Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00131/08.9BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/21/2016
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:MÉTODOS INDIRECTOS
ÓNUS DA PROVA
DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
IVA
Sumário:I - Por força do princípio da imediação, a tarefa de reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso está limitada aos casos em que ocorre erro manifesto ou grosseiro ou em que os elementos documentais fornecem uma resposta inequívoca em sentido diferente daquele que foi considerado no tribunal a quo.
II - Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação (artigo 74.º, n.º 3 da LGT).
III - Estando definitivamente decidido que, no caso, a Administração Tributária demonstrou a ocorrência dos necessários pressupostos legais à utilização de métodos indirectos, por um lado e, por outro, apresentando-se adequadamente fundamentados os critérios de que a Administração Tributária se serviu na tarefa de quantificação, era à impugnante que se impunha demonstrar que a utilização de tais critérios conduziu, sem margem para dúvidas fundamentadas, a um resultado final sem qualquer aderência à realidade, demonstração essa que não logrou fazer, sem olvidar que, mesmo a subsistir qualquer dúvida, o que se postula por comodidade de raciocínio, ela sempre teria de desfavorecer a Recorrente.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:D..., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

D…, Ld.ª, pessoa colectiva n.º 5…, com sede na Zona Industrial…, freguesia de Telões, concelho de Amarante, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, proferida em 14/04/2010, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações adicionais de IVA, dos exercícios de 2003 a 2006, e dos juros compensatórios, no montante global de €722.533,05.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
“1ª) O recurso vem interposto da sentença que julgou improcedente a impugnação deduzida pela recorrente contra liquidações adicionais de IVA, referentes aos anos de 2003 a 2006, do valor global de € 722.533,05.
2ª) A recorrente não se conforma com a sentença recorrida por entender que os factos foram apreciados erradamente.
3ª) Dessa errada apreciação dos factos resultou uma aplicação do direito desconforme com a Lei e a Justiça.
4ª) O Fisco entendeu que a impugnante tinha uma actividade paralela que não contabilizava nem declarava para efeitos fiscais, o que é falso.
5ª) O procedimento administrativo impugnado conduz a uma duplicação de vendas porque se somam as realidades resultantes das guias de transporte (ou orçamentos consoante a altura considerada) e as facturas, quando ficou provado que as operações que resultam dos orçamentos (ou guias de transporte) são as mesmas que ulteriormente passam a constar da facturação emitida.
6.ª) A prova testemunhal não foi suficiente nem adequadamente valorizada na sentença recorrida porventura por a decisão não ter sido proferida pelo mesmo Meritíssimo Juiz de Direito que assistiu aos depoimentos – sendo certo que ambos os Excelentíssimos Senhores Magistrados são merecedores da mais elevada consideração e ambos com méritos reconhecidos.
7ª) O depoimento do Dr. A… é paradigmático do que se concluiu precedentemente: esteve durante mais de uma hora a esclarecer tudo e todos, com um inquestionável domínio dos factos, explicando e demonstrando a verificação de algumas das decisivas ilegalidades que foram alegadas e, no entanto, quase foi ignorado na sentença recorrida.
8ª) Um dos erros fatais em que incorreu o Fisco, foi não serem considerados os custos conexionados com a vertente industrial da impugnante, como muito bem explicou e demonstrou a mencionada testemunha.
9ª) Na sentença recorrida julgaram-se provados quase todos os juízos explicativos alegados pela impugnante, mas surpreendentemente consideram-se os consequentes juízos conclusivos alegados pela impugnante como não provados, o que, com o devido respeito, é incongruente.
10ª) A título de exemplo do que se referiu anteriormente, atente-se no seguinte: foi julgado como provado que «a impugnante teve uma facturação contabilizada de 1.278.644,00 € em 2002; 1.127.795,00 € em 2003; 1.244.863,00 em 2004; 1.124.425,00 € em 2005; 1.286.385,00 € em 2006; e 1.237.476,00 € em 2007.» - fls. 10-29 da sentença; mas aceitam-se as conclusões do Fisco, nos termos das quais, no miolo daquele período, nos anos inspeccionados, houve resultados absolutamente piramidais, o que, como muito bem demonstrou o Dr. A…, só seria possível através de passes de mágica de altíssimo gabarito.
11ª) Os valores declarados pela impugnante são razoáveis, coerentes e possíveis; ao passo que os apuramentos do Fisco são incoerentes e, como muito bem demonstrou o Dr. A…, são inverificáveis, não fazem qualquer sentido e são produto de pressupostos de facto errados e de diversos erros de raciocínio.
12ª) Com o devido respeito, atenta a prova produzida, devia ter sido julgado como provado que os documentos, inicialmente designados como “orçamento” e depois como “guia de transporte”, eram encaminhados para o sector administrativo para serem processadas as correspondentes e competentes facturas.
13ª) Os factos julgados como provados que se vão enunciar de seguida conduzem à necessidade de julgar como provado o remanescente das alegações da impugnante, senão atente-se no que foi julgado como provado: «a impugnante, para o desenvolvimento da sua actividade, tem vendedores próprios que se deslocam em viaturas da empresa para tentarem vender os diversos produtos num sistema de porta a porta.»; «esses vendedores saem das instalações da empresa com diversos tipos de mercadorias, em quantidades variáveis, que nuns casos já estão encomendadas por clientes, sendo que noutros casos existe apenas uma expectativa de virem a ser vendidas.»; «quando tais expectativas se frustram as mercadorias são trazidas de volta às instalações da empresa.»; «os vendedores saem da empresa com mercadoria e regressam à empresa com mercadoria e saem com mercadoria que já está destinada e com outra por destinar.»; «para controlar estes movimentos das mercadorias os vendedores abalam da empresa com dois tipos de documentos que a impugnante designa como “facturas” e “guias de transporte”.»; «as “facturas” reportam-se aos produtos previamente encomendados.»; «as “guias de transporte” reportam-se às mercadorias não encomendadas e relativamente às quais se desconhece se irão, ou não, ser vendidas naquela saída ou em qualquer outra.»; «com referência às “guias de transporte” temos de distinguir duas situações: nuns casos essas “guias de transporte” reportam-se a mercadoria que foi vendida e noutros casos a mercadorias que regressam à empresa.»; «mas mais, essas “guias de transporte” indicam um conjunto de mercadoria que tem de ser tratado por partes – para além da parte vendida e da parte não vendida.»; «é que a parte vendida é repartida por vários clientes. Isto é, as mercadorias espelhadas na “guia de transporte” acabam por conduzir a vários clientes.»; «a cada um desses clientes é entregue um documento que a impugnante designa como “orçamento”.»; «essa designação de “orçamento” só funcionou até meados do ano de 2005.»; «a partir daquela altura a impugnante passou a emitir esses documentos com a designação de “guias de transporte”.»; «nuns casos a mercadoria já era expedida da empresa acompanhada da respectiva facturação – quando já estava encomendada.»; «na realidade, as guias de remessa correspondem a facturação e as guias de transporte (até uma certa altura designadas como orçamentos) são meros papeis internos sem qualquer reflexo na contabilidade ou no apuramento do sacrifício fiscal a sofrer pela impugnante.».
14ª) Assim, tendo sido julgada como provada a explicação alegada pela impugnante que se acabou de transcrever, não se compreende como é que também se pode julgar como provado que os orçamentos e as guias de transporte eram instrumentos ao serviço de vendas paralelas não declaradas.
15ª) As liquidações impugnadas padecem de várias ilegalidades, cada uma delas decisiva por si só.
16ª) 1ª Ilegalidade: as liquidações impugnadas enfermam do vício de violação de lei, por erro de direito, uma vez que a AT recorreu a presunções, estimativas e indícios para apurar a matéria colectável sem que se tenham verificado os pressupostos legais para tanto – Arts. 87º e 88º da LGT.
17ª) Efectivamente, as escassas e quase irrelevantes falhas que foram detectadas podiam, e deviam, ter sido ultrapassadas através de correcções meramente aritméticas.
18ª) De acordo com o disposto nº 3, do art. 74º da LGT «em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação.».
19ª) O nº 1, do art. 75º da LGT estabelece que se presumem «verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.».
20ª) A administração tributária socorreu-se dos métodos de avaliação indirecta por ter interpretado erradamente a factualidade aqui em causa.
21ª) A administração tributária partiu do princípio de se ter verificado uma actividade paralela, à margem da contabilidade, que efectivamente não se verificou.
22ª) 2ª Ilegalidade: Mas, mesmo que fosse legal o recurso à avaliação indirecta, o que apenas se admite como hipótese meramente académica para efeito do seguinte exercício de raciocínio, sempre seriam ilegais as liquidações impugnadas por via da verificação do vício de errónea quantificação da matéria colectável, na medida em que os valores apurados sempre pecariam por um manifesto e enorme exagero.
23ª) Como dispõe o nº 2, do art. 85º da LGT «à avaliação indirecta aplicam-se, sempre que possível e a lei não prescrever em sentido diferente, as regras da avaliação directa».
24ª) Daqui decorre que teria de se apurar a matéria colectável supostamente em falta através da consideração das vendas supostamente efectuadas e também das imprescindíveis compras supostamente praticadas, o que não se verificou, violando-se os princípios da tributação do rendimento real e de acordo com a capacidade contributiva que é gerada.
25ª) O que acabou de alegar-se é próprio do mecanismo do Estado de Direito democrático, está expressamente consagrado na nossa Constituição e muito claramente plasmado no art. 55º da LGT.
26ª) O art. 59º da LGT acrescenta que «a administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material…».
27ª) A Administração Tributária, ao actuar como actuou, atropelou a verdade material, mesmo que presumida, apurando valores desproporcionados, injustos e inverificáveis, o que se traduz, também, em enriquecimento sem causa e abuso de direito.
28ª) Segundo o art. 90º da LGT os critérios a utilizar mitigadamente para a determinação da matéria colectável através de métodos indirectos são, entre outros, os seguintes: as margens médias do lucro líquido sobre as vendas e prestações de serviços ou compras e fornecimentos de serviços de terceiros; as taxas médias de rentabilidade de capital investido; o coeficiente técnico de consumos ou utilização de matérias-primas e outros custos directos; os elementos e informações declaradas à administração tributária, incluindo os relativos a outros impostos e, bem assim, os relativos a empresas ou entidades que tenham relações económicas com o contribuinte; a localização e dimensão da actividade exercida; os custos presumidos em função das condições concretas do exercício da actividade; a matéria tributável do ano ou anos mais próximos que se encontre determinada pela administração tributária; o valor de mercado dos bens ou serviços tributados; e, uma relação congruente e justificada entre os factos apurados e a situação concreta do contribuinte.
