Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02775/17.9BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/19/2020
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA - PRESENÇA EM TERRITÓRIO NACIONAL - LEI Nº. 23/2015, DE 04.07.
Sumário:I- A imposição de “Presença em território português” formulada na alínea c) do nº.1 do artigo 77º da Lei n.° 23/2015, de 4 de julho, não é confundível ou equiparável à obrigatoriedade de “Residência em território português”.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS [SEF]
Recorrido 1:P.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I – RELATÓRIO
MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA – SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS [SEF], com os sinais dos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto promanada no âmbito da Ação Administrativa intentada por P., também com os sinais dos autos, que, em 17.01.2019, que julgou a presente ação procedente, e, em consequência, condenou o Réu, aqui Recorrente, “(…) a emitir a autorização de residência ao A., ao abrigo do art.° 122°, n.° 1, al. k) da Lei n.° 23/2015, de 4 de julho alterada pela Lei n.° 102/2917, de 28 de agosto (…)”.
Alegando, o Recorrente formulou as seguintes conclusões:
“(…)
A - Inexistem quaisquer direitos constitucionais de que o Recorrido se pudesse prevalecer para efeitos de lhe ser atribuída a autorização de residência solicitada;
B - O tribunal ao intimar o SEF à prática da emissão do título de residência desconsiderou o quadro legal aplicável da Lei n.° 23/2007 de 4/7;
C - O tribunal decidiu favoravelmente o processo principal sem que estivessem preenchidos os respetivos requisitos legais;
D - O tribunal estabeleceu como pressuposto da decisão, e em alguma medida, a existência de direitos fundamentais dos pais e de direitos subjetivos dos filhos, que inexistem em concreto e na situação em apreço;
E - A Lei n.° 23/2007 de 4/7 realiza ao nível do direito ordinário, diretamente concernente aos cidadãos estrangeiros, a intermediação necessária e congruente desses direitos, e inclusive no que especificamente concerne ao reagrupamento familiar, devendo a Administração observar e cumprir o que nela se dispõe, em observância do princípio da legalidade, que o tribunal desconsiderou;
F - Para além de inexistir, ao nível constitucional, um qualquer direito de entrada e residência dos cidadãos estrangeiros, no território nacional, a circunstância de a Constituição Portuguesa garantir determinados direitos, não obsta a que a sua regulamentação direta quando reportada aos cidadãos estrangeiros se busque na Lei n.° 23/2007 de 4/7, que cumpre observar, e que o tribunal desconsiderou;
G - Ainda assim, uma das soluções equacionáveis e que satisfaria os propósitos do recorrido, que, reafirma-se, não reside em Território Nacional - nem pretende residir - é exatamente a solução que considera a titularidade de um visto de curta duração, que lhe permitiria permanecer em Território Nacional, três meses (prorrogáveis), em cada seis.
H - A presença refere-se à realização do pedido que deve ser efectuado presencialmente, e a concessão da autorização de residência pressupõe a residência em território nacional, que o tribunal também desconsiderou;
K - No âmbito da Lei de Estrangeiros, e como a própria designação desde logo indicia, o título de residência é um documento legal que habilita os cidadãos estrangeiros a residir legalmente em Território Nacional.
L - De acordo com as diligências realizadas em sede de instrução, e que são abundantemente referenciadas no Relatório do instrutor, o recorrido reside em Angola, e exerce no seu país de origem a sua atividade profissional.
M - Nesses termos, pretende o recorrido que o SEF desrespeite a lei e emita uma autorização de residência - que lhe permita visitar os seus filhos, que são residentes legais em Território Nacional -, continuando, todavia, a residir e trabalhar, como o fez até à presente data, em Angola.
N - Com efeito, o recorrido não cumpre desde logo um dos pressupostos/requisitos legais de concessão da autorização de residência solicitada, e referida à residência em Território Nacional.
O - Reafirma-se, é nosso entendimento que a autorização de residência pressupõe e implica a residência em território nacional do cidadão estrangeiro.
P - Desde logo, começamos por fazer apelo ao nomen juris eleito pelo legislador para se referir ao título.
Q - Mal se compreenderia, de facto, que o titulo se designasse assim, autorização de residência, e apesar disso e simultaneamente o seu propósito destinar-se a fins não coincidentes com o seu nome.
R - Ademais, sempre se dirá o seguinte: a norma constante do artigo 77° n.° 1 alínea c) da Lei n.° 23/2007 de 4/7, ao mencionar a presença em território nacional apenas enfatiza o facto de o respectivo pedido de concessão de autorização de residência ter que ser realizado presencialmente, sob pena de rejeição liminar (cfr. artigo 51°, n°s 1 e 3 do Decreto Regulamentar n.° 84/2007, de 5/11, na redação atual.).
S - A referência à presença do cidadão estrangeiro, no território nacional, não significa que a concessão da autorização da residência não se destine a permitir a residência e, como tal, a pressupô-la na sua concessão.
T - Como se depreende do disposto no artigo 74° n.° 2 da Lei n.° 23/2007 de 4/7, “Ao cidadão estrangeiro autorizado a residir em território português é emitido um título de residência.”.
U - De outro modo, só faz sentido a emissão de um título de residência se o cidadão estrangeiro pretender residir em território nacional.
V - Ademais, a residência em território nacional tem de ser efetiva, sob pena de o título de residência poder ser cancelado ao abrigo do disposto no artigo 85° da Lei n.° 23/2007 de 4/7.
W - A dispensa do visto de residência não bule com a exigência ao titular da autorização de residência, da residência em território nacional.
