Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00292/11.0BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/06/2012
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA
AUDIÊNCIA PRÉVIA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
PRESSUPOSTOS
ÓNUS DA PROVA
Sumário:I - A decisão sobre o pedido de dispensa de prestação de garantia deve qualificar-se como um verdadeiro ato administrativo em matéria tributária.
II – Atenta a urgência implícita no art.º 170.º do CPPT, cumpre apelar ao regime do artigo 103.º, n.º 1 CPA, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea c) da LGT, de que não há lugar a audiência dos interessados «Quando a decisão seja urgente».
III – O próprio requerimento em que o interessado expõe a sua pretensão de dispensa de prestação de garantia, indicando todas as razões e juntando todos os elementos de prova, desempenha já a função de audiência prévia, não havendo que chamá-lo novamente a participar na formação da decisão dada a regra geral contida no n.º 3 do artigo 60.º da LGT, para aqueles que negam aplicabilidade do art. 103º do CPA.
IV - O acto de indeferimento que contenha as razões de facto e de direito (contendo os fundamentos de pretensão e enquadramento legal que entendeu ser aplicável) pelas quais a Administração Fiscal julgou ser de indeferir o pedido da Requerente de dispensa de prestação de garantia, mostra-se devidamente fundamentado (art. 77º n.º 1 e 2 da LGT).
V - Sobre a requerente da isenção da prestação de garantia incumbe o ónus da prova dos pressupostos contidos no art. 52º nº4 da LGT, não tendo lograr demonstrar o prejuízo irreparável que aquela alegara, não cumpre averiguar se a insuficiência ou inexistência de bens é ou não responsabilidade da requerente, uma vez que o conhecimento desta matéria pressupõe o preenchimento daquela condição.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:C..., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
I - RELATÓRIO
C..., Lda. NIPC 5…, com sede na Rua…, Lageosa do Dão, deduziu reclamação nos termos dos art. 276º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário peticionando a anulação do despacho proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Tondela que lhe indeferiu o pedido de dispensa de garantia e subsequente suspensão do processo de execução fiscal nº 2704201101003330.
No Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu foi proferida sentença, em 29.02.2012, que julgou improcedente a reclamação, decisão com que a reclamante não se conformou, tendo interposto o presente recurso jurisdicional.
Alegou, tendo concluído da seguinte forma:
A. Os presentes autos de reclamação judicial - não obstante seguirem as regras aplicáveis aos processos urgentes, foram-se alongando no tempo até ao corrente ano de 2012, o que leva a que a fotografia tirada à situação contabilístico-financeira da C..., LDA., aquando da apresentação do pedido de dispensa de prestação de garantia, tenha vindo a perder a sua atualidade.
B. A perda de atualidade traduziu-se, no caso da C... - e como, ademais, resultou da prova produzida em sede da recente inquirição de testemunhas -, numa deterioração da sua situação económico-financeira - cf., por exemplo, alínea I) dos factos considerados provados, o atraso de três meses no pagamento dos salários dos seus trabalhadores ou o resultado líquido do exercício de 2009, que ascendeu já apenas cinco mil e quinhentos euros (cf. doc. 5 junto com a petição inicial) ou a diminuição de vendas em mais de 10 milhões no exercício de 2010, constante da demonstração de resultados por naturezas do doc. n.º 1 junto pela Fazenda Pública com o seu requerimento de 11.01.2012.
C. A prestação de mais uma garantia pela C..., a ser possível, causava-lhe, como muito mais lhe causa agora, um prejuízo irreparável.
Da preterição de audição prévia:
D. Conforme se fez notar na petição de reclamação judicial que deu causa aos presentes autos, não foi realizada a audição prévia da C..., LDA. na formação da decisão de indeferimento do respetivo pedido de dispensa de prestação de garantia de que se reclama, quando tal possibilidade de participação se encontra legal e constitucionalmente consagrada – cf. artigos 267.º, n.º 5, da CRP, 60.º da LGT e 45.º do CPPT.
E. Confrontando o pedido de dispensa de prestação de garantia apresentado, é manifesto que a C..., LDA. juntou provas a essa sua petição, sobre cuja apreciação, por parte da Administração Fiscal, tinha o direito de se pronunciar antes de ser proferida decisão final de indeferimento.
F. O contribuinte tem a possibilidade legal (e constitucional) de, conhecendo a apreciação da Administração Fiscal feita sobre as provas apresentadas e/ou produzidas, vir juntar novas provas e novos elementos ou sobre as mesmas se pronunciar, o que a C..., LDA. manifestamente não teve oportunidade de fazer.
G. E não se diga – como o faz o Tribunal a quo - que a celeridade do procedimento de apreciação do pedido de dispensa de prestação de garantia imporá a dispensa de audição prévia, pois que: «II - O despacho que indefere o pedido de dispensa de garantia qualifica-se como verdadeiro ato administrativo em matéria tributária […] pois que a decisão da AT de suspender ou não o processo de execução fiscal por virtude da prestação (ou da dispensa) de garantia implica e determina manifestos reflexos na esfera jurídica da reclamante; III - Em face dessa definição como ato administrativo impunha-se a prévia audição do interessado, de acordo com o estatuído nos arts. 100.º do CPA e 60.º da LGT. – cf. Ac. STA de 14.12.2011 (proc. 01072/11), disponível em www.dgsi.pt.
H. Ao não determinar, in casu, a anulação da decisão de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia por preterição da audição prévia, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 267.º, n.º 5, da CRP, 60.º da LGT e 45.º do CPPT.
Da falta de fundamentação:
I. A decisão de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia proferida pelo órgão de execução fiscal, após fazer uma brevíssima resenha dos fundamentos invocados pela C..., LDA. limita-se, por um lado, a transcrever o teor do ofício-circulado n.º 60077, no que respeita à noção de prejuízo irreparável e irresponsabilidade da executada pela insuficiência ou inexistência de bens suscetíveis de constituir garantia, sem subsumir ou aplicar a sua orientação ao caso concreto ou aos factos invocados pela C..., LDA. constitutivos do seu direito à dispensa de prestação de garantia.
J. E, por outro lado, cinge-se em tecer uma consideração genérica sobre a repartição do ónus da prova, referindo que «o deferimento de qualquer petição depende da prova dos factos constitutivos do direito que o obrigado fiscal – ou a administração tributária – pretende invocar», afirmando, de seguida, sem mais e sem qualquer fundamentação, que: «o que, no caso presente, não se encontra, da ótica destes serviços, cumprido».
K. Não se encontra feita, sequer, qualquer apreciação crítica dos meios de prova produzidos pela C..., LDA. e que acompanharam o respetivo pedido de dispensa de prestação de garantia, respigando, singelamente, uns elementos do ativo constante do balanço junto pela C... (e, curiosamente, sem os contrabalançar com os elementos do respetivo passivo!).
L. O conteúdo da decisão atém-se por uma consideração genérica, vaga e não aplicada ao caso concreto, em relação ao pedido formulado e respetiva prova, que, por isso, em nada fundamenta a decisão de indeferimento e que não poderá senão equivaler a uma falta de fundamentação.
M. Um destinatário normal, perante o teor do ato de indeferimento em apreço e das suas circunstâncias, não fica em condições de perceber o motivo pelo qual se decidiu nesse sentido e não noutro, de forma a poder conformar-se com o decidido ou a reagir-lhe pelos meios legais.
N. Se o pedido de dispensa de prestação de garantia deve ser fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária pelo contribuinte, a decisão que sobre ele versa não pode deixar de apreciar tais meios de prova juntos e respetivos fundamentos de facto invocados pelo contribuinte - o que não sucedeu no caso concreto.
O. Ao considerar que a decisão em apreço cumpria os imperativos de fundamentação, o Tribunal a quo violou o disposto no n.º 3 do artigo 269º CRP, nos artigos 36.º e 37.º do CPPT, no artigo 77.º da LGT e mesmo nos artigos 124.º e 125.º CPA, devendo a sentença proferida ser revogada em conformidade.
Da impugnação da matéria de facto:
P. O Tribunal a quo deu como não provados factos que resultavam provados, com clareza, da prova produzida em juízo, tendo ocorrido um erro na decisão da matéria de facto, que se impugna ao abrigo do disposto no artigo 685.º-B do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT.
Q. Em concreto a alínea A) dos factos não provados resultou provada pelo depoimento da testemunha M… (cf. depoimento gravado a 10:17:40 da sessão de inquirição de testemunhas realizada em 5.12.2011, minuto 00:42:00 da gravação da inquirição), que deverá passar para o elenco dos factos provados, o que aqui respeitosamente se requer, ao abrigo do disposto no artigo 712.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT.
Da insuficiência da matéria de facto dada como provada e não provada:
R. O Tribunal a quo, na fixação dos factos dados como provados ou não provados, não elencou todo um conjunto de factualidade que é relevante para a decisão da causa, na exata medida em que se reporta diretamente aos pressupostos de que depende o deferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia e sobre a qual as testemunhas ouvidas se pronunciaram,
S. O Tribunal a quo selecionou um conjunto de factos – que, ademais, não foram alegados por nenhuma das partes –, olvidando, talvez, muitos outros que, relacionados com tais factos, resultaram claramente provados nos autos, conforme se fez notar em sede de alegações finais escritas, que aqui se dão por integralmente reproduzidas.
T. Em face da prova produzida, nomeadamente, perante a inquirição de testemunhas realizada e em face dos restantes elementos dos autos, impunha-se dar como assente, ainda, pelo menos que:
· Não foram praticados pela C... quaisquer atos voluntariamente dirigidos à diminuição da sua capacidade patrimonial, com ou sem o intuito de diminuir a garantia dos seus credores
– cf. artigo 110.º da petição de reclamação que dá causa aos presentes autos e depoimentos das testemunhas F... (cf. depoimento gravado a 9:39:21 da sessão de inquirição de testemunhas em 5.12.2011) e N... (cf. depoimento gravado a 10:51:45 da sessão de inquirição de testemunhas de 5.12.2011).
· A exigência de mais garantias à C..., com a diminuição do seu teto de crédito e do agravamento da remuneração do mesmo, causa evidentes transtornos para o desenvolvimento da atividade comercial, podendo paralisá-la e conduzir a uma situação de insolvência.
- cf. artigo 65.º da petição de reclamação que dá causa aos presentes autos e depoimento da testemunha F... (cf. depoimento gravado a 9:39:21 da sessão de inquirição de testemunhas de 5.12.2011)
· A alienação dos bens imóveis da C..., ocorrida nos anos de 2005 e 2006, não revestiu um qualquer ato de dissipação de património, estando tal operação de alienação enquadrada no âmbito de uma reestruturação do grupo em que a C... se insere.
– cf. depoimento testemunha F... (cf. depoimento gravado a 9:39:21 da sessão de inquirição de testemunhas em 5.12.2011) e N... (cf. depoimento gravado a 10:51:45 da sessão de inquirição de testemunhas de 5.12.2011) e, bem assim, estudo de reestruturação do grupo, realizado pela consultora Ernst&Young, de julho de 2002 – cf. alínea M) dos factos provados e doc. 2 aqui junto.
· Esta operação de reestruturação já se encontrava a ser discutida e pensada em relação ao grupo de empresas em que se insere a C..., LDA. desde data anterior à entrada da testemunha N... no grupo, que, como o mesmo fez notar, ocorreu no ano de 2002.- cf. depoimento gravado a 10:51:45 da sessão de inquirição de testemunhas de 5.12.2011.
· Os imóveis foram alienados a preços de mercado, tendo a C... recebido o correspetivo preço então pago, conforme fizeram notar as testemunhas F... e N.... - cf. depoimentos gravados, respetivamente, a 9:39:21 e 10:51:45 da sessão de inquirição de testemunhas de 5.12.2011.
· A C... não detém quaisquer bens imóveis - cf. depoimento gravado a 9:39:21 da sessão de inquirição de testemunhas de 5.12.2011, complementado pelo doc. 2 junto pela Fazenda Pública em 11.01.2012 e pelos documentos juntos pela aqui Recorrente no seu requerimento de 30.01.2012
· A situação económico-financeira da C... tem-se deteriorado desde a data da apresentação da petição de reclamação judicial que dá causa aos presentes autos até à presente data.
– cf. depoimento – cf. depoimento das testemunhas F... e M…, respetivamente, a 9:39:21 e 10:17:40 da sessão de inquirição de testemunhas de 5.12.2011.
· A mais antiga das dívidas que se encontra a ser exigida à C... nos múltiplos processos de execução fiscal ao abrigo dos quais lhe está a ser exigida, num só momento, a prestação de garantias remonta ao ano de 2003.
– cf. datas de vencimento constantes da certidão das dívidas fiscais, emitida pelo Serviço de Finanças de Tondela, junta como documento n.º 3 com as alegações finais.
U. Estes factos, conjugados com a restante matéria assente, impunham uma decisão diferente daquela que veio a ser, a final, proferida: impunham a procedência do pedido de dispensa de prestação de garantia por preenchimento legal do requisito de prejuízo irreparável que advém da prestação de mais esta garantia e falta de responsabilidade por tal situação, que ora se requer.
Da prova dos requisitos previstos no artigo 52.º, n.º 4, da LGT:
- a prova da falta de responsabilidade na insuficiência de bens
V. No que se refere a este requisito da falta de responsabilidade na insuficiência de bens, o Tribunal a quo não deu como provado – nem como não provado – que tenha ocorrido qualquer ato de dissipação de património com intuito de diminuir a garantia de credores, o que motivou, aliás, o vício já supra apontado da insuficiência da matéria de facto. Como pode concluir, então, que o requisito da falta de responsabilidade na insuficiência de bens não resultou provado dos autos?
W. Ainda por cima quando a sua convicção se funda:
a) em dúvidas e interrogações colocadas pela Fazenda Pública sobre a alienação de património (dúvidas e interrogações que o Tribunal a quo não concretiza e não leva aos factos provados, nem aos não provados!);
b) em alegações feitas pela Fazenda Pública no qual terá referido «que as vendas não originaram qualquer pagamento mas tão só a liquidação por parte da adquirente de supostos débitos da Reclamante» - cf. nota de fundamentação do facto B) dado como não provado;
c) na pendência de um processo de impugnação pauliana (que se encontra ainda pendente!) em que é colocada em causa a referida alienação de património da C... – cf. inciso final da sentença posta em crise.
