Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00059/14.3BUPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/05/2020
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Paulo Moura
Descritores:REDAÇÃO ORIGINAL DO ARTIGO 26.º DO CPPT; MOMENTO DA ENTREGA DE REQUERIMENTO; PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO;
NÃO APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
Sumário:I - O que releva para efeito da redação original do artigo 26.º do CPPT (que vigorou até 31/12/2002), é o facto de se considerar que a apresentação do requerimento reporta-se sempre ao momento em que se dá a sua entrada material nos serviços, sendo irrelevante a data da sua expedição por correio registado, pois apenas vale a data da efetiva entrada do requerimento nos serviços.

II - No caso concreto, tendo o requerimento dado entrada efetiva um dia após o termo do prazo disponível para o efeito, o recurso hierárquico não podia ser conhecido, por intempestivo.

III – Existindo disciplina própria para este efeito no procedimento tributário e no procedimento administrativo, não é admissível recorrer ao regime do processo civil.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:V., LDA.
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

A Autoridade Tributária e Aduaneira, interpõe recurso da Sentença que julgou procedente o Recurso Contencioso de Anulação deduzido por «V., Lda.» contra o despacho do Subdiretor Geral dos Impostos que, por intempestivo, negou provimento ao recurso hierárquico interposto da decisão de indeferimento da reclamação graciosa proferida pelo Diretor de Finanças de Viseu.