X - Se o cidadão estrangeiro pretende residir em território nacional, ainda que ao abrigo do artigo 122° da Lei de Estrangeiros, deve solicitar a concessão do título para esse especifico efeito, rectius residir em território nacional.
Y- Se pede o título para residir em território nacional, e o título é concedido, não pode pretender ser titular de uma autorização de residência concedida pelas autoridades portuguesas competentes e simultaneamente pretender residir noutro país!
Z - O facto de a lei apenas mencionar a presença em território nacional não afasta finalidade intrínseca da concessão da autorização de residência, respeitante a necessária e impreterível residência em TN.
AA - Não pode a Administração conceder uma autorização de residência a um cidadão estrangeiro, com uma finalidade específica, quando se sabe de antemão que o mesmo não pretende residir em TN.
BB - Em rigor, não se exige a residência anterior, nem contemporânea, do cidadão em causa, por referência à data de concessão do título.
CC - O que se não aceita é a não coincidência da vontade declarada do recorrido em não pretender residir em TN, com a finalidade do título.
DD - O exemplo é propositadamente absurdo, mas o facto é que não pode a administração conceder a um particular uma licença para iniciar uma qualquer atividade industrial, a quem pretenda exercer, por exemplo, uma atividade que não tenha alguma conexão com aquela, designadamente, a comercial/bancária!
EE - O SEF não pode emitir uma autorização de residência para atividade de investimento (cfr. artigo 90°-A da Lei n.° 23/2007 de 4/7), por exemplo, ao cidadão estrangeiro que pretenda tão-somente residir ou estudar em TN.
FF - Nos mesmos termos, não se pode legitimamente conceder uma autorização de residência a alguém que não pretende residir em TN.
GG - O ato administrativo de concessão de autorização de residência para cumprir o desiderato legal tem impreterivelmente, e na vertente da finalidade do ato, de conformar-se com a ratio legis do preceito que atualiza, e que se não verifica no caso vertente.
HH - Em suma, não pode o SEF conceder e emitir uma autorização de residência, sem comprometer o princípio da legalidade, a um cidadão estrangeiro que não pretende residir em TN.
(…)”.
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Notificada que foi para o efeito, o Recorrido produziu contra-alegações, não obstante, ordenadas desentranhar por falta de pagamento da taxa de justiça devida.
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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso interposto, fixando os seus efeitos e o modo de subida.
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O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior emitiu parecer no sentido da improcedência do presente recurso jurisdicional.
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Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, a questão a dirimir consiste em saber se a sentença recorrida, ao julgar nos termos e com o alcance explicitados no ponto I) do presente Acórdão, incorreu em erro de julgamento de direito.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
O quadro fáctico [positivo e negativo e respetiva motivação] apurado na decisão judicial recorrida foi o seguinte:
“(…)
1) O A., P., é titular do passaporte de cidadão de Angola com o número NXXXXXXX - cfr. doc. de fls. 6 e ss. do pa junto aos autos.
2) Do certificado de registo criminal do A., emitido em 24.5.2016 pela Direção Nacional do Arquivo de Identificação Civil e Criminal do Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos da Republica de Angola, resulta que “nada consta a respeito de P.”.- cfr. doc. de fls. 50 dos autos.
3) O A. é casado com C., de nacionalidade angolana. -cfr. doc. de fls. 17 e ss. do p.a.
4) O A. é pai de H., nascido em 5.9.1999 e de S., nascido em 19.1.2003, ambos de nacionalidade angolana e titulares das autorizações de residência temporária emitidas pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, ao abrigo do disposto no art. 92.°, n.° 2 da Lei 23/2007, validas até, respetivamente, 17.3.2017 e 17.10.2017, com os números 994WW7534 e 24641W6C2. — cfr. fls. 42 e ss. do pa, facto não controvertido.
5) H. e S. são estudantes do ensino secundário, sendo que o primeiro estuda no Colégio dos (...) em (...). - cfr. doc. de fls. 82 do p.a.
6) O A. é funcionário da P., Lda. auferindo o salário de 350.000,00 AKZ e exercendo funções em Angola. - cfr. doc. de fls. 33 do p.a., facto não controvertido.
7) O A. desloca-se com regularidade a Portugal, permanecendo por períodos de duração de 20 ou mais dias, sendo que entre 1.12.2015 e 6.12.2016 o A. deslocou-se a Portugal entre 3.6.2016 e 1.7.2017, 9.8.2016 e 22.8.2016, 7.9.2016 e 27.9.2016 e, posterior entrada, em 6.12.2016. - cfr. facto confessado na p.i. e doc. de fls. 42 do pa.
8) Em 15.6.2016 o A. e C. subscreveram declaração da qual consta que “partilham o poder paternal do nosso filho, H. [...] e que o sustento e educação do mesmo é assegurado pelo seu pai, P.”. - cfr. doc. de fls. 17 do p.a.
9) O A. é titular de uma conta de depósitos à ordem no Banco BPI que, em 16.6.2016 apresentava um saldo de € (…). - cfr. doc. de fls. 26 do p.a.
10) O A. celebrou contratos de arrendamento para fins habitacionais, sendo senhorio Carlos António Fernandes Alves, pelo qual arrendou uma fração autónoma destinada a habitação no 3.° andar esq., do prédio sito na Rua (…), (...), (...), um com inicio em 1.7.2016 e termo em 31.12.2016, e outro com inicio em 1.1.2017 e termo em 31.7.2017, sem renovação. - cfr. doc. de fls. 27 do p.a. e 51 dos autos.