29ª) É indiscutível que sem a ponderação de todos estes dados, e de outros que concretamente possam relevar, não se pode apurar matéria colectável com a credibilidade necessária e imprescindível.
30ª) 3ª Ilegalidade: as liquidações impugnadas são também ilegais por estarem feridas pelo vício de violação de lei por erro quanto aos pressupostos de facto, uma vez que a fundamentação da AT e a motivação das liquidações impugnadas assentam no pressuposto da existência de uma actividade paralela, não declarada, o que é completamente falso.
Uma vez que a sentença padece de erro de julgamento no âmbito da valoração da prova produzida e na aplicação do direito, deve ser dado provimento ao recurso e consequentemente ser revogada a sentença recorrida, com todas as consequências legais, nomeadamente a anulação das liquidações impugnadas, assim se cumprindo a Lei e se fazendo Justiça.
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Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito ao concluir pela verificação dos pressupostos para o recurso a métodos indirectos e pela improcedência do vício de errónea quantificação imputado à matéria tributável que subjaz às liquidações impugnadas.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Da sentença prolatada em primeira instância, consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
Com relevância para a decisão da causa, o tribunal julga provado: - - -
A) A impugnante foi sujeita a uma acção inspectiva cujo âmbito e incidência temporal foram o IVA e o IRC dos exercícios de 2003 a 2005 e do IVA de 2006 (fls. 43 do apenso). - - -
B) A acção inspectiva teve como motivo a recolha de elementos para instrução do processo de inquérito n.º 415/06.0 TAAMT (fls. 43 do apenso). - - -
C) Esse inquérito foi instaurado com base numa denúncia apresentada por Belmiro de Jesus Moreira na sequência do seu despedimento como vendedor da impugnante, para quem tinha trabalhado durante cerca de dois meses (fls. 109 e 210). - - -
D) Durante esse período recebeu ordens da gerência da impugnante para que não fossem facturadas algumas das vendas efectuadas aos clientes para que a facturação global da empresa não fosse elevada (fls. 210). - - -
E) A impugnante é sujeito passivo colectado em IRC, pelo Serviço de Finanças de Amarante, para o exercício da actividade de “fabricação de peças sinterizadas” (CAE 028623), sendo que para “efeitos de IVA, se encontra enquadrado no regime normal de periodicidade mensal” (fls. 44 do apenso). - - -
F) A impugnante declarou e contabilizou vendas de mercadorias e prestações de serviços nos valores de 1.134.158,00 € em 2003, 1.265.122,00 € em 2004 e 1.133.475,00 € em 2005 (fls. 44 do apenso). - - -
G) Em 14/12/2006, em cumprimento do despacho número DI200615991, foram apreendidos os registos informáticos alojados nos discos duros dos computadores existentes na sede da impugnante, tendo sido efectuadas cópias da informação para discos duros externos e efectuada listagem de todos os ficheiros recolhidos (fls. 44 do apenso). - - -
H) A listagem foi vertida em dois ficheiros electrónicos que foram gravados em dois cd’s, um dos quais foi entregue ao sujeito passivo, dando-se, assim, ao sujeito passivo cópia de todos os registos que foram objecto da apreensão (fls. 44 e 45 do apenso). - - -
I) A apreensão dos registos informáticos e todo o trabalho de análise realizado teve a preocupação de detectar operações realizadas pela impugnante que não tivessem sido objecto de relevação na sua contabilidade (fls. 45 do apenso). - - -
J) Da informação recolhida constam ficheiros em formato do Microsoft Office, designadamente, Excel, Word, pdf, e ficheiros de bases de dados do Microsoft SQL SERVER (ficheiros com extensões .MDF (dados) e .LDF (logs) (fls. 45 do apenso). - - -
K) A impugnante utilizava como programa de gestão extensões SQL SERVER (fls. 45 do apenso). - - -
L) No servidor encontravam-se várias bases de dados SQL SERVER ligadas à INFOLOGIA, designadamente relativas a imobilizado, salários, etc, e uma cujo ficheiro de dados tinha a denominação de “DMTCGEST data.mdf. (fls. 45 do apenso). - - -
M) Esta base de dados contém a gestão comercial da empresa, pelo que, entre outra, existe informação relativa a vendas, compras gestão de stocks, clientes e fornecedores e é a base de dados oficial do sujeito passivo, sendo os valores nela contidos compatíveis com os registos da contabilidade e declarados (fls. 45 do apenso). -
N) Além desta base de dados do tipo SQL SERVER que se encontrava no servidor, foi encontrada outra do mesmo tipo que se encontrava alojada no disco duro do computador denominado Computador Entrada operado pela funcionária G… (fls. 45 do apenso). - - -
O) O directório “E:\D…\GRACITE_compEntrada\Computadorentrada\Seguranças\ SEGTST\” contém uma base de dados cujo ficheiro de dados tem a designação “TESTE04_data.mdf, que tinha uma estrutura de dados exactamente igual à “DMTCGEST data.mdf” (fls. 45 do apenso). - - -
P) Comparada a informação contida em ambas as bases de dados, verificamos que existem muitas semelhanças (códigos, produtos, clientes, etc), mas existem divergências significativas quanto aos valores e a tipos de documentos onde são recolhidas as vendas (fls. 45 do apenso). - - -
Q) Nesta base de dados paralela à principal foram registadas as operações que a impugnante não registou na sua contabilidade, nem declarou para efeitos fiscais como pretendia (fls. 45 e 46 do apenso). - - -
R) Em E\D…\Servidor\Documentos\SEGDOC\Vendas, foi localizado um ficheiro do tipo folha de cálculo Excel, com o nome de “Volume de Vendas 2003”, que serviria de instrumento de gestão da empresa (fls. 48 do apenso). - - -
S) Na pasta com o nome “volume de vendas 2004”, localizada em E:\D…\Servidor\Documentos\Documentos\J…\Volume de vendas, encontraram-se ficheiros, do tipo Excel, com informação das vendas por mês (fls. 51 do apenso). - - -
T) EmE:\D…\Servidor\Documentos\Documentos\J…\Volume de vendas, encontraram-se ainda ficheiros, do tipo Excel, com informação das vendas por cada mês de 2005 (fls. 52 do apenso). - - -
U) Em E:\D…\Servidor\Documentos\Partilha\PartilhaG…\Volume de vendas, existe um ficheiro com o nome “vendas 2006.xls” e da folha com o nome “Per. GT-GR” consta um mapa discriminativo das vendas efectuadas nos meses de Janeiro a Novembro, pêlos diferentes vendedores, e por tipo de documento que titulou a transmissão (fls. 53 do apenso). - - -
V) As vendas realizadas entre 2003 e 2006, tituladas pelos documentos denominados «orçamentos» e «guias de transporte» não eram objecto de facturação, não eram declaradas nem contabilizadas pela impugnante (fls. 44 a 56 do apenso). - - -
W) Não foi possível apurar o valor das vendas para todos os períodos de tributação dos exercícios de 2003 a 2006, nem os valores exactos e inequívocos dessas vendas (fls. 44 a 56 do apenso). - - -
X) A impugnante tem compras não registadas (fls. 55 do apenso). - - -
Y) A administração tributária contactou alguns clientes da impugnante que constavam das bases de dados dos documentos denominados orçamentos e guias de transporte e todos eles declararam que as operações tituladas através de orçamento, guias de transporte ou outros documentos como avisos de vencimento ou extracto pendente, correspondem a aquisições efectivas, relativamente às quais a impugnante não procedeu à entrega da correspondente factura (fls. 56 do apenso). - -
Z) Os artigos adquiridos sem factura eram os relativos aos segmentos em diamante produzidos pela empresa (fls. 56 do apenso). - - -
AA) A administração tributária recolheu nos clientes da impugnante cópia dos orçamentos manuscritos, em suporte de papel, cópia de cheques emitidos e extractos de contas bancárias que comprovam o pagamento dessas compras (fls. 56 do apenso). - - -
BB) Em 27/2/2007 a impugnante foi notificada na pessoa do representante no procedimento inspectivo, A…, contribuinte fiscal n.º 2…, para no dia 5/3/2007, pelas 14,30 horas, apresentar as guias de transporte (GT) e os orçamentos (OR) emitidos nos exercícios de 2003, 2004, 2005 e 2006 (fls. 56 do apenso).
CC) Nesta notificação, foi, ainda, solicitado à impugnante que demonstrasse que os referidos documentos deram origem à emissão de facturas e que as mesmas se encontravam devidamente registadas e declaradas (fls. 56 do apenso). - - -
DD) No dia e hora marcada, na sua sede fiscal, a impugnante não deu cumprimento ao solicitado, nem até à realização do relatório em 3/4/2007 (fls. 56 do apenso). - - -
EE) Face aos valores declarados e registados verificou-se que as vendas totais da impugnante cresceram 10%, de 2003 para 2004, e no ano seguinte baixaram 10% (fls. 57 do apenso). - - -
FF) A estrutura destas vendas alterou-se ao longo destes exercícios, pois a venda de produtos cresceu substancialmente em detrimento da venda de mercadorias. De 2003 para 2004, as vendas de produtos cresceram 95%, tendo-se reduzido no ano seguinte em apenas 9% (fls. 57 do apenso). - -
GG) Em termos de margem de lucro bruto global, em 2003 e 2004, o seu valor foi de 28,41% e 28,62%, respectivamente, e em 2005, esta margem atingiu 35,41% (fls. 57 do apenso). - - -
HH) As margens de lucro bruto declaradas, quando analisadas separadamente por mercadorias e produtos permitem-nos verificar que, no exercício de 2003, não foi considerado qualquer custo para os produtos, e que, no exercício de 2004, o custo das mercadorias vendidas é superior ao valor das vendas (ou seja, vendas abaixo do preço de custo). Em 2005, as margens apresentam valores mais verosímeis quando comparadas com as do sector, o que denota que o cálculo dos custos das mercadorias e dos produtos foi efectuado com maior exactidão. Estas situações demonstram falta de rigor na organização da contabilidade (fls. 57 do apenso). - - -
II) Do controlo quantitativo das quantidades vendidas e compradas, realizado ao exercício de 2005, a três artigos seleccionados aleatoriamente apurou-se a inexistência de diferença num deles, a existência de diferença de 3 noutro e de 152 noutro (fls. 57 e 58 do apenso). - - -
JJ) A impugnante não justificou as diferenças porquanto a justificação apresentada – oferta a clientes – não está documentada na factura de venda (fls. 58 do apenso). - - -
KK) As diferenças detectadas foram consideradas que não eram materialmente relevantes, mas denotavam o descrédito da contabilidade por não corresponder o valor das vendas ao dos custos (fls. 58 do apenso). - - -
LL) A administração tributária fundamentou a determinação da matéria tributável com recurso a métodos indirectos pelos factos anteriormente descritos, nomeadamente (fls. 58 e 59 do apenso): - - -
«- a emissão de documentos (OR e GT) que titulam transmissões sem emissão da respectiva factura e, obviamente, relevação contabilística;
- não se conhecem os valores transmitidos para a totalidade dos períodos de tributação;
- embora conhecendo-se, para a maior parte dos períodos, os documentos que expressam os valores dessas vendas, não se conhecem os valores exactos e inequívocos, uma vez que não existe informação completa sobre rectificações desses valores por via de devoluções, descontos ou anulações que, perante tão elevado movimento, necessariamente terão que ocorrer;
- existindo vários ficheiros informáticos para relevar o mesmo tipo de informação, verificam-se divergências entre eles que obrigam, com a inerente subjectividade optar por aquele que parece mais cuidadosamente elaborado;
- apesar de notificado, o sujeito passivo não apresentou OR e as GT obstando ao conhecimento completo da sua situação tributária;
- a contabilidade não está devidamente organizada, reflectindo algumas fragilidades, designadamente a falta de registo de facturas de venda, a falta de discriminação do CMC no exercício de 2003, expressar em 2004 um custo de vendas de mercadorias superior ao respectivo custo e apresentar diferenças injustificadas no controlo quantitativo efectuado;
- a omissão de compras verificada, dados os elementos que constam dos ficheiros apreendidos;
podemos inferir que os elementos constantes da contabilidade e declarados não merecem credibilidade, existindo, assim, indícios fundados de que a contabilidade não reflecte a matéria tributável real do sujeito passivo, situação prevista no art° 75°, alínea a) do n.° 2, da LGT.
