Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01229/12.4BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/31/2014
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Pedro Marchão Marques
Descritores:IMPUGNAÇÃO; NULIDADE; OMISSÃO DE PRONÚNCIA.
Sumário:i) O juiz deverá resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução que foi dada a outras.
ii) Construindo a impugnante a causa de pedir com alegação da existência de vícios respeitantes a falta de fundamentação e erro nos pressupostos de facto, com consequências para o desfecho da impugnação judicial, incorreu em omissão de pronúncia a sentença que não apreciou tais questões, verificando-se, pois, a nulidade a que se referem os artigos 668.º, n.º 1, alínea d), do CPC e 125.º, n.º 1, do CPPT.
iii) A nulidade da sentença não obsta a que o Tribunal de recurso conheça do objecto da impugnação, mas esse conhecimento só lhe é permitido no caso de os autos fornecerem todos os elementos para o efeito, o que não se verifica quando nestes têm que ser efectuadas diligências instrutórias necessárias à fixação da matéria de facto.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:E..., Lda.
Recorrido 1:EP-Estradas de Portugal, SA
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

E…, LDA, interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra o acto de liquidação da taxa de publicidade praticado pela EP – Estradas de Portugal, SA, no valor de EUR 1.362,96 e referentes ao ano de 2011.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

1ª- O Meritíssimo Juiz ‘a quo’ deixou por apreciar as seguintes questões suscitadas pela impugnante: a) falta de competência do Director Regional da “EP” para liquidar e cobrar a taxa em apreço; b) o Estado não pode constranger o contribuinte ao pagamento de uma taxa, mas sim e só recusar-lhe a vantagem se a taxa não for paga; c) falta de fundamentação de facto do acto impugnado; d) o a.a. está eivado de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto;

2ª- Tal conduta constitui omissão de pronúncia com influência na decisão da causa, determinando a nulidade do acto praticado;

3ª- Aliás, o Meritíssimo Juiz ‘a quo’ ao conhecer logo o pedido, sem que o processo fornecesse todos os elementos necessários (quanto à matéria de facto), violou o estatuído no nº 1 do artigo 113º do C.P.P.T.;

4ª- A impugnante/recorrente alegou factos, juntando documentos e arrolando testemunhas, que não foram considerados pelo Meritíssimo Juiz ‘a quo’;

5ª- Pese embora ter declarado que “Com relevância para a decisão da causa, nada mais se provou”, o Meritíssimo Juiz ‘a quo’ também não deu como provados factos alegados pela impugnante e que indubitavelmente se revelavam com interesse para a decisão da causa;

6ª- O Meritíssimo Juiz ‘a quo’ não podia ter apreciado e decidido a questão de mérito sem previamente ter ordenado, ou permitido, a produção da prova requerida, nomeada e principalmente a prova testemunhal requerida pela impugnante;

7ª- Só após a prolação da douta sentença recorrida foi possível à impugnante conhecer o verdadeiro sentido e alcance da decisão constante de fls. …, a dispensar a produção de prova testemunhal.

8ª- O direito de prévia audição do interessado tem consagração constitucional (artigo 267º nº 5) e encontra-se previsto nos artigos 45º do CPPT, 60º da LGT e 8º do CPA;

9ª- Não foi respeitado, em sede de prévia audição da interessada, o direito a produzir prova, o direito a que a prova pertinente oferecida venha a ser produzida (e que tal produção de prova seja efectuada antes da decisão final) e o direito a controlar a produção da prova;

10ª- No caso em apreço não foi respeitado o verdadeiro exercício do contraditório;

11ª- A situação adensa-se e agrava-se, no caso em apreço, na medida em que a ‘EP’ anexou à decisão final um documento, supostamente da autoria da Impugnante, sem que previamente lhe tivesse sido dada a possibilidade de sobre o mesmo se pronunciar.