11) Em 11.8.2016 o A. apresentou, junto da Direção Regional do Norte do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, requerimento de concessão de autorização de residência nos termos do art. 122.°, n.° 1, al. k) da Lei 23/2007, indicando como residência a Rua (…), (...). - cfr. doc. de fls. 1 do p.a.
12) Juntamente com o requerimento apresentou: cópia de passaporte, certificado de registo criminal, cópia de contrato de arrendamento, cópia de extrato bancário, título de residência e certidão de nascimento de H., declaração relativa ao exercício do poder paternal, ficha de inscrição no Serviço Nacional de Saúde, declaração da P., Lda., declaração do Colégio dos C.. - cfr. doc. de fls. 1 e ss. do p.a, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
13) Em 2.12.2015 os inspetores do SEF deslocaram-se à Rua (...), (...), onde ouviram W. e S., filhos do A., tendo lavrado auto do qual consta,
“ - Ambos são estudantes em TN - W. estuda Direito na Universidade Portucalense, e o irmão S. é aluno externo do Colégio Internato dos C. - CIC, onde o seu irmão H. permanece como aluno interno. O S. e o H. são menores de idade, sendo que o S. tendo sido aluno interno do CIC, não se adaptou ao regime de internato daquele colégio, vivendo naquela morada na companhia do irmão.
- O pai não se encontra em Portugal - referencia ao c.e. P., sendo residente em Angola, onde exerce a sua atividade profissional, mas viaja com alguma frequência para TN, onde permanece cerca de 4-5 dias de cada vez, com a intenção de acompanhar os seus três filhos, que cá se encontram a estudar;
- O apartamento é arrendado pelo pai, o qual assegura igualmente o sustento e demais despesas da família em Portugal”.
- cfr. Doc. de fls. 41 do pa.
14) Em 1.3.2017 a Diretora Regional após despacho de “Visto. Concordo. Notificar do sentido provável de indeferimento, nos termos e ao abrigo das disposições legais invocadas.” sob informação de serviço da qual consta:”(…)
1.2 - Nos termos da alínea k) do n.° 1 do art.° 122 da LE, conjugado com o n°. 1 e 13 do art.° 61.° do DR n.°2/2013, o pedido de concessão de autorização de residência temporária deve ser apresentado com os seguintes documentos:
- Passaporte ou outro documento de viagem válido
- Comprovativo dos meios de subsistência, conforme previsto na Portaria n.° 1563/2007, de 11/12;
- Comprovativo de que dispõe de alojamento;
- Registo criminal do País de origem (exceto menores de 16 anos);
- Certidão de nascimento do menor;
- Prova do exercício efetivo do poder paternal e da contribuição para o sustento do menor, nomeadamente através de declaração do progenitor não requerente;
1.3 - Exposição por escrito, subscrita pela mandatária do requerente, a requerer que lhe seja concedida uma autorização de residência temporária que aqui se dá por integralmente reproduzida, (cfr. fls. 2 a 5).
1.4 - Passaporte válido até 23/10/2023. Verifica-se a existência de vários vistos de curta duração válidos para Estados Schengen, emitidos pelas autoridades consulares portuguesas em Luanda, Angola. O último visto foi emitido a 19/04/2016 com validade de 24/04/2016 até 23/04/2017. Verifica-se ainda várias entradas em território nacional, a última das quais em 09/08/2016. (cfr. fls. 6 a 10).
1.5 - Certificado de registo criminal do país de origem devidamente autenticado pelas autoridades consulares de Portugal em Luanda, Angola, (cfr. fls. 11 e verso).
1.6 - Certidão de registo de nascimento do filho menor do requerente, com o nome de H.. (cfr. fls. 12 a 15).
1.7 - Declaração subscrita pelo requerente e por C., cidadã de Angola, a informarem que partilham em comum o poder paternal do filho de ambos, H., nascido a 05/09/1999, titular de autorização de residência temporária válida até 17/03/2016, emitida pelo SEF e que o sustento e educação do mesmo é assegurado pelo progenitor, (cfr. fls. 16 a 19).
1.8 - Autorização de residência temporária para estudantes de ensino secundário, emitida a favor de H., que está válida até 17/03/2017. (cfr. fls. 20 a 22).
1.9 - Autorização de residência temporária para estudantes de ensino superior, emitida a favor de W., que está válida até 05/01/2017. (cfr. fls. 23 a 25).
1.10 - Comprovativo em como o requerente dispõe de uma conta bancária em Portugal. Verifica-se que em 16/06/2016, o saldo disponível era de (…) €. (cfr. fls. 26). '
1.11 - Para comprovar o alojamento o requerente apresenta contrato de arrendamento. Verifica-se que este contrato foi celebrado a 20/06/2016 com início a 01/07/2016, com termo a 31/12/2016, sem renovação, (cfr. fls. 27 a 29).
1.12 - Comprovativo em como o requerente está devidamente inscrito no Serviço Nacional de Saúde, (cfr. fls. 30).
1.13 - Procuração subscrita pelo requerente a constituir como sua procurada a advogada Dr.ª M., à qual confere poderes especiais de representação para requerer, perante o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, autorização de residência, praticando e assinando qualquer ato que se torne necessário ao indicado fim. (cfr. fls. 31).
2. Da instrução:
2.1 - Em sede de instrução e após consultas aos processos administrativos já integrados no fluxo de trabalho eletrónico utilizado pelo SEF, que o requerente é funcionário de uma empresa de Angola, denominada "P., Lda." e aufere um salário de 350000,00 Kwanzas. (cfr. fls. 33).
2.2 - Verifica-se também que o filho menor do requerente é aluno do Colégio Internato dos C. em (...) em regime de internato (alojamento de domingo até sexta-feira), (cfr. fls. 34).
