sinistro terá sido provocado por um animal, temos de concluir, face à lei citada, que se imporá a absolvição da concessionária se esta demonstrar que as vedações existentes se encontravam em bom estado de conservação e de segurança, o que bem se percebe, pois outras formas há (e neste caso bem fáceis de perceber, de resto) de os animais acederem à via. E a verdade é que, como dito antes, essa prova foi feita e, de resto, cabalmente feita.
Por isso, esse raciocínio seguido pelo A. esquece ainda que mesmo que seja possível (e por vezes até pode ser) detectar a introdução de animais na via (ou a queda ou abandono de objectos nas vias, p. ex.), sempre teria de se contar com o inevitável tempo de deslocação para remover esse(s) animal(ais) ou objecto(s). E nesse ínterim não é de excluir de modo algum a possibilidade (bem séria, de resto) de eclosão de acidentes porque a auto-estrada (e a circulação automóvel) é obviamente uma "realidade dinâmica" .
Além de que, e no que respeita à obrigação de resultados a que tem obrigatoriamente de se reconduzir a tese defendida pelo recorrente, não se percebe de todo onde terá ela o seu lastro, nomeadamente jurídico. Para assim concluir, chamemos novamente à colação o estudo de Carneiro da Frada (ob. e loco citados):
"No caso das concessionárias de auto-estradas, apresenta-se completamente desajustado pretender que elas se encontram vinculadas a deveres de resultado, ou de garantia de que os utilizadores cheguem sãos e salvos ao destino da sua circulação em auto-estrada. A ocorrência de um acidente não legitima, por conseguinte, a concluir com um mínimo de certeza que houve a infracção de um dever de protecção que incumbia a tais concessionárias. Estas não prometeram neste aspecto resultados, nem ao Estado (contraparte no contrato de concessão), nem, muito menos, como vimos, aos utentes.
Deste modo, se a concessionária demonstrar que agiu com a diligência adequada no cumprimento dos seus deveres, não é responsável. Como esses deveres não garantem um resultado, não se toma necessário que a concessionária, para afastar a imputação, desvende plenamente o concreto processo causal do acidente (se ele for desconhecido, ao menos em parte), demonstrando (por essa via) que por ele não é responsável.
Os deveres, ainda que de matriz contratual, que impendem sobre as concessionárias são apenas deveres de diligência, de envidar esforços - certos esforços, como se disse, em princípio os determinados pelo contrato de concessão ¬com vista a acautelar a segurança da circulação. Tal qual se afirmou, a simples circunstância de o utente de uma auto-estrada sofrer um acidente por ocasião da sua circulação nela não justifica de modo algum a presunção de que a causa do dano sofrido tem origem num comportamento da concessionária contrário aos seus deveres.
Repisa-se: não se objecte que há deveres de vigilância (sejam eles entendidos enquanto deveres delituais derivados de disposições de protecção, sejam antes, tal qual agora os discutimos, deveres de protecção de matriz contratual) que vão endereçados a obter um certo resultado, impedir acidentes. É óbvio que sim, como os deveres do médico, reconhecidamente de meios, se encontram dirigidos à cura do doente. Mas uma coisa é a finalidade do dever - o resultado que com ele se quer alcançar -, outra, seguramente diferente, saber se o conteúdo do dever inclui um resultado (no caso, a ausência de acidentes), e aqui a resposta tem de ser negativa. A distinção para efeitos probatórios faz-se, portanto, não pelo escopo, mas segundo o teor do dever. Nem sempre se atenta neste ponto. " (itálico nosso).
De resto, e mesmo que se considere (o que a R. não faz, como dito) que sobre ela, R., impende uma presunção de culpa, é de notar que também Rui Paulo Mascarenhas Ataíde ("Acidentes em auto-estradas: natureza e regime jurídico da responsabilidade dos concessionários" - Estudos de homenagem ao Prof. Doutor Carlos Ferreira de Almeida. Volume II, Almedina, 2011, pág. 198) afina por este mesmo diapasão quando diz que "(...) a elisão da presunção de culpa satisfaz-se mediante a demonstração de terem sido respeitados os deveres de comportamento exigíveis segundo o escalão do bonus pater famílias, sem que seja necessário provar o facto estranho que desencadeou o sinistro".