12ª- A impugnante recorrente foi desatendida na sua alegação de erro sobre os pressupostos de facto sem que o Meritíssimo Juiz ‘a quo’ apreciasse tal matéria e sem que permitisse àquela produzir a prova requerida;

13ª- A ‘EP’ não dispõe de poderes para conceder autorização ou licenças pela implantação de tabuletas e objectos de publicidade e para liquidar e cobrar a taxa prevista no Decreto-Lei 13/71;

14ª- A norma constante da alínea j) do artigo 15º do DL nº 13/71, de 23 de Janeiro, actualizado pelo DL 25/2004, de 24 de Janeiro, que constitui o suporte jurídico da taxa cuja cobrança coerciva a ‘EP’ pretende, quando interpretada no sentido de que a taxa há-de ser calculada tendo em conta a área total da tabuleta ou objecto de publicidade, independentemente da dimensão de tais tabuletas ou objectos, viola o princípio constitucional da proporcionalidade, ínsito no artigo 266º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

15ª- A taxa (em contraposição ao imposto ou à contribuição financeira) não pode ultrapassar o custo ocasionado com a actividade pública desencadeada para emissão do acto de licenciamento ou para a prestação do serviço individualizado (o custo é um elemento-travão);

16ª- Permitindo a lei, como permite, que a entidade pública cobre uma taxa que vai muito para além do custo ocasionado com a actividade pública desencadeada para a emissão do acto, deixamos de estar perante uma taxa para passarmos a estar perante um imposto;

17ª- O regime jurídico que prevê a obrigatoriedade de emissão de parecer e cobrança da respectiva taxa — tudo sem que este tenha sido solicitado e, quiçá emitido! — há-de ser perspectivado como um obstáculo jurídico arbitrário, como uma intervenção abusiva limitadora do "jus utendi" de um bem privado, com o fim único de obter receitas, pois é certo e sabido que o bem jurídico tutelado está já tutelado pelos órgãos do Município que licenciam a publicidade em causa.

18ª- Deste modo a taxa aplicada pela 'EP', fundamentada na alínea j) do artigo 15º do DL nº 13/71, actualizado pelo DL 25/2004, inexiste na ordem jurídica portuguesa por tal norma violar o disposto nos artigos 103º, nº 2 e 165º, nº 1, al. i) da CRP.

TERMOS EM QUE, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, revogada a douta sentença recorrida, como é de inteira e sã Justiça.



A Recorrida, EP – Estradas de Portugal, SA apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso, confirmando-se a sentença recorrida


Neste Tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no qual se pronunciou pela procedência do recurso.

Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à Secção do Contencioso Tributário para julgamento do recurso.


I. 1. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões (art.s 660.º, n.º 2, 664.º e 684.º, n.º s 3 e 4, todos do CPC ex vi art. 2.º, al. e), e art. 281.º do CPPT), traduzem-se em apreciar:

i) Se a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia;

ii) Se a sentença recorrida se encontra afectada por nulidade processual ao ter conhecido imediatamente do pedido;

iii) Se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de facto e em erro de julgamento de direito, designadamente por errada interpretação e aplicação da alínea j) do artigo 15.º do Decreto-lei n.º 13/71, actualizado pelo Decreto-lei n.º 25/2004.


II. Fundamentação

II.1. De facto

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

A) A impugnante foi notificada em 07.03.2012, pelo Director Regional da Delegação Regional de Braga da EP – Estradas de Portugal SA, para efectuar o pagamento da taxa no valor de €1.362,96 correspondente a 24 m2 x € 56,79 – doc de fls 15 e 17 dos autos;

B) Na notificação recebida em A) a impugnante foi ainda notificada para “no prazo de 10 dias úteis, contados da data da notificação (...) alegar por escrito o que tiver por conveniente e no caso de realização de audiência, fica suspensa a contagem do prazo para pagamento da taxa referida” – doc de fls 15 dos autos;

C) Por carta datada de 20.03.2012 a impugnante respondeu à notificação efectuada em B) e arrolou uma testemunha – fls 19 dos autos;

D) Em 30.05.2012 foi proferida decisão pelo Diretor da Delegação Regional, por delegação de competência - fls 23 e 24 dos autos;

Foi a seguinte a motivação da decisão da matéria de facto:

A decisão sobre a matéria de facto assenta nos documentos e informações constantes do processo juntos pelas partes e nas posições assumidas nos respectivos articulados.