X. Olvidou-se, porém, o Tribunal a quo que:
a) As supostas dúvidas e interrogações que a Fazenda Pública aparentemente terá levantado nos presentes autos sobre a alienação do património necessitariam de ser levadas ao probatório para que o Tribunal a quo lhes pudesse atribuir a natureza de factos fundantes da conclusão de que não saiu comprovado o requisito da falta de responsabilidade na insuficiência de bens.
Tais supostas dúvidas alegadas pela Fazenda Pública, que o Tribunal a quo não concretiza sequer, serão apenas um fumus que não foi provado e que, inclusivamente - como adiante demonstraremos - é negado pelos elementos probatórios dos autos.
Desta forma, não poderiam contribuir – como contribuíram, atento o inciso final da sentença ora posta em crise – para fundar a decisão de concluir que não se verifica o preenchimento do requisito de que a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado.
Insista-se: se dúvidas havia ou se dúvidas e interrogações foram supostamente levantadas, impunha-se que se tivesse dado como provado – ou não provado – os factos em que tais dúvidas ou interrogações se consubstanciavam, para que o Tribunal a quo pudesse estribar a sua decisão em tais “factos”.
b) As alegações feitas pela Fazenda Pública não se trata de qualquer facto assente no presente processo, razão pela qual também não podem assumir a qualidade de facto fundante da decisão do Tribunal a quo de considerar que não se verifica o preenchimento do requisito de que a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado.
c) Por fim, e mais gritante, o Tribunal a quo, ao relevar o referido processo de impugnação pauliana - configurando-o como um facto que se mostrou determinante na sua decisão de não ter resultado provado o requisito da falta de responsabilidade na insuficiência de bens e inerente indeferimento da petição de reclamação judicial -, parece olvidar-se que tal processo de impugnação pauliana se encontra ainda pendente de decisão, encontrando-se a C... a demonstrar nesses autos a regularidade da alienação efetuada em 2005 e 2006.
O Tribunal a quo, ao fundar a decisão destes autos na existência de tal processo de impugnação pauliana, parece estar a condenar, desde já e antes da decisão final de tal processo, a C... naqueles autos de impugnação pauliana (substituindo-se, porventura, ao juiz do Tribunal Judicial de Tondela onde pende esse processo de impugnação pauliana), o que não se pode admitir.
Y. O Tribunal a quo, ao relevar a existência de tal processo de impugnação pauliana para concluir, na sentença ora posta em crise, que não saiu comprovado que a insuficiência de património não provém de culpa da aqui Recorrente, configura o objeto da presente reclamação judicial como estando dependente - quanto a este requisito do pedido de dispensa de prestação de garantia -, da questão que se encontra precisamente a ser apreciada nos autos de impugnação pauliana.
Z. Para evitar, inclusivamente, decisões contraditórias ou julgamentos antecipados, impunha-se ao Tribunal a quo que determinasse a suspensão da presente instância, por pendência de causa prejudicial, ao abrigo do disposto no artigo 279.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT, o que, não tendo sido determinado em 1.ª instância, ora se requer a este Venerando Tribunal.
De todo o modo,
AA. Atentos os elementos dos autos e a prova produzida, outra não podia ser a conclusão senão a de que efetivamente não foram praticados atos de dissipação de património e, como tal, a C... não tem responsabilidade pela insuficiência de bens para o efeito.
BB. Do depoimento das testemunhas F... e N... resultou claro que a alienação dos bens imóveis da C..., ocorrida nos anos de 2005 e 2006, não revestiu um qualquer ato de dissipação de património com intuito de diminuir a garantia de credores: tal operação de alienação enquadrou-se no âmbito de uma reestruturação do grupo em que a C... se insere, pretendendo-se com essa operação centralizar os imóveis nas empresas do ramo imobiliário do grupo e concentrar a C... no desenvolvimento do seu core business: o comércio por grosso de vinho.
CC. Esta operação de reestruturação teve por base um estudo elaborado pela consultora Ernst&Young e já se encontrava a ser discutida e pensada em relação ao grupo de empresas em que se insere a C..., LDA. desde, naturalmente, data anterior à elaboração desse estudo – cf. doc. 2 aqui junto
DD. Os imóveis foram alienados a preços de mercado, tendo a C... recebido o correspetivo preço então pago, conforme fizeram notar as testemunha F... e N... – cf. depoimentos gravados, respetivamente, a 9:39:21 e 10:51:45 da sessão de inquirição de testemunhas de 5.12.2011.
EE. Do ponto de vista comercial e de gestão de negócio esta alienação, efetuada já nos distantes anos de 2005 e 2006, mostrou-se vantajosa e plenamente justificada, integrando uma legítima opção de gestão por parte da direção do grupo, pelo que não lhe poderá ser emprestado um qualquer intuito ou conotação com atos de dissipação de bens!
FF. A dívida em questão nos autos remonta ao exercício de 2007, sendo certo que a mais antiga das dívidas exequendas dos múltiplos processos em que se encontra a ser peticionada, num só momento, à C..., a prestação de garantias (em montantes que, só a título de capital, ascendem a 30 milhões de euros), remonta ao ano de 2003 - cf. certidão das dívidas fiscais e respetivas datas de vencimento, junta como documento n.º 3 com a petição inicial;
GG. O projeto de reestruturação em questão, que já vinha sendo idealizado desde data bem anterior e cujo estudo foi apresentado pela consultora Ernst&Young no ano de 2002 – cf. alínea M) dos factos provados -, é bem anterior, pois, tanto à dívida dos presentes autos, como à mais antiga das dívidas em questão.
HH. A operação de reestruturação prolongou-se no tempo até à efetivação, no que aqui interessa, da alienação dos imóveis às empresas imobiliárias do grupo então construído no ano de 2005 e 2006.
II. Qualquer operação de reestruturação, com constituição de um grupo de sociedades, transferências de ativos, obrigações contratuais, questões relativas aos mercados em que as empresas se inserem ou questões relativas aos trabalhadores, demora o seu tempo a ser limada e implementada, prolongando-se por um alargado período tempo, como resulta do mais comum – e do mais esclarecido – dos sensos.
JJ. Não se tem verificado qualquer venda de património da C... desde a referida reestruturação em 2005 e 2006 – cf. depoimento das testemunhas F... (cf. depoimento gravado a 9:39:21 da sessão de inquirição de testemunhas em 5.12.2011) e N... (cf. depoimento gravado a 10:51:45 da sessão de inquirição de testemunhas de 5.12.2011)
KK. Atentando-se no balanço definitivo do exercício de 2009, junto como doc. n.º 5 com a petição inicial, e comparando os valores do ativo líquido da C..., LDA. nos exercícios de 2008 (€84.457.638,45) e 2009 (€89.523.169,97), facilmente se verifica que, de um ano para o outro, o montante do ativo tanto não diminui como, aliás, aumentou!
LL. Não pode senão concluir-se pela inexistência de atos de dissipação de património com o intuito de diminuir a garantia de credores: simplesmente se revela manifestamente insuficiente tudo aquilo que presentemente – e, com efeito, desde há vários anos – a C... tem à sua disposição no seu ativo patrimonial para fazer face ao montante global das quantias exequendas, acrescidas de juros, custas e, ainda, do acréscimo de 25% da soma daqueles valores, cuja garantia lhe está a ser peticionada, ao mesmo tempo (ao longo dos dois últimos anos), nos diversos processos de execução fiscal já referidos.
MM. A prova de um facto negativo traduz-se numa dificuldade acrescida de prova que deverá ter como corolário, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito. (cf., neste sentido, Ac. STA, de 17.12.2008, proferido no processo 0327/08, disponível em www.dgsi.pt).
NN. A C..., Lda. procurou demonstrar este facto negativo através da enunciação de factos positivos, como as razões pelas quais se verifica a insuficiência de tudo aquilo que presentemente a C..., Lda. tem à sua disposição para fazer face a garantias a prestar no valor global das execuções em causa – que ascende a mais de €35.000.000,00 – cf. alínea H) dos factos provados.
OO. A C..., Lda. não praticou quaisquer atos voluntariamente dirigidos à diminuição da sua capacidade patrimonial, não praticou qualquer ato de dissipação de bens existentes no seu património, não diminuiu censuravelmente a garantia dos seus credores;
PP. A prestação de garantias em montantes que rondarão os 45 milhões de euros (relembre-se que, nos termos legais, a garantia é prestada pelo valor do quantia exequenda, juros, custas e acréscimo de 25% da soma daqueles montantes) paralisa a atividade de uma empresa e causa-lhe um prejuízo irreparável ou insolvência.
- a prova do prejuízo irreparável pela prestação de garantia:
QQ. No que se refere à irreparabilidade dos prejuízos decorrentes da prestação de garantias, a C..., Lda., caso não seja dispensada da prestação de garantia, poderá, com grande probabilidade, ser conduzida para uma situação de asfixia financeira e subsequente insolvência.
RR. A C..., Lda. atravessa uma difícil situação financeira.
SS. A C..., Lda. encontra-se a ser executada em diversos processos de execução fiscal que correm termos no serviço de Finanças de Tondela, cujo montante global das respetivas quantias exequendas ascende a cerca de €29.517.726,21 (montante que, caso seja adicionado ao total de juros calculados, ascende a €35.073.038,61), montante este que acresce ao passivo exigível de cerca de €81.552.864,74.
TT. A C..., Lda. prestou já uma garantia bancária, no montante de €3.131.919,55, à ordem do Serviço de Finanças de Tondela, no processo de execução fiscal n.º 2704200701014625, assim, como garantias noutros processos de execução fiscal, num total global de €4.056.467,44 – cf. página 16 do doc. 3 junto com a petição inicial, a alínea G) dos factos provados e doc. 4 junto com a petição de reclamação que dá causa aos autos.
UU. O que por si só é significativo – não pelo número de garantias prestadas, mas pelo montante das garantias prestadas -, sendo revelador da incapacidade da C..., Lda. para prestar mais garantias nos múltiplos processos de execução pendentes e demonstrativo da irreparabilidade do prejuízo que a prestação de outras garantias – se possível – lhe causaria, face ao elevado montante a que ascendem a globalidade das respetivas quantias exequendas – cf. Ac. STA de 2.03.2005, proc. 101/05.
VV. É diferente ter um elevado volume de negócios de ter lucro efetivo ou liquidez (a este propósito, relembra-se que resultou provados nos autos que, por exemplo, no exercício de 2010, a C... teve avultados prejuízos (superiores a um milhão de euros) e, no exercício anterior havia tido um resultado líquido de apenas cinco mil e quinhentos euros - cf. alínea I) dos factos provados e documento n.º 5 junto com a petição inicial.
WW. Ter contabilizadas imobilizações corpóreas num valor próximo dos 5 milhões de euros está longe de significar dispor de bens nesse montante para dar em garantia: confrontando o mesmo balanço (cf. doc. 5), verifica-se que esse montante de ativo bruto traduz-se num ativo líquido de perto de apenas oitocentos mil euros, em termos contabilísticos, para além de que tais imobilizações não consubstanciam quaisquer imóveis, mas benfeitorias realizadas nos imóveis que foram, in illo tempore, alienados e que ficaram contabilizadas na C... e têm vindo a ser amortizadas nos termos legais.
XX. A dispersão temporal dos processos de execução é irrelevante para efeitos da consideração da impossibilidade de prestação de garantia e irreparabilidade do prejuízo que a mesma causa, porquanto na esmagadora maioria desses processos só agora – nos últimos dois anos – tem a C..., Lda. sido notificada para prestar garantia - – aliás, diga-se que os múltiplos processos similares ao presente, que o Tribunal a quo bem conhece e tantas vezes invoca na sentença de que ora se recorre, que se encontram pendentes, são elucidativos de tal facto.
YY. As quantias exequendas dos processos de execução fiscal ascendem a um tal montante global (lembre-se, mais de €30.000.000,00, sendo certo que a prestação das garantias deverá ser feita por este montante, acrescido de juros de mora, custas e do acréscimo legal de 25% da soma de tais valores, tudo nos termos do disposto no artigo 199.º, n.º 5, do CPPT), que é forçoso concluir que, ainda que a C..., Lda. fosse notificada gradualmente para prestar as referidas garantias – o que não sucede, in casu - e não sendo dispensada da prestação das mesmas, com grande probabilidade seria conduzida para uma situação de asfixia financeira e subsequente insolvência – um prejuízo irreparável.
ZZ. A C..., Lda. necessita de recorrer ao mercado bancário para o financiamento da sua atividade (o que é facilmente percetível através das dificuldades de tesouraria evidenciadas no documento n.º 5, donde consta um passivo exigível a curto prazo no montante de €64.568.719,83, quando os créditos que detém a curto prazo, adicionados aos depósitos bancários e disponibilidades em caixa, ascendem à quantia de €47.810.061,62 (€47.042.847,73 + €723.686,73 + €43.527,16), quantia esta aquém do montante das referidas dívidas de curto prazo, as quais só podem ser cumpridas, pois, mediante o recurso ao financiamento externo da tesouraria) e conforme decorre da alínea F) dos factos provados.
AAA. A C..., Lda., caso deixe de ter acesso ao financiamento e às garantias bancárias que usa necessária e habitualmente no seu giro comercial por imposição dos seus fornecedores, obrigatoriamente irá sofrer uma paralisação da sua atividade, o que redundará na sua insolvência.
BBB. A mesma hipótese se colocará caso sejam dados em garantia os bens comercializados pela C..., Lda. – o vinho armazenado, pois que, assim, a C..., Lda. ficaria impossibilitada de efetuar negócios jurídicos sobre os mesmos e a sua atividade comercial ficaria paralisada, o que conduziria inevitavelmente à sua insolvência – um prejuízo irreparável;
CCC. O mesmo sucederia caso fossem dados em garantia os créditos sobre clientes, uma vez que a C..., LDA. necessita de realizá-los de forma a obter fundo de maneio para a sua atividade corrente – novas aquisições de vinhos e honrar compromissos decorrentes de custos com mão de obra, água, eletricidade, combustíveis, transportes, matérias para preparação dos vinhos, e encargos com a remuneração da dívida e com a sua amortização.