Assim, a solução a seguir é bem diversa daquela defendida pelo A/recorrente, dado que a R. logrou satisfazer plenamente, em concreto (e não apenas genericamente. com evidente conotação negativa) o 6nus da prova do cumprimento das suas obrigações de segurança que sobre ela impendia,
Que não - sublinhe-se - elidir uma presunção de culpa (de incumprimento, de ilicitude, do que seja) que inexiste, como se percebe muito bem da comparação entre o que dispõe este artigo 12° n° 1 da Lei n° 24/2007, de 18 de Julho e o que consta do artigo 493° n° 1 do Cód. Civil (aqui sim, temos uma presunção).
Assim, e em resumo, sempre se dirá que não assiste qualquer razão ao A. neste seu recurso que assim deve improceder, tal como, de resto, todas as conclusões da sua peça processual, não se vislumbrando, de forma alguma, que o Tribunal a quo tenha violado algum dos preceitos legais mencionados naquela peça processual.
Sem prescindir e por mera cautela de patrocínio,
Independentemente de ser esse o entendimento da R./recorrida sobre a questão da (para si) inexistente presunção de culpa, certo é que temos de reconhecer que o Tribunal a quo, mesmo tendo entendimento diverso do da R., acabou por decidiu bem.
Com efeito, não sobra a mínima dúvida sobre o teor do disposto no n° 2 do artigo 570º do Cód. Civil, sendo que também não sobra a mínima dúvida, no quadro daquele entendimento que é o da sentença da la instância, que esse preceito legal é inequivocamente aplicável in casu.
De facto, sendo consequente com aquele entendimento segundo o qual impendia sobre a concessionária uma simples presunção de culpa (e não, como também se considera - e bem - na sentença, qualquer culpa efectiva), outra solução não restava ao Tribunal a quo que não fosse a de decidir como se decidiu, i. e., concluir que não há qualquer obrigação de indemnizar por parte da R. ou da Interveniente e, naturalmente, absolvê-las do pedido.
Nessa medida, também por esse motivo (e isto a não ser devido ao antes avançado pela R., bem entendido), é absolutamente evidente que o recurso do A. não tem, salvo o devido respeito, "pernas para andar", razão pela qual- repete-se - deve ser julgado improcedente, com as necessárias consequências legais.
Termos em que deve ser negado provimento ao recurso do A. e respectivas conclusões, assim se fazendo inteira Justiça.”.
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A Interveniente principal AIG contra-alegou, em termos que se dão por reproduzidos, e, tendo formulado conclusões, aqui se vertem:
I. Impugnando o Recorrente a matéria de facto assente e não se mostrando reunidos os pressupostos de índole formal exigidos pelo artº 640 nº 1 al. b e nº 2 al. a) do CPC, deverá o presente recurso ser rejeitado por este Tribunal;
II. Tendo em consideração o disposto, em especial no que diz respeito à análise crítica dos factos, não merece qualquer censura a decisão do Meritíssimo Tribunal a quo sobre a prova de que o Recorrente é culpado na produção do sinistro;
III. Não merece aliás censura a decisão do Tribunal a quo sobre qualquer outro ponto da matéria de facto dada como provada;
IV. Não merece, assim e finalmente, qualquer censura a decisão de direito do Tribunal a quo sobre a improcedência da atribuição ao Autor/Recorrente de uma indeminização com base na responsabilidade civil extra-contratutal.
Nestes termos e nos demais de Direito, que V. Exa. doutamente suprirá,
Deve ser julgado improcedente o presente recurso, confirmando-se, em consequência, a douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro.”.
*
O Ministério Público foi notificado ao abrigo do disposto no artigo 146º, nº 1, do CPTA.
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Questões dirimendas: Saber se ocorre erro de julgamento, com violação dos normativos identificados pelo Recorrente.
II — FACTOS
Consta da sentença recorrida:
«De facto.
Factos provados.
A) No dia 21/10/2011, cerca das 19 horas e 55 minutos, na A25, ao Km 44,400, concelho de Sever do Vouga, distrito de Aveiro, o veículo ligeiro de passageiros marca F…, modelo M…, com a matrícula xx-xx-LB, conduzido pelo Autor, circulava no sentido Aveiro/Viseu, na via da esquerda, atento o seu sentido de marcha, à velocidade de cerca de 120/130 km/hora, era de noite, estava bom tempo e a visibilidade era boa.