Assim, dada a impossibilidade de se proceder à determinação directa e exacta da matéria tributável com base na contabilidade, já que a tributação directa teria que ter por base o resultado apurado na contabilidade e esta, como se demonstrou, não consiste elemento fidedigno da sua avaliação, verificando-se ainda erros e/ou insuficiências que não são susceptíveis de quantificação / objectiva, devem ser aplicados métodos indirectos, conforme o permitido nos arts 87° e 88° da Lei Geral Tributária, para cálculo da matéria tributável dos exercícios de 2003, 2004 e 2005, quer para efeitos de IRC, quer para efeitos de IVA, e ainda em todos os períodos de 2006, para efeitos de IVA». - - -
MM) As vendas presumidas correspondem ao valor das transacções tituladas por orçamentos e guias de transporte, que constam dos ficheiros mensais de vendas que titulam vendas efectivas que não foram objecto de facturação (fls. 59 e 60 do apenso). - -
NN) Na falta de elementos mais fiáveis a administração tributária considerou que as vendas omitidas correspondem aos valores das transmissões que foram tituladas por aqueles documentos (orçamentos e guias de transporte) e que constam dos ficheiros mensais (fls. 59 e 60 do apenso). - - -
OO) As vendas estimadas dos meses de Dezembro de 2005 e 2006 foram, respectivamente, 70.817,41 € e 41.296,38 €, correspondendo à média aritmética das vendas tituladas por orçamentos e guias de transporte nos primeiros 11 meses de cada um desses anos, no valor global de 778.991,48 € em 2005 e 454.260,13 € em 2006 (fls. 60 do apenso). - - -
PP) As transmissões não facturadas correspondem a produto acabado produzido pela impugnante (fls. 60 do apenso). - - -
QQ) O valor estimado das vendas para os exercícios de 2003 a 2006 foi de (fls. 60 do apenso): - - -
Vendas2003200420052006
Declaradas352.842,64 €6897.526,07 €559.745,54 €
Omitidas972.844,79 €1.062.518,45 €849.808,89 €495.556,51 €
Estimadas1.325.687,43 €1.750.044,52 €1.409.554,43 €495.556,51 €
RR) O imposto em falta é de 184.840,51 € no exercício de 2003, 201.878,51 € no exercício de 2004, 170.381,40 € no exercício de 2005 e 104.066,87 € no exercício de 2006, distribuído pelos períodos discriminados nos mapas de fls. 61 e 62 do apenso que aqui se dão por integralmente reproduzidos (fls. 60 a 62 do apenso). - - -
SS) A impugnante apresentou um pedido de revisão da matéria tributável por métodos indirectos (fls. 147 do apenso). - - -
TT) No pedido de revisão não foi obtido acordo pelo que foi mantido o lucro tributável que tinha sido fixado para os exercícios referidos (fls. 214 a 231 do apenso). - - -
UU) Em consequência foram emitidas as notas de fixação do IVA em dívida relativo aos exercícios de 2003 a 2006, discriminados de fls. 233 a 236 do apenso, que aqui se dão por integralmente reproduzidas (fls. 233 a 236 do apenso). - - -
VV) As respectivas liquidações adicionais relativas ao IVA de 2003, 2004, 2005 e 2006 e juros compensatórios no valor global de 722.533,05 € foram emitidas e notificadas em 18/9/2007 e tinham como data limite de pagamento 30/11/2007 (fls. 18 a 96) e a impugnação judicial foi apresentada em 28/2/2008 (fls. 3). - - -
WW) As liquidações impugnadas decorreram da utilização de métodos de avaliação indirecta da matéria colectável (dos autos). - - -
XX) A impugnante dedica-se à produção e comercialização de ferramentas diamantadas, ou seja, produz e vende discos e outras ferramentas e também compra discos para revenda (dos autos e testemunhas). - - -
YY) As existências da impugnante são compostas por produtos que fabrica, por mercadorias adquiridas para ulterior alienação e por matérias-primas destinadas à produção própria (dos autos e testemunhas). - - -
ZZ) A impugnante, para o desenvolvimento da sua actividade, tem vendedores próprios que se deslocam em viaturas da empresa para tentarem vender os diversos produtos num sistema de porta a porta (dos autos e testemunhas). - - -
AAA) Esses vendedores saem das instalações da empresa com diversos tipos de mercadorias, em quantidades variáveis, que nuns casos já estão encomendadas por clientes e noutros casos existe apenas uma expectativa de virem a ser vendidas (testemunhas). - - -
BBB) Quando tais expectativas se frustram as mercadorias são devolvidas às instalações da empresa (testemunhas). - - -
CCC) Os vendedores saem da empresa com mercadoria e regressam à empresa com mercadoria e saem com mercadoria que já está destinada e com outra por destinar (testemunhas). - - -
DDD) Para controlar estes movimentos das mercadorias os vendedores abalam da empresa com dois tipos de documentos que a impugnante designa como ‘facturas” e “guias de transporte” (testemunhas). - - -
EEE) As “facturas” reportam-se aos produtos previamente encomendados (testemunhas). - - -
FFF) As “guias de transporte” reportam-se às mercadorias não encomendadas e relativamente às quais se desconhece se irão, ou não, ser vendidas naquela saída ou em qualquer outra (testemunhas). - -
GGG) Com referência às “guias de transporte”, temos de distinguir duas situações: nuns casos essas “guias de transporte” reportam-se a mercadoria que foi vendida e noutros casos a mercadorias que regressam à empresa (testemunhas). - - -
HHH) Mas mais, essas “guias de transporte” indicam um conjunto de mercadoria que tem de ser tratado por partes – para além da parte vendida e da parte não vendida (testemunhas). - - -
III) E que a parte vendida é repartida por vários clientes. Isto é, as mercadorias espelhadas na “guia de transporte” acabam por conduzir a vários clientes (testemunhas). - - -
JJJ) A cada um desses clientes é entregue um documento que a impugnante designa como “orçamento” (testemunhas). - - -
KKK) Essa designação de “orçamento” só funcionou até meados do ano de 2005 (dos autos e testemunhas). - -
LLL) A partir daquela altura a impugnante passou a emitir esses documentos com a designação de “guias de transporte” (dos autos e testemunhas). - - -
MMM) Nuns casos a mercadoria já era expedida da empresa acompanhada da respectiva facturação – quando já estava encomendada (testemunhas). - - -
NNN) Na realidade, as guias de remessa correspondem a facturação e as guias de transporte (até meados de 2005 designadas como orçamentos) são meros papéis internos sem qualquer reflexo na contabilidade ou no apuramento do sacrifício fiscal a sofrer pela impugnante (fls. 52 e testemunhas). - - -
OOO) A impugnante reconhece que existiram algumas vendas que não foram objecto de facturação (fls. 9). - - -
PPP) A impugnante teve uma facturação contabilizada de 1.278.644,00 € em 2002; 1.127.795,00 € em 2003; 1.244.863,00 € em 2004; 1.124.425,00 € em 2005; 1.286.385,00 € em 2006; e 1.237.476,00 € em 2007 (testemunha A…). - - -
QQQ) A impugnante tomou conhecimento do âmbito e extensão da acção da inspecção tributária no dia 12/10/2006 e os tais dados informáticos foram recolhidos pela administração tributária no dia 14/12/2006 (dos autos e testemunhas). - - -
RRR) A recolha dos dados informáticos ocorreu na sede da impugnante (dos autos e testemunhas). - -
Com relevância para a decisão da causa, o tribunal julga não provado: - - -
1) O modo de funcionamento das vendas da impugnante é difícil de gerir porque levanta vários problemas, designadamente controlar o que é vendido e o que regressa à impugnante (dos autos e testemunhas). - - -
2) Estes documentos, inicialmente designados como “orçamento” e depois como “guia de transporte”, eram encaminhados para o sector administrativo para serem processadas as correspondentes e competentes facturas. - - -
3) Termos em que tudo o que era vendido era facturado. - - -
4) Nos outros casos as facturas eram processadas ulteriormente de acordo com o que tinha sido vendido e a quem tinha sido vendido – quando a mercadoria não estava encomendada. - - -
5) O procedimento administrativo aqui atacado conduz a uma duplicação de vendas porque se somam as realidades resultantes das guias de transporte (ou orçamentos consoante a altura considerada) e as facturas. - - -
6) Os orçamentos (ou guias de transportes) conduzem às facturas. - - -
7) Nos orçamentos (ou guias de transportes) e nas facturas está tratada a mesma, e só uma, realidade económica. - - -
8) Operações que resultam dos orçamentos (ou guias de transporte) são as mesmas que ulteriormente passam a constar da facturação emitida. - - -
9) A impugnante reconhece que aparentemente existiram muito poucas vendas que não foram objecto de facturação. - - -
10) Esta conclusão resulta de algumas situações, muito poucas, que constam do relatório e que se traduzem num reflexo quantitativo quase nulo. - - -
11) Essas pequenas incorrecções na escrita da impugnante podem ter resultado de vários factores, todos eles perfeitamente plausíveis, nomeadamente falhas de comunicação entre os vendedores e o sector administrativo da empresa, ou falhas de comunicação entre esta parte administrativa e a parte contabilística, ou ainda desvios por parte dos vendedores em seu próprio proveito, etc. - - -
3.1.1 – Motivação. - - -
O tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa, com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e no processo administrativo que não foram impugnados e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados (art. 74.º da Lei Geral Tributária (LGT)), também são corroborados pelos documentos (arts. 76.º, n.º 1, da LGT e 362.º e seguintes do Código Civil (CC)) identificados em cada um dos factos, bem como pelos depoimentos das testemunhas. - - -
O depoimento de Susana Maria Camelo Ribeiro, inspectora tributária, relevou na medida em que demonstrou um conhecimento directo dos factos constantes do relatório de inspecção, proveniente das diligências de inspecção realizadas por si, que corroborou com declarações coerentes e credíveis, pela forma espontânea e isenta como depôs. - -
Os depoimentos das restantes testemunhas relevaram apenas na parte em que corroboraram os factos descritos pela administração tributária e pela impugnante constantes dos documentos. - - -
Apesar de revelarem conhecimento directo dos factos responderam de forma vaga, corroborando os factos alegados pela impugnante de forma genérica e imprecisa. -
Porém, não lograram comprovar de forma assertiva a motivação apresentada pela impugnante para as deficiências e / ou anomalias detectadas pela administração tributária. - - -
Designadamente, não foram convincentes nas alegadas dificuldades de controlo dos produtos entregues aos vendedores para distribuírem pelos clientes, quer no que respeita aos produtos entregues aos clientes já facturados, por terem sido antes encomendados pelos clientes, quer pelos produtos entregues aos vendedores para estes venderem aos clientes e os produtos que posteriormente são devolvidos ao armazém da impugnante por não terem sido vendidos e os alegados documentos – orçamentos ou guias de transporte – para facturação dos produtos vendidos. - - -