DDD. A insolvência da C..., Lda., pela sua própria natureza, como é do conhecimento comum, encerrará um prejuízo manifestamente elevado, de grau não imediatamente apreensível e não computável em termos monetários, preenchendo, sem margem para dúvidas, o conceito de prejuízo irreparável exigido no n.º 4 do artigo 52.º da LGT, pois que para além de sofrer prejuízos incalculáveis, ficará impossibilitada de prosseguir com a sua atividade, ou seja, a atividade da C..., Lda. não poderá ser reposta no seu status quo ante, ficando, de facto, vedado o seu regresso a atividade
EEE. A própria Administração Fiscal, no Ofício n.º 60.077, de 29.07.2010, da DGCI, ao concretizar o conceito de prejuízo irreparável para efeitos do deferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia, explica que: «O caráter irreparável dos prejuízos deve traduzir-se numa situação de diminuição dos proveitos resultantes da atividade desenvolvida pelo executado. Este, em resultado dos encargos financeiros impostos pela prestação da garantia, deixa de poder fazer face aos compromissos económico-financeiros de que depende a manutenção e desenvolvimento da atividade económica por si levada a cabo, o que ocasiona um dano resultante do decréscimo ou interrupção dessa atividade.» [sublinhado nosso].
FFF. Atenta a avultadíssima quantia a que ascendem os diferentes processos de execução - que, aliás, devem ser vistos como um todo, cujas garantias estão a ser exigidas num mesmo momento temporal -, é manifesto que os encargos financeiros decorrentes da prestação de mais uma garantia pela C..., Lda. (quer seja garantia bancária, quer penhor sobre vinho, quer penhor sobre os créditos sobre clientes quer outro), no contexto económico-financeiro da empresa que vimos de explicar, necessariamente impossibilita a C..., LDA. de fazer face aos compromissos de que depende a manutenção e desenvolvimento da atividade económica por si levada a cabo, o que consubstancia, sem margem para dúvidas, uma situação de prejuízo irreparável que, nos termos legais, justifica a dispensa de prestação de garantia que se requer.
GGG. Ao não deferir a pretensão da Reclamante, o Tribunal a quo fez tábua rasa da prova produzida em juízo pela C..., Lda. que, inevitavelmente, conduzem a uma decisão diferente daquela que veio a ser proferida, violando o disposto no artigo 52.º, n.º 4, da LGT.
Termos em que, deve o presente recurso proceder, revogando-se a sentença recorrida.
A Fazenda Pública não contra-alegou.
O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
Com dispensa de vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr. artigo 707º, nº 4 do Código de Processo Civil e artigo 278º, nº 5 do Código do Processo e do Procedimento Tributário), o mesmo é submetido à Secção do Contencioso Tributário para julgamento do recurso.
II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sendo que importa decidir:
Ø Se o Tribunal recorrido errou no julgamento de direito realizado ao não anular a decisão da Administração Fiscal por violação do direito da recorrente a ser ouvida previamente à prolação daquela decisão;
Ø Se o Tribunal recorrido errou no julgamento de direito ao ter decidido que no caso concreto a decisão de que se reclamava se encontrava devidamente fundamentada;
Ø Se o Tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento da matéria de facto;
Ø Se o Tribunal recorrido errou o julgamento de direito ao considerar que a reclamante ora recorrente não fez prova dos pressupostos de que depende a dispensa da prestação da garantia.
III – FUNDAMENTAÇÃO
III -1. O Tribunal a quo deu como assente a seguinte matéria de facto:
A) O Serviço de Finanças de Tondela, com base em certidão de dívida respeitante a IRC do ano de 2007, no montante global de €536 018,36, instaurou, em 2011-03-31, contra a ora Reclamante, o processo de execução fiscal n.° 2704200501001043, cfr. cabeçalho da reclamação constante de fls. 51 e segs. e fls. 3 e 4, ambos destes autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido o mesmo se dizendo dos demais documentos infra referidos;
B) Ao ser citada para a execução vinda de referir, em 2011-04-07, a Reclamante alegando ter apresentado, naquele dia, impugnação a discutir a legalidade da liquidação originadora da quantia exequenda, requereu a isenção da prestação de garantia alegando:
- que pretende suspender os presentes autos de execução até à prolação de uma decisão judicial transitada em julgado, sendo que a mera apresentação daquele processo não tem por si só efeito suspensivo;
- dificuldade no acesso ao crédito bancário pois que no seu giro diário exige financiamento bancário sendo que uma eventual prestação de garantia só iria enfraquecer a sua posição junto da banca;
- já prestou garantias no valor global superior a € 4 000 000,00 não permitindo a sua situação patrimonial prestar mais garantias e se tivesse que as prestar outro caminho não restaria que não fosse o de se apresentar à insolvência;
- por força de uma divergência com o IFAP e IVV encontra-se a ser executada noutros processos cujo montante global ascende a cerca de € 29 517 726,21;
- não ter qualquer responsabilidade na “insuficiência ou inexistência de bens” cfr. fls. 5 a 42;
C) O Órgão de Execução Fiscal, por despacho proferido em 18 de maio de 2011 indeferiu o pedido com os fundamentos, por um lado, da falta de produção de prova da irreparabilidade do prejuízo causado à executada e, por outro, da falta de produção de prova da irresponsabilidades da executada pela situação de insuficiência/inexistência de bens e dispensou a audiência prévia da Requerente por entender que a situação é enquadrável na previsão da Circular nº 13/99 porque a Administração Fiscal se limitou a apreciar os factos dados pelo contribuinte e a fazer a interpretação das normas legais aplicáveis ao caso, vide fls. 47 e 48;
D) Despacho notificado à Reclamante em 20-05-2011 e que originou a reclamação aqui em apreciação, apresentada, via correio em 30-05-2011, a qual, no fundamental, retomou a argumentação do requerimento referido em C), cfr. fls. 51 a 138 dos presentes autos;
E) Atualmente, por força da conjuntura económica, o acesso ao crédito bancário é difícil e mais caro do que se verificava até fins de 2009, princípio de 2010. Para além de ser, na generalidade em que está formulado, um facto notório, o mesmo foi também afirmado pelas testemunhas 1ª e 2ª, respetivamente TOC e escriturária da Reclamante;
F) A Reclamante necessita de recorrer ao mercado bancário para o financiamento da sua atividade, mormente, no que respeita à aquisição de vinhos e outras matérias-primas necessárias à sua laboração, que realiza no mercado Espanhol. Facto referido pelas duas já aludidas testemunhas, mas sem especificarem valores de forma a possibilitar a efetiva repercussão na Reclamante. Sempre se dirá que neste caso mais consolidada e concreta prova se obteria pela via documental pois a 1ª testemunha afirmou que a contabilidade de Reclamante está organizada de molde a fornecer elementos contabilísticos atualizados, num prazo máximo de 15 dias;
G) Tal como já se aludiu em C) a Reclamante já prestou, noutro processo executivo, garantias no valor global de € 3 131 919,55; outra garantia bancária prestou no montante de € 93 574,82 e, para além das referidas, outras garantias não bancárias prestou num total superior a € 800 000,00, vide depoimento da 1ª testemunha e fls. 35;
H) Em janeiro de 2011 a Reclamante tinha pendentes processos de execução fiscal cujo total (quantia exequenda + juros de mora e custas) ascendia a €35 073 038,61, sendo que desta quantia cerca de €10 000 000,00 respeitam a taxas idênticas às em causa nestes autos e, mais de € 17 000 000,00 a subsídios, cfr doc. de fls. 19 a 35;
I) A Reclamante no ano de 2010 apresentou prejuízos superiores a um milhão de euros sendo que nos anos anteriores, pelo menos de 2005 a 2009 apresentou resultados positivos. Os seus trabalhadores só em novembro de 2011 receberam os salários de agosto, setembro e outubro. Estes factos resultaram do depoimento das duas 1ªs testemunhas, ambas funcionárias da Reclamante. Tal como se disse em F) estes factos mais consolidados poderiam resultar se a Reclamante fornecesse, com se demonstrou que o podia fazer, elementos da sua contabilidade. Se a situação é tão débil não seria difícil demonstrá-lo contabilisticamente pois a mesma não pode deixar de ter relevância a esse nível. Relativamente aos resultados positivos a factualidade resultou do conjunto dos processos similares ao presente;
J) A diminuição das vendas é situação que se vem verificando desde há cerca de dez anos, cfr. depoimento da 2ª testemunha a qual trabalha para a Reclamante há cerca de 30 anos assumindo-se como secretária da gerência;
K) Ao nível das vendas realizadas pela Reclamante o mercado interno e o externo assumem um peso relativo idêntico ou seja cerca de 50% para cada um sendo que apenas no mercado interno se vêm colocando problemas de cobrança junto dos clientes, cfr. depoimento das duas primeiras testemunhas, fundamentalmente da segunda;
L) No âmbito de uma reestruturação do grupo de empresas em que a Reclamante se insere, nos anos de 2005 e 2006 verificou-se a alienação de imóveis daquela, os imóveis onde se situam as suas instalações, bem como vinhas, o laboratório, etc., a uma empresa do ramo imobiliário do mesmo grupo, atingindo as alienações um valor total superior a € 2 000 000,00 (dois milhões de euros) cfr. depoimento das três testemunhas, sendo que a terceira é trabalhadora da imobiliária que terá sido a adquirente dos referidos bens. Também neste caso se dirá que uma consolidação da factualidade vinda de referir se deveria ter realizado pois que, para além do que se disse nas outras alíneas, quanto à referida alienação a Reclamante tinha a especial obrigação de ter disponível uma documentação de tais negócios pois que os mesmos estão a ser judicialmente apreciados em sede de impugnação pauliana que corre termos no Tribunal Judicial de Tondela;
M) A solicitação da Reclamante a Ernst & Young apresentou estudo realizado em meados de julho de 2001 onde apontou soluções de reestruturação para Aquela e respetivo grupo empresarial em que se insere, vide depoimento da 3ª testemunha e doc. que a Reclamante juntou em sede de inquirição em processo conexo e que, se necessário, juntará cópia aos presentes autos;
N) Apesar da alienação vinda de referir no balanço de 31 de dezembro de 2009 a Reclamante ainda apresentava imobilizações corpóreas num valor próximo dos € 5 000 000,00, cfr. o já aludido balanço constante de fls. 129 a 131;
O) O grupo em que a Reclamante se insere integra cerca de dez sociedades englobando entre outras sociedades imobiliárias, vide o depoimento das 3 testemunhas e o estudo aludido em M).
Factos Não provados
A) Que tenha havido recusa de pedidos de garantia bancária. As duas primeiras testemunhas, as únicas que se pronunciaram sobre o encarecimento e dificultação do crédito bancário não referiram situações de recusa;
B) O valor exato das vendas referidas em N) dos factos provados, o tempo, o modo e o como foi o respetivo preço recebido. Não olvido que as testemunhas, nomeadamente a 1ª referiu que o preço foi recebido mas é uma mera afirmação que podia e devia ser complementada, consolidada com prova documental. Podia e devia pois que, por exigência legal os referidos negócios tiveram tradução documental e tiveram que ser relevados contabilisticamente. Como supra se disse porque são factos em discussão na Impugnação Pauliana mais se exigia à Reclamante que, com prontidão pudesse obter e juntar aos autos os referidos elementos. A Reclamante, que tanto apela para os valores em causa, trata com tanta ligeireza da comprovação destes factos que, por razões não esclarecidas, não juntou qualquer documentação que atestasse o quando, o quanto, o como do recebimento pela Reclamante do preço. E mesmo quanto ao valor o depoimento das testemunhas para além de impreciso deixou dúvidas sobre o total dos valores envolvidos sendo que seriam superiores a dois milhões de euros mas a dada altura porque distinguiram os imóveis onde estão as instalações da Reclamante e as vinhas e que o valores destas e daqueles seria aproximado ficando a ideia de que podemos estar perante um valor superior a quatro milhões em vez do superior a dois milhões; ainda a propósito do preço atente-se que a Fazenda Pública nas suas alegações referiu que as vendas não originaram qualquer pagamento mas tão só a “liquidação por parte da adquirente de supostos débitos da Reclamante”; por outro lado relembra-se que a1ª testemunha afirmou que a contabilidade de Reclamante está organizada de molde a fornecer elementos contabilísticos atualizados, num prazo máximo de 15 dias, vide notas de fundamentação da al. F). Há a capacidade para fornecer mas não houve a vontade de esclarecer e documentar efetivamente o que alegou;
C) Que as vendas referidas em N) dos factos provados tenham resultado do estudo aludido em O) daqueles factos. Temos presente que o depoimento da 3ª testemunha aponta nesse sentido mas como compreender que entre ele as vendas tenham decorrido cerca de três anos. A factualidade registada não significa que não possa haver alguma ligação mas entendemos que os autos não fornecem elementos suficientes para afirmar uma decorrência direta e necessária entre aquelas e o estudo;
D) Apesar do descrito em I) dos factos provados não se apurou a concreta razão do não recebimento atempado dos salários dos meses de agosto, setembro e outubro do ano de 2011. Sei que as Testemunhas, principalmente as duas primeiras, aludiram a uma relação de causa efeito entre os resultados negativos, a diminuição de vendas e a dificuldade na cobrança dos créditos mas como compreender que as vendas estão a diminuir desde há cerca de dez anos e isso tem sido compatível com a obtenção de lucros pelo menos entre 2005 a 2009; os prejuízos ocorreram em 2010 e o atraso no pagamento dos salários é de 2011. Em 2011 há perspetivas de lucro ou prejuízo? O referido atraso pode ter resultado de dificuldades de tesouraria meramente temporárias ou de muitas outras razões.
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão.
À fundamentação dos factos provados e não provados aditou-se, na douta sentença recorrida, a seguinte motivação:
«A factualidade assente, factos provados e não provados, resultou dos elementos probatórios referidos em cada alínea, não esquecendo a sua análise crítica e concatenada. Também dos referidos elementos resulta, aqui expressamente se realçando, a estranheza, a incompreensão, pelo facto de a Reclamante não apresentar elementos documentais da sua situação contabilística, nomeadamente juntando aos autos os elementos atinentes às alienações de imóveis ocorridas em 2005 e 2006; a contrapartida obtida pela Reclamante; elementos contabilísticos pelo menos do ano de 2010. Até parece que estamos a falar de uma vulgar mercearia de bairro que não possui contabilidade organizada quando efetivamente estamos a falar de uma das sociedades Portuguesas líder da venda de vinho a granel. A propósito veja-se o já aludido estudo da Ernst & Young.