B) Ao Km 44,400 a via é em curva e tem três faixas de rodagem.
C) No dia referido em A), na via mais à direita circulava um veículo pesado, na faixa do meio um autocarro e na via da esquerda o veículo do Autor, que se encontrava a fazer uma manobra de ultrapassagem ao autocarro.
D) Em plena manobra de ultrapassagem, ao referido Km, surgiu à frente do veículo conduzido pelo Autor um animal de raça canina, de médio porte, vindo do lado direito, do qual o Autor não se conseguiu desviar e embateu.
E) O Autor só conseguiu visualizar o animal quando este já estava na frente do veículo.
F) No momento do embate e por razões de segurança, o Autor não colocou o pé no travão e retirou o pé do acelerador.
G) O Autor deixou que o autocarro e o veículo pesado seguissem a sua marcha, tendo depois imobilizado o veículo a cerca de 250 metros do local do acidente junto à berma.
H) No local onde o Autor imobilizou o veículo já só existiam duas faixas de rodagem.
I) Depois de imobilizar o veículo, o Autor saiu do mesmo, sinalizou-o, visualizou a sua parte frontal, que estava danificada, e ligou para o 112.
J) A velocidade permitida no local do acidente é de 100 Km/h.
K) Depois do acidente, compareceu no local o funcionário da Ré, BM, e a Brigada de Trânsito.
L) O acidente ocorreu entre o nó de Talhadas e o nó de Reigoso.
M) O local do acidente fica a uma distância de 1,154km do nó de Talhadas [PK44,400-43,246], que o antecede, e a uma distância de 5,668km [PK50,068-44,400] do nó de Reigoso, que lhe é posterior.
N) Depois do acidente, o veículo LB foi de reboque para casa do Autor e só mais tarde é que foi para a oficina da testemunha AV, para ser reparado.
O) Em consequência do embate, o veículo LB sofreu danos na parte da frente.
P) O veículo LB foi reparado na oficina de AAV, em Viseu.
Q) A testemunha AV conhece o Autor há alguns anos, os pais da testemunha são amigos dos pais do Autor.
R) A reparação do veículo ascendeu à quantia de € 1.303,80.
S) O animal foi encontrado morto junto ao separador central e foi recolhido pelo funcionário da Ré BM.
T) O pedido de registo do veículo em nome do Autor foi efetuado em 19/03/2012, tendo sido confirmado pelo vendedor, no requerimento de registo automóvel, que nessa data celebrou o contrato de compra e venda do veículo LB com o Autor sem quaisquer restrições.
U) A propriedade do veículo LB foi registada em nome do Autor em 20/03/2012.
V) No dia do acidente o Autor andava a experimentar o veículo LB, para verificar se tinha algum defeito.
W) O Autor celebrou, quanto ao veículo LB, um contrato de seguro de responsabilidade civil com a LS, com a apólice nº 3…/15…88, que teve início em 31/10/2011.
X) Na data do acidente, a A25 encontrava-se concessionada à Ré, a qual não tem portagens físicas, nem barreiras físicas, à entrada e saída dos nós.
Y) Os nós da A25 permitem a sua ligação a estradas nacionais ou municipais, que não são vedadas.
Z) As vedações da A25 merecem a prévia aprovação superior por parte do concedente Estado Português.
AA) No dia 21/10/2011, à funcionária da Ré, MFSC, operadora da central de comunicações de tráfego, que estava a fazer o turno das 15.00 às 23.00 horas, na Central de Controlo sita em Aveiro, foi reportado um acidente ao km 44,400 da A25, depois das 20horas, entre o nó de Talhadas e o nó de Reigoso.
BB) No dia 21/10/2011, o funcionário da Ré, BM, oficial de assistência e vigilância, que se encontrava a fazer patrulhamento e a fazer o turno das 15.00 às 23.00 horas, passou no nó de Reigoso às 19.23horas e deslocou-se para o local do acidente às 20.25horas, depois de contactado pela central de comunicações. Durante o seu turno e até ser chamado para o acidente não viu qualquer animal na via.
CC) O funcionário da Ré, JC, oficial de conservação, num dos três dias seguintes ao acidente, verificou o estado da vedação, nos dois sentidos, entre o nó de Talhadas e o nó de Reigoso, e não verificou qualquer anomalia.