Isto porque são medidas de eficácia de gestão que são contrariadas pela prova objectiva recolhida nas bases de dados informáticas, que revelam claramente que a impugnante tinha um controlo efectivo das vendas realizadas, quer das que eram registadas na contabilidade, quer das que não eram registadas na contabilidade. - - -
As declarações das testemunhas também não foram suficientemente coerentes e credíveis para convencer o tribunal que as vendas realizadas pela impugnante, tituladas por orçamentos ou guias de transporte, eram depois facturadas aos clientes. - - -
A… declarou que embora não fosse o seu serviço sabia que os documentos das vendas eram entregues aos serviços administrativos – à D. G…– que depois enviava as facturas aos clientes. Embora a testemunha tivesse declarado que nunca nenhum cliente lhe disse que não recebeu a factura correspondente à compra titulada por orçamento ou guia de transporte, também reconheceu que não tinha conhecimento de tudo, depoimento que deixa em aberto a possibilidade inverosímil de haver clientes que podem não ter contactado consigo ou podem não lhe ter referido a circunstância de não ter sido emitida a factura correspondente à compra titulada por orçamento ou guia de transporte. - - -
A testemunha G… também declarou que as vendas tituladas por orçamentos ou guias de transporte (a partir de meados de 2005) eram posteriormente facturados aos clientes.
A mesma versão foi corroborada pela testemunha A…, que declarou que pelo profissionalismo que conhece à D. G… não duvida que ela procedia à facturação das vendas tituladas por orçamentos e guias de transporte. Contudo, não revela um conhecimento directo desses factos, mas apenas pela percepção geral que tinha do funcionamento da impugnante. - - -
Acresce que nesta parte, o depoimento de G… também se revelou vago e impreciso. A instância da ilustre representante da Fazenda Pública, a testemunha reconheceu que à data dos factos não era a responsável pelo registo das facturas emitidas pela impugnante. Este depoimento sugere a possibilidade inverosímil de extravio das facturas alegadamente emitidas por si entre o momento da sua emissão e o do registo na contabilidade da impugnante. - - -
Porém, esta versão foi desmentida pelas declarações dos clientes, que afirmaram de forma inequívoca que os produtos comprados à impugnante, titulados pelos referidos orçamentos ou guias de transporte, não foram facturados. - - -
Esta versão é ainda desmentida pela análise coerente e sustentada das informações recolhidas nos computadores da impugnante. Estas informações são prova objectiva e isenta que conjugada com a restante prova carreada para os autos pela administração tributária, designadamente a prova testemunhal obtida junto dos clientes da impugnante e dos documentos aí recolhidos, constituem prova coerente e sustentável que as referidas vendas tituladas por orçamentos e guias de transporte correspondiam a vendas não facturadas. - - -
A coerência e sustentabilidade desta versão da administração tributária, não foi abalada pelos depoimentos das testemunhas arroladas pela impugnante. Estes depoimentos não foram suficientemente consistentes para abalar a convicção do tribunal, sustentada na prova objectiva e isenta constante do conteúdo dos computadores da impugnante, dos documentos recolhidos junto dos clientes da impugnante e das declarações prestadas por esses clientes, de que aquelas vendas não eram facturadas e contabilizadas. - - -
Mais. A prova produzida pela impugnante é abalada, quando ponderamos as incongruências assinaladas aos depoimentos das testemunhas arroladas por si (a possibilidade dos clientes ou de parte deles não contactarem a testemunha A… ou de não lhe manifestarem o desagrado da falta de emissão das facturas das vendas tituladas por orçamentos ou guias de transporte; a perda do rasto dão destino das facturas entre o momento da sua alegada emissão e o registo na contabilidade, de acordo com o depoimento de G… e o facto de A… ter declarado que não tinha conhecimento directo da actividade de emissão das facturas, admitindo a inexistência de irregularidades pelo profissionalismo que reconhece à funcionária G…), com a solidez e consistência da prova carreada pela administração tributária. - - -
Os próprios documentos juntos pela impugnante para prova que os orçamentos e guias de transporte eram todos facturados aos seus clientes não são bastantes para convencer o tribunal. Desde logo, porque dos documentos juntos pela impugnante, o valor de parte das facturas não corresponde ao valor dos orçamentos e guias de transporte, não se sabendo se correspondem uns aos outros; e na parte em que até coincidem, não quer dizer que fosse sempre observado esse procedimento, sobretudo porque foram os próprios clientes a reconhecer que faziam compras à impugnante que não eram facturadas, versão que é corroborada pela análise à informação objectiva que ressalta da análise do conteúdo dos ficheiros informáticos dos computadores da impugnante. - - -
A testemunha G… foi ainda inquirida acerca do acesso dos funcionários aos computadores da impugnante. Porém, não lhe foi pedido qualquer esclarecimento sobre a duplicação dos programas de computador conforme resulta da análise do seu conteúdo, em que a administração tributária constatou que a base de dados “TESTE04_data.mdf”, que permitiria o controlo das vendas não facturadas, não está identificada (fls. 46 do apenso). - - -
Finalmente esta testemunha declarou que a componente industrial da impugnante, só começou em 2005, quando a testemunha A… afirma que a impugnante já tinha anteriormente uma componente industrial, só que não era tão significativa ou não era tão forte como veio a acontecer depois do segundo semestre de 2004. - - -
Como os clientes declararam que as vendas não facturadas eram de produtos fabricados pela impugnante, esta contradição releva porque pode querer dizer-se que antes de 2005 o valor das vendas não era o mesmo, porque não eram produtos fabricados pela impugnante. - - -
Porém, resulta do depoimento de A… que mesmo antes de 2005 a impugnante já tinha parte produtiva só que não era tão significativa. Logo, as vendas realizadas pela impugnante antes de 2005 já tinham produtos fabricados ou acabados por si. Logo, coincide com a versão dos clientes que declararam que os produtos vendidos pela impugnante, não facturados, eram produtos acabados produzidos pela impugnante. - - -
A ponderação da prova tem também de ter em conta a natureza objectiva (por exemplo prova documental) ou subjectiva (prova testemunhal) da prova e as relações existentes entre as testemunhas e as partes. A componente objectiva da prova carreada para os autos pela administração tributária, supera em muito a prova objectiva carreada para os autos pela impugnante. A prova subjectiva apresentada pela administração tributária correspondente às declarações dos clientes que é, necessariamente, mais isenta que a prova carreada pela impugnante, que apresentou como testemunhas duas pessoas que são seus trabalhadores e uma que é o seu técnico oficial de contas. - - -
A ponderação tem de pender mais significativamente para a prova produzida pela administração tributária. - - -
Donde se conclui que a prova produzida pela impugnante não foi suficientemente consistente para abalar a consistência e credibilidade da prova produzida pela administração tributária e como tal os factos alegados pela administração tributária foram julgados provados (art. 74.º, n.º 2, da LGT) e os factos alegados pela impugnante, relevantes para a decisão da causa, foram julgados não provados. - - -
A insuficiência e inconsistência da prova produzida pela impugnante levaram o tribunal a julgar contra ela os factos alegados por si alegados e a quem cabia o ónus da prova (arts. 74.º, n.º 1, da LGT). - - -
A prova produzida não demonstrou a realidade dos factos alegados (art. 341.º do CC) e por esse motivo, o tribunal julgou não provada a matéria de facto acima descrita. - -
Relativamente à matéria de facto provada nas alíneas G) a Z) o tribunal formou a sua convicção na análise objectiva e coerente realizada pelos serviços de inspecção tributária ao conteúdo dos ficheiros informáticos dos computadores da impugnante, descrita de fls. 44 a 56 que aqui se dá por integralmente reproduzida, corroborada pelas informações e documentos recolhidos junto dos clientes da impugnante, que revelam de forma coerente e consistente a existência de vendas tituladas por «orçamentos» e «guias de transporte» que não foram facturadas, nem registadas na contabilidade da impugnante. Dessa análise ressalta ainda que não foi possível apurar o valores das vendas para a totalidade dos períodos de tributação dos exercícios de 2003 a 2006, nem os valores exactos e inequívocos dessas vendas. - - -
Aqui cumpre ainda esclarecer que não existe qualquer contradição entre a alínea OOO) e os pontos 9), 10) e 11). - - -
Na alínea OOO) deu-se como provado que a impugnante reconhece a existência de vendas facturadas (confissão da impugnante (arts. 352.º e seguintes do CC)), não se julgando provado que não eram poucas as vendas não facturadas, porquanto o seu elevado volume resulta da restante matéria de facto. - - -
Por esse motivo, julgou-se não provado que a impugnante reconhecia que as vendas não facturadas eram poucas e tinham uma relevância insignificante (números 9) e 10) da matéria de facto), quer porque nessa parte não pode considerar-se confissão (art. 352.º do CC), quer porque a impugnante não fez prova do valor reduzido das vendas não facturadas. - - -
Do mesmo modo, não se julgou provado a matéria de facto do número 11), porque não sendo insignificante o volume das vendas, não é credível a justificação apresentada, bem como pela falta de prova de tal facto. Nenhuma das testemunhas comprovou esses factos. - - -
A restante matéria alegada pelas partes não foi julgada provada ou não provada por constituir conceito de direito, matéria conclusiva ou não relevar para a decisão da causa. - - -
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2. O Direito

As questões suscitadas neste recurso foram já objecto de acórdão proferido neste TCAN, em 07/12/2016, proferido no âmbito do Processo n.º 27/08.4BEPNF, que tratou idêntica situação, com a mesma impugnante, o mesmo relatório da fiscalização, com base nos mesmos meios probatórios, e cujo entendimento subscrevemos como 1.ª adjunta; somente com as diferenças de que nestes autos a Recorrente apresentou conclusões das alegações do recurso mais sucintas, na sequência de despacho judicial nesse sentido, e aqui está em causa IVA, referente ao período de 2003 a 2006.