Não foi fixada factualidade não provada com interesse para a decisão.



II.2. De direito

Na primeira conclusão das alegações do recurso, a Recorrente invoca a existência da nulidade por omissão de pronúncia, com fundamento em a Mma. Juiz a quo não ter apreciado as seguintes questões por si suscitadas: “a) falta de competência do Director Regional da “EP” para liquidar e cobrar a taxa em apreço; b) o Estado não pode constranger o contribuinte ao pagamento de uma taxa, mas sim e só recusar-lhe a vantagem se a taxa não for paga; c) falta de fundamentação de facto do acto impugnado; d) o a.a. está eivado de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto”.

Vejamos então se estamos em face de uma omissão de pronúncia geradora da nulidade da sentença, nos termos plasmados no artigo 125.º, n.º 1, do CPPT.

Dispõe o artigo 125.º, n.º 1, do CPPT que: “Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”.

A nulidade por omissão de pronúncia tem lugar apenas quando se verifica uma violação dos deveres de pronúncia do tribunal sobre questões que deveria conhecer, o que, de acordo com o disposto no artigo 660.º, n.º 2 do CPC (aplicável ex vi art. 2.º, al. e), do CPPT e na redacção então vigente), significa que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Por outro lado, constitui jurisprudência pacífica e reiterada que a omissão de pronúncia existe quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões, sendo que, como ensina o Prof. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil, Anotado, vol. V, p. 143: “Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que eles se apoiam para sustentar a sua pretensão”. Como se afirmou no recente acórdão deste TCAN de 26.09.2013 (proc. n.º 1903/12.5BEBRG): “A doutrina e a jurisprudência distinguem as questões dos argumentos ou razões (para concluir que só a falta de pronúncia sobre questões de que o tribunal deva conhecer integra a nulidade prevista no artigo 668.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil. Como referia o Professor Alberto dos Reis (in «Código de Processo Civil Anotado», Volume V, Coimbra Editora 1984, Reimpressão, pág. 143) «São, na verdade coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão» (na jurisprudência, vd. por todos o Acórdão da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo de 2008.05.21, Proc.º n.º 0437/07).

Portanto, a apontada nulidade só ocorre nos casos em que o tribunal “pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão sobre a qual devesse tomar posição, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento. No entanto, mesmo que entenda não dever conhecer de determinada questão, o tribunal deve indicar as razões por que não conhece dela, pois, tratando-se de uma questão suscitada, haverá omissão de pronúncia se nada disser sobre ela” (cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, vol. II, 6.ª ed., 2011, p. 363) – neste sentido, entre muitos outros, podem ver-se os acórdãos do STA de 13.07.2011 e de 20.09.2011, proferidos nos recursos n.ºs 574/11 e 268/11, respectivamente, e o recente acórdão deste TCAN de 10.10.2013, proc. n.º 1481/08.0BEBRG.

E compulsada a petição inicial, em particular os seus artigos 10.º a 23.º, 45.º a 48 e 49.º a 60.º, verificamos que a ora Recorrente constrói a sua causa de pedir, efectivamente e também, por referência às questões supra enunciadas, invocando os pertinentes vícios e requerendo a anulação da liquidação impugnada.

Na sentença recorrida, a Mma. Juiz do TAF de Braga, identificou a questão a decidir do seguinte modo:

Alegando [a impugnante e ora Recorrida], em síntese, que as importâncias exigidas de licença de publicidade não podem ser consideradas como taxas, por não verificação dos pressupostos exigidos por lei, antes configurando verdadeiro imposto para o qual a exequente não tem legitimidade para a sua aplicação e cobrança face à Constituição da República Portuguesa (CRP) e o errado cumprimento do direito de audição.