DD) Desde o nó de Talhadas e até cerca do km 46/47 existiam barreiras acústicas de betão, cuja altura não é constante, e por detrás, a alguma distância, vedação em rede com um metro de altura e com 5 a 10 cm de arame farpado por cima.
EE) Os patrulhamentos são efetuados pelos funcionários da Ré, em regime de turnos, durante 24 horas de cada dia e em todos os dias do ano.
FF) Entre a Ré e a Interveniente foi celebrado um contrato de seguro, nos termos e conforme o documento nº 3 junto pela Ré com a sua contestação.
*
Factos não provados.
Não se provou que o Autor fosse o proprietário do veículo LB à data do acidente, o Autor não impugnou o documento junto aos autos pela Ré relativo ao requerimento de registo automóvel, tendo apenas o seu Ilustre Mandatário referido em requerimento que apresentou que a declaração de venda original já não existe e que para efeitos de registo pediu nova declaração de venda ao anterior proprietário.
Não se provou a data em que o Autor levou o carro para a oficina da testemunha AV para ser reparado.
Não se provou em que momento o veículo foi reparado, nem o tempo exato da reparação.
Não se provou o período exato em que o veículo LB esteve na oficina da testemunha AV, apesar da fatura de parqueamento da viatura nº 185 junta aos autos e que foi impugnada.
A testemunha AV não soube concretizar o momento que em que o veículo foi para a oficina, nem quando o entregou reparado ao Autor. Além disso, o Autor referiu que esteve dois anos à espera de uma resposta da Ré e, por outro lado, juntou aos autos um documento da Ré, de 26/01/2012, no qual esta disse expressamente, nessa data, que não se considerava de forma alguma responsável pelo sinistro.
Não se provaram quaisquer danos não patrimoniais do Autor.
Não se provou por onde entrou o animal na A25.
*
O Tribunal formou a sua convicção, relativamente à matéria de facto provada, tomando em consideração todas as provas produzidas.
O Autor não impugnou o documento junto aos autos pela GNR com a informação do limite de velocidade no local, nem o documento junto pelo IMTT.
Os restantes factos alegados não foram julgados provados, por não ter sido produzida prova quanto aos mesmos.
*
III — DIREITO
A Recorrida Ascendi coloca, como ponto prévio, questão de correcção de parte da matéria de facto, designadamente, no facto assente C), a expressão “…o veículo do Autor…”, sendo que, à data do acidente o veículo não era propriedade do autor.
Em primeiro lugar vem interposto apenas um recurso, pelo Autor.
A correcção que a Recorrida Ascendi pretende que este Tribunal efectue, de parte da matéria de facto considerada provada, não pode ocorrer nesta sede, a não ser por via de recurso (artigo 627º do CPC e 142 a 142º do CPTA), que não interpôs.
Em todo o caso, em face dos factos pacificamente assentes em T) a W), dúvidas não subsistem de que a referência ao “veículo do Autor”, apenas significa “veículo conduzido pelo Autor”.
Improcede o pedido de correcção.
Quanto ao pedido de rejeição do recurso formulado pela Interveniente AIG, foi o mesmo já apreciado e decidido em 1ª instância, pelo despacho de 22-11-2017, sendo de manter a decisão de admissão do recurso (artigo 641º, nº 5, do CPC).
Vejamos o mérito do recurso, tendo presente que «jura novit curia» (artigo 5º, nº 3, do CPC).
A sentença recorrida, com os demais fundamentos que exibe, concluiu — e não vem posto em causa nem foi objecto de recurso — que «(…) No local do acidente, a A25 estava vedada entre o nó de Talhadas e o nó de Reigoso, vedações que merecem a prévia aprovação superior por parte do concedente (alínea Z) do probatório), e não foi detetada qualquer anomalia na vedação pelo oficial de conservação da Ré (alíneas CC) e DD) do probatório).
Mesmo assim, o animal de raça canina introduziu-se na estrada e foi concausa do acidente (alíneas A), D), E) e J) do probatório).
O local do acidente fica a uma distância do nó de Talhadas de 1,154km e do nó de Reigoso de 5,668km (alínea M) do probatório).
Em concreto, do atravessamento da via pelo animal de raça canina apenas decorre uma presunção de incumprimento de obrigações de segurança pela Ré, competindo-lhe provar o seu cumprimento para se eximir da sua responsabilidade.