Por semelhança ao caso sub judice e por economia de meios, visando a interpretação e aplicação uniforme do direito (cfr. artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil), acolhemos a argumentação jurídica aduzida naquele acórdão, uma vez que não vislumbramos justificação, neste curto espaço de tempo, para dessa jurisprudência nos afastarmos. Transcrevemos, por isso, o aí decidido, que deve ser lido e entendido com as devidas adaptações ao caso em apreço:
«(…) 2.1.2. Erro de julgamento sobre a matéria de facto
A Recorrente sustenta que a sentença recorrida errou no julgamento sobre a matéria de facto, quer quanto aos factos dados como provados, quer quanto aos factos dados como não provados.
No essencial, a Recorrente reitera toda a factualidade alegada na petição inicial, a qual, na sua óptica, foi toda provada nos autos e, consequentemente, essa factualidade tinha de ser dada como provada e não a que aí foi consignada pelo tribunal a quo. Assim, nas conclusões 10ª a 46ª e 60ª a 66ª da alegação de recurso, sustenta a Recorrente a prova de toda a factualidade por si alegada na petição inicial, com base nos documentos e na prova testemunhal produzida nos autos. Tal factualidade corresponde, grosso modo, à factualidade vertida nos artigos 6º a 41º da petição inicial.
Antes do mais, a factualidade referida nas conclusões 10ª a 41ª Estas conclusões foram suprimidas na versão sintetizada das conclusões das alegações de recurso no âmbito dos presentes autos, mantendo-se, contudo, o fundamento de recurso quanto ao erro de julgamento na decisão da matéria de facto – cfr. conclusões 2.ª a 14.ª. (com excepção da referida nas conclusões 16ª, 27ª, 28ª, 30ª, 33ª, 34ª a 37ª, 39ª a 41ª) corresponde à vertida nas alíneas III) a DDD) dos factos dados como provados, pelo que não se vislumbra o imputado erro de julgamento à sentença recorrida nesta parte.
A única factualidade que não foi dada como provada referida nas conclusões 16ª, 27ª, 28ª, 30ª, 33ª, 34ª a 37ª e 39ª a 41ª corresponde precisamente à factualidade considerada como não provada nos pontos 1) a 11) dos factos não provados.
Por conseguinte, o imputado erro de julgamento à sentença recorrida resume-se, nesta parte, a saber se esses factos dados como não provados [pontos 1) a 11)] deveriam ter sido dados como provados.
Das alegações de recurso resulta que a Recorrente sustenta a prova dessa factualidade nos depoimentos das testemunhas A…, G… e A…, cujos depoimentos, na parte relevante, transcreve.
Procedemos à reapreciação da prova testemunhal produzida nos autos, através da audição do registo magnético dos depoimentos das testemunhas na parte indicada pela Recorrente.
A primeira testemunha, A…, chefe de vendas da Impugnante, relativamente à factualidade aqui em causa, afirmou que, embora não fosse o seu serviço, sabia que os documentos das vendas eram entregues aos serviços administrativos (à D. G…), que depois enviavam as facturas aos clientes pelos “CTT”. Também afirmou que nunca nenhum cliente lhe disse que não recebeu a factura correspondente à compra titulada por orçamento ou guia de transporte. No entanto, também reconheceu que não tinha conhecimento de tudo.
A segunda testemunha, G…, administrativa, afirmou efectivamente que as vendas tituladas por orçamentos ou guias de transporte eram posteriormente facturados aos clientes. No entanto, para além de o seu depoimento se ter revelado nesta parte algo vago e impreciso, a instâncias da Representante da Fazenda Pública, reconheceu que à data dos factos não era a responsável pelo registo das facturas emitidas pela Impugnante.
Ademais, como refere o tribunal a quo na sua motivação “este depoimento sugere a possibilidade inverosímil de extravio das facturas alegadamente emitidas por si entre o momento da sua emissão e o do registo da contabilidade, possibilidade se nos afigura altamente improvável. Porém esta versão foi desmentida pelas declarações dos clientes que afirmaram de forma inequívoca que os produtos comprados à impugnante, titulados pelos referidos orçamentos ou guias de transporte, não foram facturados”. Sendo que o teor destas declarações não foi minimamente posto em causa pela Impugnante nos autos.
Por outro lado, esta testemunha também foi inquirida acerca do acesso dos funcionários aos computadores da Impugnante. Mas não deu qualquer explicação sobre a duplicação dos programas de computador. E aqui, tendo a administração tributária constatado que a base de dados “TESTE04 _ data.mdf”, que permitira o controlo das vendas não facturadas, não está identificada, impunha-se que fossem prestados esclarecimentos por parte da Impugnante.
Relativamente à componente industrial da Impugnante, declarou que a mesma começou em meados de 2004.
A última testemunha, A…, prestador de serviços de contabilidade à Impugnante desde 2005 (e anteriormente funcionário da mesma entre meados de 2004 a meados de 2005), afirmou que a componente da actividade industrial da Impugnante começou a partir de 2005, embora tenha referido que já existia anteriormente uma componente industrial, só que não era tão significativa ou não era tão forte como veio a acontecer a partir de 2005.
Do que vimos de dizer resulta que os depoimentos testemunhais não seriam suficientes para dar como provada a factualidade vertida nos pontos 1) a 11) dos factos não provados, designadamente que as vendas realizadas pela Impugnante, tituladas por orçamentos ou guias de transporte, eram depois facturadas aos clientes.
Não podemos deixar de concordar que se trata de depoimentos vagos, imprecisos e mesmo não coincidentes nalguns pontos (nomeadamente quanto ao início da componente industrial na Impugnante) e com lacunas em aspectos nucleares e que, como supra referimos, importaria esclarecer, e não olvidando que a posição dominantemente aceite na jurisprudência aponta no sentido de a reapreciação não poder subverter o princípio da livre apreciação das provas consagrado no art.º 655.º do CPC, na redacção aplicável e no art.º 396.º do CC (quanto à força probatória dos depoimentos das testemunhas), nenhuma censura nos merece o julgamento de facto efectuado pelo tribunal recorrido, nomeadamente ao considerar não provados estes factos alegados na petição inicial.
Com efeito, se é correcto que, no âmbito do processo judicial tributário, são admitidos os meios gerais de prova (art.º 115.º, n.º 1, CPPT), entre os quais, se inclui a prova testemunhal, não é menos certo ser aqui, também, aplicável a regra do art.º 396.º Cód. Civil, segundo o qual “[a] força probatória dos depoimentos das testemunhas é apreciada livremente pelo tribunal”.
E de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos - cfr. artº. 371.º do CC) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr. artº.655.º do CPC).
Assim, a modificação quanto à valoração da prova, tal como foi captada e aprendida pela 1ª instância, só se justificaria se, feita a reapreciação, fosse evidente a grosseira análise e valoração que foi efectuada na instância recorrida, importando, porém, não desprezar que o julgamento pelo tribunal a quo dispõe de um universo de elementos não apreensíveis em sede de recurso e que, naturalmente, são decisivos para o processo íntimo de formulação da convicção do julgador.
Feita a reapreciação da prova testemunhal produzida, não podemos deixar de concordar com a valoração probatória feita na sentença recorrida.
Deste modo, pelo que vimos de dizer, não há razão para se modificar a decisão de facto nesta parte, uma vez que, como referiu o tribunal a quo a prova produzida não demonstrou a realidade desses factos alegados (art.º 341º do CC).
Quanto aos factos dados como provados, e sem bem entendemos, a Recorrente afirma que os mesmos não deviam ter sido dados como provados precisamente por entender que tinham sido provados os factos que o tribunal recorrido considerou como não provados, e que estão em oposição àqueles.
Ora, como vimos, o tribunal recorrido não incorreu em qualquer erro de julgamento ao ter dado como não provados os factos referidos na sentença recorrida.
Por outro lado, o tribunal a quo deixou na motivação da decisão de facto bem explicitada a ponderação que fez da prova produzida nos autos, onde consta que: “(...) Estes depoimentos não foram suficientemente consistentes para abalar a convicção do tribunal, sustentada na prova objectiva e isenta constante do conteúdo dos computadores da impugnante, dos documentos recolhidos junto dos clientes da impugnante e das declarações prestadas por esses clientes, de que aquelas vendas não eram facturadas e contabilizadas. -
Mais. A prova produzida pela impugnante é abalada, quando ponderamos as incongruências assinaladas aos depoimentos das testemunhas arroladas por si (a possibilidade dos clientes ou de parte deles não contactarem a testemunha A… ou de não lhe manifestarem o desagrado da falta de emissão das facturas das vendas tituladas por orçamentos ou guias de transporte; a perda do rasto dão destino das facturas entre o momento da sua alegada emissão e o registo na contabilidade, de acordo com o depoimento de G… e o facto de A… ter declarado que não tinha conhecimento directo da actividade de emissão das facturas, admitindo a inexistência de irregularidades pelo profissionalismo que reconhece à funcionária G…), com a solidez e consistência da prova carreada pela administração tributária. - - -
Os próprios documentos juntos pela impugnante para prova que os orçamentos e guias de transporte eram todos facturados aos seus clientes não são bastantes para convencer o tribunal. Desde logo, porque dos documentos juntos pela impugnante, o valor de parte das facturas não corresponde ao valor dos orçamentos e guias de transporte, não se sabendo se correspondem uns aos outros; e na parte em que até coincidem, não quer dizer que fosse sempre observado esse procedimento, sobretudo porque foram os próprios clientes a reconhecer que faziam compras à impugnante que não eram facturadas, versão que é corroborada pela análise à informação objectiva que ressalta da análise do conteúdo dos ficheiros informáticos dos computadores da impugnante. - - -
“ (...) A ponderação da prova tem também de ter em conta a natureza objectiva (por exemplo prova documental) ou subjectiva (prova testemunhal) da prova e as relações existentes entre as testemunhas e as partes. A componente objectiva da prova carreada para os autos pela administração tributária, supera em muito a prova objectiva carreada para os autos pela impugnante. A prova subjectiva apresentada pela administração tributária correspondente às declarações dos clientes que é, necessariamente, mais isenta que a prova carreada pela impugnante, que apresentou como testemunhas duas pessoas que são seus trabalhadores e uma que é o seu técnico oficial de contas.”