Formula nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:
A) O presente recurso jurisdicional vem interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, em 05/04/2014, que julgou procedente o recurso contencioso de anulação interposto por «V., Lda.», contra o despacho do Subdirector-Geral, datado de 28/03/2002, que indeferiu liminarmente, por intempestividade, o recurso hierárquico interposto da decisão de indeferimento da reclamação graciosa proferida pelo Director de Finanças de Viseu, de 02/10/1998.
B) É, pois, contra o entendimento da sentença recorrida de que o recurso hierárquico foi apresentado dentro do prazo de 30 dias previsto no art. 66°, nº 2 do CPPT, porque a data a considerar seria a data do registo de remessa do recurso hierárquico 14/11/2001, e não a data de entrada no serviço de finanças, 15/11/2011 [Cfr. Facto provado sob a al. K)].
C) Consideraria assim o Tribunal recorrido que seria de aplicar ao procedimento tributário a norma especifica contida no nº 2 do art. 26° do CPPT.
D) E ainda que tal norma não existisse e não fosse de aplicar ao caso dos autos o art. 150º do CPC (na redacção em vigor), as normas de procedimento administrativo deverão ser interpretadas à luz do principio "in dubio pro actione", de forma a evitar o excessivo formalismo o que levaria a admitir, supletivamente, a aplicação do regime jurídico previsto no art. 150º, nº 1 do CPC, na sua totalidade, aos casos de remessa de petições, requerimentos, reclamações, ou outros papeis referentes a actos procedimentais, remetidos pelo correio, como permite o art. 79° do CPA, a data da efectivação do respectivo registo postal, vale como a data da prática do acto procedimental em causa.
E) Salvo o devido respeito, ao assim decidir, a douta sentença recorrida fez incorrecta interpretação e aplicação do direito aos factos dados como provados.
F) Com efeito, a douta sentença recorrida consideraria a redacção do nº 2 do art. 26º do CPPT introduzida pelo art. 44° da Lei 32-8/2002, de 30 de Dezembro, (Orçamento do Estado para 2003) que dispõe "No caso de remessa pelo correio, sob registo, de requerimentos, petições ou outros documentos dirigidos à administração tributária, considera-se que a mesma foi efectuada na data do respectivo registo, salvo o especialmente estabelecido nas leis tributárias".
G) Por seu turno, o corpo do art. 26° do CPPT, anteriormente à alteração introduzida pela Lei 32-8/2002, e que passaria para o actual nº 1, dispunha: "Os serviços da administração passarão a ser obrigatoriamente recibo das petições e de quaisquer outros requerimentos, exposições ou reclamações com menção dos documentos que os instruam e da data da apresentação, independentemente da natureza do processo administrativo ou judicial".
H) Ora, uma vez que a redacção dada pela Lei 32-B/2002, de 30 de Dezembro, só entrou em vigor em 2003, ter-se-ia de atender à data da entrada da petição de recurso hierárquico no serviço de serviço de finanças - 15/11/2001 - por ser plenamente aplicável o então disposto no art. 26° do CPPT em vigor à data dos factos.
I) Assim, que, para efeitos da aferição da tempestividade da interposição do recurso hierárquico, relevam as disposições do art. 26° do CPPT na redacção em vigor em 2001 e o art. 80° e seguintes do CPA.
J) O art. 80° do CPA dispõe que “A apresentação de requerimentos, qualquer que seja o modo por que se efectue, será sempre objecto de registo, que menciona o respectivo número de ordem, a data, o objecto do requerimento, o número de documentos juntos e o nome do requerente”.
L) Em consonância, aliás, com o disposto no subsequente art. 81° do CPA que prevê a possibilidade de os interessados exigirem recibo comprovativo da entrega dos requerimentos apresentados, o que, no caso da via postal, ocorrerá com a data aposta no aviso de recepção, cfr. Santos Botelho, América Pires Esteves e José Cândido Pinho, in CPA Anotado, Almedina, 1992, nota ao artigo citado.
M) Assim sendo, porque tempus regit actum, a data atendível para interposição do recurso hierárquico será a data da entrada efectiva no serviço de finanças, 15/11/2001, e não a data do respectivo registo.
N) Por outro lado, salvo o devido respeito, não será de acolher a interpretação plasmada na douta sentença do art. 150° do CPC, à luz do princípio do in dubio pro actione..
O) Como se refere no douto Acórdão do TCA Norte, proferido no processo nº 00334/05.8BEVIS, de 28/06/2012, em situação semelhante à dos presentes autos, o referido art. 150º do CPC na redacção que lhe foi dada pelo DL nº 180/96, de 25 de Setembro, era do seguinte teor: "Os articulados, requerimentos, respostas e as peças referentes a quaisquer actos que devam ser praticados por escrito pelas partes no processo podem ser entregues na secretaria judicial ou a esta remetidos pelo correio, sob registo postal. (sendo a alteração introduzida pelo Dec. Lei nº 183/2000, de 10 de Agosto, por força do Dec. Lei 320-B/2002 só viria a entrar em vigor a 15 de Setembro de 2003 e a situação dos autos reporta-se a 2002. Temos, assim, que esta norma, de acordo com seus dizeres claros e explícitos, apenas é aplicável ao processo, a actos processuais, o que desde logo afastaria a possibilidade de nela incluir os procedimentos por força do disposto no art. nº 2 do Código Civil, que naquela não são incluídos, pelo que, ao seu abrigo, a data em que tal registo foi efectuado na estação dos correios não poderia servir como facto relevante para determinar a prática dentro do respectivo prazo de interposição de tal recurso hierárquico ".
P) Tal interpretação e aplicação do art. 150º do CPC é plenamente transponível para o caso em presença.
Q) É que, contrariamente ao entendimento do principio do favorecimento do processo vertido na douta sentença recorrida, o intérprete e aplicador da lei não pode, sob o pretexto de rejeitar uma interpretação estritamente formalista das normas processuais, afastar as regras da hermenêutica consubstanciadas no art. 9º do Código Civil, devendo outrossim, entre os vários sentidos da norma, aplicar aquele que lhe permita realizar a finalidade do processo, sem cair numa interpretação que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, levando em consideração que as regras processuais, mesmo que adjectivas, existem por razões de segurança da ordem jurídica, da justiça e da eficiência, inclusive, da igualdade de armas e do contraditório.
R) O que significa que o principio antiformalista do princípio do favorecimento do processo não poderá ser um meio para subverter ou tornear a abolição dos prazos e das regras relativas à respectiva contagem.