Embora a Ré tenha efetuado os patrulhamentos no dia 21/10/2011, a via se encontrasse vedada entre o nó de Talhadas e o nó de Reigoso e a vedação não tivesse qualquer anomalia, não se provou como é que o animal se introduziu na estrada e de onde terá surgido, sendo extensa a A25.
Foi decidido pelo Venerando Tribunal Central Administrativo Norte, em 19/11/2015, no Processo 00217/13.8BEMDL, que com a devida vénia à sua Relatora passo a citar o seu sumário:
“Num caso em que a concessionária não demonstrou que a autoestrada estava efetivamente vedada em condições de segurança e em que não se sabe de onde surgiu o canídeo que inusitadamente se atravessou na faixa de rodagem, a dúvida resolve-se a favor do lesado/utente, de acordo com o preceituado no n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 24/2007, conjugado com o n.º 1 do artigo 350.º do Código Civil.” (vide também Ac. do TCA Norte de 4/12/2015, Processo 00371/13.9BEPRT).
Na esteira da jurisprudência transcrita, na dúvida, é a favor do lesado, e não da concessionária que a questão terá de ser resolvida, à luz do n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 24/2007.
Competia à Ré provar que não houve culpa da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua (parte final do nº 1, do artigo 493º do Código Civil), o que não conseguiu demonstrar. (…)» (nosso sublinhado).
É, pois, pacífico nos autos ter sido ilícita e culposa a actuação da Ré e ora Recorrida, por omissão dos deveres de segurança que sobre si impendiam, nos termos do disposto no citado artigo 12º, nº 1, da Lei nº 24/2007.
No entanto, a acção veio a improceder, mormente pela consideração de que «(…) Já quanto à conduta do condutor do veículo resulta do probatório que circulava em excesso de velocidade, a velocidade permitida no local era de 100km/h e o Autor circulava a 120/130km/h, o Autor circulava a uma velocidade superior à permitida no local.
Dispõe o artigo 24º do Código da Estrada, sob a epígrafe “Princípios gerais” que «1 - O condutor deve regular a velocidade de modo a que, atendendo à presença de outros utilizadores, em particular os vulneráveis, às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente.» (destaques da signatária).
E o artigo 25º, nº 1, alínea h), sob a epígrafe «Velocidade moderada» que «1 - Sem prejuízo dos limites máximos de velocidade fixados, o condutor deve moderar especialmente a velocidade: h) Nas curvas, cruzamentos, entroncamentos, rotundas, lombas e outros locais de visibilidade reduzida;» (sublinhado da signatária).
Em face da matéria de facto provada, conclui o Tribunal que o condutor do veículo não observou o estabelecido nos citados normativos, pois não teve tempo de imobilizar o veículo.
Em suma, o condutor do veículo agiu ilícita e culposamente, concorrendo para a produção do acidente descrito nos autos e para a produção dos danos sofridos. (…)».
Perante os fundamentos do recurso, a questão é, desde logo, a de saber se a culpa pelo acidente dever ser imputada ao condutor do veículo, no caso e concretas circunstâncias, por circular a velocidade superior à permitida para o local, com a consequente exclusão do dever de indemnizar pela Ré.
E, neste plano, o ponto-chave da fundamentação da sentença posta em crise consiste neste argumento (apenas), com invocação dos artigos 24º, nº 1, e 25º, nº 1, alínea h), ambos do Código da Estrada: «Em face da matéria de facto provada, conclui o Tribunal que o condutor do veículo não observou o estabelecido nos citados normativos, pois não teve tempo de imobilizar o veículo.».
Desde já, veja-se que a conclusão do Tribunal a quo não resulta da circulação, pelo Autor, em velocidade acima da permitida para o local per si, mas sim, como ali se mostra exarado, que a inobservância daqueles normativos decorre de não ter tido tempo de imobilizar o veículo.
E se tal conclusão é alcançada «em face da matéria provada» importa volver às concretas circunstâncias do acidente, pois, se a culpa exprime um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente, nas palavras de Antunes Varela, RLJ, ano 102º, pág. 58 e ss., «agir com culpa significa, pois, actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito. E a conduta é reprovável quando pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo». (nosso sublinhado).