Na verdade, a prova documental apresentada pela Recorrente e os depoimentos das testemunhas, pela sua generalidade e falta de concretização (e até mesmo, como já referimos, com algumas divergências), não é suficiente para abalar o que consta do Relatório de Inspecção Tributária, pelo que se nos afigura que bem andou o tribunal a quo ao valorar este preferentemente à restante prova produzida nos autos.
E, sendo assim, é de concluir que o tribunal de 1ª instância não incorreu em qualquer erro na apreciação e valoração da prova produzida nos autos quando, nos termos que vimos de referir, deu como provados e não provados os factos constantes da decisão de facto, improcedendo, consequentemente, o alegado erro de julgamento de facto.

2.2. O direito
2.2.1. A primeira questão que importa apreciar é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao concluir pela verificação dos pressupostos de facto e de direito que legitimavam a administração tributária a proceder à determinação da matéria tributável com recurso a métodos indirectos.
Nas conclusões 73ª a 78ª da alegação de recurso Nestes autos, conclusões 16.ª a 21.ª da versão sucinta das alegações de recurso., começa a Recorrente por sustentar, no essencial, que as liquidações impugnadas enfermam de vício de violação de lei, por erro de direito, uma vez que a AT recorreu a presunções, estimativas e indícios para apurar a matéria colectável sem que se tenham verificado os pressupostos legais para tanto (art.º 87.º e 88.º da LGT).
Ora, a Recorrente entende que não se verificam os pressupostos legais de recurso a métodos indirectos porque a decisão da administração tributária de proceder à avaliação indirecta da matéria tributável assenta num pressuposto de facto errado, designadamente na existência de uma actividade paralela, à margem da contabilidade. Assim, na óptica da Recorrente, se não se tivesse verificado tal erro nos pressupostos de facto, as escassas falhas detectadas na sua contabilidade podiam, e deviam, ter sido ultrapassadas através de correcções meramente aritméticas.
Portanto, e se bem interpretamos, esta ilegalidade acaba por estar relacionada com o erro nos pressupostos de facto que a Recorrente também imputa aos actos impugnados e que consubstancia nas conclusões 93ª a 100ª da alegação d0 recurso Nos presentes autos, conclusão 30.ª da versão sucinta das alegações de recurso.. Ou seja, em rigor, a Recorrente discorda é dos factos de que a administração tributária partiu para apurar a matéria tributável através de métodos indirectos.
De resto, lidas as conclusões de recurso (73ª a 100ª), constatamos que as mesmas correspondem, ipsis verbis, aos artigos 44º a 74º da petição inicial. Isto é, a Recorrente limita-se nas conclusões de recurso a reiterar as afirmações que fez na petição inicial sem, contudo, atacar os fundamentos aduzidos na sentença recorrida para concluir pela improcedência dos invocados vícios.
Vejamos então.
É sabido que, em regra, a matéria tributável é determinada directamente e com base nos elementos legalmente exigíveis e que o contribuinte tem de fornecer à administração tributária, uma vez que impende sobre os contribuintes obrigações acessórias de apresentação de declarações e de exibição da contabilidade ou escrita.
E nos termos do art.º 75.º, nº 1, da LGT “Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal”.
Existem, todavia, situações em que a matéria tributável não pode ser apurada de acordo e com base naquilo que o contribuinte declara, quer porque o contribuinte omite os seus deveres declarativos quer porque, perante determinados condicionalismos legalmente tipificados e aos quais se reporta o n.º 2 do art.º 75.º da LGT, a presunção de veracidade das declarações dos contribuintes cessa.
Nos casos em que, por qualquer das razões previstas na lei, a presunção consagrada no art.º 75.º, nº 1, da LGT deixa de funcionar, a administração tributária fica legitimada a efectuar a determinação da matéria tributável, com recurso para o efeito e preferencialmente de métodos directos ou, quando tal não seja possível, a métodos indirectos.
Por conseguinte, e como decorre do art.º 81.º, nº 1, da LGT, o recurso a métodos indirectos é excepcional.
Daí também que o legislador tenha estabelecido uma acrescida exigência de fundamentação da decisão administrativa que determine o recurso a esse método de avaliação (cf. art.º 77.º, nº 4, da LGT).
Em suma, o recurso a presunções ou métodos indirectos só é legitimado quando não existirem elementos que permitam apurar directamente o imposto, sendo patente a preocupação do legislador em objectivar as situações em que a matéria colectável pode ser fixada através dos denominados métodos indirectos e, portanto, o recurso a estes métodos depende da verificação dos respectivos pressupostos legais.
Por outro lado, tendo em conta a repartição do ónus da prova prevista na lei (cf. art.º 74.º da LGT e art.º 342.º do CC), compete à administração tributária demonstrar a verificação dos pressupostos legais que permitem a tributação por métodos indirectos, demonstrando nomeadamente que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido. Feita essa prova, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não se verificam ou que, verificando-se, houve erro ou manifesto excesso na quantificação (art.º 74.º, n.º 3, da LGT).
No caso concreto, os motivos e factos que implicaram o recurso a métodos indirectos para a determinação da matéria tributável pela administração tributária vêm discriminados no Relatório de Inspecção Tributária (fls. 100 a 126 do p. a. apenso Cfr. fls. 40 a 66 do processo administrativo apenso aos presentes autos.) e na decisão da revisão da matéria tributável, e são, nomeadamente os seguintes:
- Existência de guias de transporte e orçamentos, que em confirmação externa - junto dos clientes - certificaram que os mesmos se traduziram em vendas efectivas, não facturadas e não relevadas contabilisticamente (cf. “autos de declarações”, cópias de cheques emitidos e extractos de contas bancárias);
- Desconhecimento dos valores transmitidos para a totalidade dos períodos de tributação;
- Falta de colaboração, ao não dar cumprimento ao solicitado pela notificação efectuada pelos Serviços de Inspecção em 27/2/2007;
- A contabilidade não está devidamente organizada, reflectindo algumas fragilidades, designadamente a falta de registo de facturas de venda, a falta de discriminação do CMC no exercício de 2003, expressar em 2004 um custo de vendas de mercadorias superior ao respectivo custo e apresentar diferenças injustificadas no controlo quantitativo efectuado;
- Omissão de compras verificada, atentos os elementos que constam dos ficheiros apreendidos.
Com efeito, do Relatório de Inspecção Tributária resulta que a administração tributária concluiu pela existência de uma actividade paralela não contabilizada pela Impugnante sustentada não só na informação do conteúdo dos ficheiros informáticos existente no computador desta, como na prova recolhida junto dos seus clientes (documental e testemunhal), que corrobora a ilação quanto à existência de vendas não facturadas, na falta de apresentação por parte da Impugnante dos elementos solicitados pelos Serviços de Inspecção Tributária, na análise da margem de lucro bruto declarada e no controlo quantitativo e na constatação da falta de registo de compras.
Os elementos recolhidos pela administração tributária e vertidos no RIT e na decisão proferida no âmbito do procedimento de revisão da matéria tributável parecem-nos suficientes para se concluir pela falta de credibilidade da contabilidade da Impugnante, assim afastando a presunção de veracidade e de boa-fé da contabilidade e das declarações da Impugnante.
Assim, e como se entendeu na sentença recorrida, é de concluir que “a administração tributária recolheu prova suficiente para abalar a presunção de veracidade e boa-fé da contabilidade e declarações da Impugnante, revelando de forma fundada que a contabilidade da impugnante não revelava a sua matéria tributável real. A prova da administração tributária é bastante para, ao abrigo do disposto no art. 75.º, n.º 2, alínea a), da LGT, ilidir a presunção de veracidade e boa-fé da contabilidade da impugnante. - Simultaneamente a administração tributária demonstrou a impossibilidade de proceder-se à determinação directa e exacta da matéria tributável com base na contabilidade, já que a tributação directa teria que ter por base o resultado apurado na contabilidade e esta, como se demonstrou, não constitui elemento fidedigno da sua avaliação, verificando-se ainda erros e/ou insuficiências que não são susceptíveis de quantificação objectiva, o que fundamenta o recurso à aplicação de métodos indirectos para cálculo da matéria tributável para os exercícios de 2003 a 2006 (arts. 87.º, n.º 1, alínea b), e 88.º da LGT)”.
Em suma, da matéria de facto provada e não provada ressalta que a administração tributária alegou, fundamentou e comprovou, como lhe competia (art.º 74.º, n.º 3, da LGT), os pressupostos para aplicação dos métodos indirectos para determinação da matéria tributável da Impugnante para os exercícios de 2003 a 2005.
E a partir daqui, competia então à Impugnante/Recorrente vir ao Tribunal demonstrar que esses pressupostos não se verificam ou que, verificando-se, existia erro ou manifesto excesso na quantificação.
A este propósito, alheando-se completamente da fundamentação da sentença recorrida, insiste a Recorrente na tese defendida na petição inicial de que o recurso a métodos indirectos na determinação da matéria tributável assenta num pressuposto errado: a existência de uma actividade paralela, não declarada.
Sustenta, portanto, a Recorrente a existência de erro nos pressupostos de facto.