Concluindo o tribunal a quo que a impugnação deduzida teria que improceder, com a seguinte fundamentação:

“Quanto ao argumento da impugnante quando refere que a impugnada proferiu decisão definitiva sem ter ouvido a testemunha e sem justificar o motivo pelo qual não procedia à sua inquirição cumpre referir que o direito de participação encontra consagração constitucional no artigo 267º nº 5 da Constituição da República Portuguesa, e concretiza-se no direito do audição prévia dos interessados, conferindo ao particular o direito de se pronunciar antes da decisão final por forma a poder influenciar o seu sentido e assim participar na sua formação.

No caso em apreço a impugnante foi ouvida, pois tal resulta do despacho do Diretor da Delegação Regional, não tendo que ser de forma oral, pelo que foi cumprida a formalidade.

Não assiste portanto razão ao impugnante.

Quanto á questão da incompetência da E.P Estradas de Portugal para licenciar a afixação de publicidade

Cumpre referir que: (…)

Não se demonstra pois que a EP, Estradas de Portugal, SA, tenha actuado fora das suas competências e atribuições legais ao liquidar e cobrar as taxas sindicadas (Neste sentido vide também o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 08.06.2011, recurso 140/11, onde se concluía já que o, então, IEP - Instituto de Estradas de Portugal, gozava de habilitação legal ou competência para a cobrança por meio de execução fiscal de taxas de licença para a implantação de tabuletas ou objectos de publicidade na denominada zona de protecção à estrada.).

Assim sendo o acto tributário em causa nos autos não padece da apontada.[?].

Da eventual inconstitucionalidade da taxa por violação do princípio da proporcionalidade e a sua inconstitucionalidade orgânica: (…)

Este Tribunal tem rejeitado o entendimento de que uma taxa cujo montante exceda o custo do serviço prestado se deve qualificar como imposto, acentuando que o carácter sinalagmático do nexo entre o pagamento desse tributo e a prestação da actividade pelo ente público não é descaracterizado se não existir equivalência económica, bastando, essencialmente, a correspondência jurídica (Acórdão n.º410/00 e, entre muitos outros, Acórdãos n.ºs 1140/96, 115/02, 269/02 e 258/08, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).

Ora, é esta correspondência jurídica que não pode ser negada nos presentes autos, sendo irrelevante, porque está em causa este tipo de correspondência e não uma qualquer equivalência económica, a argumentação no que se refere à não distinção entre taxa de autorização e taxa de licença e ao cálculo da taxa em função do metro quadrado dos objectos publicitários (artigo 15.º, n.º 1, alínea j), do Decreto-Lei n.º 13/71).

Por não ser condição da qualificação de um tributo como taxa a correspondência económica entre este e o custo do serviço prestado, as opções feitas pelo legislador (ou pela Administração) na fixação do montante das taxas são, em princípio, insindicáveis por este Tribunal, que, quando muito, poderá cassar as decisões legislativas (ou regulamentares), se, entre o montante do tributo e o custo do bem ou serviço prestado, houver uma desproporção intolerável – se a taxa for de montante manifestamente excessivo (Acórdão n.º 1140/96).

Nos presentes autos, nada permite concluir que a taxa prevista no artigo 15.º, n.º1, alínea j), do Decreto-Lei n.º 13/71, actualizada pelo Decreto-Lei n.º 25/2004, seja de montante manifestamente excessivo (…)

A autorização que dá origem ao pagamento do tributo previsto na alínea j) do n.º 1 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 13/71, supõe a verificação de que a estrada ou a perfeita visibilidade do trânsito não são afectadas ou de que não é necessário impor quaisquer outras condições que, por circunstâncias especiais, se torne necessário estabelecer (artigo 12.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 13/71). O que permite concluir que se trata do levantamento de um obstáculo jurídico real, ditado por um genuíno interesse administrativo. Há aqui a remoção de uma proibição (relativa) da atividade publicitária para salvaguarda das condições de segurança rodoviária, com a consequência de se dever qualificar a receita em causa como taxa.