A Reclamante põe ênfase especial na produção da prova testemunhal mas parece olvidar que possui elementos documentais que poderiam esclarecer melhor a sua situação económica e consequentemente dos fundamentos do seu pedido de dispensa de garantia. Elementos que, legalmente deveria juntar a instruir o seu pedido de dispensa de garantia, apresentado ao Órgão de Execução Fiscal. Ao se limitar a, da sua contabilidade, apenas apresentar um balanço datado de 31.12.2009, nunca referindo dificuldades em obter e juntar tais elementos, parece que não está interessada em que a sua efetiva situação contabilística seja conhecida.».
III.2. DE DIREITO
C..., Lda., Ld.ª veio nos termos do disposto no art. 276º e seguintes do CPPT pedir anulação do despacho proferido pelo Chefe de Serviço de Finanças de Tondela que lhe havia indeferido o pedido de dispensa de prestação de garantia e subsequente suspensão do processo de execução fiscal n.º 2704201101003330. Sustenta, em suma, que tal decisão causará um prejuízo irreparável para a Reclamante dado que, no conjunto das execuções que sobre si pendem, estão em causa quantias que ascendem a um total de quase € 30.000 000,00, a exigência deste volume de dinheiro conduziria a empresa, necessariamente, a uma situação de insolvência irrecuperável; as execuções não podem ser objeto de apreciação individual mas como um todo; o balanço comprova a debilidade económico-financeira e permite concluir que a exigência de garantias em todos os processos conduziria a empresa a uma insolvência irreversível, por último não ter qualquer responsabilidade na “insuficiência ou inexistência de bens para a prestação de garantia.
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu julgou improcedente a Reclamação do ato do órgão de execução fiscal apresentada pela ora recorrente, considerando que relativamente ao vícios do ato, preterição da audiência prévia e falta de fundamentação, que os mesmos não se verificavam, e bem assim que a mesma não logrou provar a existência dos pressupostos vertidos no art. 52º n.º 4, da LGT e nos art. 170º, n.º 3 e 199º, n.º 3, do CPPT, designadamente do prejuízo irreparável.
Conforme deixamos indiciado no ponto II deste Acórdão – aquando da enunciação das questões a decidir, cumpre saber se o Tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento da matéria de facto e errou o julgamento de direito ao considerar que não se verificavam os vícios assacados ao ato reclamado, de preterição de audiência prévia e falta de fundamentação, e que a reclamante ora recorrente não fez prova dos pressupostos de que depende a dispensa da prestação da garantia.
2.1. O direito de audiência prévia
Defende a recorrente que antes de decidir sobre o pedido de dispensa da prestação de garantia, o órgão de execução fiscal deveria ter dado a oportunidade à ora recorrente de se pronunciar sobre o projeto de decisão, sob pena de violação do preceituado nos artigos 267.º, n.° 5 da Constituição da República Portuguesa, 60.° da Lei Geral Tributária e 45.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
O Tribunal recorrido negou razão à recorrente.
Esta questão, a da obrigatoriedade de audiência prévia à decisão sobre o pedido de dispensa de garantia foi já tratada por este Tribunal Central Administrativo Norte nos acórdãos de 18.04.2012, in processo n.º 414/11.0BEVIS e de 24.05.2012, in processo n.º 293/11.8BEVIS, em que a recorrente é a mesma deste processo e a decisão recorrida, na parte transcrita, praticamente idêntica à daqueles processos. Assim, não se vislumbrando para divergir do aí decidido acolhe-se, com as necessárias adaptações à situação destes autos a fundamentação aí expressa que se transcreve:
«…tem vindo a ser proferidas diversas e profundas decisões sobre a questão em apreço por parte do Supremo Tribunal Administrativo, perfilando-se claramente duas posições ou correntes cujos fundamentos não podemos deixar de considerar e a imporem, por essa razão, que façamos uma nova reflexão de molde a, se necessário, conformarmos a decisão que nestes autos entendamos dever tomar.
Assim, para parte da jurisprudência do STA, a realização da audiência prévia, tal como a mesma se encontra prevista no art. 60º da LGT, não tem aplicação no âmbito de procedimentos iniciados com o pedido de dispensa de prestação de garantia por tal preceito lhes não ser aplicável; para outros, embora tal preceito não deva ser afastado, por ser aplicável aos procedimentos em questão, pode e deve expressamente ser desaplicado sempre que se verifique a necessidade de proferir uma decisão urgente, como é o caso da decisão a proferir sobre um pedido de dispensa de prestação de garantia que tenha por objetivo ou finalidade a suspensão da execução fiscal.
No recentíssimo Acórdão do STA de 7 de março de 2012, relatado pelo Exmo. Conselheiro Lino Ribeiro, vingou a primeira das teses supra resumidamente referenciadas, sumariando-se que «I - O sentido da norma do artigo 103° da LGT é o de que a execução fiscal atua através da forma de processo, entendido como um conceito moldado a partir do modelo que fornece o processo judicial, e não através da forma de procedimento administrativo, entendido como modo de realização do direito administrativo. II - A circunstância dos atos executivos poderem ser praticados por um órgão administrativo não lhe retira a natureza de processo nem o transforma parcialmente em procedimento administrativo. III - Daí que, os atos materialmente administrativos praticados na execução fiscal pelos órgãos da administração tributária sejam os que definem posições subjetivas processuais e que por isso se caracterizam por uma natureza formal ou instrumental. IV - Pelos efeitos produzidos, o ato de indeferimento do pedido de isenção da prestação de garantia é um ato predominantemente processual: faz cessar o efeito suspensivo da execução iniciado com o pedido de isenção, procedendo-se de imediato à penhora ou à compensação de dívidas (cfr. n°2 do art. 169° n° 1 do art. 89° do CPPT). V - Por isso, à formação desse ato processual não se aplicam as regras do procedimento tributário, designadamente a do artigo 60° da LGT.».
Num outro Acórdão do mesmo Douto Tribunal, também ele recente (de 23-2-2012) e relatado pela Exma. Conselheira Dulce Neto foi outra a tese que obteve vencimento, aí se concluindo pela aplicabilidade do art. 60º da LGT, em abstrato e por principio, sem prejuízo do seu inevitável afastamento se razões de urgência do procedimento se impuserem.
Sem prejuízo de posterior reflexão ou determinação legal determinar que no futuro a posição que ora entendemos rever seja alterada, é a tese daquele Acórdão de 23-2-2012 que entendemos perfilhar e que por ser inteiramente aplicável à situação dos autos, não prescindimos, pela clareza da exposição evidenciada, de transcrever:
«(…)
A questão que se coloca no presente recurso jurisdicional é a de saber se a decisão recorrida enferma de erro de julgamento em matéria de direito ao ter considerado que o órgão da execução fiscal tinha o dever de observar a formalidade prevista no artigo 60.º da Lei Geral Tributária (audição prévia) antes da prolação da decisão de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia formulado pela executada no âmbito do processo executivo, e ao ter julgado que a falta de observância desse dever determinava a anulação dessa decisão de indeferimento que constitui o objeto da presente reclamação. O que passa, necessariamente, por saber se é ou não aplicável ao processo de execução fiscal o princípio da participação previsto no artigo 60.º da Lei Geral Tributária, tendo em conta que, como resulta dos autos, é incontornável que o órgão de execução indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia apresentado pela executada sem que lhe tivesse dado a possibilidade de se pronunciar sobre o teor da decisão que veio a proferir.
Vejamos.
Como se sabe, o direito à audiência que o artigo 60.º da Lei Geral Tributária consagra sob a epígrafe de “princípio da participação” constitui uma concretização do direito de participação dos cidadãos na formação das decisões proferidas em procedimentos tributários que lhes digam respeito, garantido pelo artigo 267.º nº 5 da Constituição da República, e que visa assegurar-lhes uma tutela preventiva contra lesões dos seus direitos ou interesses legítimos, razão pela qual deve ser assegurado o exercício desse direito antes, designadamente, do “indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições”. Trata-se, em suma, do direito que assiste aos contribuintes interessados de serem ouvidos num determinado procedimento tributário, antes de ser proferida a decisão, com vista a garantir a observância de princípios que regem a atividade procedimental no plano da relação jurídica tributária e que impõem a participação e a transparência procedimental, pilares fundamentais de um Estado de direito.
Deste modo, sempre que se esteja na presença de um procedimento tributário há que permitir a participação dos cidadãos nas decisões que lhes digam respeito, de modo a que possam contribuir para um cabal esclarecimento dos factos e para uma mais adequada e justa decisão, sob pena de preterição de uma formalidade legal conducente à anulabilidade da decisão (a menos que seja manifesto que a decisão só podia, em abstrato, ter o conteúdo que teve em concreto, sabido que os vícios de forma não impõem, necessariamente, a anulação do ato, pois as formalidades procedimentais essenciais degradam-se em não essenciais se, apesar delas, foi dada satisfação aos interesses que a lei tinha em vista ao prevê-las).
Neste contexto, se o processo de execução fiscal fosse um procedimento tributário não teríamos dúvidas em afirmar a aplicabilidade do artigo 60.º da Lei Geral Tributária.
Todavia, o processo de execução fiscal constitui, perante a lei fiscal portuguesa, um processo judicial (entendido como meio ou instrumento de que se vale o Estado para exercer a função judicial, e que compreende uma sucessão ordenada de atos concatenados para a obtenção de um determinado fim processual, que constituem o procedimento processual) e não um procedimento tributário (Na noção legal contida no artigo 54.º da Lei Geral Tributária o procedimento tributário compreende toda a sucessão de atos dirigida à declaração de direitos tributários.) ou um procedimento administrativo (Na noção legal contida no artigo 1.º do Código de Procedimento Administrativo o procedimento administrativo é a sucessão ordenada de atos e formalidades tendentes à formação e manifestação da vontade da Administração Pública ou à sua execução.), constituindo, pois, o meio processual utilizado pelo Estado para arrecadação das receitas previstas no artigo 148.º do CPPT que não tenham sido pagas durante o prazo de pagamento voluntário, originando a execução do património do devedor através da atuação, ainda que “tutelar”, de um tribunal tributário, que é um órgão do poder judicial.
Com efeito, o artigo 103.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária estipula expressamente que o processo de execução fiscal tem natureza judicial, sem prejuízo da participação dos órgãos da administração tributária nos atos que não tenham natureza jurisdicional e aos quais compete «instaurar os processos de execução fiscal e realizar os atos a este respeitantes, salvo os previstos no n.º 1 do artigo 150.º do presente Código» [artigo 10.º, n.º 1, alínea f), do CPPT], ficando, assim, reservado aos tribunais tributários a apreciação e decisão sobre «os incidentes, os embargos, a oposição, incluindo quando incida sobre os pressupostos da responsabilidade subsidiária e a reclamação dos atos praticados pelos órgãos da execução fiscal» [artigo 151.º, n.º 1, do CPPT].
O que significa que, apesar de serem possíveis dois sistemas para cobrança coerciva de dívidas tributárias – o sistema judicial e o sistema administrativo (este vertido num mero procedimento administrativo através do qual a Administração executa o património do devedor suportada em poderes executivos próprios e exclusivos, que brotam do seu poder de autotutela executiva, e que foi acolhido, por exemplo, no ordenamento jurídico espanhol – cfr. artigo 129.º da Lei General Tributaria) – foi clara a opção do legislador português pelo sistema judicial, atribuindo expressamente essa natureza ao processo de execução fiscal, o qual vai, assim, decorrer sob a “tutela” de um juiz tributário, a quem compete, ainda que através da via de reclamação no próprio processo pelos interessados, através da via do incidente inominado (Incidentes cuja apreciação cabe ao juiz no âmbito da competência para decidir “incidentes” atribuída pelo art.º 151.º do CPPT e arts. 49.º, n.º 1, al. d), e 49.º-A, n.ºs 1, al. c), 2, al. c), e 3, al. c), do ETAF de 2002), da oposição, dos embargos ou do pedido de anulação da venda, controlar a legalidade dos atos nele praticados, pertencendo-lhe, por essa via, a competência última do processo. O que, nas palavras de RUI DUARTE MORAIS (In “A Execução Fiscal”, 2ª Edição, Almedina, pág. 45.), «parece dar tradução a uma das dimensões do direito de acesso ao direito e aos Tribunais, consagrado no art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa, em cujo âmbito se inclui o direito ao processo de execução como instrumento para a realização efetiva do direito, mas, também, o direito do executado à proteção perante uma execução injusta».
Opção que se compreende, na medida em que a doutrina sempre questionou a validade do poder de autotutela executiva da Administração Pública em termos de princípio geral, isto é, o poder de ela própria assegurar diretamente a execução coativa das suas decisões, sem necessidade de recurso à via judicial, com o argumento de que ela não seria permitida à luz da nossa Constituição, por ser incompatível com a atribuição exclusiva de poder jurisdicional aos órgão do Poder Judicial, constituindo uma prerrogativa da administração demasiado gravosa para os destinatários, não permitida pela 2ª parte do artigo 266.º, n.º 1, da CRP, e que confere uma posição de supremacia à Administração que põe em causa o princípio da igualdade.
Esta opção não impediu, porém, o legislador de conferir a serviços da administração tributária competência e poderes para “Instaurar os processos de execução fiscal e realizar os atos a estes respeitantes, salvo os previstos no n.º 1 do artigo 151.º do presente Código”, reservando para o tribunal a prática dos atos materialmente jurisdicionais (Os quais só podem, à luz da nossa Constituição e dos princípios que a inspiram, ser levados a cabo pelos tribunais.), atribuindo, assim, a um órgão administrativo competência funcional para agir como agente ou operador auxiliar do juiz na realização da função executiva, praticando todos os atos inscritos nesse meio processual, tendo em vista a agilização do processo e a obtenção da maior eficácia na arrecadação de receitas do Estado, libertando o juiz de todos os atos que não envolvam uma função materialmente jurisdicional.