Ora, a este respeito, a argumentação vertida na sentença recorrida foi a seguinte: “A prova produzida pela impugnante corroborou até a versão da administração tributária. - - -
Por um lado, porque do depoimento das testemunhas inquiridas não resultou qualquer prova sustentável que abalasse a convicção do tribunal que a impugnante realizava vendas não facturadas. Veja-se a fundamentação da matéria de facto, da qual cumpre aqui sublinhar, que o chefe de vendas admitiu que podia ter sucedido que os clientes da impugnante não o tivessem alertado para a falta de emissão das facturas das vendas tituladas pelos orçamentos e guias de transporte, que demonstra a possibilidade de não ter conhecimento dos factos; que a funcionária acabou por admitir que à data dos factos não era a responsável pelo registo contabilístico das facturas, criando a possibilidade (diga-se inverosímil) de entre o momento em que alegadamente emitiu as facturas e o seu registo na contabilidade se pudessem ter extraviado; e finalmente o técnico oficial de contas que reconheceu que não tinha conhecimento directo dos factos, mas que admitia não ser possível a falta de emissão das facturas pelo profissionalismo que reconhecia à referida funcionária da impugnante. Ora estes depoimentos vagos das testemunhas da impugnante, são refutados e descredibilizados pelos depoimentos isentos dos clientes da impugnante aos serviços de inspecção tributária (que reconhecerem a existência de vendas não facturadas), corroborados pelos documentos recolhidos nos referidos clientes e pela análise coerente do conteúdo dos ficheiros informáticos da impugnante. - - -
Por outro lado, a prova documental junta pela impugnante também não corrobora a sua versão, não só porque o valor das guias de transporte, nem sempre coincide com o valor das facturas, não fazendo a correspondência entre umas e outras, como o facto de por vezes coincidir não poder significar que ocorresse sempre assim (sobretudo se ponderarmos estes factos com as declarações dos clientes da impugnante e os documentos recolhidos junto deles). - - -
Finalmente, o argumento invocado pela impugnante – da possibilidade de ocultar, viciar, danificar ou destruir o conteúdo dos computadores – não colhe, porquanto a ocorrer alguma dessas circunstâncias, e independentemente desses factos poderem ser constatados por peritos informáticos, a impugnante nunca veria comprovada a dúvida fundada, atento o disposto no art. 100.º, n.º 2, do CPPT. -
Aqui acresce salientar que nenhuma das testemunhas logrou comprovar que as vendas tituladas por orçamentos e guias de transporte tinham sido efectivamente facturadas e registadas na contabilidade, elementos que tinham sido solicitados à impugnante, em sede de inspecção, e que ela também não apresentou nem demonstrou.
Donde se conclui que a administração tributária alegou, fundamentou e comprovou, como lhe competia (art. 74.º, n.º 3, da LGT), os pressupostos para aplicação dos métodos indirectos (arts. 77.º, n.º 4, 87.º, alínea b), e 88.º da LGT) para determinação da matéria tributável da impugnante para os exercícios de 2003 a 2005.
Não existe qualquer erro sobre os pressupostos de facto de aplicação dos métodos indirectos.”
Acompanhamos este entendimento. Na verdade, como vimos a propósito do erro de julgamento de facto, a Impugnante não carreou para os autos prova bastante para convencer o tribunal da inexistência dos pressupostos para aplicação dos métodos, nem sequer para criar a dúvida fundada (art. 100.º, n.ºs 1 e 2, do CPPT), não trazendo quaisquer dados concretos que permitissem ao Tribunal duvidar do acerto da tributação efectuada, sendo que, pelos motivos que supra deixamos referidos, a prova documental apresentada pela Impugnante e os depoimentos das testemunhas não foram suficientes para abalar o que consta do Relatório de Inspecção Tributária.
Improcedem, pois, as conclusões 73ª a 78ª e 93ª a 100ª da alegação de recurso Aqui, conclusões 16.ª a 21.ª e 30.ª das alegações de recurso..

2.2.2. Mas a Recorrente também discorda da sentença recorrida na parte em que nesta se julgou improcedente o invocado erro na quantificação da matéria tributável (conclusões 79ª a 92ª Neste recurso, conclusões 22.ª a 29.ª.).
Ora, face aos indícios fundados de que a contabilidade da Impugnante não merece confiança, impunha-se à administração tributária que partisse de dados disponíveis para apurar a realidade que a contabilidade ocultava, utilizando elementos de facto conhecidos que, segundo as regras da experiência, pautadas por critérios de razoabilidade e de normalidade, conduzam à extrapolação dos factos desconhecidos, isto é, dos proveitos omitidos (assim, acórdão do TCAN de de 6/10/2005, Processo 00314/04).
E é também sabido que na quantificação por métodos indirectos há sempre dúvidas quanto ao resultado alcançado, pois apesar de também aqueles visarem a quantificação real, assentam em “indicadores que apenas podem fornecer uma indicação aproximada do valor que a matéria tributável provavelmente teria” - assim, Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume II, p. 137.
Por isso, se quer pôr em causa a quantificação da matéria tributável a que a administração chegou com recurso a métodos indirectos não basta ao sujeito passivo suscitar dúvidas quanto ao resultado obtido, impondo-se-lhe que demonstre a inadequação ou errada aplicação dos critérios de quantificação utilizados.
No caso dos autos, nos períodos em que havia elementos objectivos quanto às vendas realizadas não facturadas, tituladas pelos orçamentos e guias de transporte, a administração tributária considerou que o valor estimado das vendas correspondia a esse valor e relativamente ao mês de Dezembro de 2005, como não existia essa prova objectiva, considerou a média das vendas dos onze meses anteriores.
A par do cálculo dos proveitos, procedeu também ao cálculo dos custos estimados, deixando cabalmente explicado no RIT o critério utilizado nesse cálculo, tendo como referência a estrutura de custos da Impugnante no ano de 2005, por ser considerada como a mais próxima da realidade, sendo corrigida, para os exercícios de 2003 e 2004, para uma margem bruta de lucro com uma percentagem ainda inferior, mais benéfica para a Impugnante.
Daqui resulta, como entendeu o tribunal a quo, que a administração tributária utilizou critérios objectivos, sustentados em elementos concretos, adequados à situação em causa, e tendentes a aproximar-se o mais possível da realidade. Sendo que não se vislumbra em que se fundamenta a Recorrente para invocar que não foram observados pela administração tributária os princípios contidos nas normas do art.º 55.º e 59.º, ambos da LGT.
A Recorrente alheando-se, mais uma vez, da fundamentação da sentença recorrida, limitou-se a reproduzir ipsis verbis as alegações da petição inicial, fazendo meras referências genéricas e mesmo inconclusivas, sem as alicerçar em quaisquer factos concretos ou meios probatórios específicos.
Na verdade, a Recorrente não logrou fazer qualquer prova positiva sobre a existência de erro na quantificação efectuada pela administração tributária. O critério utilizado na determinação da matéria tributável está fundamentado quer quanto aos proveitos, quer quanto aos custos e a Recorrente não logrou provar que esses critérios fossem ostensivamente desadequados ou inadmissíveis ou que a realidade fosse diferente do resultado a que conduziu a utilização desses critérios.
Ademais, como se deixou referido na douta sentença recorrida, apesar de insistir na diferença da estrutura dos custos do ano de 2005, que serviu de critério, comparativamente com os anos de 2003 e 2004, a Impugnante não carreou para os autos qualquer prova objectiva bastante para sustentar a sua tese e, por outro lado, no cálculo dos custos que elaborou e juntou aos autos, e que constam de fls. 51/53, a Impugnante além dos custos com as mercadorias vendidas e matérias consumidas, presumiu ainda custos com impostos, outros custos operacionais, amortizações do exercício, custos e perdas financeiras e custos e perdas extraordinárias. Ora, com excepção dos custos relacionados com as mercadorias vendidas e matérias consumidas (que foram os considerados no cálculo da administração tributária), como se diz na sentença recorrida “os restantes custos ou já existiam ou não pode presumir-se (por exemplo os custos com impostos ou custos com amortizações) que existiam ou dependiam de prova objectiva. E além de não poder presumir-se tais custos, a fazê-lo estaríamos a fazer uma duplicação de custos, afastando-nos do princípio da determinação do rendimento real do sujeito passivo”.
Deste modo, é de concluir que a Recorrente não logrou provar, como lhe competia, a existência de excesso na quantificação da matéria tributável (art.º 74.º, n.º 3, da LGT), nem se nos afigura evidente que o excesso na quantificação resulte das regras da experiência comum ou seja manifesto, notório ou ostensivo em face dos factos alegados e fixados no probatório. (…)»
A análise que foi efectuada no acórdão transcrito é plenamente válida para a presente liquidação de IVA, dado que também aqui a Recorrente não logrou provar a existência de excesso na quantificação.
Aqui a impugnante alega que aplicando-se à avaliação indirecta, sempre que possível e a lei não prescrever em sentido diferente, as regras da avaliação directa (artigo 85.º, n.º 2, da LGT) e estando a administração tributária obrigada a exercer as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados (artigo 55.º da LGT) e a realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material (artigo 59.º da LGT), ponderando os critérios estabelecidos no artigo 90.º da LGT, a administração tributária não poderia chegar aos valores da matéria tributável fixados no relatório da inspecção.
O valor da matéria tributável apurado para cada exercício teria de ser 13.506,85 € em 2003; 14.120,05 € em 2004; 22.475,29 € em 2005 e 23.460,34 € em 2006, nos termos dos cálculos juntos pela impugnante, resultante da dedução ao IVA estimado, do IVA alegadamente suportado correspondente aos custos por si presumidos.
A impugnante alega, em síntese, que há erro na quantificação da matéria tributável porque a administração tributária não considerou o IVA suportado pela impugnante correspondente aos custos presumidos com consumos, fornecimentos e serviços externos e imobilizado, referente ao valor das vendas estimadas.
Contudo, não se vislumbra do teor das alegações de recurso a motivação para a Recorrente se insurgir contra o julgamento efectuado em primeira instância.
Isto porque o apuramento da matéria tributável por métodos indirectos visa, ao menos tendencialmente, alcançar o rendimento real e efectivo, a sua determinação deve, nos termos da lei, basear-se em todos os elementos concretos adequados à situação, não se estabelecendo qualquer constrangimento ao modo de a AT os verificar e colher, antes se lhe impondo um esforço de aproximação com a realidade.
Uma vez feita essa demonstração pela AT, passa a caber ao contribuinte demonstrar, positivamente, que houve erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada, não lhe bastando gerar fundada dúvida sobre a quantificação alcançada, já que face à natureza da quantificação com recurso a métodos indiciários não se pode exigir a mesma precisão que na quantificação feita com base na declaração do contribuinte, razão por que não basta a este criar uma dúvida razoável, antes se lhe exigindo a prova positiva de que os elementos utilizados pela AT ou o método que ela utilizou são errados.
