Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00312/13.3BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/05/2021
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:EMPREITADA - JUROS DE MORA – CCP
Sumário:I- Tratando-se de contrato de empreitada, o dono da obra deve promover a liquidação do preço, notificando o empreiteiro dessa liquidação para efeito do respetivo pagamento, no prazo estipulado [art.º 392º do CCP].

II- À mingua de qualquer previsão em matéria de “(…) prazo estipulado (…)” no âmbito das disposições especiais relativas ao contrato de empreitada de obra pública, é de aplicar [à situação recursiva em análise] a normação estatuída no artigo 299º do C.C.P, no sentido de que o pagamento das faturas deveria ser feito 30 dias após a respetiva entrega.

III- Não sendo possível apurar o quantum a atribuir à Autora, impõe-se condenar a Ré no que se vier a liquidar nos termos do nº 2 do art. 358º e 609º, ambos do C. Proc. Civil.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:C., Lda
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE (...)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I – RELATÓRIO

C., LDA., com os sinais dos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela promanada no âmbito da presente Ação Administrativa Comum intentada contra o MUNICÍPIO DE (...), que, em 27 de maio de 2019, julgou a presente ação parcialmente procedente, e, consequentemente, condenou “(…) a Ré a pagar à Autora o montante de EUR 60.028,18 (sessenta mil e vinte e oito euros e dezoito cêntimos), bem como a pagar os respetivos juros de mora devidos à taxa legal desde a data da citação até integral pagamento (…)”, mais absolvendo a Ré “(…) do demais peticionado (…)”.

Alegando, a Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…)

I. A Recorrente discorda da sentença proferida em 1ª instância que, julgando parcialmente procedente a ação por si instaurada, ainda assim limitou o pedido de condenação da Recorrida ao pagamento de juros de mora, calculados à taxa legal, sobre o valor dos trabalhos executados e não pagos, desde a data da sua citação até efetivo e integral pagamento.
II. Ressalvado melhor entendimento, pensa a Recorrente que a Mmª. Juiz de 1ª instância incorre em erro de julgamento quando concluiu que não dispõem os autos de elementos que permitam determinar o momento da constituição em mora, por referência ao disposto nos normativos que invoca.
III. Efetivamente, a Recorrente concorda com aquele que foi o julgamento da matéria de facto; nessa sequência, mais entende que dele se extrai, com mediana clareza, a constituição em mora da Recorrida, dado que é claro que, cotejando essa factualidade com a prova documental que a sustenta (a qual foi junta pelas partes com os seus articulados, aceite, em particular, pela Ré, na senda da admissão por si feita, e devidamente valorada pelo Tribunal “a quo”), o conhecimento dos autos de medição dos trabalhos e bem assim das faturas emitidas em conformidade.
IV. Não podia ter ignorado o Tribunal de 1ª instância, na formação da sua convicção, ao teor dos pontos 6 a 9 dos factos provados, os quais evidenciam que, de forma posterior à medição dos trabalhos executados, a Recorrida promoveu a pagamentos (parciais) dos trabalhos mencionados, tendo, em conformidade com o documento por esta junta com a sua contestação, recebido inclusive um recibo de tais pagamentos, que menciona uma das faturas apresentadas nos autos.