Tal possibilidade de uma ampla intervenção da administração tributária não destrói nem altera a natureza judicial do processo, pois, como se deixou explicado no acórdão n.º 80/2003 do Tribunal Constitucional, proferido em 12 de fevereiro de 2003, a Constituição Portuguesa não obriga a que todos os atos em que se desenrola o processo de execução devam ser obrigatoriamente praticados pelo juiz. «Ao incluir-se este tipo de processo entre os processos de natureza judicial, apenas se pretende afirmar que os conflitos de interesses que dentro dele se suscitem – mesmo que sejam emergentes, não só da atuação das partes ou até de terceiros no processo, como também de qualquer decisão que nele seja tomada pela administração fiscal, relativamente aos atos para cuja prática a lei lhe atribui competência – serão sindicados, no próprio processo, sempre pelo juiz tributário.
Sendo assim, a prática dos atos do processo de execução fiscal, de natureza não jurisdicional, bem pode ser confiada, segundo os próprios termos daquele art. 103.º, n.º 3 da Constituição à administração fiscal. Daí a razão de ser da ressalva feita no referido art.º 103º, n.º 2 da Lei Geral Tributária “[o processo de execução fiscal tem natureza judicial,] sem prejuízo da participação dos órgãos da administração tributária nos atos que não tenham natureza jurisdicional”. Daí também, igualmente, a salvaguarda estabelecida na segunda parte da acima transcrita alínea g) do art.º 43º do CPT.».
O Órgão de Execução que dirige e tramita a execução fiscal, tal como o Solicitador de Execução na ação executiva comum, constitui, assim, o agente da execução, um sujeito processual que age como interlocutor no diálogo processual, “substituindo” o juiz no processo executivo, praticando nele todos os atos que, não contendendo com qualquer composição de interesses, sejam legalmente necessários para a obtenção do fim a que o processo se destina. A competência que esse Órgão detém no processo executivo não brota, assim, em princípio, da função tributária exercida pela Administração Fiscal, não se situando, sequer, no plano da relação jurídica tributária, nem emana de um poder de autotutela executiva da Administração, resultando, antes, de uma competência que a lei lhe confere para intervir no processo judicial como órgão auxiliar ou colaborador operacional do Juiz. Razão por que essa intervenção não provoca qualquer metamorfose ou transformação do processo judicial num procedimento tributário, estando todos os atos que nele são inscritos pelos sujeitos processuais (partes, mandatários, órgão da execução, funcionários, juiz) submetidos a estritas regras processuais, que encontram previsão nas normas que regulam o processo tributário e, subsidiariamente, nas normas inscritas no Código de Processo Civil por força do disposto no artigo 2º, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Deste modo, mesmo quando esses atos vão para além da produção de efeitos internos a nível da ordenação e tramitação intraprocessual e projetam os seus efeitos jurídicos externamente na esfera jurídica do executado ou de terceiros, lesando direitos e interesses legalmente protegidos [como acontece com o ato de apreensão e venda forçada de bens], eles não deixam de constituir atos inscritos no processo ou procedimento processual por um sujeito processual, submetidos, por isso, aos princípios e normas que regem a atividade processual, e não aos princípios gerais que disciplinam a atividade tributária, designadamente ao princípio da participação contido no artigo 60.º da LGT, ao princípio da decisão e formação de indeferimento tácito (arts. 56.º e 57.º n.º 5 da LGT), ao princípio da confidencialidade, ao princípio do duplo grau de conhecimento ou às regras sobre prazos contido no artigo 55.º da LGT.
Só assim não será nos casos em que no procedimento processual surge “enxertado” um procedimento administrativo/tributário, gerador de um ato materialmente administrativo em matéria tributária. Com efeito, apesar da estrutura do processo executivo se traduzir, fundamentalmente, na prática de atos funcionalmente orientados para atingir o fim específico de cobrança judicial de determinada quantia, essencialmente constituído por atos e operações que não contendem com a composição de interesses [atos de chamamento à execução, atos de desapossamento do devedor de coisas do seu património (penhora), ato de venda forçada seguida de pagamento com o preço da venda, etc.], esse processo apresenta uma particularidade, que se traduz no facto de a administração tributária gozar nele de uma dupla condição: a de credora/exequente e a de órgão auxiliar do juiz que “tutela” o processo.
Como a presente Relatora teve oportunidade de referir na declaração de voto que deixou exarada no acórdão proferido por este Supremo Tribunal em 30 de novembro de 2011, no Recurso n.º 0983/11, apesar de a administração tributária ser chamada a colaborar com o tribunal na cobrança dos seus próprios créditos, praticando no processo executivo todos os atos administrativos de cariz processual, conduzindo, assim, o rito ou procedimento processual com submissão às regras processuais, a lei permite-lhe ainda, em determinadas situações, agir no processo executivo na qualidade de credora/exequente, como acontece, por exemplo, quando profere decisão a responsabilizar, solidária ou subsidiariamente, outras pessoas pelo pagamento da dívida tributária (praticando um ato administrativo de asserção dos pressupostos legais para essa responsabilização, mudando a titularidade da dívida exequenda através do mecanismo da reversão) ou quando decide os pedidos que os devedores/executados lhe dirigem no sentido de aceitar o pagamento da dívida através de dação em pagamento de bens ou quando autoriza o seu pagamento em prestações.
Nessas situações, abre-se no processo de execução fiscal um verdadeiro procedimento administrativo/tributário, que é apreciado e decidido pela administração tributária nessa própria qualidade, enquanto credora/exequente, como resulta à evidência do disposto nos artigos 196.º a 199.º do CPPT (no que toca ao pagamento em prestações) e do disposto nos artigos 201.º e 202.º do mesmo Código (no que toca à dação em pagamento), produzindo atos materialmente administrativos em matéria tributária. E tanto assim é que a entidade competente para deferir ou indeferir esses pedidos pode nem pertencer ao órgão da execução fiscal, isto é, ao órgão administrativo que conduz e dirige o processo executivo, mas a outro órgão da administração tributária (cfr. n.º 2 do art.º 197.º e n.ºs 2 e 3 do art.º 201.º do CPPT) (Atos que só estão sujeitos a um controle de legalidade pelo Tribunal dentro da própria execução fiscal por virtude a Lei Geral Tributária ter vindo consagrar, de modo inovador, um direito de reclamar no processo executivo dos atos materialmente administrativos nele praticados (art.º 103.º). Se não fosse esta norma, esses atos teriam de ser impugnados através de ação administrativa especial (art.º 97.º, n.º 2 do CPPT e 191.º do CPTA) e ficariam sujeitos ao prazo geral de revogação que consta do art.º 141.º do CPA, e não ao curtíssimo prazo de revogação previsto no art.º 277.º, n.ºs 2 e 3 do CPPT.).
Ou seja, nesses casos a Administração Tributária atua como tal, no exercício da sua função tributária, agindo sobre a relação jurídica tributária estabelecida entre si (como sujeito ativo) e o contribuinte (como sujeito passivo), produzindo atos materialmente administrativos em matéria tributária, inseridos, assim, no âmbito de um procedimento tributário autónomo e funcionalmente diferente do procedimento processual dirigido à cobrança coerciva de determinadas quantias, embora “enxertado” neste ou a correr paralelamente a ele.
E a esses procedimentos tributários há que aplicar, naturalmente, os princípios gerais que regulam a atividade administrativa e as normas que a Lei Geral Tributária prevê para os procedimentos tributários, designadamente a norma contida no seu artigo 60.º.
Posto isto, a questão que se coloca é a de saber se o pedido de dispensa de prestação de garantia dá origem a um procedimento tributário no seio do processo de execução fiscal, cuja decisão fique a cargo da administração tributária enquanto exequente/credora, conducente à prolação de um ato materialmente administrativo em matéria tributária – caso em que seria necessário observar o dever de audiência prévia – ou se, pelo contrário, constitui um mero ato administrativo de caráter disciplinador dos termos do processo executivo, nele inserido pelo colaborador operacional do juiz face ao quadro normativo que regula o legal andamento do processo, sujeito a estritas regras e princípios processuais.
A resposta a esta questão não é fácil e tem merecido, por parte da jurisprudência, decisões antagónicas.
Na nossa perspetiva, o facto de a lei dispor, no artigo 52.º, nº 4, da Lei Geral Tributária, que a administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia no caso de essa prestação lhe causar prejuízo irreparável ou no caso de manifesta falta de meios económicos revelada por insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, logo indicia que a apreciação e decisão desse pedido está a cargo da própria administração tributária, isto é, do sujeito ativo da relação jurídica tributária e não do órgão ou agente da execução que auxilia o juiz, dando origem a um procedimento tributário específico, sujeito às regras que regem esses procedimentos, designadamente ao princípio da audiência prévia plasmado no artigo 60.º da LGT.
E, na verdade, quando o pedido de prestação de garantia ou da sua dispensa se insere no âmbito de uma autorização de pagamento da dívida em prestações, da competência da entidade que autoriza essa forma de extinção da relação jurídica tributária (art.º 199.º, n.º 8, do CPPT), não temos quaisquer dúvidas em afirmar que ele gera um verdadeiro procedimento administrativo/tributário, apreciado e decidido pela administração tributária, por vontade própria, na qualidade de credora, pois só ela tem competência para autorizar essa modalidade de pagamento da dívida prevista no artigo 42.º da LGT e regulamentada nos artigos 196.º e segs. do CPPT.
Mas também fora desse enquadramento, a decisão sobre o pedido de dispensa de prestação de garantia deve qualificar-se, salvo o devido respeito por contrária opinião, como um verdadeiro ato administrativo em matéria tributária, uma vez que o órgão da execução está ainda a exercer uma atividade materialmente tributária que passa pela expressão de uma vontade própria, enquanto sujeito ativo da obrigação tributária, de dispensar ou não o sujeito passivo de lhe prestar uma garantia que assegure o pagamento da dívida exequenda e do acrescido face a situações de prejuízo irreparável ou de manifesta falta de meios económicos que o executado tem de alegar e documentar perante si e que a ela caberá avaliar.
Aliás, a utilização da expressão “A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia...”, contida no n.º 3 do artigo 52.º da LGT, aponta no sentido de se estar perante um poder discricionário que é atribuído à administração tributária na qualidade de titular do crédito cujo pagamento o executado deve assegurar. Tratar-se-á, pois, de um poder que o sujeito ativo da relação tributária obrigacional ou titular do crédito exercerá em conformidade com o julgamento que realize, no âmbito de competências próprias, sobre a situação económica do executado e o prejuízo que a prestação de garantia lhe poderá causar. E, assim sendo, esse pedido dá origem a um procedimento tributário específico, “enxertado” no processo executivo, estando a respetiva decisão sujeita aos princípios que regem os procedimentos tributários previstos nos artigos 55.º e segs. da Lei Geral Tributária.
Razão por que se impunha, em princípio, observar o princípio da participação contido no artigo 60.º da LGT.
Todavia, segundo o disposto no artigo 170.º do CPPT, o pedido de dispensa de prestação de garantia «deve ser fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária» (n.º 3) e «será resolvido no prazo de 10 dias após a sua apresentação» (n.º 4), o que revela o caráter urgente deste procedimento, justificado pela necessidade de proteger o interesse do Estado, enquanto titular de créditos tributários, assegurando a sua efetiva cobrança através de garantias suficientes e idóneas que devem ser prestadas pelo executado durante a fase de discussão da legalidade do ato de liquidação, e a necessidade de evitar que através da dedução de pedidos de dispensa de prestação de garantia se facilite ou provoque a inviabilidade dessa cobrança, pela oportunidade concedida ao executado de dissipação de bens no período de tempo que decorra até à prolação da decisão, ficando definitiva ou gravemente comprometida a satisfação da necessidade pública de assegurar a efetiva cobrança de receitas tributárias.
Ora, embora o artigo 60.º da LGT não preveja expressamente situações de dispensa do dever de audição prévia no procedimento tributário para os procedimentos em que há, de forma objetiva e revelada pela lei, urgência na prolação da decisão, cremos que deve apelar-se ao regime contido no Código de Procedimento Administrativo, cujo artigo 103.º, n.º 1, estabelece que não há lugar a audiência dos interessados «Quando a decisão seja urgente», por força da aplicação subsidiária desta norma em conformidade com o disposto no artigo 2.º, alínea c) da LGT.
Com efeito, de acordo com a doutrina (Cfr. Pedro Machete, in “A Audiência Dos Interessados No Procedimento Administrativo”, pp. 505 e segs. e Freitas do Amaral, in “Curso de Direito Administrativo”, II, p. 323.) e a jurisprudência (Cf., entre outros, os acórdãos da Secção de 20.11.2002, no Rec. n° 48417, de 25.09.2003, no Rec. nº 47953, de 29.06.2006, no Rec. n.º 816/05, e os acórdãos do Pleno de 31.03.2004, no Rec. n° 35338 e de 13.10.2004, no Rec. nº 1218/02.) da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, a audiência prévia dos interessados, não tendo, embora, natureza jusfundamental, releva como princípio estruturante da lei especial sobre o processamento da atividade administrativa e, bem assim, como direito subjetivo procedimental, tendo natureza excecional as normas que preveem, em certas situações, o sacrifício desse direito; e, por essa razão, a urgência referida no artigo 103.° do CPA só se justifica nas situações em que o tempo seja determinante do sucesso ou insucesso da decisão a adotar, em termos tais que se possa antever que, sem esse sacrifício, ficará definitiva ou gravemente comprometida a satisfação de uma necessidade pública indeclinável, incompatível com a observância do prazo mínimo legalmente previsto para o exercício do direito do interessado a ser ouvido no procedimento.
E se é verdade que o direito de participação dos cidadãos na formação das decisões que lhes dizem respeito tem de ser norteado pelo princípio superior da salvaguarda dos seus direitos ou interesses legítimos na feitura de uma decisão que se deseja correta, não o é menos que tal exercício não deve criar obstáculos a situações objetivas de urgência legal, razão por que se impõe observar, também nos procedimentos tributários de caráter urgente, a norma que prevê a dispensa de audição contida no referido artigo 103.º, n.º 1, alínea a), do CPA.