2.3 - Atento às dúvidas suscitadas, proposta as diligências complementares pertinentes para a boa decisão e aceite, foram as mesmas efetuadas e que aqui se dão por reproduzidas a folhas 40 a 52 dos presentes autos administrativos.
2.4 - Em sede de diligências complementares foi possível apurar que o cidadão não se encontra em Portugal, apenas permanece por pequenos períodos, tendo a sua vida profissional organizada no país de origem, conforme se comprova pelos documentos que o mesmo anexou em sede do pedido.
3. Da proposta de decisão:
3.1 - Face ao anteriormente descrito, s.m.o., proponho o INDEFERIMENTO ao pedido concessão de Autorização de Residência Temporária nos termos requeridos por não se encontrarem preenchidos os requisitos legais que permitam reconhecer a pretensão do requerente a de concessão de autorização de residência temporária, nos termos do art. 122° n.1-k), da Lei 23/07, alterada pelas Leis 29712, 56/15 e 63/15, conjugado com o artigo 61° do Decreto Regulamentar 84/07, alterado pelos Decreto Regulamentares 2/13 e 15-A/15.
3.2.- Por tudo quanto antecede, dever-se-á proceder a notificação da decisão de provável indeferimento do pedido, nos termos e para os efeitos dos art.°s 121° e 122° do C.P.A.- cfr. doc. de fls. 53 e ss. do p.a. se pronunciar no prazo de 10 dias.”
- cfr. doc. de fls. 56 e ss. do p.a.
15) Em 7.3.2017 a mandatária do A. foi notificada da proposta de indeferimento e para se pronunciar no prazo de 10 dias. – cfr. doc. de fls. 56 e ss. do p.a.
16) O A. pronunciou-se em 21.3.2017 nos termos que aqui se dão por reproduzidos. — cfr. doc. de fls. 58 e ss. do p.a.
17) Em 23.5.2017 a Diretora Regional do SEF proferiu despacho determinando o envio do processo do A. à URAJ para análise. — cfr. doc. de fls. s/n do p.a.
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Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa.
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O Tribunal fundou a sua convicção na vontade concordante das partes conjugada com a análise dos documentos constantes do processo administrativo cujas folhas foram respetivamente identificadas.
(…)”.
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III.2 - DO DIREITO
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Cumpre decidir, sendo que a única questão que se mostra controversa e objeto do presente recurso jurisdicional consiste em saber, como se viu supra, se o Tribunal a quo, ao julgar nos termos e com o alcance explicitados no ponto I) do presente Acórdão, incorreu em erro de julgamento de direito.
Vejamos, convocando, desde já, a fundamentação que ficou vertida na sentença recorrida:
“(…)
Conforme já se avançou em sede cautelar, em termos com os quais se concorda e que aqui se reiteram, “a tutela constitucional da família, tal como prevista no art. 36.° da CRP, não obsta a que por aplicação de outras normas constitucionais ou legais, sejam proferidas decisões que comprometam a vida familiar, de tal forma que não afasta a consagração de um regime que regule as regras de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros de território nacional, de tal forma que, tal como na situação dos autos, um estrangeiro cujos filhos residam legalmente em Portugal não, ipso facto, um direito constitucional a residir em Portugal. Ponto é que as medidas que possam conflituar com o direito à vida familiar sejam justificadas e proporcionais aos fins que visam alcançar.
É neste sentido que se estabelecem na Lei 23/2007 os requisitos de que depende a entrada e permanência de estrangeiro em território nacional.
Para a concessão da autorização de residência temporária deve o requerente satisfazer os seguintes requisitos cumulativos (art. 77.°):
“a) Posse de visto de residência válido, concedido para uma das finalidades previstas na lei para a concessão de autorização de residência;
b) Inexistência de qualquer facto que, se fosse conhecido pelas autoridades competentes, devesse obstar à concessão do visto;
c) Presença em território português;
d) Posse de meios de subsistência, tal como definidos pela portaria a que se refere a alínea d) do n.° 1 do artigo 52. °; e) Alojamento;
f) Inscrição na segurança social, sempre que aplicável;
g) Ausência de condenação por crime que em Portugal seja punível com pena privativa de liberdade de duração superior a um ano;
h) Não se encontrar no período de interdição de entrada em território nacional, subsequente a uma medida de afastamento do País;
i) Ausência de indicação no Sistema de Informação Schengen;
j) Ausência de indicação no Sistema Integrado de Informações do SEF para efeitos de não admissão, nos termos do artigo 33. °.
2 - Sem prejuízo das disposições especiais aplicáveis, pode ser recusada a concessão de autorização de residência por razões de ordem pública, segurança pública ou saúde pública.
3 - A recusa de autorização de residência com fundamento em razões de saúde pública só pode basear-se nas doenças definidas nos instrumentos aplicáveis da Organização Mundial de Saúde ou em outras doenças infeciosas ou parasitárias contagiosas objeto de medidas de proteção em território nacional.
4 - Pode ser exigida aos requerentes de autorização de residência a sujeição a exame médico, a fim de que seja atestado que não sofrem de nenhuma das doenças mencionadas no número anterior, bem como às medidas médicas adequadas.
5 - Os exames médicos e as medidas a que se refere o número anterior não devem ter caráter sistemático.
6 - Sempre que o requerente seja objeto de interdição de entrada emitida por um Estado parte ou Estado associado na Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen, este deve ser previamente consultado devendo os seus interesses ser tidos em consideração, em conformidade com o artigo 25.° daquela Convenção.”