V. Sendo necessário o cumprimento das obrigações fiscais e bem assim a existência de um elemento documental que suporte a despesa pública, por um lado, e condição para o pagamento das obras executadas a sua medição, nos termos do n.° 1 do artigo 392.° do C.C.P., por outro, mister é concluir que à luz dos elementos existentes nos autos, e bem assim dos factos nele tidos por demonstrados, que a mora da Ré/Recorrida é bem anterior à sua citação para intervir nos autos.
VI. É evidente, por apelo ao teor dos documentos n°s 1 e 2 juntos com a petição inicial, que a medição de trabalhos foi consensual entre as partes, aceitando estas, no momento da assinatura do respetivo auto, a sua total execução conforme documento anexo e o preço respetivo.
VII. Consequentemente, sendo inaplicável ao caso específico o artigo 393.° do C.C.P., a situação vertente é subsumível ao n.° 1 do artigo 392.° do C.C.P., determinando, pois, desde o momento da assinatura do auto de medição a constituição da mora por parte da Ré/Recorrida, o que surge, de resto, em paralelo com a solução consagrada na lei civil.
VIII. De qualquer modo, e ainda que assim não se entendesse, a julgar-se por aplicável ao caso a norma do artigo 299.° do C.C.P., ao arrepio da norma (especial) prevista pelo legislador, e por nós supra aludida, sempre se diga que labora em erro a douta Julgadora recorrida, porquanto dos factos supra cotejados, e dos elementos documentais juntos, por nós supra discriminados, resulta demonstrado o conhecimento das faturas apresentadas desde o dia da sua emissão,
IX. Data esta, de resto, admitida pela não impugnação feita do documento, e bem assim da causa de pedir a ela reportada, pela Ré, o que não foi convenientemente valorado pelo Tribunal “a quo”, violando, assim, o disposto no n.° 2 do artigo 574.° do C.P.C.
X. Ao arredar-se a possibilidade à Autora de ver sancionado o inadimplemento em que incorreu a Ré/Recorrida, ao longo de todos estes anos, que foi retardando o pagamento do remanescente do preço que sabia estar em falta - e que o Tribunal de 1ª instância desta feita reconheceu - naturalmente que se prejudica a aqui Recorrente, na sua esfera jurídica.
XI. E mesmo que tivesse o Tribunal dúvidas sobre o valor exato dos juros de mora, por não estar certo da data concreta da constituição em mora, sempre deveria, por força da ponderação adequada dos factos provados, e da sua relevância para este efeito, remeter a sua quantificação para ulterior execução do julgado (…)”.
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Notificado da interposição do recurso jurisdicional, o Recorrido não contra-alegou.
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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.
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O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior emitiu parecer no sentido da procedência do presente recurso, o que suscitou a resposta da Recorrente que faz fls. 291 dos autos [suporte digital].
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Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
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II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.