Segundo Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas, Coimbra, 2008, pág. 164/165, «a culpa, como fundamento da responsabilidade civil, envolve sempre um juízo de censura que não pode bastar-se com a simples constatação da existência de uma ilegalidade ou de violação de regras de ordem técnica ou de prudência”(nosso sublinhado).
Nos acidentes de viação, o que importa essencialmente determinar, mais do que a violação formal de uma regra de trânsito, é o processo causal da verificação do acidente, ou seja, a conduta concreta de cada um dos intervenientes e a influência dela na sua produção, como sumariado no acórdão do TR Porto, de 26-06-1997, processo nº 9730648.
Ademais, e tendo em mente a relevada velocidade imprimida ao veículo conduzido pelo Autor (120/130 Km/hora), acima do limite de velocidade instantânea para o local (100 Km/hora), diga-se que, tal como verte o acórdão do STJ, de 03-12-2009, proc. nº 1235/2001.S1, «A circulação de um veículo automóvel com velocidade instantânea objectivamente excessiva, em violação de uma norma do Código da Estrada implica, em regra, presunção juris tantum de culpa (negligência), em concreto, do respectivo condutor, autor da contra-ordenação.
Porém, a validade dessa regra ou princípio pressupõe que o comportamento contravencional objectivamente verificado seja enquadrável no espectro das condutas passíveis de causarem acidentes do tipo daqueles que a lei quer prevenir e evitar ao tipificá-las como infracções.
As normas que estabelecem limites de velocidade instantânea em função dos vários tipos de via – art. 27º-1 C.E. - visam genericamente proteger o interesse de circulação com segurança dos vários utentes em atenção à respectiva localização ou características.
A presunção deve ter-se como afastada se, do conjunto das concretas circunstâncias de circulação dos veículos, não resulta que a de a velocidade ser superior ao limite máximo instantâneo em abstracto estabelecido para a localidade interferiu com o círculo de interesses que a norma limitativa da mesma visa proteger.».
A dinâmica do acidente é explanada nos factos assentes em A) a G). Assim:
A) No dia 21/10/2011, cerca das 19 horas e 55 minutos, na A25, ao Km 44,400, concelho de Sever do Vouga, distrito de Aveiro, o veículo ligeiro de passageiros marca F…, modelo M…, com a matrícula xx-xx-LB, conduzido pelo Autor, circulava no sentido Aveiro/Viseu, na via da esquerda, atento o seu sentido de marcha, à velocidade de cerca de 120/130 km/hora, era de noite, estava bom tempo e a visibilidade era boa.
B) Ao Km 44,400 a via é em curva e tem três faixas de rodagem.
C) No dia referido em A), na via mais à direita circulava um veículo pesado, na faixa do meio um autocarro e na via da esquerda o veículo do Autor, que se encontrava a fazer uma manobra de ultrapassagem ao autocarro.
D) Em plena manobra de ultrapassagem, ao referido Km, surgiu à frente do veículo conduzido pelo Autor um animal de raça canina, de médio porte, vindo do lado direito, do qual o Autor não se conseguiu desviar e embateu.
E) O Autor só conseguiu visualizar o animal quando este já estava na frente do veículo.
F) No momento do embate e por razões de segurança, o Autor não colocou o pé no travão e retirou o pé do acelerador.
G) O Autor deixou que o autocarro e o veículo pesado seguissem a sua marcha, tendo depois imobilizado o veículo a cerca de 250 metros do local do acidente junto à berma.
O que se coloca é, não propriamente um problema de culpa, mas, antes, um problema de causalidade, visto que não se cuida de saber se o lesado é responsável pelos danos provenientes dos factos que haja praticado, mas sim se esses factos são consequência do facto por si praticado, se o evento danoso é atribuível à sua actuação.
A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que provavelmente não teriam ocorrido se não fosse a lesão – artigo 563º Código Civil.
É pacífico que o nosso sistema jurídico acolheu a doutrina da causalidade adequada, a qual não pressupõe a exclusividade de uma causa ou condição, no sentido de que esta tenha só por si determinado o dano.
O nexo de causalidade que se exige apresenta-se, a um tempo, como pressuposto da responsabilidade e como medida da obrigação de indemnizar.
Vem-se entendendo que o facto que actuou como condição do dano só não deverá ser considerado causa adequada do mesmo se, dada a sua natureza geral e em face das regras da experiência comum se mostra indiferente para a verificação do dano, não modificando o “círculo de riscos” da sua verificação, tendo presente que a causalidade adequada “não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano” no âmbito da aptidão geral ou abstracta desse facto para produzir o dano.