O art. 122. °, n.° 1 estabelece que “Não carecem de visto para obtenção de autorização de residência temporária os nacionais de Estados terceiros:
[…]
k) Que tenham filhos menores residentes em Portugal ou com nacionalidade portuguesa sobre os quais exerçam efetivamente as responsabilidades parentais e a quem assegurem o sustento e a educação;”
Mais se dispõe no art. 61. ° do Decreto-Regulamentar n.° 84/2007 que,
1 - O pedido de concessão de autorização de residência com dispensa de visto nos termos do artigo 122. ° da Lei n.° 23/2007, de 4 de julho, republicada em anexo à Lei n.° 29/2012, de 9 de agosto, é acompanhado dos seguintes documentos:
a) Passaporte ou outro documento de viagem válido;
b) Comprovativo de que dispõe de alojamento;
c) Comprovativo da posse de meios de subsistência, nos termos a definir em portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da administração interna, do emprego e da solidariedade social;
d) Requerimento para consulta de registo criminal português pelo SEF;
e) Certificado do registo criminal do país de origem, salvo quando os pedidos sejam apresentados ao abrigo das alíneas b), c), d) e j) do n.° 1 do artigo 122. ° da Lei n.° 23/2007, de 4 de julho, republicada em anexo à Lei n.° 29/2012, de 9 de agosto.
[…]
13 - O pedido de autorização de residência nos termos da alínea k) do n.° 1 do artigo 122. ° da Lei n.° 23/2007, de 4 de julho, republicada em anexo à Lei n.° 29/2012, de 9 de agosto, é ainda acompanhado dos seguintes documentos:
a) Certidão de nascimento do menor, salvo quando já conste do processo do mesmo;
b) Prova do exercício efetivo do poder paternal e da contribuição para o sustento do menor, nomeadamente através de declaração do progenitor não requerente, confirmando o exercício do poder paternal pelo progenitor requerente, podendo, em casos devidamente, fundamentados, ser dispensado.
[…]
24 - O pedido de concessão de autorização de residência com dispensa de visto ao abrigo do artigo 122º da Lei n." 23/2007, de 4 de julho, alterada pelas Leis n.ºs 29/2012, de 9 de agosto, 56/2015, de 23 de junho, e 63/2015, de 30 de junho, não obriga à prorrogação de permanência em território nacional nos termos dos artigos 71º e seguintes da mesma lei.
[…]”
Ora, o A. encontra-se dispensado do requisito da al. a) do n.° 1 do art. 77. ° - posse de visto de residência válido -, porquanto tem filhos menores residentes em Portugal e sobre os quais, considerando a declaração emitida pelo A e sua esposa, exerce efetivamente as responsabilidades parentais e assegura o sustento e a educação (o que não é contestado pelo R.).
Não é, igualmente, questionado o preenchimento pelo A. dos requisitos previstos nas als. b), g), h), i), j) do n.° 1 do art. 77. ° da Lei 23/2007, quanto ao registo criminal do A. e informação Schengen, na al. d) quanto à posse de meios de subsistência, quer face à declaração da entidade patronal, quer ao extrato bancário junto, e na al. e) no que se reporta ao alojamento, face ao contrato de arrendamento celebrado.
Acrescente-se que o R. não avançou com qualquer razão de ordem pública, segurança pública ou saúde pública que, à luz do n.° 2 do art. 77. ° da Lei n.° 23/2007, pudesse determinar a recusa da concessão de autorização de residência.
Em causa, estará apenas o preenchimento do requisito plasmado na al. c) do art. 77.° da Lei n.° 23/2007.
Da contestação do R. resulta que o entendimento da Administração é o de que, por um lado, é necessário proceder a uma atividade instrutória que, por ainda não ter sido terminada, determina a impossibilidade de o A. obter a autorização de residência e, por outro, é fundamental que o A. resida em Portugal, o que não sucede no caso sub judice.
Como resulta do art. 82. °, n.° 1 da Lei 23/2007 “O pedido de concessão de autorização de residência deve ser decidido no prazo de 90 dias.”, sendo que este prazo suspende-se durante o período de 10 dias da realização da audiência prévia nos termos do art. 121. °, n.° 3 e 122. °, n.° 1 do CPA. Mais se note que os prazos se contam nos termos do art. 87. ° do CPA. Assim, a realização da atividade instrutória (art. 115. ° e ss. do CPA) e das diligências complementares que se afigurem necessárias (art. 125. ° do CPA) devem ser realizadas neste período de 90 dias.
Considerando a data em que o A. apresentou o pedido de concessão de autorização de residência em 11.8.2016, bem se vê que já quando em 7.3.2017 foi notificado para o exercício do direito de audição prévia a Administração há muito tinha esgotado o prazo de que dispunha quer para realizar a atividade instrutória, quer para decidir.
Daí que não possa agora vir tentar obstar ao direito do A. com base numa alegada necessidade de realizar atividade instrutória adicional, que só pelo seu atraso não se realizou até à data. A não realização dessa atividade instrutória sibi imputet, não podendo esse facto constituir fundamento para negar ao A. o direito de que o mesmo disponha.
Já quanto à alegação de que o A. não reside em Portugal dir-se-á que a lei não exige que o interessado resida em Portugal, de tal forma que a circunstância de o A. trabalhar em Angola onde reside com a sua esposa, o impeça de obter a autorização de residência pretendida. O que o art. 77. °, n.° 1 al. c) da Lei 23/2007 demanda é a “presença em território português”.