Neste pressuposto, a questões essenciais a dirimir resumem-se a saber se a sentença recorrida, ao julgar nos termos e com o alcance descritos no ponto I) do presente Acórdão, incorreu em erro de julgamento de direito, designadamente, por desrespeito do disposto no artigo n.° 1 do artigo 392.° do C.C.P, ou, quando assim não se entenda, do disposto no n.° 2 do artigo 574.° do C.P.C.

Assim sendo, estas serão, por razões de precedência lógica, as questões a apreciar e decidir.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO

O quadro fáctico [e respetiva motivação] apurado na decisão recorrida foi o seguinte:
(…)
Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão da causa, de acordo com as várias soluções plausíveis de direito:
1. A Autora tem como escopo social o exercício da atividade de industrial da construção civil.
2. No âmbito da sua atividade, foi adjudicada à Autora pela Ré, em duas fases, a realização de diversas obras públicas.
3. Foram já executadas as obras referidas no ponto anterior, correspondentes a duas frações, por conta de duas fases de construção, com os valores de EUR 26.600,28 e EUR 48.898,00, totalizando EUR 75.498,28, acrescido de 4.529,90 de IVA, o que perfaz um valor total de 80.028,18.
4. Os trabalhos foram realizados em alturas diferentes a partir de 2009 até meados de 2010.
5. Apenas uma parte daqueles valores foi paga à Autora pela Ré, não obstante as constantes insistências que têm sido feitas junto da mesma pelo gerente da Autora.
6. Em 01.10.2010, a Ré pagou EUR 5.000,00 à Autora.
7. Em 12.11.2010, a Ré pagou EUR 5.000,00 à Autora.
8. Em 06.11.2011, a Ré pagou EUR 5.000,00 à Autora.
9. Em 08.07.2011, a Ré pagou EUR 5.000,00 à Autora.
10. A presidente da junta de freguesia da Ré não teve conhecimento prévio da audiência de julgamento que se realizou em 02.10.2017.
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Factos não provados:
1. Para além dos montantes referidos nos pontos 6 a 9 do probatório, a Ré pagou 10.000,00 à Autora.
2. A Ré acordou com a Autora pagar o preço dos trabalhos efetuados somente no dia 31.12.2014.
3. A Ré acordou com a Autora que os juros a cobrar por esta sobre os seus créditos seriam apenas de 3% ao ano.
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Nada mais foi provado com interesse para a decisão da causa e inexistem quaisquer outros factos não provados com tal relevo, atenta a causa de pedir.
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Motivação da matéria de facto:
A convicção do tribunal quanto à factualidade constante dos pontos 1 a 9 do elenco de factos provados resultou admitida, nos termos do art. 574.°, n.° 2, do CPC, na medida em que constituem factos essenciais que constituem a causa de pedir, não impugnados pela Ré na contestação.
Quanto à factualidade constante do ponto 10 do probatório, a convicção do tribunal resultou das declarações de parte prestadas pela presidente da junta de freguesia da Ré, que declarou sem hesitação a factualidade descrita neste ponto.
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Quanto ao ponto 1 do elenco de factos não provados, não foi produzida prova suficiente a respeito da factualidade alegada.
Foi inquirida a este respeito a testemunha I., que era secretária da Ré à data dos factos, tendo esta testemunha afirmado recordar-se de ter feito pelo menos 2 pagamentos de EUR 5.000,00 cada, mas não se recordando de mais. Ora, a própria Autora admite terem sido efetuados pagamentos num valor global de EUR 20.000,00, pelo que tal depoimento em nada contribuiu para formar a convicção do tribunal no sentido alegado.
De nenhum dos demais depoimentos prestados nos presentes autos resultou o conhecimento do pagamento de quaisquer valores para além dos pagamentos admitidos pela Autora e constantes do probatório.
Assim sendo, a prova produzida não logrou formar a convicção do tribunal no sentido da factualidade alegada.
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Quanto aos pontos 2 e 3 do elenco de factos não provados, não foi produzida qualquer prova a respeito dos factos alegados.
Pelo contrário, a testemunha Maria de Jesus, que era presidente da junta à data dos factos, afirmou que a Ré nunca assumiu juros, nem pagamentos e que nunca assumiu acordos com o empreiteiro. A este respeito, apesar de reconhecer como sua a assinatura no auto de medição constante do documento 1 da p.i., a testemunha afirmou que as obras em causa nos autos eram da câmara, que assumia os respetivos pagamentos.
De nenhum dos demais depoimentos prestados resultou o conhecimento de algum acordo celebrado entre a Autora e a Ré quanto às condições de pagamento, mais concretamente, quanto à data de pagamento ou quanto aos juros aplicáveis.
(…)”.
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Nos termos do artigo 662º do CPC, aplicável ex vi artigos 1º e 140º do CPTA, adita-se a seguinte factualidade:
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11) No âmbito das realização das obras públicas aludidas nos pontos 2) e 3) do probatório, a Autora emitiu em dia não determinado do mês de outubro de 2010 as seguintes faturas: (i) fatura n.º 0619, no montante de € 28,196,30; e (ii) fatura n.º 0620, no montante de € 51,831,88 [cfr. fls. 22, 23, 71 e 72 dos autos físicos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido];
12) Em 08 de julho de 2011, a Autora, aqui Recorrente, emitiu o recibo nº. 0426, a favor da Freguesia de Carlão, no montante de dez mil euros, referente ao pagamento parcial da fatura nº. 0619 referida em 11) [cfr. fls. 37 dos autos físicos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido].
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III.2 - DO DIREITO
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A Autora, aqui Recorrente, intentou a presente ação peticionando o provimento do presente meio processual por forma a ser a Ré condenada a pagar-lhe o montante de EUR 60.028,18, acrescido de juros vencidos no valor de EUR 7.223,53 e de juros vincendos até efetivo pagamento.