No caso vertente, o curtíssimo prazo concedido à administração tributária para a decisão do pedido, conjugado com a obrigatoriedade de o executado apresentar imediatamente toda a prova no requerimento onde formula a sua pretensão, denuncia objetivamente o caráter urgente deste procedimento tributário, onde o tempo constitui um elemento determinante na finalidade pública que se visa prosseguir, de obviar ao sumiço de bens que possam garantir o pagamento integral da dívida exequenda, assim se justificando a não observância da formalidade prescrita no artigo 60.º da LGT, ao abrigo do disposto na alínea a), do n° 1, do artigo 103.° do CPA, face à aplicação subsidiária das normas do CPA ao procedimento tributário.
Sempre se dirá, porém, para os que não aceitem a aplicabilidade da referida norma do Código de Procedimento Administrativo, que o próprio requerimento em que o interessado expõe a sua pretensão, indicando todas as razões que, em seu entender, a justificam, e ao qual é obrigado a juntar logo todos os elementos de prova, desempenha aqui a função da audiência prévia, pois que seguindo-se uma imediata decisão fica afastada a possibilidade daquele ser surpreendido com diligências instrutórias que só por si justificassem um ato de sentido contrário àquele que aguardava.
Nesse requerimento o interessado deve fazer a subsunção dos factos que alega ao direito aplicável, fazer a sua interpretação das normas que são chamadas a justificar a decisão e dar logo o seu contributo para que seja proferida uma decisão correta, tanto no que toca aos pressupostos de facto como aos pressupostos de direito do ato a proferir, pelo que não havendo instrução, mas tão-só a apreciação por parte do órgão decisor dos factos invocados face à prova oferecida e sua subsunção ao direito aplicável, como se de um deferimento ou indeferimento liminar se tratasse, não há que chamá-lo novamente a participar na formação da decisão, não há que renovar ou duplicar essa audição. É o que resulta, aliás, da regra geral contida no n.º 3 do artigo 60.º da LGT, segundo a qual “tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda não se tenha pronunciado”, quando aplicada a todos os procedimentos tributários que culminem com um ato final lesivo, seja ele ou não um ato de liquidação.».
Temos, pois, por seguro, considerando a argumentação jurídica acolhida na tese ora transcrita e que, repita-se, revendo a nossa posição, adotamos, que bem andou o Tribunal a quo, ainda que com menos profícua argumentação, ao não ter anulado o despacho do Chefe de Serviço de Finanças de Tondela por falta de realização de audiência prévia, por, pelos fundamentos expostos e no enquadramento realizado, se não mostrarem violados os artigos 267.º, n.° 5, da CRP, 60.° da LGT e 45.° do CPPT.».
2.2. Da falta de fundamentação do despacho de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia
Advoga ainda a recorrente que ao contrário do decidido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu o despacho de indeferimento de dispensa de prestação de garantia não está fundamentado, violando o disposto nos artigos 269.º n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, 36.° e 37.° do Código de Procedimento e de Processo Tributários, 77.° da Lei Geral Tributária e 124.º e 125.º Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Carece de razão a recorrente.
A fim de nos habilitarmos a apreciação do alegado vício, cumpre transcrever o despacho reclamado:
«Visto.
Por requerimento entrado nestes serviços em 12/05/2011 – cfr. registo de entrada nº 2.813 – veio a ora executada, com os fundamentos de que, por um lado, tendo deduzido Impugnação Judicial relativamente à liquidação Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) do ano de 2007, que subjaz à presente execução, pretendia ver suspensa a respetiva tramitação, e, por outro, que, em 07/04/2011, foi citada da instauração do processo de execução em referência, requerer a dispensa de prestação da correspondente garantia, com o fundamento do preceituado pelo artigo 170.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e pelo n.° 4 do artigo 52.° da Lei Geral tributária (LGT).
Sustenta ainda, a título de fundamentação para a sua pretensão, em síntese e entre outros, que “…o acesso ao crédito bancário encontra-se muito difícil e, simultaneamente, mais caro.”, que “...uma garantia bancária enfraquece a posição de uma empresa junto da banca ...”, que, contra si, correm termos vários processos de execução fiscal, “... cujo montante global ascende a cerca de 29.517.726.21 €…”, que “…já prestou garantias no valor global de 4.056.467,44 €…” e que “…não tem qualquer responsabilidade na “insuficiência ou inexistência de bens” para prestar garantia.”, pelo que a prestação de garantia para suspensão do presente processo lhe causaria prejuízo irreparável.
O processo afigura-se suficientemente instruído e informado, pelo que, tendo sido aberta “Conclusão”, urge proferir decisão, o que se faz nos termos e pela forma seguinte.
No que concerne à dispensa de prestação de garantia, o fundamento ora evocado é o constante da 1ª parte do n.° 4 do artigo 52.° da Lei Geral Tributária (LGT), ou seja, a garantia a prestar será, no dizer da requerente, suscetível de lhe causar prejuízo irreparável.
Face ao fundamento evocado pela ora requerente e executada, para que possa equacionar-se o deferimento da sua pretensão, é mister que, cumulativamente, se verifiquem dois requisitos, quais sejam:
a) - a invocação, e constatação face à prova produzida, da irreparabilidade do prejuízo causado pela prestação da garantia; e b) - que a executada não seja responsável pela insuficiência, ou inexistência de bens suscetíveis de constituir garantia do crédito exequendo.
Ora, como está Superiormente esclarecido (cfr. ponto 1.1 do Of. -circulado n.° 60.077, de 2010-07-29, da DSGCT da DGCI), “O caráter irreparável dos prejuízos deve traduzir-se numa situação de diminuição dos proveitos resultantes da atividade desenvolvida pelo executado. Este, em resultado dos encargos financeiros impostos pela prestação da garantia, deixa de poder fazer face aos compromissos económico-financeiros de que depende a manutenção e desenvolvimento da atividade económica por si levada a cabo, o que ocasiona um dano resultante do decréscimo ou interrupção dessa atividade.” (o sublinhado é nosso).
A que acresce a densificação do conceito atinente à irresponsabilidade da executada vertido no último parágrafo do ponto 1.3 do citado Ofício-circulado, de harmonia com o qual, “No caso específico das pessoas coletivas apenas se deve considerar verificado este pressuposto nos casos em que a insuficiência ou inexistência de património não possa resultar da atuação empresarial, ou seja, apenas quando a dissipação dos bens esteja na absoluta indisponibilidade da empresa ou da administração que a representava ou representa, como seja, por exemplo, o caso de catástrofe natural ou humana imprevisível. Fora destes casos, existirá sempre uma responsabilidade da empresa pelo destino dado aos bens que fazem parte do património coletivo/empresarial, baseada na atuação gestionária dos seus administradores ou gerentes, pelo que, em tais situações, não se poderá considerar verificado este pressuposto de dispensa.” (o sublinhado é nosso).
Por outro lado, ao preceituar, o artigo 74.° da LGT, sobre a repartição do ónus da prova, faz depender o deferimento de qualquer petição, da prova dos factos constitutivos do direito que o obrigado fiscal - ou a administração tributária - pretende invocar, o que, no caso presente não se encontra, da ótica destes serviços, cumprido Aliás, do mesmo modo se estatui, não só no nº 3 do artigo 199.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPP), ao referir a obrigatoriedade de produção de adequada prova logo por oportunidade da petição inicial, como também no nº 3 do artigo 170º do mesmo diploma legal, agora restringindo-se à “… prova documental necessária.”
E concluem, assim, estes serviços pela inexistência da prova necessária - quanto à totalidade do leque de garantias admissíveis - porque a executada apenas se limita, para além de uma série de conjeturas sobre rácios e afirmação não documentalmente provadas sobre a alegada conjuntura económica atual, a juntar à sua petição cópia do “Balanço” respeitante ao exercício de 2009, do qual é possível respigar, entre outros, os seguintes dados:
a) - “Imobilizações Corpóreas” liquidas no valor de € 819.877,74;
b) - “Existências” no valor de € 25.345.370,65;
c) - “Dividas de terceiros - Curto prazo” no valor de € 47.042.847,73;
d) - “Capital próprio” no valor de € 7.475.464,06.
Em todo o caso, não produz prova, por exemplo, quanto ao montante do volume de negócios anual, limitando-se à alegação de alguns indicadores que tentam justificar uma debilitada situação financeira, ou a, eventuais, dificuldades no acesso ao crédito, concluindo, ainda sem documentalmente produzir prova, de uma, também eventual insolvência futura.
Finalmente, importa aclarar, por um lado, que a prova a produzir era de versar sobre a totalidade das várias possibilidades de prestação de garantia, e, por outro, que a garantia a prestar por um lado, terá de ser considerada idónea e, por outro, poderá emergir de um vasto leque de opções, as quais resultam, designadamente, do preceituado pelo artigo 199.º do CPPT, ou seja, em primeira linha poderá ser oferecido a título de garantia, a garantia bancária, a caução ou o seguro-caução, e, na impossibilidade de destas realidades, a requerimento da executada e após concordância da administração tributária, penhor ou hipoteca voluntária, isto para além de “… qualquer outro meio suscetível de assegurar os créditos do exequente.”, designadamente as garantias prestadas por terceiros, obviamente que com a concordância destes.
Naturalmente, ainda que a executada não possa, ou não queira, prestar a devida garantia, tendo em vista a suspensão do processo, ainda assim, não lhe é cerceado esse direito, impendendo sobre a administração tributária o dever de proceder, de imediato, à penhora de bens suficientes para alcançar este desiderato (cfr. nº 7 do artigo 169.° do CPPT).
Nesta conformidade e no uso da competência que me é conferida pelo n.° 4 do artigo 52° da LGT, indefiro, com os fundamentos, por um lado, da falta de produção de prova da irreparabilidade do prejuízo causado à executada, e, por outro, da falta de produção de prova da irresponsabilidade da executada pela situação de insuficiência/inexistência de bens, ambos aferidos, não só à luz da interpretação que estes serviços fazem do preceituado pelo artigo 52.º da LGT, como, também, à dos esclarecimentos veiculados pelo Ofício-circulado nº 60.077, datado de 29/07/2010, da Direção de Serviços de Gestão de Créditos Tributários da DGCI, o pedido de dispensa de prestação de garantia formulado pela ora executada C..., LDA., Lª, contribuinte fiscal com o nº 500.339.074, com sede em Tondela. na Av do Areeiro nº 193, 3460-153 Lageosa do Dão, deste concelho.
Por último, importa referir, quanto à participação, prévia à decisão, o seguinte.
De harmonia com o estatuído pelo artigo 60.° da LGT, a participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito deve efetuar-se, para além de outros momentos, antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições (cfr. alínea a) do n.° 1 do artigo 60.° da LGT).
Está superiormente esclarecido que, a audiência dos interessados, pode ser dispensada, para além de outras situações, quando a administração tributária, apenas, aprecie os factos que lhe foram dados pelo contribuinte, limitando-se na sua decisão a fazer a interpretação das normas legais aplicáveis ao caso (cfr. alínea a) do ponto 3 da Circular n.° 13/99, de 08/07, da Direção-Geral dos Impostos).
Nesta conformidade entendo dispensar, quanto ao presente pedido, a audição, prévia à decisão, da ora executada, pelo que o indeferimento que acima decidi produzirá efeitos imediatos.
Concomitantemente determino, tal como vem proposto, que se proceda à notificação da executada, de harmonia com o preceituado no n.º 2 do artigo 169.º do CPPT, para, no prazo de 15 (quinze) dias e tendo em vista a suspensão da presente execução face à, invocada, dedução de Impugnação Judicial, prestar garantia idónea pelo montante de calculado de € 683.171,19 (seiscentos oitenta e três mil cento e setenta e um euros e dezanove cêntimos).
Notifique-se do teor da presente, a executada.
Diligências e averbamentos de conformidade.
Tondela, aos 18 de maio de 2011.».
Sobre esta questão da fundamentação do despacho que indeferiu o pedido de dispensa da prestação de garantia também se pronunciou este Tribunal Central Administrativo Norte nos acórdãos acima citados, sendo que o despacho do órgão de execução fiscal tinha teor praticamente igual ao que está em causa nestes autos. Pelo que, também sobre esta questão nos limitaremos a transcrever o que aí ficou dito, aderindo integralmente à fundamentação nele expressa:
«Como sistematicamente tem vindo a ser expressamente afirmado, a decisão de um procedimento deve ser sempre fundamentada ainda que por sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, admitindo-se que essa fundamentação possa consistir numa declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, sem prejuízo, como é natural, da indicação das disposições legais aplicáveis - tudo, conforme art. 77° n.º 1 e 2 da Lei Geral Tributária.
Por sua vez o artigo 125° do Código de Procedimento Administrativo (CPA) [em conformidade com a constitucional exigência plasmada no art. 268º, n.º 3 da CRP] dispõe que a fundamentação deve ser expressa através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres ou informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respetivo ato.
Num recente Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo [Acórdão de 3-11-2010, relatado pelo Conselheiro Casimiro Gonçalves e disponível em www.dgsi.pt], a questão da fundamentação do ato tributário foi profundamente analisada por referência precisamente a um ato de indeferimento de dispensa de prestação de garantia tendo-se aí concluído que «A fundamentação do ato tributário ou de ato «praticado em matéria tributária» que afete os direitos ou interesses legalmente protegidos do contribuinte, deve ser contextual e integrada no próprio ato (ainda que o possa ser de forma remissiva), expressa (através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão), clara (de modo a permitir que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide), suficiente (permitindo ao destinatário do ato um conhecimento concreto da motivação deste) e congruente (a decisão deverá constituir a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação).