Nestes termos e nos mais de Direito que V, Exas, Doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao recurso jurisdicional interposto, revogando-se a sentença recorrida, com todas as legais consequências,

A recorrida não contra-alegou.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado procedente.

Foram dispensados os vistos legais, nos termos do n.º 4 do artigo 657.º do Código de Processo Civil, com a concordância da Exma. Desembargadora Adjunta e do Exmo. Desembargador Adjunto.
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Delimitação do Objeto do Recurso – Questões a Decidir.

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respetivas conclusões [vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º CPC, ex vi alínea e) do artigo 2.º, e artigo 281.º do CPPT] são as de saber se o recurso hierárquico apresentado pelo recorrido é ou não tempestivo, em face do regime legal aplicável à data dos factos.
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Relativamente à matéria de facto, o tribunal, deu por assente o seguinte:
«Factos provados:
A) Na sequência de uma ação de inspeção, levada a cabo pelos serviços de inspeção tributária da Direção de Finanças de Viseu à recorrente "V., Lda.", foi emitido o ato de liquidação n.º 8310009979, referente a IRC do ano de 1994 e respetivos juros compensatórios, no montante global de 1.118,79 €.
B) Em 29110/1999, a recorrente apresentou, na 2.ª Repartição de Finanças de Viseu, reclamação graciosa contra o ato de liquidação a que se alude em A), nos termos e com os fundamentos constantes de fls. 2/5 do processo de reclamação graciosa que integra o processo administrativo apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
C) Sobre o requerimento referido em B), foi emitida a informação n.º 1/98, no sentido do indeferimento do pedido formulado pela reclamante - cfr. fls. 3/15 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
D) Através do oficio n.º 7526, datado de 24/08/2001, expedido por correio registado com aviso de receção assinado em 03/09/200 I, foi a recorrente notificada para exercer o seu direito de audição prévia sobre o projeto de decisão a que se alude em C) - cfr. fls. 20/22 do processo de reclamação graciosa que integra o processo administrativo apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
E) Em 14/09/2001, a recorrente apresentou requerimento nos termos do artigo 37.º do CPPT - cfr. fls. 23 do processo de reclamação graciosa que integra o processo administrativo apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
F) Nessa sequência, através do oficio n.º 8782, de 24/09/2001, expedido por f arreio registado com aviso de receção assinado em 25/09/2001, foi a recorrente novamente notificada para exercer o seu direito de audição prévia sobre o projeto de decisão a que se alude em C) - cfr. fls. 25/27 do processo de reclamação graciosa que integra o processo administrativo apenso aos autos, cujo teor: se dá aqui por integralmente reproduzido.
G) A ora recorrente exerceu o seu direito de audição prévia nos termos e com os fundamentos constantes de fls. 28/29 do processo de reclamação graciosa que integra o processo administrativo apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
H) Em 10/10/2001 foi emitida informação/proposta de decisão no sentido do indeferimento do pedido formulado pela reclamante, ora recorrente - cfr. fls. 30 do processo de reclamação graciosa que integra o processo administrativo apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
I) Sobre a informação a que se alude em H), em 10/10/200l, foi exarado despacho de indeferimento da autoria do Senhor Chefe do Serviço de Finanças de Viseu - 2 - cfr. fls. 31 do processo de reclamação graciosa que integra o processo administrativo apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
J) Através do oficio 9903, datado de 11/10/2001, expedido por correio registado com aviso de receção assinado em 15/10/2001, a recorrente foi notificada, na pessoa do seu mandatário, do despacho de indeferimento mencionado em I) - cfr. fls. 32/34 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
K) A recorrente interpôs recurso hierárquico da decisão mencionada em J), nos termos que constam do requerimento endereçado ao Serviço de Finanças de Viseu - 2, por correio registado em 14/11/2001 e rececionado em 15/11/2001 - cfr. fls . 2/3 do processo de recurso hierárquico que integra o processo administrativo apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e fls. 8 dos autos [extrai-se das alegações da entidade recorrida não ser controvertida a aludida data de expedição, mas apenas o seu relevo para se, aferir da tempestividade do recurso hierárquico].