Serão, pois, as circunstâncias a definir a adequação da causa, mas sem perder de vista que para a produção do dano pode ter havido a colaboração de outros factos, contemporâneos ou não, e que a causalidade não tem de ser necessariamente directa e imediata, bastando que a acção condicionante desencadeie outra condição que, directamente, suscite o dano – causalidade indirecta.
Pode também acontecer que a lesão resulte de duas ou mais causas, que vários factos tenham contribuído para a produção do mesmo dano, isto é, que haja um concurso real de causas, o que sucede, designadamente, quando nenhum dos factos, singularmente considerado, é suficiente, só por si, para produzir o efeito danoso, mas o primeiro é causa adequada do facto que se lhe sucede, praticado por outro sujeito.
Relevará, nessa aferição global da adequação, a necessidade de, num juízo de prognose posterior objectiva, formulado a partir das circunstâncias conhecidas e cognoscíveis de um observador experiente, se poder afirmar que certo facto do lesado, quando em colaboração com outro ou outros, provocaria ou favoreceria a espécie de dano em causa, surgindo este, pois, como uma consequência provável ou típica daquele facto. (Brandão Proença, A Conduta do Lesado como Pressuposto e Critério de Impugnação do Dano Extracontratual, Almedina, 2008, pág. 445).
Assim entendida a questão da causalidade, resta, por referência ao referido juízo de "prognose posterior objectivo" formulado a partir das enunciadas circunstâncias efectivamente conhecidas e cognoscíveis de um observador experimentado, retirar a pertinente conclusão.
Ora, vem definitivamente assente a velocidade instantânea imprimida ao veículo automóvel tripulado pelo Autor infringia o limite máximo fixado para o local, apresentando-se como contravencional, embora o seu valor não haja sido apurado (será entre 20 e 30 Km/hora).
Releva, nessa apreciação, a análise da dinâmica do acidente por forma a surpreender o respectivo processo causal em ordem à determinação da existência de uma única causa ou duas ou mais concausas.
Ora, é certo que o veículo em causa transitava com velocidade instantânea objectivamente excessiva, o que constituindo violação da norma do Código da Estrada implica, em regra, presunção juris tantum de culpa (negligência), em concreto, do respectivo condutor, autor da contra-ordenação.
Porém, a validade da regra ou princípio pressupõe que o comportamento contravencional objectivamente verificado seja enquadrável no espectro das condutas passíveis de causarem acidentes do tipo daqueles que a lei quer prevenir e evitar ao tipificá-las como infracções (cfr., v.g., acs. STJ de 6/1/87 e 7/11/2000, BMJ 363º-488 e CJ VIII-III-104).
Admitido que a existência do canídeo na via, de tal modo que o Autor só conseguiu visualizar o animal quando este já estava na frente do veículo, foi causal do acidente resta saber se a velocidade de 120/130 Km/hora foi concausa do embate, verificando-se um nexo de adequação que permita afirmar que a inobservância do dever legal de circular a velocidade inferior concorreu para o referido embate.
Ora, nas descritas circunstâncias e dinâmica do acidente, não tinha o condutor Autor e ora Recorrente de prever, nem era obrigado a contar com a presença de um canídeo em plena via, ademais, surgindo inopinadamente nas concretas circunstâncias de ultrapassagem, com um veículo pesado a circular pela via mais à direita, um veículo pesado (autocarro) na faixa do meio e, em ultrapassagem deste, por sua vez, o veículo tripulado pelo Autor.
Assim, ausente, como causa do evento, qualquer outra irregularidade na circulação do veículo conduzido pelo Autor, não se demonstra nem vê que a circunstância de a velocidade ser superior em cerca de 20 km/hora ao máximo instantâneo em abstracto estabelecido para o local, interfira, nas concretas circunstâncias de circulação dos veículos, com o círculo de interesses que a norma limitativa da mesma visa proteger, pois nele não se insere a possibilidade de atravessamento da via por canídeos.
De resto, a regra de que o condutor deve adoptar velocidade que lhe permita fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente (artigo 24º do Código da Estrada) pressupõe que não se verifiquem anormais ou factos imprevisíveis que alterem «de súbito» essa visibilidade, como é pacífico na jurisprudência das instâncias superiores.