Em suma, diz-se no mesmo Acórdão, «Utilizando a linguagem da jurisprudência, o ato só está fundamentado se um destinatário normalmente diligente ou razoável - uma pessoa normal - colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto ato administrativo (que determinará consoante a sua diversa natureza ou tipo uma maior ou menor exigência da densidade dos elementos de fundamentação) fica em condições de conhecer o itinerário funcional (não psicológico) cognoscitivo e valorativo do autor do ato, sendo, portanto, essencial que o discurso contextual lhe dê a conhecer todo o percurso da apreensão e valoração dos pressupostos de facto e de direito que suportam a decisão ou os motivos por que se decidiu num determinado sentido e não em qualquer outro. Ela visa «esclarecer concretamente as razões que determinaram a decisão tomada e não encontrar a base substancial que porventura a legitime, já que o dever formal de fundamentação se cumpre “pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis, enquanto a fundamentação substancial exige a existência de pressupostos reais e de motivos corretos suscetíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo”. O discurso fundamentador tem de ser capaz de esclarecer as razões determinantes do ato, para o que há de ser um discurso claro e racional; mas, na medida em que a sua falta ou insuficiência acarreta um vício formal, não está em causa, para avaliar da correção formal do ato, a valia substancial dos fundamentos aduzidos, mas só a sua existência, suficiência e coerência, em termos de dar a conhecer as razões da decisão.» (cfr. Vieira de Andrade - O Dever de Fundamentação Expressa de Atos Administrativos, pag. 239, na citação do ac. do STA, de 11/12/2002, rec. 01486/02)».
Salvo o devido respeito, e tendo presentes as disposições legais e os ensinamentos doutrinários e jurisprudenciais expostos, não vemos como pode a Recorrente alegar que o ato não está fundamentado, que todo o seu teor são considerações vagas e genéricas sem qualquer contextualização ou concretização que o tenha impedido de compreender o itinerário cognoscitivo que conduziu o seu emissor à decisão tomada.
É que o indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia formulado pela então Requerente a Administração Fiscal foi realizado pelo despacho de 8 de julho de 2011, o qual tem o seguinte teor integral:
«Visto.
Por requerimento(…).» [remetemos para a transcrição supra do despacho lavrado nos presentes autos].
Ora, repita-se, basta atentar no teor deste despacho e confronta-lo com o requerimento apresentado pela Recorrente e que esta havia dirigido ao Chefe de Finanças de Tondela para facilmente se concluir que nenhuma censura (do ponto de vista da sua fundamentação formal) merece o despacho em causa.
Efetivamente, e como decorre do sublinhado que entendemos ali realizar, de forma sintética, mas totalmente pertinente, o Chefe de Finanças resumiu não só os fundamentos da pretensão da Requerente e realizou o enquadramento legal ou de direito que entendeu ser aplicável aos autos decidindo, após análise critica da factualidade e dos meios probatórios oferecidos, em conformidade, quer do ponto de vista da substancia da decisão que lhe era exigida, quer, de resto, do ponto de vista das exigências processuais do procedimento, designadamente, no que tange á dispensa de audiência prévia que entendeu, pelas razões também aí expostas, realizar.
Em suma, resulta cristalinamente do despacho proferido, de forma até não tão sumária quanto lhe era permitido, quais as razões de facto e de direito pelas quais a Administração Fiscal julgava ser de indeferir o pedido do Requerente não se logrando encontrar fundamento algum que sustente a posição por este tomada neste recurso de que não ficou (nem qualquer outro destinatário ficaria) capaz de conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo do autor do ato.
Tudo quanto se pode admitir, e naturalmente resulta da posição de recorrente e dos seus fundamentos quando na globalidade considerados, é que a Recorrente se não conforma com «a base substancial que porventura a legitime», o que, como é sabido, não é minimamente relevante para sustentar a sua pretensão revogatória já que a fundamentação do ato é, tão só, como já dissemos, o meio pelo qual deve ser dado a conhecer o percurso «da apreensão e valoração dos pressupostos de facto e de direito que suportam a decisão», mostrando-se integralmente observada se forem apresentados os «pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis».
O que, repita-se, no caso concreto é manifestamente evidente que foi realizado, improcedendo, pois, nesta parte ou com este fundamento, o recurso interposto.».
2.3. Do erro de julgamento em matéria de facto:
Na conclusão “T” a recorrente insurge-se quanto à matéria de facto assente por considerar que os factos que de seguida enunciaremos deveriam ter sido dados como provados:
Diz a recorrente que em face da prova produzida, nomeadamente, perante a inquirição de testemunhas realizada e em face dos restantes elementos dos autos, impunha-se dar como assente, ainda, pelo menos que:
· Não foram praticados pela C... quaisquer atos voluntariamente dirigidos à diminuição da sua capacidade patrimonial, com ou sem o intuito de diminuir a garantia dos seus credores
– cf. artigo 110.º da petição de reclamação que dá causa aos presentes autos e depoimentos das testemunhas F... (cf. depoimento gravado a 9:39:21 da sessão de inquirição de testemunhas de 5.12.2011) e N... (cf. depoimento gravado a 10:51:45 da sessão de inquirição de testemunhas de 5.12.2011).
· A exigência de mais garantias à C..., com a diminuição do seu teto de crédito e do agravamento da remuneração do mesmo, causa evidentes transtornos para o desenvolvimento da atividade comercial, podendo paralisá-la e conduzir a uma situação de insolvência.
- cf. artigo 65.º da petição de reclamação que dá causa aos presentes autos e depoimento da testemunha F... (cf. depoimento gravado a 9:39:21 da sessão de inquirição de testemunhas de 5.12.2011).
· A alienação dos bens imóveis da C..., ocorrida nos anos de 2005 e 2006, não revestiu um qualquer ato de dissipação de património, estando tal operação de alienação enquadrada no âmbito de uma reestruturação do grupo em que a C... se insere
– cf. depoimento testemunha F... (cf. depoimento gravado a 9:39:21 da sessão de inquirição de testemunhas de 5.12.2011) e N... (cf. depoimento gravado a 10:51:45 da sessão de inquirição de testemunhas de 5.12.2011) e, bem assim, estudo de reestruturação do grupo, realizado pela consultora Ernest & Young, de julho de 2002 – cf. alínea M) dos factos provados e doc. 2 aqui junto.
· Esta operação de reestruturação já se encontrava a ser discutida e pensada em relação ao grupo de empresas em que se insere a C..., LDA. desde data anterior à entrada da testemunha N... no grupo, que, como o mesmo fez notar, ocorreu no ano de 2002. – cf. depoimento gravado a 10:51:45 da sessão de inquirição de testemunhas de 5.12.2011.
· Os imóveis foram alienados a preços de mercado, tendo a C... recebido o correspetivo preço então pago, conforme fizeram notar as testemunhas F... e N.... - (cf. depoimento gravado, respetivamente, a 9:39:21 e 10:51:45 da sessão de inquirição de testemunhas de 5.12.2011).
· A C... não detém quaisquer bens imóveis. – cf. depoimento gravado a 9:39:21 da sessão de inquirição de testemunhas de 5.12.2011, complementado pelo do. 2 junto pela Fazenda Pública em 11.01.2012 e pelos documentos juntos pela aqui Recorrente no seu requerimento de 30.01.2012).
· A situação económico-financeira da C... tem-se deteriorado desde a data da apresentação da petição de reclamação judicial que dá causa aos presentes autos até à presente data. – cf. depoimento – cf. depoimento das testemunhas F... e M…, respetivamente, a 9:39:21 e 10:17:40 da sessão de inquirição de testemunhas de 5.12.2011.
· A mais antiga das dívidas que se encontra a ser exigida à C... nos múltiplos processos de execução fiscal ao abrigo dos quais lhe está a ser exigida, num só momento, a prestação de garantias remonta ao ano de 2003. – cf. datas de vencimento constantes da certidão das dívidas fiscais, emitida pelo Serviço de Finanças de Tondela, junta como documento n.º 3 com as alegações finais.
Sobre estas questões, debruçaram-se entre outros os Acórdão deste TCA Norte de 29.03.2012 (processo n.º 00502/10.0BEVIS), 18.04.2012 (processo n.º 414/11.0BEVIS), 18.04.2012 (processo n.º 405/10.9BEVIS) e de 24.05.2012 (processo n.º 293/11.8BEVIS), em que a Recorrente igualmente assumia a qualidade de Reclamante e em causa estava a dispensa de prestação de garantia por si requerida no âmbito de outros processos de execução fiscal. Iremos, pois, limitar-nos a transcrever a fundamentação da decisão proferida naquele acórdão de 29.03.2012, à qual se adere integralmente (cfr. artigo 8º, nº 3 do CC), sem prejuízo das especialidades decorrentes da factualidade apurada nestes autos e da apreciação concreta da relevância dos mesmos, do seguinte teor:
“…
Defende a recorrente que em face da prova produzida, nomeadamente perante a inquirição de testemunhas realizada e em face dos restantes elementos dos autos deveriam ser dados como provados os seguintes factos:
A- “Não foram praticados pela C... quaisquer atos voluntariamente dirigidos à diminuição da sua capacidade patrimonial, com ou sem o intuito de diminuir a garantia dos credores”
B- “A exigência de mais garantias à C..., com a diminuição do seu teto de crédito e do agravamento da remuneração do mesmo, causa evidentes transtornos para o desenvolvimento da atividade comercial, podendo paralisá-la e conduzir a uma situação de insolvência”
C- “A alienação dos bens imóveis da C..., ocorrida nos anos de 2005 e 2006, não revestiu um qualquer ato de dissipação de património, estando tal operação de alienação enquadrada no âmbito de uma reestruturação do grupo em que a C… se insere”.
D- “Esta operação de reestruturação já se encontrava a ser discutida e pensada em relação ao grupo de empresas em que se insere a C... desde data anterior à entrada da testemunha Nelson… no grupo que, como o mesmo fez notar, ocorreu no ano de 2000”
E- “Os imóveis foram alienados a preços de mercado, tendo a C... recebido o respetivo preço pago”
F- “A C... não detém quaisquer bens imóveis”
G- “A situação economómica-financeira da C... tem-se deteriorado desde a data da apresentação da petição de reclamação judicial que dá causa aos presentes autos até à presente data”
H- “A mais antiga das dívidas que se encontra a ser exigida à C... nos múltiplos processo de execução fiscal ao abrigo dos quais lhe está a ser exigida, num só momento, a prestação de garantias remonta ao ano de 2003”
A recorrente distingue nestes factos que pretende que sejam levados ao probatório dois grupos: o primeiro, constituído pelos factos A) e B), e o segundo pelos demais.
O primeiro grupo inclui factos que foram invocados pela parte na petição inicial; os do segundo grupo não o foram. Quanto ao primeiro grupo é manifesto que os “factos” alegados mais não são do que conclusões. Saber se “Não foram praticados pela C... quaisquer atos voluntariamente dirigidos à diminuição da sua capacidade patrimonial, com ou sem o intuito de diminuir a garantia dos credores”, há de resultar, em primeiro lugar, do conhecimento da existência ou não de atos de alienação patrimonial; e no caso de terem existido, do(s) motivos determinante(s).
Também saber se “A exigência de mais garantias à C..., com a diminuição do seu teto de crédito e do agravamento da remuneração do mesmo, causa evidentes transtornos para o desenvolvimento da atividade comercial, podendo paralisá-la e conduzir a uma situação de insolvência”, passa por se determinar se a prestação de garantia pela recorrente nos processos executivos implica a diminuição do teto de crédito e o agravamento da remuneração do mesmo e se, no caso afirmativo, tal diminuição do teto de credito e agravamento da remuneração pode paralisar a empresa e conduzir a uma situação de insolvência, o que só se pode retirar dos factos relativos à situação da empresa. Provado que fosse que a prestação da garantia causava uma diminuição do teto de crédito e o agravamento da sua remuneração, o que teria de estar mensurado, haveria, depois, que comparar esses valores com a grandeza da recorrente para se poder concluir até que ponto tal implicaria a sua paralisação ou insolvência. Não estando em causa factos, mas conclusões, bem andou o Tribunal recorrido ao não inclui-los no probatório, não procedendo a pretensão da recorrente. Quanto ao segundo grupo, independentemente da avaliação que se faça da matéria em causa - se estão em causa factos ou conclusões - coloca-se a questão de se saber se pode ser levada ao probatório, dado não ter sido, como diz a recorrente, antes invocada. A recorrente defende a sua inclusão, apesar do referido, por estarem relacionados com os factos alegados e porque o Tribunal a quo também considerou factos não alegados pelas partes.
Nos termos do artigo 664.º do Código de Processo Civil o juiz só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, sem prejuízo da consideração dos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa, dos factos notórios e dos que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções – artigos 264.º, n.º 2 e 514.º do Código de Processo Civil. Se o Tribunal se socorre de factos que não foram articulados pelas partes, aquela que com isso for prejudicada pode recorrer impugnando a matéria de facto, com vista à sua eliminação do probatório, sendo que, se o fizer, terá de especificar os factos que questiona – artigo 685.º-B do Código de Processo Civil. Mas se não arguir em sede de recurso a violação do disposto no artigo 664.º do Código de Processo Civil, se se conforma com a matéria assente, não pode pretender que o Tribunal de recurso acrescente ao probatório outros factos não articulados pelas partes, ainda que resultantes dos depoimentos das testemunhas e demais prova produzida nos autos, com o argumento que o Tribunal recorrido também o fez. Se o tribunal recorrido viola as disposições legais incumbe à parte lesada em sede de recurso pugnar pelo restabelecimento da legalidade e não solicitar ao Tribunal de recurso que reincida na ilegalidade praticada pelo Tribunal recorrido, apenas porque dessa ilegalidade pode tirar vantagem. Do que fica dito conclui-se que a pretensão da recorrente não pode ser atendida.».
2.4. O erro de julgamento em matéria de direito: dos pressupostos legais determinantes da dispensa de prestação de garantia
Como já se referiu supra, a Cruz e Companhia, Ldª, ora recorrente, formulou um pedido de dispensa de prestação de garantia ao abrigo do disposto nos artigos 52.º, n.º 4 da Lei Geral Tributária e 169.º e 170.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, com vista à suspensão do processo de execução fiscal em que é executada. Tal pedido foi indeferido pelo órgão de execução fiscal e desta decisão interpôs a ora recorrente reclamação nos termos dos artigos 276.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, reclamação essa, que viria a ser objeto de sentença a julga-la improcedente.
Entende a recorrente, tese que defende em sede de recurso, que estava demonstrado que a prestação de garantia lhe causava prejuízo irreparável e, por outro, que a insuficiência ou a inexistência de bens não era da sua responsabilidade, ao decidir de modo diferente errou o tribunal recorrido.