L) Em 25/03/2002, foi emitida a informação n.º 430/2002, da qual consta, para além do mais, o seguinte:
[. . .]
3.2. ANÁLISE DO RECURSO HIERÁRQUICO
• Na sequência da ação de inspeção, através do oficio n.º 11690, de 99/06/08, da Direcção de Finanças de Viseu, foram enviadas, à recorrente, as fundamentações das correções efetuadas, alertando-se que a liquidação do IRC/94 seria, a breve prazo notificada pelos Serviços Centrais da DGCI e que nos termos do artigo 11.º do Código do IRC poderia reclamar ou impugnar a liquidação do imposto com os fundamentos e os termos previstos no Código de processo Tributário, (artigos 97.º e 123.º)
As correções deram origem à liquidação com o n.º 8310009979 no valor de 224.297$ e com data limite de pagamento de 99/08/04 .
• Pela impugnante, em 99/10/29, foi deduzida reclamação graciosa nos termos dos artigos 95 a 97 do CPT e no prazo de 90 dias contados nos termos da al. a) do n.º 1 do art.º 123.º do mesmo Código.
• Por despacho do Senhor Chefe de Finanças, proferido fim 2001/10/10, a reclamação foi indeferida por ser destituída de fundamento.
• Foi feita a notificação, na pessoa do mandatário, através do ofício n.º 9903, de 2001/10/11 em carta registada, (RR 2825 2387 7 PT) com aviso de receção. Este foi assinado em 2001/10/15, advertindo-se de que caso não se conformasse com o referido despacho, poderia, querendo, usar das seguintes garantias alternativas:
"Recorrer hierarquicamente, nos termos e com os efeitos consignados no n.º 1 do art.º 76.º do CPPT.
Esta opção implica que o recurso, dirigido a S. Ex.ª o Ministro das Finanças, deva ser apresentado neste Serviço no prazo de 30 dias a contar da data desta notificação (artigo 66.º n.º 2, do CPPT)".
• Impugnar Judicialmente, ........................................................... . "
• O contribuinte, para atacar o indeferimento da reclamação socorreu-se do recurso hierárquico. Para efeito, entregou, no 2.º Serviço de Finanças de Viseu em 2001/11/ 15, a petição dirigida a S. Exª o Senhor Ministro das Finanças.
• Dado que a notificação do indeferimento da reclamação ocorreu em 2001/10/15 e a petição, recurso hierárquico, dirigida à entidade competente, Senhor Ministro das Finanças, deu entrada nos serviços em 2001/11/15, para além do limite temporal definido no n.º 2 do art.º 66.º do CPPT, afigura-se-me que, por ser extemporâneo, deve o presente recurso ser rejeitado liminarmente.
[. . .]
5 - CONCLUSÕES
O recurso é legal;
O requerente tem legitimidade;
Contudo sou levado a concluir que por ter sido apresentado em 2001/11/15, um dia depois de ter terminado o prazo legal, é intempestivo.
Assim, em face do exposto, propõe-se que seja negado provimento ao recurso por força da sua extemporaneidade" - cfr. fls. 1/6 do processo administrativo apenso aos autos.
M) Sobre a informação referida em L) foi exarado despacho pelo Senhor Subdiretor Geral, datado de 28/03/2002, com o seguinte teor:
"Concordo, pelo que dada a comprovada extemporaneidade do recurso indefiro liminarmente " - cfr. fls. 1 do processo administrativo apenso aos autos.
N) A recorrente foi notificada do despacho a que se alude em M), na pessoa do seu mandatário, através do oficio n.º 005492, de 12/04/2002,expedido por correio registado com aviso de receção assinado em 15/04/2002, com o seguinte teor:
NOTIFICAÇÃO
Artigo 36.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário
Fica V Ex.ª por este meio notificado que, por Despacho de 2002.03.28, foi julgado INDEFERIDO o Recurso Hierárquico da decisão que indeferiu a reclamação graciosa em título, conforme documento em anexo.
Caso não se conforme com a decisão agora comunicada, poderá V Ex.ª, querendo, interpor Recurso Contencioso, nos termos do n.º 2 do artigo 76.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário de 1.ª Instância de Viseu, salvo se, contra a decisão recorrida, já tiver sido deduzida impugnação judicial.
Esclarecimentos adicionais poderão por V Ex.ª ser obtidos no Serviço Local de Finança respetivo onde deverá ser apresentada a petição supra. - cfr. processo administrativo apenso aos autos.
O) A petição inicial do presente recurso contencioso deu entrada na então 2.ª Repartição de Finanças de Viseu em 12/06/2002 - cfr. carimbo aposto a fls. 1 dos autos.
*
A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto provada resultou da análise crítica dos documentos e informações constantes dos autos e do processo instrutor apenso, os quais não foram impugnados e que aqui se dão por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais.».
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Apreciação jurídica do recurso.