No caso, não tinha o condutor do veículo em crise de prever, nem era obrigado a contar com a presença — no caso, de surgimento inopinado —, em plena via, de um canídeo.
Concluindo, tal como já se decidiu, em acórdão deste TCAN, de 22-09-2017, processo nº 00106/15.1BEVIS, também neste caso, e na ausência de mais pormenorizada narrativa, não se obtém juízo convicto e convincente quanto à concorrência de contributo do condutor, a modos de reduzir ou excluir a indemnização; pese o que aqui temos como adquirido — , a censura do excesso, a circulação em velocidade instantânea acima da admissível no local em cerca 20 Km/hora —, esse excesso tem uma certa margem de indefinição em que cabe um ultrapassar do limite de velocidade permitido que pode não ter peso de contributo ou pode tê-lo apenas marginalmente, e o Autor só conseguiu visualizar o animal quando este já estava na frente do veículo.
A presunção a que se aludiu deve ter-se, neste caso, como afastada.
O dever de indemnizar por banda dos Réus não se mostra excluído por culpa do lesado.
Procedem os fundamentos do recurso nesta matéria.
A sentença recorrida deve ser revogada.
Vejamos o mais (artigo 149º do CPTA).
No âmbito da responsabilidade civil extracontratual, dispõe o artigo 1º, nº 1, da Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro, que a responsabilidade civil extracontratual do Estado e das demais pessoas coletivas de direito público por danos resultantes do exercício da função legislativa, jurisdicional e administrativa rege-se pelo disposto na presente lei, em tudo o que não esteja previsto em lei especial.
O nº 1 do artigo 3º estipula que quem esteja obrigado a reparar um dano, segundo o disposto na presente lei, deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
Por sua vez, o artigo 7º, nº 1, estabelece que o Estado e as demais pessoas coletivas de direito público são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultem de ações ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, no exercício da função administrativa e por causa desse exercício.
Pressupostos dessa responsabilidade, de acordo com jurisprudência constante do STA, são os estatuídos na lei civil, ou seja, no artigo 483º e seguintes do Código Civil, havendo lugar a responsabilidade civil aí onde se verificarem, cumulativamente, os seguintes pressupostos: O facto ilícito, a culpa, o dano e o nexo de causalidade.
Importa agora, nesta fase, apenas o dano, patrimoniais ou não patrimoniais, e o nexo de causalidade entre a prática do facto (acto ou omissão) e o dano apurado, segundo a teoria da causalidade adequada.
Quanto aos danos.
É pacífico na matéria assente que em consequência do embate, o veículo LB sofreu danos na parte da frente [facto O)] e que a sua reparação ascendeu à quantia de €1.303,80.
Não se provaram quaisquer outros danos, patrimoniais ou não patrimoniais.
Quanto ao nexo causal.
O artigo 563º do Código Civil consagra a teoria da causalidade adequada, devendo adoptar-se a sua formulação negativa correspondente ao ensinamento de Enneccerus - Lehman, segundo a qual a condição deixará de ser causa do dano sempre que seja de todo indiferente para a sua produção e só se tenha tornado condição dele em virtude de circunstâncias extraordinárias.
Assim, perante os factos provados, o nexo de causalidade adequada entre o facto ilícito e o dano é manifesto: É normal, de acordo com a experiência comum, que um canídeo de médio porte que, por incumprimento das obrigações de segurança, pela concessionária, cruze as faixas de rodagem e nesse movimento se atravesse à frente dum veículo automóvel em circulação, provoque, em consequência do embate, danos no veículo.
Finalmente, tendo sido peticionada a condenação do Réu ao pagamento da quantia de 7.572,42€, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, deve a acção proceder parcialmente.
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IV — DECISÃO
Termos em que os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte acordam em conceder provimento ao recurso e, em consequência:
a) Revogam a decisão recorrida;
b) Julgam a acção parcialmente procedente e condenam o Réu ao pagamento ao Autor da quantia de €1.303,80, a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal em vigor desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
Custas por ambas as partes, em ambas as instâncias, na proporção do decaimento (artigo 527º do CPC).
Notifique e D.N..
Porto, 12 de Outubro de 2018
Ass. Hélder Vieira
Ass. Rogério Martins
Ass. Luís Garcia