O T.A.F. de Mirandela, como sabemos, julgou esta ação parcialmente procedente, tendo condenado “(…) a Ré a pagar à Autora o montante de EUR 60.028,18 (sessenta mil e vinte e oito euros e dezoito cêntimos), bem como a pagar os respetivos juros de mora devidos à taxa legal desde a data da citação até integral pagamento (…)”, mais absolvendo a Ré “(…) do demais peticionado (…)”.

No presente recurso jurisdicional apenas vem sindicada a absolvição da Recorrida do pagamento de juros de mora, e não a condenação da recorrente no montante do capital em dívida, no valor de 32.649.78€.

De facto, patenteiam as conclusões alegatórias que a Autora, aqui Recorrente, insurge-se unicamente quanto ao decidido em matéria de absolvição do pagamento de juros de mora, imputando-lhe erro de julgamento de direito “(…) quando conclui que não dispõem os autos de elementos que permitam determinar o momento de constituição em mora (…)” já que:

(i) “(…) a medição de trabalhos foi consensual entre as partes, aceitando estas, no momento da assinatura do respetivos autos, a sua total execução conforme documento anexo e o preço respetivo (…) consequentemente [sendo] a situação vertente (…) subsumível ao n.° 1 do artigo 392.° do C.C.P., determinando, pois, desde o momento da assinatura do auto de medição a constituição da mora por parte da Ré/Recorrida, o que surge, de resto, em paralelo com a solução consagrada na lei civil [artigo 1211º do C.C.] (…)”.
(ii) “(…) ainda que assim não se entendesse, a julgar-se por aplicável ao caso a norma do artigo 299.° do C.C.P., [sempre] (…) dos factos supra cotejados, e dos elementos documentais juntos, por nós supra discriminados, resulta demonstrado o conhecimento das faturas apresentadas desde o dia da sua emissão, [sendo que] mesmo que tivesse o Tribunal dúvidas sobre o valor exato dos juros de mora, por não estar certo da data concreta da constituição em mora, sempre deveria, por força da ponderação adequada dos factos provados, e da sua relevância para este efeito, remeter a sua quantificação para ulterior execução do julgado (…)”.

Espraiadas as considerações pertinentes da constelação argumentativa do Recorrente, adiante-se, desde já, que a razão está apenas do seu lado no âmbito da segunda motivação supra elencada.

Com efeito, e com reporte para a alegação da determinação do momento de constituição de mora com recurso ao preceituado no artigo 392º do C.C.P., maxime o seu nº. 3, é para nós absolutamente apodítico que a mesma não é de vingar.

Com efeito, analisados os termos em que a Recorrente deduz a sua pretensão de juros, verifica-se que a mesma os contabiliza a partir do momento em que se verifica a aceitação sem reservas por parte do Dono de Obra dos autos de medição de trabalhos e a fixação do valor dos mesmos.

Contudo, olvida a Recorrente que o art.º 392.º do CCP apenas impõe ao Dono de Obra o pagamento ao empreiteiro da importância apurada a seu favor “(…) no prazo estipulado (…)”.

Assim, e à mingua de qualquer previsão em matéria de “(…) prazo estipulado (…)” no âmbito das disposições especiais relativas ao contrato de empreitada de obra pública, é nosso entendimento que sempre é de aplicar à situação recursiva em análise a normação estatuída no artigo 299º do C.C.P., que, de entre outras previsões, estabelecia o seguinte:
“(…)
3 - Constando do contrato data ou prazo de pagamento, os pagamentos devidos pelo contraente público devem ser efetuados no prazo de 30 dias após a entrega das respetivas faturas, as quais só podem ser emitidas após o vencimento da obrigação a que se referem.
4 - O contrato pode estabelecer prazo diverso do fixado no número anterior, não devendo este exceder, em qualquer caso, 60 dias.
(…)”.

O regime consagrado no art.º 299.º do CCP é claro, portanto, no sentido de que o pagamento das faturas deve ser feito 30 dias após a respetiva entrega.