Considerando a metodologia de interpretação da lei que se extrai do artigo 9. ° do Código Civil, de acordo com a qual o intérprete deve partir da «letra da lei», entrevendo aí os sentidos dotados de «um mínimo de correspondência verbal»; e, dentre eles, se forem vários, deve eleger o que melhor corresponda ao pensamento legislativo, ainda que «imperfeitamente expresso», bem se vê que o legislador não quis assimilar o conceito de presença a residência.
Em primeiro lugar, porque o texto legal assim o aponta, já que quando o legislador pretendeu, no diploma legal que regula a entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional, referir-se a residência assim o fez e, em termos linguísticos, residência e presença não se confundem.
Em segundo lugar, porque a ratio da norma o indica, pois que se a obtenção da autorização de residência nos termos do art. 122. °, n.° 1, al. k) dispensa o requisito da exigência de visto de residência válido não se compreenderia que a obtenção da autorização de residência ao abrigo desse normativo fizesse pressupor a residência em território nacional, além de que seria desprovido de sentido reiterar a exigência de residência nas als. a) e c) do art. 77.°.
Ora, o conceito de residência (habitual) (coincidente com o conceito de domicílio voluntário) que se encontra no art. 82. ° do Código Civil, corresponde ao local onde uma pessoa singular normalmente vive e de onde se ausenta, em regra, por períodos mais ou menos curtos. Já o conceito de presença reporta-se ao ato de estar ou comparecer num lugar determinado comparecer num lugar determinado, não pressupondo que seja nesse local que o interessado tem centrada a vida doméstica com estabilidade.
Acrescente-se que a lei não impõe qualquer duração ou continuidade para essa presença ou que a mesma seja contemporânea ao pedido de concessão de autorização de residência, à sua tramitação procedimental ou à sua conclusão.
Demonstrado que o A. se desloca com regularidade a Portugal, permanecendo por períodos de duração de 20 ou mais dias, tendo-se verificado essa sua presença de 3.6.2016 a 1.7.2017, de 9.8.2016 a 22.8.2016, de 7.9.2016 a 27.9.2016 e novamente entrando no país 6.12.2016, julgamos que tal permanência em território nacional é suficiente para lograr demonstrado o preenchimento do requisito previsto na al. c) do art. 77. °, n.° 1 da Lei 23/2007.
Pelo que deve ser concedida ao A. a autorização de residência, nos termos do art.° 77. ° e 122. °, n.° 1 al. k) da Lei n.° 23/2015, de 4 de julho.
(…)”.
O Recorrente insurge-se contra o assim decidido, por manter a firme convicção, no mais essencial, de que “(…) não se pode legitimamente conceder uma autorização de residência a alguém que não pretende residir em TN (…)”, sendo que o” (…) facto de a lei apenas mencionar a presença em território nacional não afasta finalidade intrínseca da concessão da autorização de residência, respeitante a necessária e impreterível residência em TN (…)”.
Do que se vem de expor resulta absolutamente cristalino que o nó górdio da questão recursiva está, essencialmente, em determinar se a Lei nº. 23/2007 de 4/7, na disciplina jurídica que regula a matéria de autorizações de residência, reclama, como pressuposto inultrapassável da sua concessão, a obrigatoriedade de residência nacional por parte do[a] respectivo requerente.
E, podemos, desde já adiantar que não assiste razão ao Recorrente no recurso interposto.
Na verdade, a matéria que se encontra em apreciação nestes autos foi já objecto de apreciação e julgamento, neste Tribunal Central Administrativo Norte, no processo n.º 1532/17.7BEPRT, respeitante a providência cautelar de suspensão de eficácia de ato administrativo, em que o Requerido, aqui Recorrente, deduziu oposição, de entre outros, com os mesmos fundamentos que elenca agora quanto à necessidade de residência em Território Nacional como pressuposto de atribuição de autorização de residência.
Não poderemos deixar de convocar tal labor jurisprudencial, tanto mais que foi seu Relator um dos Mmº. Juízes Desembargadores que integram o presente Tribunal Coletivo, sob pena de ser posta em causa a relativa previsibilidade e segurança na aplicação do direito, bem como o próprio princípio da igualdade [artigos 13º da CRP e 8º, nº3, do CC].
Acompanhemos, por isso, as partes mais significativas da argumentação expendida no mencionado processo nº. 1532/17.7BEPRT:
“(…)
Quanto ao fumus boni iuris, a sentença recorrida começa por afirmar, do que damos nota sintética, que a tutela constitucional da família, tal como prevista no artigo 36º da Constituição da República Portuguesa, não obsta a que, por aplicação de outras normas constitucionais ou legais, sejam proferidas decisões que comprometam a vida familiar, donde um estrangeiro cujos filhos residam legalmente em Portugal não tem, ipso facto, um direito constitucional a residir em Portugal.
De seguida, considerou que o caso concreto é subsumível à previsão da norma da alínea k) do nº 1 do artigo 122º da Lei nº 23/2007, de 04 de julho, pelo que o Requerente não carece de visto para obtenção de autorização de residência, o que releva para efeito do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 77º do mesmo diploma legal, tendo ainda considerado não ser questionado o preenchimento, pelo Requerente, dos requisitos previstos nas alíneas b), g), h), i), j) do nº 1 do mencionado artigo 77º, acrescentando que o Requerido não avançou com qualquer razão de ordem pública, segurança pública ou saúde pública que, à luz do nº 2 desse artigo 77º, pudesse determinar a recusa da concessão de autorização de residência.
Como bem observa o Ministério Público no seu douto Parecer:
“(…) Em causa nos presentes autos está apenas o preenchimento do requisito da al. c) do art. 77.° da Lei n.º 23/2007.