A sentença recorrida entendeu que a data da remessa do recurso hierárquico por via postal registada é válida como sendo a data da apresentação desse recurso.
Para esta conclusão suportou-se na redação do artigo 26.º, n.º 2 do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), que equipara a data da remessa pelo correio, sob registo, à data da receção do requerimento, petição ou outros documentos dirigidos à administração tributária.
Conforme dado por assente nas alíneas J) e K) da Sentença, a recorrida foi notificada do indeferimento da reclamação graciosa no dia 15/10/2001 e expediu, por correio registado, o recurso hierárquico no dia 14/11/2001, o qual foi rececionado no Serviço de Finanças no dia 15/11/2001.
O artigo 66.º, n.º 2 do CPPT estabelecia (e ainda estabelece) que o recurso hierárquico deve ser interposto no prazo de 30 dias a contar da notificação do ato que se pretende recorrer.
Ora, 30 dias contados da notificação operada em 15/10/2001, perfizeram-se em 14/11/2001 (correspondeu a uma quarta-feira). Caso não seja de aceitar esta data, então em 15/11/2001, o recurso está fora de prazo, por um dia.
Importa então saber qual o regime jurídico efetivamente aplicável.
A Sentença recorrida louvou-se na redação do n.º 2 do artigo 26.º do CPPT, só que esse preceito não é originário, tendo sido introduzido pela Lei do Orçamento de estado para 2003, ou seja, pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, que entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2003.
Reportando-se os factos ao ano de 2001, tem de ser aplicada a redação originária do artigo 26.º do CPPT, o qual apenas continha o corpo do artigo com a seguinte redação: Os serviços da administração tributária passarão obrigatoriamente recibo das petições e de quaisquer outros requerimentos, exposições ou reclamações, com menção dos documentos que os instruam e da data da apresentação, independentemente da natureza do processo administrativo ou judicial.
O preceito em causa somente refere a data da apresentação, sendo de interpretar que a apresentação é para ser lida no seu sentido literal, ou seja, é quando se apresenta algo diante da administração. Assim, não prevendo o CPPT em 2001, a equiparação da data de remessa de expediente à data da apresentação, não se pode considerar o requerimento apresentado na data em que foi expedido por correio registado. Quando o preceito refere a data da apresentação, significa que é o momento em que se patenteia ou se exibe a pretensão diante da Administração. Desta forma, o momento da expedição, ainda não é a ocasião em que se está a apresentar algo diante da Administração, uma vez que ainda não chegou ao destino.
Mas mesmo que se entendesse poder existir uma omissão, então teria de se aplicar supletivamente o direito subsidiário que o artigo 2.º do CPPT estabelece.
Assim, o artigo 2.º do CPPT prevê a aplicação supletiva de outras normas, nos seguintes termos:
Artigo 2.º (Direito subsidiário)
São de aplicação supletiva ao procedimento e processo judicial tributário, de acordo com a natureza dos casos omissos:
a) As normas de natureza procedimental ou processual dos códigos e demais leis tributárias;
b) As normas sobre a organização e funcionamento da administração tributária;
c) As normas sobre organização e processo nos tribunais administrativos e tributários;
d) O Código do Procedimento Administrativo;
e) O Código de Processo Civil.
Ora, o preceito refere que a aplicação subsidiária deve ter em conta a natureza dos casos omissos. Assim, se o caso omisso dizer respeito ao procedimento tributário, a natureza que lhe está mais próxima é o procedimento administrativo, e não o processo civil. Se a omissão ocorrer no processo judicial tributário, então sim, a natureza mais próxima é a do processo civil.
Desta forma, eventual lacuna do procedimento tributário, sempre teria de ser preenchida pelas normas do procedimento administrativo.
O Código de Procedimento Administrativo tinha um regime idêntico ao do CPPT estabelecido no n.º 1 do artigo 77.º, que dispunha: 1 - Os requerimentos devem ser apresentados nos serviços dos órgãos aos quais são dirigidos, salvo o disposto nos números seguintes.
A jurisprudência sempre interpretou este preceito no sentido de que a data que vale como a da apresentação é aquela em que o requerimento dá efetivamente entrada nos serviços, independentemente de ter sido expedida no último dia do prazo ou até mesmo depois da hora do expediente, quando remetida por via eletrónica ou por fax. E assim se manteve até à publicação do novo Código de Procedimento Administrativo de 2015 (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro), que alterou este regime, admitindo a data da expedição do requerimento (vide artigo 104.º do novo CPA).
Veja-se sobre o assunto, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 12/06/1997, proferido no processo n.º 041009; de 18/06/2009, proferido no processo n.º 0393/08; e de 15/01/1998, tirado no processo n.º 042443 (todos em www.dgsi.pt), transcrevendo-se o sumário deste último:
I - A data que releva para efeitos de interposição do recurso hierárquico é a da efectiva entrada da petição nos serviços da autoridade recorrida ou da autoridade ad quem, sendo irrelevante a data da sua expedição pelo correio.
II - Após a revogação do § 3 do art. 52 do RSTA pelo art. 34 al. a) da LPTA, a rejeição do recurso contencioso de acto proferido em recurso hierárquico interposto fora do prazo já não pode fundar-se, por esse motivo, em extemporaneidade, mas sim em ilegalidade da interposição do recurso contencioso, resultante da irrecorribilidade do acto.