Pois bem, escrutinado o probatório coligido nos autos, facilmente se apreende que a Autora, aqui Recorrente, em razão das empreitadas visada nos autos, a Autora emitiu em dia não determinado do mês de outubro de 2010 as faturas nº. 0619 e 0620 [cfr. ponto 11) do probatório].
Não obstante desconhecer-se a data em que as mesmas foram remetidas à Ré, sabe-se, no todavia, que, nas datas de 01.10.2010, 12.11.2010, 06.11.2011 e 08.07.2011, a Ré procedeu ao pagamento parcial das quantias em dívida [€ 20,000,00], tendo inclusive recebido recibo de quitação da Autora, aqui Recorrente,, no valor de € 10,000,00 referente à fatura nº. 0619 [cfr. pontos 5) a 9) e 12) do probatório].

Sendo estes os contornos fácticos dos quais este Tribunal Superior não se pode desviar, é nosso entendimento que a Ré tem conhecimento da existência de tais faturas, no mínimo, desde a data do primeiro pagamento parcial, ou seja, desde 01.10.2010.

Desta feita, na ausência de cumprimento integral das obrigações pecuniárias relativamente às faturas nº.s 0619 e 0620, impera concluir que a Ré constituiu-se em mora quanto aos montantes em dívida trinta dias passados após em 01.10.2010, nos termos do disposto no artigo 299º do CCP.

Assiste, portanto, à Recorrente o direito ao pagamento de juros de mora, não resultando, todavia, possível o apuramento do valor dos juros devidos.

Deste modo, não sendo possível apurar o quantum a atribuir à Autora, impõe-se condenar a Ré no que se vier a liquidar, nos termos do nº 2 do art. 358º e 609º, ambos do C. Proc. Civil [cfr. neste sentido, o Ac. S.T.A. de 14-03-2002, Rec. nº 43 724].

É que, sempre que estiverem provados os pressupostos da obrigação de pagamento, o Tribunal terá de condenar, mesmo que o processo não forneça elementos para determinar o montante do pagamento, pois não seria admissível que a sentença absolvesse o Réu nesse caso, ou seja, terá de haver uma condenação ilíquida, como resulta do citado nº 2 do art. 609º do C. Proc. Civil [Vd. Prof. Alberto dos Reis, C. Proc. Civil, Anotado, V, pag. 71].

Diga-se ainda que é entendimento da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que a condenação ilíquida tanto é possível no caso de ter sido formulado pedido genérico, como no caso de ter sido formulado pedido específico e não se terem coligido elementos suficientes para se fixar, com precisão e segurança, o objeto ou a quantidade da condenação, entendimento que aqui expressamente se acolhe [cfr. o citado Ac. S.T.A. de 14-03-2002, Rec. nº 43724 e ainda Ac. S.T.A. de 14-05-2002, Rec. nº 410/02].

Pelo que não se pode deixar de concluir que não andou bem a MMª. Juiz a quo julgar de forma diversa.

Consequentemente, impõe-se conceder provimento ao presente recurso jurisdicional, devendo revogar-se a sentença recorrida na parte sindicada, e condenar-se a Ré, aqui Recorrida, a pagar à Autora, aqui Recorrente, a quantia que se vier a liquidar em incidente de liquidação de sentença quanto aos juros de mora dos montantes em dívidas das faturas nº. 0619 e 0620 contabilizados a partir de 01.10.2010.

Ao que se provirá no dispositivo.
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IV – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em CONCEDER PROVIMENTO ao recurso jurisdicional “sub judice”, revogar a sentença recorrida na parte sindicada e condenar-se a Ré, aqui Recorrida, a pagar à Autora, aqui Recorrente, a quantia que se vier a liquidar em incidente de liquidação de sentença quanto aos juros de mora dos montantes em dívidas das faturas nº. 0619 e 0620 contabilizados a partir de 01.10.2010.
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Custas pela Recorrida, ficando esta, porém, exonerada do pagamento da taxa de justiça que seria devida pelo impulso processual nesta instância de recurso, por não ter contra-alegado.
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Registe e Notifique-se.
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Porto, 05 de fevereiro de 2021,

Ricardo de Oliveira e Sousa
João Beato
Helena Ribeiro