Resulta que o entendimento da Administração é o de que, por um lado, é necessário proceder a uma atividade instrutória que, por ainda não ter sido terminada, determina a impossibilidade de o Requerente obter a autorização de residência e, por outro, o de a lei exigir que o Requerente resida em Portugal.
Ora, tendo em conta que o Requerente apresentou o pedido de concessão de autorização de residência em 11.8.2016, resulta que, quando em 7.3.2017 foi notificado para o exercício do direito de audição prévia, a Administração há muito tinha esgotado o prazo de que dispunha quer para realizar a atividade instrutória, quer para decidir.
No que concerne à alegação de o Requerente não residir em Portugal, a lei não exige que o interessado resida em Portugal, de tal forma que a circunstância de o Requerente trabalhar em Angola onde reside com a sua esposa, não o impede de obter a autorização de residência pretendida. O que o art. 77. °, n.º 1 al. c) da Lei 23/2007 demanda é a "presença em território português".
Assim, tendo ficado provado que A. se desloca com regularidade a Portugal, permanecendo por períodos de duração de 20 ou mais dias, afigura-se que tal permanência em território nacional é suficiente para lograr demonstrado o preenchimento do requisito previsto na al. c) do art. 77. °, n.º 1 da Lei 23/2007.
Assim, mostra-se preenchido o requisito do fumus boni iuris, plasmado na segunda parte do n.º 1 do art. 120. ° do CPTA. (…)”.
Quanto à alínea c) do nº 1 do referido artigo 77º - que, entre os demais requisitos cumulativos para a concessão de autorização de residência impõe a “presença em território português” — lê-se na sentença sob recurso:
“Já quanto à alegação de o Requerente não residir em Portugal dir-se-á que a lei não exige que o interessado resida em Portugal, de tal forma que a circunstância de o Requerente trabalhar em Angola onde reside com a sua esposa, o impeça de obter a autorização de residência pretendida. O que o art. 77. °, n.º 1 al. c) da Lei 23/2007 demanda é a "presença em território português".
Considerando a metodologia de interpretação da lei que se extrai do artigo 9. ° do Código Civil, de acordo com a qual o intérprete deve partir da «letra da lei», entrevendo aí os sentidos dotados de «um mínimo de correspondência verbal»; e, dentre eles, se forem vários, deve eleger o que melhor corresponda ao pensamento legislativo, ainda que «imperfeitamente expresso», bem se vê que o legislador não quis assimilar o conceito de presença a residência.
Em primeiro lugar, porque o texto legal assim o aponta, já que quando o legislador pretendeu, no diploma legal que regula a entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional, referir-se a residência assim o fez e, em termos linguísticos, residência e presença não se confundem.
Em segundo lugar, porque a ratio da norma o indica, pois que se a obtenção da autorização de residência nos termos do art. 122. °, n.º 1, al. k) dispensa o requisito da exigência de visto de residência válido não se compreenderia que a obtenção da autorização de residência ao abrigo desse normativo fizesse pressupor a residência em território nacional, além de que seria desprovido de sentido reiterar a exigência de residência nas als. a) e c) do art. 77.°.
Ora, o conceito de residência (habitual) (coincidente com o conceito de domicilio voluntário) que se encontra no art. 82. ° do Código Civil, corresponde ao local onde uma pessoa singular normalmente vive e de onde se ausenta, em regra, por períodos mais ou menos curtos. Já o conceito de presença reporta-se ao ato de estar ou comparecer num lugar determinado comparecer num lugar determinado, não pressupondo que seja nesse local que o interessado tem centrada a vida doméstica com estabilidade.
Acrescente-se que a lei não impõe qualquer duração ou continuidade para essa presença ou que a mesma seja contemporânea ao pedido de concessão de autorização de residência, à sua tramitação procedimental ou à sua conclusão.
De todo modo, em termos perfunctórios, afigura-se ao Tribunal necessária alguma atualidade e regularidade nessa presença em território nacional, cujo cumprimento e adequação deverá ser aferida no caso concreto.
Demonstrado nos autos que o A. se desloca com regularidade a Portugal, permanecendo por períodos de duração de 20 ou mais dias, tendo-se verificado essa sua presença de 3.6.2016 a 1.7.2017, de 9.8.2016 a 22.8.2016, de 7.9.2016 a 27.9.2016 e novamente entrando no país 6.12.2016, afigura-se que tal permanência em território nacional é suficiente para lograr demonstrado o preenchimento do requisito previsto na al. c) do art. 77. °, n.º 1 da Lei 23/2007.
Em suma, perfunctoriamente demonstrado o preenchimento dos requisitos de que depende a obtenção pelo Requerente de autorização de residência à luz do art. 77. ° e 122. °, n.º 1 al. k) da Lei n.º 23/2007, afigura-se ser provável a procedência da ação.”.
Não discordamos desta análise e interpretação, que se mostra coerente no âmbito da unidade do sistema e do regime jurídico em que se move e que foi efectivamente convocado e no respeito pelas normas de interpretação, designadamente o nº 2 do artigo 9º do Código Civil.
Ademais o próprio Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, na sua página virtual — em Legispedia SEF: https://sites.google.com/site/leximigratoria/artigo-77-o-condicoes-gerais-de-concessao-de-autorizacao-de-residencia-temporaria —, em anotação ao artigo 77º da referida Lei nº 23/2007, refere: “Um dos requisitos da concessão de autorização de residência é a presença do requerente em território português. Aliás, o visto de residência destina-se precisamente a que o interessado se desloque a território nacional, a fim de solicitar a autorização. A concessão desta é da competência do SEF, entidade com jurisdição em território nacional, pelo que aqui deve o interessado solicitar e obter a autorização. Até porque o processo, maxime em sede de identificação, exige a presença física do interessado (nosso sublinhado).