Resulta, ainda que existindo regime próprio, seja para o procedimento tributário, seja por aplicação supletiva do procedimento administrativo, não é permitido o recurso às normas do Código de Processo Civil.
Aliás isso mesmo é referido no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18/06/2009, proferido no processo n.º 0393/08, o qual a dado passo refere o seguinte:
Não pode, assim, retirar-se da alteração introduzida no CPCivil, relativamente ao regime dos actos processuais, argumento para pretender igual disciplina dos actos inseridos em procedimento administrativo.
O CPA tem uma disciplina própria para estes, inexistindo nesta matéria qualquer lacuna de regulamentação, pelo que as citadas normas do CPCivil se não aplicam ao procedimento administrativo.

Para além disso, no caso concreto nenhuma dúvida existe sobre a data da notificação do despacho que não admite o recurso hierárquico, assim como não ocorre dúvida sobre a data da expedição por correio registado, nem sobre a data da efetiva receção do expediente pelo Serviço de Finanças. Assim, inexistindo qualquer dúvida sobre o assunto, para além de nunca poder ser aplicável o regime do processo civil, também não era permitido o julgador socorrer-se do regime in dubio pro actione, uma vez que não existe qualquer dúvida sobre o assunto em apreço.
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Decisão
Termos em que, acordam em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar sentença recorrida e julgar o recurso contencioso improcedente.
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Custas a cargo da recorrida, não sendo devida taxa de justiça nesta instância, por não haver contra-alegado.
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Porto, 5 de novembro de 2020.

Paulo Moura
Manuel Escudeiro dos Santos
Bárbara Tavares Teles