Esta qualificação afasta a alegação do impugnante no sentido da inconstitucionalidade orgânica do artigo 15.º, n.º 1, alínea j) do Decreto-Lei n.º 13/71, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 25/2004.

(…).”

Em face da transcrição supra da sentença sob recurso, temos por assente que na mesma, individualizaram-se duas questões a decidir: a qualificação do tributo liquidado e o cumprimento do direito de audição.

Por seu lado, o discurso fundamentador exarado na sentença recorrida assentou, ao que aqui interessa, na questão relativa ao cumprimento do direito de participação, concluindo-se que no caso este havia sido garantido, na questão da competência da Estradas de Portugal para licenciar a afixação de publicidade, concluindo-se pela sua atribuição, e na questão da qualificação do tributo, concluindo-se tratar-se de uma taxa e não de um imposto, com as inerentes consequências, designadamente, ao nível da desnecessária equivalência económica perfeita entre benefício auferido e serviço prestado. Foram estas, pois, as “questões” tratadas.

Pelo que, salvo o devido respeito, não pode concluir-se como o faz a Recorrente que se verifica omissão de pronúncia no que se refere à alegada inexistência de competência da ora Recorrida para liquidar e cobrar a taxa em questão, no que se inclui a alegada falta de competência do seu Director Regional. Poderá existir erro de julgamento, mas não omissão de pronúncia. De igual modo, o tribunal a quo não deixou de tratar a questão da exigibilidade/validade do pagamento da mesma taxa, reproduzindo, nesta parte, a jurisprudência existente sobre a matéria.

Sucede que, como se assinalou já, a impugnante, ora Recorrente, havia impugnado a liquidação também com fundamento na existência de falta de fundamentação (cfr. art.s 10.º a 23.º da p.i.) e erro sobre os pressupostos de facto (cfr. art.s 49.º a 60.º da p.i.). Ou seja, suscitou, igualmente, o vício de forma por deficiência da fundamentação legalmente exigida e o erro sobre os pressupostos de facto, por se ter dado como existente um facto tributário que não existiu.

Ora, sobre estas questões o tribunal a quo nada diz.

Por outro lado, não se poderá argumentar sequer que o conhecimento destas questões ficou prejudicado pela solução que foi dada a outras, pois que as matérias da competência para a liquidação do tributo e natureza deste em nada respeitam ou colidem com as matérias relativas à falta de fundamentação do acto e ao erro sobre os pressupostos de facto. Neste ponto há que salientar que a impugnante, o que reitera no presente recurso, alegou que não foi concretizado qual o tipo de publicidade efectuada, nem o local exacto onde a mesma supostamente se encontraria implantada, sendo que, de resto, expressamente arguiu que não existia naquele momento qualquer painel afixado (cfr. art. 40.º da p.i.).

Por outro lado ainda, a nulidade em análise abrange toda a decisão recorrida e contende com a totalidade do seu segmento decisório.

Portanto, e em suma, assentamos em que o Tribunal a quo não se pronunciou, de todo, sobre as referidas questões e que dela devia ter conhecido. Assim sendo, há que concluir que a sentença incorreu em omissão de pronúncia, verificando-se, pois e na medida do exposto, a nulidade a que se referem os artigos 668.º, n.º 1, alínea d), do CPC e 125.º, n.º 1, do CPPT, com o que procedem as conclusões 1.ª e 2.ª do recurso interposto.

Haverá, agora, que saber, de acordo com o art. 715.º do CPC, se se pode aplicar no processo vertente a regra da substituição do tribunal ad quem ao tribunal recorrido, nos termos da qual os poderes de cognição deste Tribunal Central Administrativo Norte incluem todas as questões que ao tribunal recorrido era lícito conhecer, ainda que a decisão recorrida as não haja apreciado.