Improcedem os fundamentos do recurso, nesta parte (…)”.
Examinando o teor do Aresto ora transcrito, verifica-se, sem qualquer margem para dúvida, que o mesmo versa sobre a questão trazida a estes autos, definindo os termos interpretativos em torno da aplicação do requisito previsto na al. c) do art. 77. °, n.º 1 da Lei nº. 23/2015, de 04.07.
Não se vislumbra, nem descortina, qualquer argumento de natureza jurídica ou prática para inverter a direção seguida no referido processo, assomando a mesma, a nosso ver, como a mais concordante e consentânea com o bloco fáctico-legal aplicável ao caso versado nos autos.
De facto, se é certo que a letra da lei é o ponto de partida da tarefa de interpretação jurídica, não menos é que esse mesmo elemento hermenêutico constitui o limite do resultado interpretativo [artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil].
Isto para dizer que, tendo o legislador apenas previsto no artigo 77º, mais concretamente na alínea c) do seu nº.1, como um dos requisitos de concessão de autorização de residência, a necessidade de “Presença em território português”, não há como não concluir que, no caso concreto, que o ali se vem de preceituar reporta-se à obrigatoriedade de “Residência em território português”.
Nem se diga que estamos perante um lapso do legislador: nada nas normas em apreço inculca a ocorrência de tal lapso e, ademais, deve presumir-se que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados [artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil].
Este entendimento é também o que melhor se harmoniza com a recente Jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, de 20.09.2018, tirada no processo nº. 01726/17.5BELSB 0595/18, que, a este propósito, refere:
” (…)
Estabelece o art. 90º-A da Lei nº 23/2007, na redação aqui aplicável e a cujas alterações já fizemos referência, sob a epígrafe “Autorização de residência para investimento”, que:
“1 – É concedida autorização de residência, para efeitos de exercício de uma atividade de investimento, aos nacionais de Estados terceiros que, cumulativamente:
a) Preencham os requisitos gerais estabelecidos no artigo 77.º, com exceção da alínea a) do n.º 1; (…)”.
Por sua vez, sob a epígrafe “Condições gerais de concessão de autorização de residência temporária”, prescreve o art. 77º, nº 1 da referida Lei, o seguinte:
“1 – Sem prejuízo das condições especiais aplicáveis, para a concessão da autorização de residência deve o requerente satisfazer os seguintes requisitos cumulativos: (…) c) Presença em território português (bold nosso).
Por sua vez o Decreto Regulamentar nº 84/2007, de 5/11, na redação que lhe foi dada pelo Decreto Regulamentar nº 15-A/2015, de 2/9, que entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação (cfr. respectivo art. 8º) estatui o seguinte no seu art. 51º, nº 1, sob a epígrafe “Formulação do pedido” (estando incluído no capítulo IV, “Autorização de residência e cartão azul”, Secção I “Disposições gerais):
“O pedido de concessão e de renovação de autorização de residência ou de cartão azul EU é formulado em impresso próprio, sempre que se justificar, (…); devendo ser apresentado presencialmente junto da direção ou delegação regional do SEF da área de residência do interessado, (…)”.
Esta exigência da apresentação presencial do pedido de concessão de autorização de residência nos casos de ARI, está igualmente expressa no art. 65-D, nº 12 do Decreto Regulamentar nº 15-A/2015, nos seguintes termos: “12 – Os meios de prova e a declaração referidos nos números anteriores são apresentados no momento do pedido de concessão de autorização de residência, a realizar presencialmente na direção regional do SEF competente em função do território em que a atividade de investimento é exercida”.
Ora, destes preceitos da Lei nº 23/2007 e do diploma que a regulamentou resulta claramente que o requerente do pedido de concessão de autorização de residência tem que estar presente em território nacional no momento em que aquela concessão é requerida. O preceito do art. 77º, nº 1, alínea c) poderia até levar ao entendimento de que essa presença em território nacional deveria manter-se pelo período temporal em que o procedimento de concessão decorresse ao não efectuar qualquer restrição. Mas o Decreto Regulamentar nº 15-A/2015, face à sua redação, permite concluir que, pelo menos, na data da apresentação do requerimento de concessão o requerente tem que estar em território nacional (sendo a apresentação presencial) [destaque nosso].
Assim, sendo um dos requisitos cumulativos do art. 77º da Lei nº 23/2007 a presença em território português do requerente do pedido de autorização de residência, a falta deste requisito material inviabiliza a concessão da autorização conforme decidiu o ato administrativo e, bem, consideraram as instâncias
(…)”.
Pelo que não colhe aqui a argumentação do Recorrente de que o “(…) facto de a lei apenas mencionar a presença em território nacional não afasta finalidade intrínseca da concessão da autorização de residência, respeitante a necessária e impreterível residência em TN (…)”.
Deste modo, e à luz da fundamentação que agora expressamente se avoca, é mandatório concluir pela improcedência do erro de julgamento de direito imputado à decisão judicial recorrida.
Concludentemente, deverá ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional e mantida a decisão judicial recorrida.
Ao que se provirá em sede de dispositivo.
* *

IV – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em NEGAR PROVIMENTO ao recurso jurisdicional “sub judice”, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente.
Registe e Notifique-se.
* *
Porto, 19 de junho de 2020,


Ricardo de Oliveira e Sousa
Fernanda Brandão
Hélder Vieira