Vejamos, prosseguindo na transcrição do Acórdão deste TCA de 29-03-2012, processo n.º 502/10.0BEVIS
“(…)
Estabelece o artigo 52.º da Lei Geral Tributária:
«1- A cobrança da prestação tributária suspende-se no processo de execução fiscal em virtude de pagamento em prestações ou reclamação, recurso, impugnação e oposição à execução que tenha por objeto a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda, bem como durante os procedimentos de resolução de diferendos no quadro da Convenção de Arbitragem nº 90/436&CEE, de 23 de julho, relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correção de lucros entre as empresas associadas de diferentes estados.
2- A suspensão da execução nos termos do número anterior depende da prestação de garantia idónea nos termos das leis tributárias.
(…)
4- A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação da garantia nos caso de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado».
A lei faz depender a isenção ou dispensa da prestação de garantia a requerimento do executado de dois pressupostos alternativos:
a) de a respetiva prestação causar prejuízo irreparável ao executado; ou
b) da manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido.
Admite-se, pois, a dispensa da prestação de garantia em caso de manifesta falta de meios económicos do executado, ou quando apesar de ele dispor de meios económicos suficientes, a prestação da garantia lhe cause ou lhe possa causar prejuízo irreparável.
Em qualquer dos casos a dispensa de garantia só terá lugar no caso de a insuficiência ou inexistência de bens não ser da responsabilidade do executado.
É sobre o executado que recai o ónus de alegar e provar os factos que preencham aqueles pressupostos, pois trata-se de factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido, como decorre da regra básica do ónus da prova do n.º 1 do art. 342.º do Código Civil, adotada também no âmbito do procedimento tributário, por força do disposto no artigo 74.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, em que se estabelece que «o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque». De resto, o n.º 3 do art. 170.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário aponta no mesmo sentido, ao estabelecer que o pedido deve ser instruído com a prova documental necessária, o que pressupõe que toda a prova relativa a todos os factos que têm de estar comprovados para ser possível dispensar a prestação de garantia seja apresentada pelo executado, instruindo o seu pedido, pois a prova de todos esses elementos é necessária para o deferimento da sua pretensão – Cfr. Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 17-12-2008, processo n.º 327/08.
Tendo a ora recorrente formulado o pedido de isenção com base no prejuízo irreparável que a prestação da garantia lhe causaria, o Tribunal recorrido entendeu a recorrente não havia feito a necessária prova do alegado.
Considerou aquele Tribunal que «O enfoque argumentativo da Reclamante incidiu sobre a garantia bancária como se fosse o único tipo de garantia e mesmo quanto a essa argumentação incidiu sobre a notoriedade da dificuldade e encarecimento do crédito bancário». E ainda que «A prova produzida, que como já se disse foi fundamentalmente testemunhal não permitiu provar, por exemplo, os custos de prestação das garantias bancárias.». Ponderou também que «Os montantes objeto de execução fiscal que rondaram os € 35 000 000,00 respeitam a processos instaurados entre 1999 e 2009 e, mais de dois terços, mais de vinte e sete milhões de euros (€27 000 000,00), respeitam a subsídios públicos recebidos pela Reclamante e taxas do IVV autoliquidadas ou liquidadas oficiosamente e que respeitam a cada litro de vinho comercializado (0,0135€ por litro, vide certidão de dívida constante de fls. 3).».
Contra-argumenta a recorrente que «A prestação de garantias em montantes que rondarão os 45 milhões de euros (relembre-se que, nos termos legais, a garantia é prestada pelo valor do quantia exequenda, juros, custas e acréscimo de 25% da soma daqueles montantes) paralisa a atividade de uma empresa e causa-lhe um prejuízo irreparável ou insolvência», «a C..., Lda., caso não seja dispensada da prestação de garantia, poderá, com grande probabilidade, ser conduzida para uma situação de asfixia financeira e subsequente insolvência», «A C..., Lda. atravessa uma difícil situação financeira», «encontra-se a ser executada em diversos processos de execução fiscal que correm termos no serviço de Finanças de Tondela, cujo montante global das respetivas quantias exequendas ascende a cerca de €29.517.726,21 (montante que, caso seja adicionado ao total de juros calculados, ascende a €35.073.038,61), montante este que acresce ao passivo exigível de cerca de €81.552.864,74», «prestou já uma garantia bancária, no montante de €3.131.919,55, à ordem do Serviço de Finanças de Tondela, no processo de execução fiscal n.º 2704200701014625, assim, como garantias noutros processos de execução fiscal, num total global de €4.056.467,44», «É diferente ter um elevado volume de negócios de ter lucro efetivo ou liquidez (a este propósito, relembra-se que resultou provados nos autos que, por exemplo, no exercício de 2010, a C..., Lda. teve avultados prejuízos (superiores a um milhão de euros) e, no exercício anterior havia tido um resultado líquido de apenas cinco mil e quinhentos euros», «Ter contabilizadas imobilizações corpóreas num valor próximo dos 5 milhões de euros está longe de significar dispor de bens nesse montante para dar em garantia», «A dispersão temporal dos processos de execução é irrelevante para efeitos da consideração da impossibilidade de prestação de garantia e irreparabilidade do prejuízo que a mesma causa, porquanto na esmagadora maioria desses processos só agora - nos últimos dois anos - tem a C... sido notificada para prestar garantia», «As quantias exequendas dos processos de execução fiscal ascendem a um tal montante global (lembre-se, mais de €30.000.000,00, sendo certo que a prestação das garantias deverá ser feita por este montante, acrescido de juros de mora, custas e do acréscimo legal de 25°/o da soma de tais valores, tudo nos termos do disposto no artigo 199.º, n.° 5, do CPPT), que é forçoso concluir que, ainda que a C..., Lda. fosse notificada gradualmente para prestar as referidas garantias - o que não sucede, in casu - e não sendo dispensada da prestação das mesmas, com grande probabilidade seria conduzida para uma situação de asfixia financeira e subsequente insolvência - um prejuízo irreparável», «A C..., Lda. necessita de recorrer ao mercado bancário para o financiamento da sua atividade (o que é facilmente percetível através das dificuldades de tesouraria evidenciadas no documento n.° 2, donde consta um passivo exigível a curto prazo no montante e €64.568.719,83, quando os créditos que detém a curto prazo, adicionados aos depósitos bancários e disponibilidades em caixa, ascendem à quantia de €47.810.061,62 (€47.042.842,73 + €723.686,73 + €43.527,16), quantia esta aquém do montante das referidas dívidas de curto prazo, as quais só podem ser cumpridas, pois, mediante o recurso ao financiamento externo da tesouraria)», «A C..., Lda., caso deixe de ter acesso ao financiamento e às garantias bancárias que usa necessária e habitualmente no seu giro comercial por imposição dos seus fornecedores, obrigatoriamente irá sofrer uma paralisação da sua atividade, o que redundará na sua insolvência», «A mesma hipótese se colocará caso sejam dados em garantia os bens comercializados pela C..., Lda. - o vinho armazenado, pois que, assim, a C..., Lda. ficaria impossibilitada de efetuar negócios jurídicos sobre os mesmos e a sua atividade comercial ficaria paralisada, o que conduziria inevitavelmente à sua insolvência - um prejuízo irreparável», «O mesmo sucederia caso fossem dados em garantia os créditos sobre clientes, uma vez que a C..., Lda. necessita de realizá-los de forma a obter fundo de maneio para a sua atividade corrente - novas aquisições de vinhos e honrar compromissos decorrentes de custos com mão de obra, água, eletricidade, combustíveis, transportes, matérias para preparação dos vinhos, e encargos com a remuneração da dívida e com a sua amortização», «A insolvência da C..., Lda., pela sua própria natureza, como é do conhecimento comum, encerrará um prejuízo manifestamente elevado, de grau não imediatamente apreensível e não computável em termos monetários, preenchendo, sem margem para dúvidas, o conceito de prejuízo irreparável exigido no n.° 4 do artigo 52° da LGT, pois que para além de sofrer prejuízos incalculáveis, ficará impossibilitada de prosseguir com a sua atividade, ou seja, a atividade da C..., Lda. não poderá ser reposta no seu status quo ante, ficando, de facto, vedado o seu regresso a atividade», «Atenta a avultadíssima quantia a que ascendem os diferentes processos de execução - que, aliás, devem ser vistos como um todo, estão a ser exigidas num mesmo momento temporal -, é manifesto que os encargos financeiros decorrentes da prestação de mais uma garantia pela C..., Lda. (quer seja garantia bancária, quer penhor sobre vinho, quer penhor sobre os créditos sobre clientes quer outro), no contexto económico-financeiro da empresa que vimos de explicar, necessariamente impossibilita a C..., Lda. de fazer face aos Compromissos de que depende a manutenção e desenvolvimento da atividade económica por si levada a cabo, o que consubstancia, sem margem para dúvidas, uma situação de prejuízo irreparável que, nos termos legais, justifica a dispensa de prestação de garantia que se requer».
Como acima ficou referido, cabe ao executado alegar e provar os factos dos quais se possa concluir pelo prejuízo irreparável.
Atenta a factualidade provada não se vislumbra que a sentença recorrida mereça qualquer censura no juízo feito.
Propôs-se a recorrente demonstrar que a prestação de garantia iria provocar a paralisação da empresa e mesmo a sua insolvência, o que traduziria o prejuízo irreparável que serve de fundamento ao pedido de dispensa da prestação de garantia.
Mas nenhum dos factos provados aponta nesse sentido.
A recorrente argumentou realçando a dificuldade e mesmo impossibilidade de obter garantia bancária, mas o certo é que não ficou provado que os bancos tenham recusado os pedidos da recorrente, nem que a prestação da garantia vá agravar as dificuldades que a recorrente diz já sentir na obtenção das garantias bancárias necessárias ao seu giro comercial.
Também não resulta do probatório, como refere a sentença recorrida, quais as despesas que acarretaria a garantia bancária (o que aliás nunca foi alegado pela recorrente), o que impossibilita avaliar o impacto que teria na situação económica-financeira da empresa. Diga-se a propósito, que a recorrente fala das garantias bancárias a prestar neste e noutros processos de execução fiscal e realça sistematicamente o valor total das prestadas e a prestar, como se a prestação da garantia bancária implicasse para a recorrente possuir e/ou dispor de imediato do valor das garantias, o que não resulta do probatório.
Defendeu a recorrente que não poderia dar de garantia os bens por si comercializados - o vinho armazenado – pois ficaria impossibilitada de efetuar negócios jurídicos sobre os mesmos e a sua atividade comercial ficaria paralisada, o mesmo sucedendo caso fossem dados os créditos sobre os clientes uma vez que necessita de realizá-los de forma a obter fundo de maneio para a sua atividade corrente. Mas não se nos afigura que a consequência de dar em garantia os bens por si comercializados ou os créditos sobre clientes seja necessariamente essa. Tudo dependerá do valor dos bens comercializados bem como dos créditos sobre os clientes, em contraponto com o valor da garantia a prestar. E o que importa é o montante da garantia a prestar nestes autos, e não noutros, pois não se pode hoje avaliar o prejuízo decorrente da prestação da garantia, fazendo um juízo de probabilidade, com base em dados hipotéticos, pois ainda que a recorrente tenha sido notificada para prestar garantia noutros processos, tal não significa que as vá prestar. Ora, a garantia a prestar nestes autos é no montante de € 104 740,98, e só o imobilizado da recorrente, ronda os cinco milhões de euros, como é referido na sentença recorrida. (€ 683 171,19 nos presentes autos)
Mas as garantias possíveis e legalmente admissíveis não se esgotam nas apontadas pela recorrente. Nos termos do artigo 199.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, para o qual remete implicitamente o artigo 169.º do mesmo Código, a garantia pode ser constituída por qualquer meio que assegure os créditos do exequente – cfr. Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte de 18-01-1012, processo n.º 2615/11.2BEPRT; de 30-11-2011, processo n.º 1423/11.5BEPRT; de 23-11-2011, processo n.º 1497/11.9BEPRT. e ainda Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, 6ª edição, Vol. III, nota 2 ao artigo 199.º, p. 411.
Como defende a exequente nas suas contra-alegações, outras possibilidades existem como a prestação de caução, seguro-caução, aval, fiança, por parte de uma das sociedades do grupo de que faz parte a recorrente ou da constituição de hipoteca sobre o imobilizado também detido pelo grupo, e sobre elas a recorrente nada disse.
A lei estabelece como pressuposto para a dispensa da prestação da garantia que esta cause à executada um prejuízo irreparável. Não releva para a lei o grau de dificuldade na obtenção da garantia desde que ela seja possível, nem que ela se mostre muito onerosa, ou excessivamente onerosa. Tem de causar um prejuízo irreparável, sem retorno ao status quo ante.
E do que fica dito podemos concluir que a recorrente, tal como decidiu a sentença recorrida, não logrou demonstrar, como lhe competia, que a prestação da garantia, bancária ou outra, lhe cause prejuízo irreparável.
Não se verificando esta condição para a dispensa da prestação da garantia, a que havia sido invocado pela recorrente, não é necessário averiguar se a insuficiência ou inexistência de bens é ou não responsabilidade da recorrente, uma vez que o conhecimento desta matéria pressupõe o preenchimento daquela condição.
Cumpre por último, atentar ao pedido equacionado pela recorrente na conclusão “Z” das alegações, em que defende a suspensão da instância, ao abrigo do artigo 279º., n.º 1 do Código de Processo Civil, em virtude da pendência do processo de impugnação pauliana em que é colocada em causa “alienação de património” pela Recorrente. Tal pretensão falece perante a não demonstração do prejuízo irreparável, o que só por si, tal e qual foi requerido afasta a verificação dos pressupostos de dispensa de prestação da garantia.
Independentemente, da posição assumida, a pretendida suspensão da instância, nunca poderia ser objeto de apreciação por este tribunal Superior, pois a mesma surge como questão nova, não apreciada pelo Tribunal recorrido. Visando os recursos o reexame da decisão recorrida, não podem os mesmos apreciar questão nova sobre a qual o tribunal recorrido se não tenha pronunciado ou formulado qualquer juízo, salvo se se tratar de questão de conhecimento oficioso, o que não é o caso.
Em conformidade com a fundamentação supra, improcedem todas as conclusões do recurso, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu.
IV-DECISÃO
Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso e, consequentemente, em manter a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Porto, 06 de junho de 2012
Ass. Irene Neves
Ass. Pedro Marques
Ass. Nuno Bastos