A competência conferida à 2ª Instância para reapreciar o julgamento da matéria de facto e alterar, em via de substituição, o julgado em 1ª Instância, apenas é possível se do processo constarem todos os elementos de prova, de acordo com o disposto no art. 712.º, n.º 1, al. a) do CPC (na redacção aplicável) ex vi art. 2.º, al. e) do CPPT, além da hipótese estatuída na alínea b) do mesmo n.º 1 do citado art. 712.º (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil", 2.ª ed., p. 415).

Ora, cumpre realçar, examinada a factualidade provada (v. supra) surge como óbvia a conclusão de que a mesma não contém os elementos de facto necessários à prolação de decisão, uma vez que nada vem referido quanto à identificação do painel de publicidade concretamente em causa, nem, no que assume relevância fundamental, quanto à sua efectiva colocação – existência – como avançado pela Recorrida e de acordo com o que foi efectuada a liquidação impugnada. Como já se teve oportunidade de referir, a ora Recorrida arguiu oportunamente que não existia naquele momento qualquer painel afixado no local (cfr. art. 40.º da p.i.), sendo que sobre essa mesma factualidade, que se apresenta como controvertida, requereu a produção de prova testemunhal (cfr. req. de fls. 58).

É certo que existe nos autos um documento que indicia a colocação do painel publicitário, concretamente o documento constante de fls. 77. Porém, não só o mesmo se apresenta como parcialmente ilegível, como a sua relevância para os autos vem questionada na pronúncia emitida pela impugnante, ora Recorrente, no requerimento de fls. 81-82. Para além de que, em sede de audiência prévia, havia sido alegada a inexistência de publicidade no local indicado, como expressamente consta do doc. de fls. 19). Ou seja, perante a documentação carreada para os autos, não pode este tribunal de recurso avaliar os elementos factuais referidos, de modo a dá-los, sem mais, como assentes.

A nosso ver, para decidir conscienciosamente a impugnação deduzida, exige-se que estejam devidamente esclarecidos todos os elementos que acima enunciámos, sem os quais não se torna possível julgar as questões colocadas. Esclarecimento que, aliás, se impõe ao juiz do tribunal a quo de acordo com o princípio do inquisitório, vigente em direito tributário nos termos dos artigos 99.º da LGT e 13.º do CPPT, o qual consiste no poder de ordenar as diligências que entender necessárias para a descoberta da verdade (quanto aos factos alegados pelas partes e aos de conhecimento oficioso).

Face ao exposto, cumpre julgar totalmente procedente o recurso sob apreciação, com o que fica prejudicado o conhecimento do demais suscitado, e, em consequência, declarar a nulidade da sentença recorrida e a devolução dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, para aí ser indagada a factualidade que deixámos indicada e, após as respectivas diligências instrutórias tidas por convenientes, ser proferida nova decisão.



III. Conclusões

Sumariando:

i) O juiz deverá resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução que foi dada a outras.

ii) Construindo a impugnante a causa de pedir com alegação da existência de vícios respeitantes a falta de fundamentação e erro nos pressupostos de facto, com consequências para o desfecho da impugnação judicial, incorreu em omissão de pronúncia a sentença que não apreciou tais questões, verificando-se, pois, a nulidade a que se referem os artigos 668.º, n.º 1, alínea d), do CPC e 125.º, n.º 1, do CPPT.

iii) A nulidade da sentença não obsta a que o Tribunal de recurso conheça do objecto da impugnação, mas esse conhecimento só lhe é permitido no caso de os autos fornecerem todos os elementos para o efeito, o que não se verifica quando nestes têm que ser efectuadas diligências instrutórias necessárias à fixação da matéria de facto.


IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em:

- Conceder provimento ao recurso quanto à primeira questão suscitada; e, em consequência,

- Anular a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga a fim de aí ser proferida nova decisão que, após ampliação da matéria de facto nos termos indicados, aprecie todos os fundamentos da impugnação.

Custas, pelo Recorrido.

Porto, 31 de Janeiro de 2014

Ass. Pedro Marques

Ass. Pedro Vergueiro

Ass. Nuno Bastos