Assim se refere na sentença recorrida: “(…) No caso em apreço, a administração tributária fundamentou cabal e objectivamente no relatório da inspecção tributária a quantificação da matéria tributável (alíneas LL) a QQ) da matéria de facto). - - -
A administração tributária revelou os critérios objectivos que seguiu para determinação do valor estimado das vendas e explicou os motivos porque procedeu desse modo (art. 77.º, n.º 4, da LGT). Quanto aos períodos em que havia prova objectiva das vendas realizadas não facturadas, tituladas por orçamentos e guias de transporte, a administração tributária considerou que o valor estimado das vendas correspondia ao valor dessas vendas. Relativamente aos meses de Dezembro de 2005 e 2006, como não havia prova objectiva das vendas tituladas por orçamentos e guias de transporte, a administração tributária considerou a média das vendas dos 11 meses anteriores. - - -
São critérios objectivos e determinados para o apuramento da matéria tributável, baseados em elementos concretos adequados à situação em apreço e que tendem a aproximar-se o mais possível da realidade (art. 90.º da LGT). - - -
Estes critérios respeitam e aproximam-se ainda do princípio da tributação do rendimento real. - -
(…) Tendo a administração tributária feito a demonstração e prova cabal da quantificação da matéria tributável, cabia então à impugnante demonstrar o erro ou manifesto excesso na quantificação da matéria tributável. - - -
(…), o controle judicial «só pode decidir-se pelo afastamento dos resultados obtidos se, posta em causa a quantificação pelo impugnante, este, mediante a produção de provas adequadas e fortemente convincentes, conseguir demonstrar que o funcionamento daquele poder discricionário conduziu e traduziu-se na fixação de resultados, no apuramento de valores, objectiva e inquestionavelmente, fora dos limites da razoabilidade, da mais ampla e impressiva aceitabilidade» . - - -
E a impugnante não logrou fazer prova que o valor estimado foi fixado «fora dos limites da razoabilidade, da mais ampla e impressiva aceitabilidade». - - -
Desde logo, a impugnante nem sequer questionou os critérios seguidos pela administração tributária para determinação do valor das vendas e cálculo da matéria colectável. Isto é, a impugnante não alegou que o erro ou excesso na quantificação da matéria tributável derivava dos critérios seguidos pela administração tributária: valor das vendas tituladas pelos orçamentos e guias de remessa e relativamente aos meses de Dezembro de 2005 e 2006, o valor médio das vendas dos 11 meses anteriores de cada um desses anos. - - -
Nesta parte, os critérios da administração tributária foram aceites pela impugnante. Note-se que a própria impugnante aceitou o valor das vendas apurado pela administração tributária, para cálculo do IVA que no seu entender era devido (fls. 143 a 148). - - -
A impugnante invoca apenas a falta de consideração dos custos com os rendimentos estimados, alegando que o imposto em dívida não é o apurado, porquanto não foi tido em consideração o IVA dos custos que a impugnante presumidamente suportou com a obtenção dos proveitos presumidos. - - -
Isto é, a impugnante diz que há erro e excesso de quantificação da matéria tributável, porque ao IVA apurado e liquidado adicionalmente não foi deduzido o IVA alegadamente suportado com os consumos, fornecimentos e serviços externos e imobilizado relativos aos valores das vendas presumidas. - - -
Porém, a impugnante não tem razão por três motivos. - - -
Primeiro, porque o erro na quantificação da matéria tributável não pode confundir-se com o apuramento do imposto devido. Uma coisa é o apuramento da matéria tributável para efeito de IVA devido – e faz-se por determinação do valor da venda a que vai aplicar-se a respectiva taxa do IVA – outra coisa são as declarações periódicas do IVA, que têm em conta o valor do IVA liquidado e do IVA pago, de cuja diferença resulta o IVA a pagar ou a receber pelo sujeito passivo. - - -
Numa situação como a dos autos, a liquidação adicional apura apenas o IVA devido por aplicação directa da taxa legal de IVA devido ao valor da venda. Nesta liquidação adicional, não é considerado, nem tido em conta, o IVA suportado pela impugnante com os produtos adquiridos e eventuais custos de produção do valor das vendas presumidas. Esta operação resultaria, numa situação normal, do apuramento do IVA devido pelas declarações periódicas de IVA, numa situação de apuramento do IVA por métodos directos, com base nas declarações do sujeito passivo. - - -
Sendo uma situação de apuramento do IVA por métodos indirectos, a matéria tributável é presumida e é-lhe aplicada a taxa legal devida. Não há qualquer declaração periódica de IVA que leve em conta o IVA pago pela impugnante. Este já foi considerado nas declarações periódicas do IVA a que respeitam os períodos das liquidações adicionais do IVA. - - -
Em segundo lugar, porque não é legalmente admissível a ficção do IVA pago pela impugnante com os custos da produção das vendas presumidas. Por outras palavras, a administração tributária pode presumir as vendas, mas para efeitos de IVA (ao contrário do IRS e IRC) não pode presumir os custos e o IVA que a impugnante presumidamente pagou correspondente aos custos estimados. - - -
Ou seja: para determinação da matéria tributável do IRS ou IRC a administração tributária pode presumir os custos suportados pela impugnante, para deduzir aos proveitos. O que não pode é presumir o IVA correspondente a esses custos e deduzi-lo ao IVA apurado através de métodos indirectos, como defende a impugnante. - - -
Com efeito, só é legalmente deduzível o IVA constante de uma factura ou documento equivalente passados em forma legal (arts. 19.º, n.ºs 2, alínea a), e 6, e 36.º do CIVA). - - -
(…) Numa situação de avaliação por métodos indirectos, em que a matéria tributável é presumida, não existem facturas ou documentos equivalentes que comprovem o valor das vendas (nesse caso haveria tributação directa). O custo das mercadorias vendidas e encargos suportados pelo sujeito passivo para obtenção do valor das mercadorias vendidas também tem de ser presumido (tal como o fez a impugnante). E sendo presumido não existe factura ou documento equivalente, em forma legal, que comprove o IVA suportado pelo sujeito passivo com um custo presumido. Isto é, não pode presumir-se o IVA devido pelo sujeito passivo correspondente aos custos presumidos (pode presumir-se o custo (para efeitos de IRS e IRC) não pode é presumir-se o IVA do custo presumido). - - -
Se nos custos presumidos não há factura ou documento equivalente em forma legal (art. 35.º do CIVA em vigor à data dos factos, actual 36.º), o hipotético IVA dos custos presumidos não pode ser deduzido (art. 19.º, n.ºs 2, alínea a), e 6, do CIVA). - - -
A impugnante não tem qualquer razão, nem fundamento legal para invocar a dedução do IVA com os custos presumidos e não pode invocar essa dedução como fundamento do erro na quantificação da matéria tributável. - - -
Em terceiro lugar, porque a impugnante não fez prova dos factos alegados. - - -
Como se disse, a prova dos factos relativos à dedução do IVA tem de ser feita por documento comprovativo do direito invocado, isto é de factura emitida em forma legal. A prova do direito à dedução não pode ser substituído por qualquer outro meio de prova. - - -
No caso em apreço a impugnante não juntou qualquer factura que comprove o IVA suportado com consumos, fornecimentos e serviços externos e imobilizado, relativos ao valor das vendas presumidas. - - -
Assim e independentemente de não ser admissível a dedução desse IVA, por não contender com o apuramento da matéria tributável e como tal não constituir fundamento de erro na quantificação da matéria colectável, a impugnante não demonstrou nem comprovou a ocorrência de qualquer erro ou manifesto excesso na quantificação da matéria tributável. - - -
«Podendo parecer estar-se aqui a erigir uma barreira intransponível para o impugnante, que invoque este fundamento legal e expresso de impugnação judicial, cumpre recordar que, grosso modo, a utilização de métodos indirectos de avaliação da matéria tributável se impõe, destacadamente, nas situações em que o respectivo apuramento se mostra inviabilizado pela falta de credibilidade, inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração da responsabilidade do sujeito passivo» . - - -
Uma vez determinada a inevitabilidade do recurso aos métodos indirectos, em que a matéria colectável revela «valor aproximado do que provavelmente a matéria tributável efectiva terá tido. Só é viável e legalmente sustentável uma decisão no sentido da anulação do acto tributário impugnado, por alegado erro em sede de quantificação da matéria tributável, caso o impugnante, sem reticências ou necessários reparos, demonstre, comprove, a ocorrência de erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada”» . - - -
Porém, a impugnante não logrou comprovar a existência de qualquer erro ou excesso de quantificação da matéria tributável. (…)”
A Recorrente reconhece nas suas alegações de recurso que o entendimento vertido na sentença recorrida segue a doutrina e a jurisprudência e que se encontra a “remar contra a maré”.
Todavia, a Recorrente, ao invés de se focar no caso concreto e nas suas particularidades, alheou-se, mais uma vez, da fundamentação da sentença recorrida, limitando-se a reiterar, com mais desenvolvimento, o invocado na petição inicial, fazendo meras referências genéricas e mesmo inconclusivas, nomeadamente no que tange ao mecanismo e modo de funcionamento do IVA, sem as alicerçar em quaisquer factos concretos ou meios probatórios específicos.
Na verdade, a Recorrente não logrou fazer qualquer prova positiva sobre a existência de erro na quantificação efectuada pela administração tributária, nem se nos afigura evidente que o excesso na quantificação resulte das regras da experiência comum ou seja manifesto, notório ou ostensivo em face dos factos alegados e fixados no probatório.
E assim sendo, nenhuma censura merece a sentença recorrida que assim entendeu, improcedendo, pois, todas as conclusões de recurso.
Conclusões/Sumário

I - Por força do princípio da imediação, a tarefa de reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso está limitada aos casos em que ocorre erro manifesto ou grosseiro ou em que os elementos documentais fornecem uma resposta inequívoca em sentido diferente daquele que foi considerado no tribunal a quo.
II - Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação (artigo 74.º, n.º 3 da LGT).
III - Estando definitivamente decidido que, no caso, a Administração Tributária demonstrou a ocorrência dos necessários pressupostos legais à utilização de métodos indirectos, por um lado e, por outro, apresentando-se adequadamente fundamentados os critérios de que a Administração Tributária se serviu na tarefa de quantificação, era à impugnante que se impunha demonstrar que a utilização de tais critérios conduziu, sem margem para dúvidas fundamentadas, a um resultado final sem qualquer aderência à realidade, demonstração essa que não logrou fazer, sem olvidar que, mesmo a subsistir qualquer dúvida, o que se postula por comodidade de raciocínio, ela sempre teria de desfavorecer a Recorrente.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas a cargo da Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.
Porto, 21 de Dezembro de 2016.
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Paula Moura Teixeira
Ass. Fernanda Esteves